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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.1 no.2 São Paulo dez. 1999

 

ARTIGOS

 

Terapia comportamental e análise funcional da relação terapêutica: estratégias clínicas para lidar com comportamento de esquiva1

 

Behavioral therapy and functional analysis of the therapeutic relationship: clinic strategies

 

 

Maria Zilah da Silva Brandão

Docente da Universidade Estadual de Londrina e Psicoterapeuta do Centro Londrinense de Análise do Comportamento. Universidade Estadual de Londrina. Instituto de Psicoterapia e Análise do Comportamento

 

 


RESUMO

Os princípios da Psicoterapia Funcional Analítica (FAP) são derivados de uma postura behaviorista radical, cuja idéia básica é que os comportamentos clinicamente relevantes ocorrem na sessão,no contexto da interação paciente-terapeuta. Desta fonna os comportamentos estão sujeitos a intervenção clínica com base na observação e modelagem direta, por meio de reforçamento natural na sessão. O presente trabalho considera a contribuição deste enfoque (FAP) na sistematização de estratégias que enfocam a relação terapêutica, o "aqui e agora" da sessão de análise comportamental. Propõe ainda o estudo de um caso clínico onde o paciente, um homem de 42 anos, com história de algumas tentativas de suicídio, aprende a identificar, analisar e modificar sua esquiva compulsiva de situações difíceis ou "dolorosas" a partir da análise da relação terapêutica. A esquiva é considerada um comportamento clinicamente relevante, uma vez que seu excesso ou déficit pode gerar outros problemas comportamentais. Outras considerações sobre comportamento de esquiva e análise funcional da relação terapêutica são apresentadas, e os resultados destas estratégias são discutidos em termos de viabilidade do método para a pessoa do psicoterapeuta.

Palavras-chave: esquiva; terapia de aceitação; psicoterapia analítico-funcional; tolerância emocional; análise clínica comportamental.


SUMMARY

The principles of Functional Analytic Psychotherapy (FAP) come from a radical behaviorist position, in which the main idea is that Clinically Relevant Behaviors occur during the psychotherapy session, in therapist-client interaction. Thus, behaviors can be submitted to clinic intervention based on observation and direct modeling, by natural reinforcement during session. This project considers the contribution of this approach (FAP) in the systematization of strategies that focus on the therapeutic relationship, on the "here and now" of the behavioral analysis session. This project also suggests a case study in which the patient, a 42 years old man who tried suicide a few times, learns how to identify, analyze and change his compulsive avoidance of "hard" and painful things due to the therapeutic relationship analysis. The avoidance is considered a Clinically Relevant Behavior since its excess or deficit can originate other behavioral problems. Other considerations about avoidance behavior and functional analysis of the therapeutic relationship are here presented, and the results of these strategies are discussed in terms of viability of the method for the psychotherapist.

Key words: avoidance; acceptance therapy; functional analytic psychotherapy; emotional tolerance; behavioral clinic analysis.


 

 

Clientes freqüentemente vêm para a terapia, desejando livrar-se de seus sentimentos dolorosos (ansiedade, depressão, medo, solidão etc.). Eles freqüentemente não se acham habilitados a tolerar ou se livrar destes sentimentos e esperam que seus terapeutas possam promover acura (Kohlenberg, 1987).

Essa expectativa, por parte dos clientes, é decorrente de suas experiências anteriores, em que a esquiva foi apropriada e resultou na remoção do estímulo aversivo público e, conseqüentemente, do estado emocional que ele evocava. No entanto, tanto a emoção negativa como o comportamento de esquiva, foram causados pela situação aversiva. Embora seja fácil explicar o sentimento como causa da esquiva e, assim, querer livrar-se dele, ambos são produtos de uma mesma situação externa.

O fato de os dois comportamentos ocorrerem juntos (esquiva e sentimento), propiciam a explicação de um pelo outro. Além disso, o contexto sócio-verbal de nossa comunidade aceita e reforça as relações sentimento-ações públicas como causais.

É assim difícil para os clientes que procuram psicoterapia aceitarem que não há uma forma direta de se eliminarem emoções ruins. Comportamentos de esquiva, fuga ou ataque, que são funcionais para se livrar de muitas situações aversivas públicas, não são eficazes em reduzir sentimentos dolorosos. Atacar aspectos privados da estimulação aversiva poderia envolver atacar o "eu", e não os eventos externos que causaram a emoção negativa, assim como a esquiva dessa situação.

