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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148

Rev.Mal-Estar Subj vol.12 no.3-4 Fortaleza dez. 2012

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

Vulnerabilidade e convivência com o HIV/AIDS em pessoas acima de 50 anos

 

Vulnerability and living with HIV/AIDS in people over 50 years old

 

Vulnerabilidad y asociación con el VIH / SIDA da en personas mayores de 50 años

 

Vulnérabilité et association avec le VIH / SIDA chez les personnes plus de 50 ans

 

 

Josevânia da SilvaI; Ana Alayde Werba SaldanhaII

IUniversidade Federal da Paraíba. Psicóloga, Mestre em Psicologia Social e Doutoranda em Psicologia Social. End.: Rua João Galiza de Andrade, 492, apto 204, Bairro Bancários - João Pessoa - PB. CEP: 58.051-180. E-mail: josevaniasco@gmail.com
IIUniversidade Federal da Paraíba. Doutora em Psicologia. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social. E-mail: analayde@terra.com.br

 

 


RESUMO

A convivência com o HIV/AIDS depois dos 50 anos se caracteriza por vicissitudes que geram preconceitos e sofrimento psíquico na vida afetivo-sexual, bem como demanda um esforço contínuo para a manutenção do tratamento. Este estudo teve como objetivo analisar a vulnerabilidade e convivência com o HIV/AIDS em pessoas acima de 50 anos. Participaram 10 pessoas soropositivas ao vírus, sendo 6 homens e 4 mulheres, com idades variando de 51 a 72 anos, atendidas em um hospital de referência no tratamento dessa patologia na cidade de João Pessoa-PB, Brasil. O tempo de diagnóstico variou de 1 a 14 anos. Como instrumento, utilizou-se um questionário biodemográfico e clínico, além de uma entrevista. Os dados do questionário passaram por uma análise descritiva, enquanto para o conteúdo emergente das entrevistas, utilizou-se a análise categorial temática. A partir da análise dos relatos dos participantes, emergiram nove categorias: contágio, diagnóstico, percepção da AIDS, AIDS na velhice, enfrentamento, suporte, preconceito, trabalho e perspectivas. Verificou-se que a vulnerabilidade ao HIV/AIDS está vinculada a distintos tipos de vulnerabilidades anteriores ao diagnóstico, principalmente quando se considera as questões de gênero e de acesso aos bens materiais e simbólicos. Embora a terapêutica atual tenha prolongado a vida das pessoas com diagnóstico HIV+ e melhorado a vivência da sexualidade nessa fase da vida, observa-se, para esses participantes, que a AIDS continua sendo associada à morte e a situações de preconceito, bem como impondo limitações para a vivência de relacionamentos íntimos. Se, por um lado, os resultados sinalizam a urgência de estratégias de prevenção específicas para essa categoria social, por outro, demonstram a dimensão ontológica da sexualidade enquanto atributo humano que não se restringe ao tempo e à idade, constituindo-se no decorrer da trajetória existencial.

Palavras-chave: Vulnerabilidade, Convivência, HIV/AIDS, Maturidade, Velhice.


ABSTRACT

Life with HIV/AIDS for 50-years old patients is caracterized by vicissitudes that bring prejudice and psychological suffering to their sexual-affective life. Additionally, it demands an ongoing effort to keep the treatment. This study analyses the vulnerability and experiences of living with HIV/AIDS in people over 50-years old. Ten individuals - 6 men and 4 women - between 51 and 72 years old - who are seropositive to HIV/AIDS participated in this study. They receive care in a specialized hospital for treating this pathology in the city of João Pessoa, Brazil. Their diagnostic time varied from 1 to 14 years. Bio-demographic and clinic questionnaires were used as instruments, as well as interviews. The questionnaire data were submitted to a descriptive analysis. A Thematic Categorical Analysis was used for the emergent content of the interviews. Nine categories emerged from participants' discourse: Contagion, Diagnostic, Perception of AIDS, AIDS in old age, Coping, Support, Prejudice, Work, and Perspectives. The vulnerability to HIV/AIDS is linked to different types of vulnerabilities prior to diagnostic, mainly when gender aspects and access to symbolic and material resources are considered. Despite the fact that current health care has prolonged the life expectancy of people with HIV+ and improved their sexual life during this period of life, these participants still associate AIDS with death and prejudice experiences, as well as with limitations to experience intimate relationships. On one hand, these results point to specific preventive strategies to this social category. On the other, they demonstrate the ontological dimension of sexuality, especially as a human attribute that is not limited to time and age, but is constituted during the existential trajectory.

Keywords: Vulnerability, Living, HIV/AIDS, Maturity, Old age..


RESUMEN

Vivir con el VIH / SIDA después de 50 años de edad se caracteriza por eventos que generan los prejuicios y los trastornos psicológicos en la vida emocional y sexual, y exige un esfuerzo continuo para el mantenimiento del tratamiento. Este estudio tuvo como objetivo analizar la vulnerabilidad y hacer frente al VIH / SIDA en las personas mayores de 50 años. Hicieron parte 10 personas seropositivas al virus, con 6 hombres y 4 mujeres, con edades entre 51 a 72 años asistidas en un hospital de referencia en el tratamiento de esta patología en la ciudad de João Pessoa, PB, Brasil. El tiempo desde el diagnóstico fue de 1 a 14 años. Como herramienta, se utilizó un cuestionario biodemográfico y clínico, y una entrevista. Los datos de los cuestionarios pasaron por un análisis descriptivo, mientras que para los contenidos emergentes de las entrevistas, se utilizó el análisis de categorías temáticas. Desde el análisis de los informes de los participantes surgieron nueve categorías: infección, el diagnóstico, la percepción de ayudas, ayudas en la vejez, de supervivencia, de apoyo , los prejuicios y las perspectivas de empleo. Se encontró que la vulnerabilidad al VIH / SIDA está vinculada a tipos distintos de pre - diagnóstico, especialmente al considerar las cuestiones de género y el acceso a las vulnerabilidades de los bienes materiales y simbólicos. Aunque la terapia actual ha prolongado la vida de las personas diagnosticadas de VIH + y mejorado la experiencia de la sexualidad en esta etapa de la vida, se verifica, para estos participantes, que el SIDA todavía se asocia con la muerte y las situaciones de prejuicio , así como la imposición de limitaciones a la experiencia de las relaciones íntimas. Si, por una parte, los resultados indican la urgencia de estrategias específicas de prevención para esta categoría social, por el otro, demuestran la dimensión ontológica de la sexualidad como un atributo humano que no se restringe a tiempo y la edad, convirtiéndose en el curso de la trayectoria existencial.

Palabras-clave: La vulnerabilidad , La convivencia, El VIH / SIDA , La madurez , La vejez.


RÉSUMÉ

Vivre avec le VIH / sida après 50 ans est caractérisée par des événements qui génèrent des préjugés et de la détresse psychologique dans la vie affective et sexuelle , et exige un effort continu pour le traitement d'entretien . Cette étude visait à analyser la vulnérabilité et de l'adaptation avec le VIH / sida chez les personnes de plus de 50 ans. Un total de 10 personnes séropositives pour le virus , avec 6 hommes et 4 femmes , âgés de 51-72 ans fréquentant un hôpital de référence dans le traitement de cette pathologie dans la ville de João Pessoa , PB , Brésil . Le temps écoulé depuis le diagnostic variait de 1 à 14 ans . Comme outil , nous avons utilisé un questionnaire biodémographique et clinique , et une interview . Les données des questionnaires passés à travers une analyse descriptive , tandis que pour les pays émergents contenu des entretiens , nous avons utilisé l'analyse catégorique thématique. De l'analyse des rapports des participants émergé neuf catégories : infection , le diagnostic , la perception du sida , sida dans la vieillesse , de survie , de soutien , les préjugés , et les perspectives d'emploi . Il a été constaté que la vulnérabilité au VIH / SIDA est lié à différents types de pré-diagnostic , en particulier lors de l'examen des questions de genre et l'accès aux biens matériels et symboliques vulnérabilités . Bien que la thérapie actuelle a prolongé la vie des personnes atteintes du VIH + et amélioré l'expérience de la sexualité dans cette phase de la vie , il est , pour ces participants , que le sida est toujours associé à la mort et les situations de préjudice , ainsi que l'imposition de restrictions sur l'expérience des relations intimes . Si , d'une part , les résultats indiquent l'urgence des stratégies de prévention spécifiques pour cette catégorie sociale , d'autre part, démontrer la dimension ontologique de la sexualité comme un attribut humain qui ne se limite pas à temps et l'âge , devenant au cours de la trajectoire existentielle.