Sidman (1989), considera a esquiva como um comportamento adaptativo e bastante generalizado entre as espécies, pois impede a punição, mas também reconhece seu lado prejudicial. Com o tempo, não apenas fugiremos ou evitaremos estímulos aversivos, mas também todas as situações, obj etos ou peças associadas a ela. Como última conseqüência, diz que a coerção pode levar

"nossa própria conduta a tornar-se um conjunto de sinais de iminente punição e reforçamento negativo. Tais sinais tornam-se eles mesmos punidores e reforçadores negativos, assim finalmente nos punimos por simplesmente nos comportarmos. Tudo o que fazemos se torna reforçador negativo. E há apenas um modo de escaparmos de nós mesmos" (Sidman, 1989, p.133). Disse, referindo-se ao suicídio.

O suicida não só tenta inutilmente livrar-se de seus sentimentos dolorosos (esquiva emocional), como também não consegue obter reforçadores por meio de outros comportamentos. Portanto sistemas coercitivos produzem respostas de fuga e esquiva que se tornam disfuncionais. As principais conseqüências da esquiva são:

• Falta de contato com reforçadores positivos e conseqüentes déficits comportamentais;

• Recorrência de respostas emocionais ou sentimentos dolorosos;

• impossibilidade de sentimentos positivos que as situações evitadas poderiam produzir;

• aumento do potencial aversivo da situação evitada;

• generalização de respostas emocionais para outras situações, objetos ou pessoas;

• próprias respostas emocionais se tornam reforçadores negativos e o indivíduo passa a querer controlá-las.

Assim, as queixas emocionais de nossos clientes parecem frutos de uma longa história de estimulação aversiva e comportamentos de fuga-esquiva, que já estão trazendo uma série de conseqüências.

Se não é possível nem desejável se esquivar ou controlar emoções que foram induzidas por esse esquema previamente avaliado, como então ajudaremos nossos clientes a reduzir seu sofrimento?

A resposta não parece ser simples. Segundo Sidman (1989, pág.139), sempre que tivennos de fazer alguma coisa sobre a esquiva induzida pelo controle aversivo, inclusive terapia, haverá a necessidade de dois passos preparatórios:

1. Reconhecer o comportamento-problema como esquiva;

2. Analisar as contingências passadas e as atuais que podem estar mantendo o comportamento.

Kohlenberg (1987/1991) apresenta uma abordagem para psicoterapia (a Psicoterapia Analítico Funcional - FAP), embasada no behaviorismo radical, que se tem mostrado útil em reduzir a esquiva emocional e, assim, produzir novos repertórios comportamentais. O âmago da proposta de Kohlenberg é que os comportamentos clinicamente relevantes (C.R.B.s), que constituem os comportamentosproblema, e as melhoras dos clientes são reproduzidos na relação terapêutica, e cabe ao terapeuta reconhecê-los, identificá-los e analisá-los funcionalmente, no momento em que estão acontecendo, isto é, no "aqui e agora" da relação terapêutica. A esquiva emocional pode ser um CRB1, isto é, um comportamento problema. Assim, Kohlenberg acrescenta à proposta de Sidman a idéia de que o comportamento de íliga-esquiva além de ser observado e analisado funcionalmente, deve ocorrer na sessão terapêutica.

O trabalho da Psicoterapia Analítico Funcional (FAP) é baseada em dois princípios básicos (Kohlenberg, 1987):

1. Todo comportamento é modelado por contingências;

2. Quanto mais perto, em termos de espaço e tempo, o reforçamento estiver da resposta desejada, maior e melhor será o seu efeito ou a probabilidade de aumentar sua freqüência.

A relação terapêutica traz assim condições ideais, para que esses princípios sejam colocados em prática. Em alguns casos, o comportamento de esquiva emocional é visto como comportamento problema, ele ocorre na sessão (em momentos de intimidade e afeto), e ao ser observado e sinalizado pelo terapeuta, coloca o cliente em contato com a situação aversiva e com os sentimentos que ela produz. Nesse momento, é fundamental que o cliente, sem poder se esquivar da situação e do sentimento, possa aprender a tolerar suas próprias reações emocionais, vivenciá-las. Isso caracteriza um processo denominado Aceitação, descrito em todas as psicoterapias e definido por Kohlenberg e Cordova (1994), como "tolerar ou agüentar as emoções associadas com uma situação aversiva sem frigir, escapar ou atacar (pág.126)" , ou "estar em contato com estímulos que evocam sentimentos dolorosos".