Mots-clés: La vulnérabilité , La vie , Le VIH / SIDA , Maturité, Vieillesse.


 

 

Introdução

Ao longo das três últimas décadas, o aumento significativo de pessoas acima de 50 anos com diagnóstico de HIV (vírus da imunodeficiência humana) ocorre em um contexto de percepções estigmatizadas em relação à vivência da sexualidade na velhice. O impacto da doença nesse grupo etário está relacionado não apenas com o diagnóstico, mas também com a vivência de situações de discriminação em seu cotidiano, seja por revelar uma sexualidade que é considerada por parte da sociedade como inexistente, seja pelos estereótipos associados à AIDS (síndrome da imunodeficiência adquirida).

A possibilidade de uma pessoa com mais de 60 anos ser infectada pelo HIV parece ser mínima para a sociedade e para os próprios idosos, uma vez que a sexualidade nessa faixa etária ainda é tratada como tabu (Lisboa, 2007). No entanto, considerando uma abordagem preventiva, todas as pessoas são vulneráveis.

A vulnerabilidade, na perspectiva de Ayres, Freitas, Santos, Saletti Filho e França Júnior (2003, p. 125), compreende os "diferentes graus e naturezas de suscetibilidade de indivíduos e coletividades à infecção, adoecimento e morte pelo HIV, segundo particularidades formadas pelo conjunto dos aspectos sociais, programáticos e individuais". Não significa, entretanto, classificar pessoas com a determinação de características individuais e sociais importantes na exposição ao vírus, mas o termo "vulnerabilidade" está relacionado ao campo de análise da saúde das populações e à busca por estratégias de prevenção (Ayres et al., 1997). A noção de vulnerabilidade compreenderia a inter-relação entre as práxis individuais, sociais e programáticas, as quais estariam associadas às diferentes suscetibilidades de indivíduos e grupos populacionais ao adoecimento.

Quando se considera o plano individual, todas as pessoas são, em algum grau, vulneráveis à infecção por HIV e suas consequências, embora essa vulnerabilidade varie ao longo do tempo em função de valores e recursos que lhes permitam ou não obter meios para se proteger (Ayres et al., 1997). Nesse aspecto, a vulnerabilidade individual está tanto relacionada a comportamentos e práticas de risco que podem deixar as pessoas acima de 50 anos suscetíveis à infecção pelo HIV, como à forma que elas elaboram as informações recebidas e as integram à sua vivência cotidiana. Já a vulnerabilidade social pode estar relacionada à forma como se concebe o exercício da sexualidade na maturidade e velhice, uma vez que a atividade sexual não se restringe aos aspectos biológicos e físicos, possuindo, também, características do contexto sociocultural em que os atores sociais se inserem. Por último, no âmbito da vulnerabilidade programática, consideram-se as respostas político-institucionais e econômicas, e os investimentos realizados pelas autoridades governamentais no combate à epidemia.

No início, o foco das campanhas educativas e de prevenção estava centrado em públicos específicos - jovens e pessoas em idade reprodutiva - (Garcia; Souza, 2010), não contemplando, portanto, pessoas acima de 50 anos. Além disso, a condução dessas campanhas se dava de maneira pontual, com conteúdos diferentes e de acordo com indicadores epidemiológicos do momento. Somente em 2009 as campanhas de prevenção à AIDS promovidas pelo Ministério da Saúde do Brasil tiveram como foco as pessoas acima de 50 anos, dado o aumento dos casos diagnosticados nessa população.

Embora se apresente como doença, a AIDS em pessoas acima de 50 anos chama atenção para uma gama de fatores intrínsecos a ela, o que sugere a necessidade de se levar em conta não apenas os fatores biológicos, mas também as suas implicações psicológicas e sociais, tanto para a pessoa acometida pela doença, como para os seus familiares e grupos sociais. Com o desenvolvimento da doença, ocorrem mudanças na vida cotidiana, caracterizada pela necessidade de ingestão regular dos medicamentos e pelo cuidado permanente de evitar o aparecimento de doenças oportunistas, o que exige dessas pessoas adaptação às demandas (Saldanha; Araújo; Souza, 2009; Andrade; Silva; Santos, 2010).

Em meio a esse processo, existem, ainda, os conflitos subjetivos vivenciados, como: o sentimento de impotência diante da doença, a falta de preparo para lidar com a situação, o sentimento de culpa e vergonha diante dos outros e o sentimento de proximidade da morte. Saldanha e Araújo (2006), em um estudo com 21 pessoas soropositivas para o HIV/AIDS com idades igual ou superior a 50 anos, verificaram que os participantes, ao se descobrirem infectados, tendem ao isolamento, escondem o diagnóstico da família e de pessoas próximas, principalmente devido ao medo da discriminação e do constrangimento pela idade. Verificou-se que esses idosos não possuem grupo de apoio ou de serviços ambulatoriais especializados para possibilitar um melhor enfrentamento no lidar com a situação de envelhecer com AIDS.

Enquanto fato social, a convivência com a AIDS, além do sofrimento causado pela doença em si, é potencializada pelo estigma e pelo preconceito, contribuindo para a "morte social" da pessoa. Nesse sentido, este estudo teve por objetivo analisar a vulnerabilidade e convivência com o HIV/AIDS em pessoas acima de 50 anos.

 

Método

Delineamento e Local da Pesquisa

Tratou-se de um delineamento com abordagem qualitativa e descritiva. A pesquisa foi desenvolvida em um hospital de referência no atendimento e tratamento de pessoas soropositivas e/ou expostas ao HIV/AIDS, localizado na cidade de João Pessoa-PB, Brasil.

 

Participantes

Participaram, de forma não probabilística e por conveniência, 10 pessoas soropositivas ao HIV, sendo 6 homens e 4 mulheres, com idades variando de 51 a 72 anos.

 

Instrumentos

a) Entrevista

Com o objetivo de evocar, enunciar e verificar discursos relacionados ao viver/conviver com HIV/AIDS, a entrevista foi realizada em três etapas, a saber: evocação, enunciação e averiguação. Uma vez agendada a entrevista, era solicitado a cada participante que pensasse palavras, temas ou frases relacionados à seguinte pergunta: "o que vem a ser, para o(a) senhor(a), conviver com HIV/Aids depois dos 50 anos de idade?". Denomina-se essa fase de evocação. Concluído esse processo, foi solicitado que o participante enunciasse ao menos três aspectos importantes em relação à pergunta feita. Os três temas apontados eram anotados e, então, solicitava-se uma explicação sobre cada um deles, a fim de explorá-los e investigar os sentidos atribuídos pelos participantes, individualmente. As entrevistas foram gravadas, mediante autorização dos entrevistados, para posterior transcrição e análise.

b) Questionário biodemográfico e clínico

As questões tiveram por finalidade caracterizar os participantes, versando sobre sexo, idade, grau de escolaridade, renda familiar, situação conjugal, local de residência e dados clínicos (tempo de infecção diagnosticada e de tratamento).

 

Procedimentos

Foi realizado contato com a diretoria da instituição hospitalar, apresentando-se os objetivos do estudo e a importância do local para o seu desenvolvimento. Após a autorização do hospital e a aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética, iniciou-se a aplicação dos instrumentos. Ao serem contatados, os participantes foram informados acerca do estudo, explicitando-se o caráter voluntário da participação, e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As entrevistas foram realizadas em uma sala reservada para esse fim e tiveram uma duração média de 40 minutos.

 

Análise dos Dados

Com os dados do questionário, realizou-se uma análise descritiva; já para a análise dos dados das entrevistas, utilizou-se a análise categorial temática, proposta por Figueiredo (1993), na qual as categorias são determinadas a partir dos temas suscitados nas entrevistas e processadas por meio de etapas distribuídas em duas fases.