Assim, a estratégia terapêutica envolveria, na seqüência, aceitação dos sentimentos perante a situação aversiva.

Hayes em 1987, 1991 e 1997, já propôs formalmente a Terapia de Aceitação e Compromisso como estratégia clínica, para lidar com a Esquiva Emocional desadaptativa. Kohlenberg e Cordova (1994), associam essa proposta à Psicoterapia Analítico Funcional, uma vez que acreditam que a aceitação deve ser produzida na relação terapêutica.

Esses autores propõem imaginar um cliente com história desastrosa em relacionamentos íntimos. Esse cliente pode também se esquivar de contatos terapêuticos que representem proximidade ou afetividade e tentar destruir o relacionamento.

A Aceitação poderia ser útil para aumentar contatos com reforçadores anteriormente esquecidos. No exemplo acima, o cliente poderia contatar reforçadores, em se tratando de relacionamento interpessoal, se não fugisse da situação. Ele poderia ter relacionamentos positivos com o terapeuta e poderia ter medo, sem no entanto, fugir.

Um segundo benefício da aceitação é aumentar o potencial para a ação produtiva. No caso do cliente acima, tolerar emoções pode levá-lo a ficar na situação e assim adquirir formas de lidar com os aspectos do relacionamento interpessoal, sem destruí-los.

Um terceiro benefício da aceitação é diminuir a estimulação aversiva. Se o cliente aprende a ficar numa situação a despeito da aversividade, o sentimento negativo associado a essa situação freqüentemente começa a se extinguir. Diminuir o poder da estimulação aversiva, no entanto, não é objetivo do trabalho, é conseqüência dele.

Como descrito anteriormente, o relacionamento interpessoal entre cliente e terapeuta freqüentemente evoca situações difíceis, assim promovendo oportunidades para desenvolver tolerância emocional. A Psicoterapia Analítico Funcional, segundo Kohlenberg e Cordova (1994) produz aceitação de três formas:

1. Mediante o encorajamento à auto-observação;

2. Mediante a redução da culpa;

3. Mediante a experienciação das respostas emocionais na sessão.

A Tolerância Emocional, por meio da auto-observação, acontece quando o cliente é capaz de observar e falar de seu problema e sobre as causas do que lhe está acontecendo.

Fazer essa análise é um comportamento aprendido pela observação do comportamento do terapeuta que, segundo a Psicoterapia Analítico Funcional, deve descrever sempre as relações de contingências que envolvem os comportamentos do cliente e do terapeuta, na sessão. Essa forma de fazer análise funcional, provê um modelo para o cliente "do que procurar" e "como falar sobre isso". As descrições feitas pelos terapeutas são sempre na base da análise funcional, o que leva os clientes a verem seu comportamento como fruto de sua história, e não como algo imoral ou estúpido que seja inerente a ele. Além disso, a auto-observação produz um "locus" diferente de análise. Antes de aprender a analisar, o cliente só reage emocionalmente, num segundo momento, ele reage e observa sua reação. A adição da auto-observação muda a perspectiva de análise usada pelo cliente.

A segunda forma em que a Psicoterapia Analítico Funcional produz aceitação é pela redução da culpa. Clientes que conseguem fazer análise funcional de seus comportamentos e aprendem, por meio do modelo de seu terapeuta, a fazer análises livres de julgamentos morais ou religiosos, tendem a melhorar o nível de aceitação de seus sentimentos. Os clientes poderiam antes pensar que, se tinham pensamentos maus, eram pessoas más e isso pôde ser mudado pela aprendizagem de uma análise comportamental.

Assim, aceitando sentimentos bons e ruins como produto de contingências presentes e passadas, os clientes deixam de lutar contra seus sentimentos e podem tomar novos rumos de ação.

Promover aceitação não é, então, segundo Kohlenberg e Cordova (1994), promover aceitação de tudo que está a sua volta. Aceitação não é ausência de mudança, pelo contrário, denota uma mudança pessoal profunda, necessária para não fugir, quando amedrontado, e não atacar, quando tem raiva.

Skirmer (1971) também reconhece a importância de deixar de lado a punição vinda pela culpa e a punição moral. Ele acredita, como nós, que muitos problemas que as pessoas experienciam no dia-a-dia de suas vidas, são resultado do maior esforço que elas gastam em se esquivar desnecessariamente de situações aversivas. Ele acredita que, como analista do comportamento e terapeuta, nossa tarefa não é encorajar disputa moral ou construir ou demonstrar secretas virtudes interiores. A terapia é para fazer a vida menos punitiva e para permitir mais atividades reforçadoras e menor consumo de energia em esquiva da punição (Skinner, 1971, in Kohlenberg e Cordova, 1994, p. 135).