Na primeira fase, as entrevistas foram analisadas individualmente e a junção compreendeu a conteúdos comuns dentro de cada entrevista. Nesse sentido, seguiram-se as seguintes etapas: a) leitura inicial, a qual teve por objetivo conhecer de modo geral cada entrevista e identificar os pontos preliminares ligados às categorias. Nela, realizaram-se anotações acerca de aspectos relacionados à situação da entrevista (rapport, dificuldades de interação, disponibilidade e seu estado afetivo); b) marcação, quando foram selecionados alguns trechos da entrevista que corresponderam às categorias pré-estabelecidas, além de outros conteúdos também considerados importantes; c) corte, que consistiu na retirada dos trechos selecionados da entrevista; e d) junção, na qual os trechos selecionados foram agrupados, ou seja, todas as anotações de uma mesma entrevista foram dispostas de acordo com os temas comuns suscitados na entrevistas.

Na segunda fase, as entrevistas não foram consideradas individualmente e, para a constituição das categorias, teve-se como referência os temas comuns a todas elas. Desse modo, seguiram-se as seguintes etapas: a) leitura inicial, para a identificação dos trechos cujos significados eram comuns dentro de cada categoria; b) junção, na qual as junções realizadas na etapa anterior foram agrupadas e estruturadas em função da equivalência de conteúdos/significados; c) organização, em que os trechos foram agrupados e classificados em subcategorias, considerando-se, agora, todas as entrevistas. Por fim, foi organizado um quadro com todas as classes temáticas, categorias e subcategorias.

 

Aspectos Éticos

A realização desta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), visando seguir todos os procedimentos de acordo com a Resolução no 196/96, sobre pesquisa envolvendo seres humanos, do Ministério da Saúde. Os participantes foram esclarecidos acerca dos objetivos da pesquisa e sobre a possibilidade de desistência a qualquer momento, sem que isso implicasse qualquer tipo de prejuízo ao atendimento oferecido pela instituição de saúde na qual o trabalho foi desenvolvido. Foi assegurado o anonimato dos participantes, bem como a confidencialidade das informações prestadas.

 

Resultados e Discussão

Perfil dos Participantes Entrevistados

Confirmando a característica da pauperização da epidemia (Grangeiro; Escuder; Castilho, 2010), os participantes possuíam, em sua maioria, renda familiar de um salário mínimo (no momento da pesquisa: R$ 415,00) e escolaridade correspondente ao ensino fundamental incompleto, no máximo. Nove dos participantes eram aposentados e estavam fora do mercado de trabalho, e um participante recebia auxílio-doença, permanecendo no trabalho, mas com carga horária reduzida.

Quanto aos aspectos clínicos, o tempo médio de diagnóstico de soropositividade ao HIV/AIDS foi de 7 anos, variando de 6 meses a 14 anos, e todos estavam fazendo uso da TARV no momento da pesquisa. Se, por um lado, esses dados apontam para a eficácia do tratamento na sobrevida dessas pessoas, por outro, demonstra a dificuldade delas em permanecerem exercendo suas atividades ocupacionais, fato apresentado pelos participantes como motivo de angústia e sofrimento, acompanhado da sensação de improdutividade.

Dos participantes, sete haviam chegado à maturidade e velhice com a soropositividade ao HIV, dois contraíram a doença após os 50 anos e um após os 60 anos. Além disso, a maioria dos participantes (n=9) contraiu a doença através de relações sexuais, comprovando a prática sexual nessa fase da vida e, ao mesmo tempo, apresentando-a como a principal via de contágio.

No caso das mulheres, todas eram casadas e contraíram a doença do parceiro, tendo apenas uma mantido o relacionamento após o diagnóstico. Todas justificaram a ausência do uso de preservativo devido à confiança no parceiro e por se considerarem a "mulher de casa", e não a "mulher de fora", fato também encontrado em relatos de mulheres soropositivas para o HIV+ entrevistadas no estudo de Saldanha (2003). Para esta autora, tais comportamentos são fundamentados no mito do amor romântico, construído ao longo da história de vida dessas mulheres.

Embora a maioria (n=9) dos participantes morasse com familiares, cinco afirmaram não possuir cuidador quando necessitados de acompanhamento para consultas ou internações, em decorrência do não conhecimento do diagnóstico por parte da família.

 

Categorias Enunciadas

A partir dos procedimentos citados, na análise das entrevistas, emergiram nove categorias, a saber: a) contágio, b) diagnóstico, c) percepção da AIDS, d) AIDS na velhice, e) enfrentamento, g) suporte, h) preconceito, i) trabalho e j) perspectivas.