A terceira forma da Psicoterapia Analítico Funcional favorecer a aceitação é evocar respostas emocionais na sessão. Tanto a autoobservação (1) como a redução da culpa (2) surgem no desenvolvimento das relações terapêuticas e, se observadas e sinalizadas pelo terapeuta, podem ser aprendidas ou modificadas por modelagem direta e reforçamento natural. Muitas emoções semelhantes à do dia-a-dia do cliente são evocadas pela relação terapêutica. No caso do cliente que tem medo de relacionamentos íntimos, falar sobre esse medo no momento em que o sente na sessão pode ser altamente terapêutico. Promove análise, redução de culpa, e conseqüentemente, aceitação.

Assim, ter contato com "emoções indesejáveis" pode levar a muitos benefícios, incluindo contato com reforçadores perdidos, aumento na possibilidade de ação mais produtiva e real redução na estimulação aversiva. Os resultados podem ser observados no próprio processo terapêutico, uma vez que o cliente continua freqüentando a sessão e o terapeuta o observa, aceitando emoções e lidando com situações de relacionamento interpessoal que anteriormente produziam esquiva.

 

Exemplo: o caso de Carlos (parte A)

Carlos tem 35 anos. É pai de dois filhos, está divorciado há três anos. Mas não aceita completamente a separação. Tem relatado ocorrência de agressão verbal para com a exmulher, em função dela estar envolvida num outro relacionamento. Trabalha como decorador de interiores, é o único homem entre quatro irmãs, A mãe esteve doente durante sua infância, época em que se sentia abandonado pois o pai trabalhava o dia todo. Foi uma criança criativa e com sérios problemas comportamentais. Na adolescência praticou esportes, trabalhou e se casou com 22 anos.

O paciente foi encaminhado com diagnóstico de P.M.D. por um psiquiatra de outra abordagem. Ele havia tentado suicídio por três vezes, agredia a ex-mulher e apresentava queixas verbais do tipo "estou desesperado, tenho vontade de morrer, tenho ódio de mim e da minha ex-mulher, estou desestruturado, vou perder o controle sobre mim mesmo, quero dormir, quero remédio etc". A Terapeuta, é claro, sentia-se mobilizada pela angústia e desespero do cliente e tentava ajudá-lo, com apoio, empatia e exercícios de distanciamento compreensivo (Hayes, 1987).

Embora o cliente tenha melhorado com estas técnicas, uma recuperação total não vinha ocorrendo. O cliente continuava apresentando muitas queixas, ansiedade e trazia para as sessões, os tópicos dos assuntos que deveriam ser tratados neste dia. Reforçava diferencialmente a T. por ter dado respostas as suas questões e anotava na agenda a verbalização da terapeuta (agradáveis ou não para o cliente), que segundo ele, se constituíam "no alvo de seus problemas e soluções". Tudo isto era acompanhado de reações físicas, mostrando à terapeuta que o cliente estava sob controle de situações provocadoras de emoções, provavelmente frustração, por não ter podido continuar o relacionamento conjugal. Neste momento a ex-mulher estava começando um novo casamento.

Numa das sessões o cliente, depois de recordar as análises (feedback ou críticas) desenvolvidas pela terapeuta, arrumou seu material, pasta, chave do carro e levantou para encerrar a sessão. Neste momento ocorreu a seguinte intervenção terapêutica.

T.: Por que você já está saindo? Eu ainda não terminei a sessão. (bloqueia esquiva).

C: É que pensei já ter terminado.

T.: Eu digo quando terminar seu horário, aliás eu acho que sempre deveria ser assim, o que você acha? (terapeuta evoca frustração).

C: É que eu já peguei o importante desta sessão, estou satisfeito.

T.: Mas e se eu estiver pensando em algo mais para hoje, como fica?(evoca frustração, solicita resposta de se contrapor à terapeuta).

C: Está bom, eu sento de novo.

T.: Eu realmente gostaria que você sentasse, pois tenho sentido uma certa pressão sua para conduzir a sessão do jeito que você acha conveniente. Me sinto um pouco desrespeitada com isto. É como se você fosse dirigir a terapia para onde quer. (propõe análise e mantém frustração).

C: Tá bom. Me desculpe.

T.: Como você se sente agora, eu te dizendo tudo isto? (provoca análise do comportamento).

C: Eu nem tinha me tocado com o que estava acontecendo, acho que realmente não espero você tomar decisões sobre minha terapia, dou um jeito de conduzir como quero, (cliente faz auto-observação).

T.: Por que não do meu jeito?

C: Se eu deixar por sua conta, parece que você não vai fazer o que preciso. (cliente faz auto-observação).

T.; Então me manipula? (provoca contato com culpa).

C: É, acho que é isto, sempre faço isto, não deixo as coisas acontecerem; tento dirigir e manipular todos. Acho que assim vou evitar frustrações, ou obrigar a pessoa a se preocupar comigo, mas não adianta, (faz autoobservação e análise de contingências).

T.: Eu vou procurar te ajudar sempre, é meu papel neste relacionamento, você não precisa programar a sessão, para que isto aconteça. Além do mais, gosto de você e te ver bem me fará feliz (terapeuta apresenta verbalização para dar modelos de expressão positiva e reforçar expressão emocional).

A análise comportamental não é óbvia. E a compreensão da funcionalidade do comportamento que lhe atribui significado. Assim, voltando ao exemplo, como perceber que ajudar e elogiar a terapeuta nas sessões é a mesma coisa que pressionar e ameaçar a ex-mulher para que não inicie outro relacionamento? Como saber que manipular é uma solicitação de carinho? Como ensinar a análise funcional para o cliente?

Observe que no início da terapia, o cliente não tinha consciência que "manipulava" as pessoas como arma contra o suposto desinteresse das mesmas por ele, e que não aceitava rejeição ou frustração. Tomar consciência desses pontos na sessão, foi apenas o início do processo de auto conhecimento (auto-observação para desenvolver aceitação).

Hoje, ele sabe que existem formas alternativas de ser aceito, sabe que coisas boas e coisas ruins podem acontecer independente de suas tentativas de controle e que é fundamental assumir suas necessidades afetivas de forma direta, (aumento na ação produtiva e redução da culpa).

Quanto às situações aversivas, está tentando enfrentá-las, uma a uma, sem recorrer às tentativas de fuga, tais como suicídio ou controle emocional do ouvinte, (aumento de ação produtiva, maior possibilidade de reforçamento).

Os objetivos desta intervenção foram:

• Colocar o cliente em contato com reprovação, frustração (promover tolerância emocional);

• Analisar seu comportamento de manipulação no momento em que está ocorrendo (desenvolver auto-observação e análise funcional);

• Dar modelos de expressividade emocional positiva (desenvolver observação);

• Dar apoio e reforçar expressão emocional do cliente (reduzir a culpa e aumentar a tolerância emocional e propiciar contato com reforçadores).

Em todos os itens é importante observar que o comportamento é trabalhado no contexto da relação terapêutica, no "aqui" e "agora" da sessão (Objetivo primordial da FAP), colaborando no sentido de provocar aceitação emocional e generalização para o dia-a-dia do cliente.

 

Exemplo: o caso de Carlos (parte B)

Numa outra sessão, Carlos chega desesperado contando um problema que teve com a ex-mulher.

T.: Você está me falando de um jeito e eu estou vendo outra coisa. O que você pensa da situação é diferente do queeupenso. A mesma situação está gerando sentimentos diferentes em nós dois. Por que? (descrição de eventos da sessão para produzir autoobservação).

P.: Como assim? Você não está entendendo...

T.: Você está dramatizando. Eu não vejo a situação como trágica. E uma situação difícil mas não é uma tragédia. Por que você faz disto o fim do mundo? (contraria o cliente, provoca frustração e dá estímulo discriminativo para outra análise).

P.: Por que eu não aceito que as pessoas sejam tão canalhas; eu não aceito que a justiça não seja feita.

T.: Então o que você não aceita vira tragédia? Você acha que é possível as coisas caminharem do jeito que você quer? Caso contrário você entra em "crise"? (provoca contato com o sentimento de frustração).

P.: Você está sugerindo que eu estou "manipulando" as pessoas com minhas crises para mudar a situação? (generalização de outra sessão).

T.: Você entendeu rápido. É isto. Sempre que você me conta alguma situação onde existe a possibilidade de você se sentir frustrado, você dramatiza. Eu demoro para discernir o que é o fato e o que é exagero seu. Uma situação com 25% de teor negativo, você transforma em 100%. Com o decorrer da sessão percebo isto, e percebo que você está sendo controlado pela raiva e por suas fantasias catastróficas da situação e não pela situação em si. (faz análise funcional da relação).

P.: O diagnóstico está feito doutora e o que eu faço?.

T.: Discriminar fantasia de realidade, conforme já treinamos, e aceitar frustração. Você não pode continuar a ser uma criança birrenta que bate com a cabeça na parede quando não consegue o que quer. E assim que te vejo. Quando você chega desesperado como hoje na sessão já sei que está sofrendo com fantasias catastróficas de alguma situação que está fora do seu controle, que envolve frustração, (análise da situação dando modelos para o cliente).

P.: Eu estou com ódio, o ódio está me corroendo eu preciso pôr isto para fora.

T.: Então fale do seu ódio.

P.: Cliente grita e xinga a mulher que não quer fazer uma repartilha mais justa no divórcio.

T.: Ela não vai mesmo fazer o justo. Isto é certo. Você já mostrou sua raiva para mim e para ela e o que mudou com isto? (provocando contato com frustração).

P.: Nada... só se me matar.

T.: Também não vai ajudar a ficar do jeito que você quer. Que tal aceitar? (propõe o cliente a aceitar a frustração).

P.: O quê?

T.: Aceitar que as coisas não são do modo como você gostaria. Aceite simplesmente sem masoquismo sem bater a cabeça na parede. Você não precisa se livrar das suas emoções. Você precisa aceitar ter estes sentimentos, principalmente o de frustração. Eu tenho visto seu comportamento e acho incrível como você não aceita ser contrariado. É impossível tudo ser do seu jeito.

P.: É como o jogo de tênis na minha adolescência (foi campeão estadual), não é permitido perder. Você tem que ganhar sempre, (cliente compreende e generaliza).

T.: Você não é mais adolescente, a vida não é um jogo e você continua achando que é possível ganhar sempre?

P.: Eu gosto de ser assim, de enfrentar desafios.

T.: A vida não é um desafío e tem situações que você nunca vai ganhar. E possível aceitar isto? Sem birra? O.k.?

O cliente suspira, mexe na cadeira, levanta, suspira e diz: vou tentar!!

Os objetivos desta sessão foram:

• promover auto-observação;

• promover vivência e aceitação da frustração;

• promover análise funcional do comportamento.

 

Conclusão geral

A análise das sessões pode demonstrar a necessidade do terapeuta fazer "confrontos" na sessão. Isto é, bloquear esquiva emocional dos clientes e fazê-los aceitar emoções. Mas o terapeuta vivência emoções no decorrer deste processo. Terapeutas que se esquivam das próprias emoções, com certeza evitariam este enfoque.

Outro aspecto importante e difícil para oterapeuta é a identificação e observação do comportamento clinicamente relevante na sessão. Terapeutas com auto-observação pouco desenvolvida podem ter dificuldade em saber qual é o aspecto do problema do cliente que deve ser trabalhado e quando ele está ocorrendo no seu relacionamento com o cliente.

 

Referências

Cordova, J.V. e Kohlenberg, R. J. (1994). Acceptance and the Therapeutic Relationship. In S.C. Hayes, N.S. Jacobson, M.V. Follette & M. Dougher, Acceptance and Change: Content and Context in Psychotherapy. Nevada; Context Press.         [ Links ]

Hayes, S.C. (1987). A contextual approach to therapeutic change. In N.S. Jacobson (Org.), Psychotherapists in clinical practice: Cognitive and behavioral perspectives. New York: Guilford.         [ Links ]

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Skinner, B. F. (1971). Beyond freedom and dignity. Nova York: Knopf.         [ Links ]

Sidman, M. (1989). Coerção e suas aplicações. (Trad. M.A. Andery e M.T. Sérgio) Campinas: Editorial PSY 2.         [ Links ]

 

 

1 Trabalho apresentado no XXVI Congresso Interamericano de Psicologia, em São Paulo - Julho de 1997.

 

 

Questões didáticas

1. Explique por que a idéia de "remoção de sentimentos ou pensamentos" não é possível ou não é o caminho para a "cura".

2. Baseando-se no texto, explique por que em alguns casos o comportamento de esquiva parece adaptativo.

3. Qual seria uma outra forma mais adaptativa de lidar com as emoções?

4. Descreva a proposta de trabalho feita por Kohlenberg em 1987.

5. Baseado em um caso clínico que você atende, demonstre o uso da Terapia de Aceitação.