 

A. Contágio

Na categoria contágio, mais que apontar a maneira pela qual os participantes contraíram o HIV/AIDS, são demonstrados indicadores de vulnerabilidade. Assim, é possível observar que a vulnerabilidade ao HIV dessas pessoas está relacionada aos aspectos coletivos e contextuais, e não apenas individuais, da historia de vida dessas pessoas:

(...) Às vezes, fico assim pensando o porquê que ele [marido] fez isso, né? Ter botado isso [HIV] "neu" (...). Eu, por outro lado, como mulher dele, a mulher de casa, não me prevenia pra ficar com ele, achando que ele se cuidava, até porque eu, como mulher dele, confiava, né? Aí deu no que deu. (...) E ainda ficava com outras e outras mulheres do cabaré, (...) pegou [HIV] foi com essas mulheres de cabaré. [Participante 2, mulher, 52 anos]

Do meu marido, né? Daquele raparigueiro, de ter confiado nele e ele ter botado [HIV] em mim (...). Ele morou 11 anos comigo, tinha outra mulher, transava com ela sem camisinha. [Participante 7, mulher, 56 anos]

A confiança no parceiro está presente nos dois relatos como justificativa para a não prevenção. Todavia, subjacentes a essas falas estão as questões de gênero verificadas na construção social do papel da "mulher submissa", as quais são consideradas na literatura (Saldanha, 2003; Machado; Figueiredo, 2007) como contribuinte significativo para a vulnerabilidade social e, consequentemente, para a feminização da AIDS. Para Saldanha (2003), a partir das relações desiguais de poder e acesso diferenciado a bens materiais e simbólicos entre homens e mulheres, constrói-se uma moral social com valores distintos no que se refere ao comportamento sexual de homens e mulheres.

Essas mulheres demonstram em seus relatos o sentimento de traição não só em decorrência do contágio com o HIV através dos parceiros, mas pelas relações sexuais que eles tiveram com outras mulheres sem o uso do preservativo, uma vez que tal comportamento, para elas, significa demonstração de amor, confiança e fidelidade. A pergunta "por que ele fez isso?" fica sem resposta para essa mulher, principalmente porque ela se considerava merecedora da fidelidade conjugal do marido, por ser a "mulher dele, a mulher de casa", ou seja, companheira e mãe dos seus filhos.

Além disso, as profissionais do sexo - "mulheres do cabaré" - são vistas como propagadoras do vírus HIV, uma imagem difundida no início da epidemia da AIDS. No entanto, um estudo realizado por Azevedo, Saldanha e Silva (2008) apontou para a vulnerabilidade vivenciada também por essas profissionais no exercício da sua atividade, em decorrência da exigência dos clientes para não usarem preservativo, seja por pagamento financeiro superior ao valor do programa ou por ameaça de violência física.

 

B. Diagnóstico

Considerando o processo de adoecimento e descobrimento da doença, o momento do diagnóstico e a maneira como ele é revelado são fundamentais para a formação de estratégias de enfrentamento por parte da pessoa que o recebe. No caso dos participantes entrevistados, o diagnóstico de soropositividade ao HIV ocorreu através de processos de adoecimento, que os levaram a necessitar de cuidados de saúde.

(...) Eu comecei a me sentir doente, sentindo um cansaço, dor no estômago muito forte, e era eu sem querer comer, e era magra, vomitando. E cada médico pedia que fizesse um tipo de exame. (...) Ninguém pediu teste pra saber dessas coisas de HIV. Daí o tempo foi passando e eu ficando pior, magrinha, magrinha. Aí foi quando eu fui fazer endoscopia. Aí quando eu cheguei na médica, ela chamou meus filhos e disse: "Olhe, sua mãe realmente tá doente, mas o problema dela é outro problema. O problema dela vai ser, eu tenho quase certeza, o problema dela vai ser HIV." (...) Aí então, quando fez o teste, aí pronto, deu. [Participante 10, mulher, 56 anos]

Ante o exposto, verifica-se que uma das características do diagnóstico de soropositividade ao HIV em pessoas acima de 50 anos é sua revelação tardia. A passagem por vários profissionais, a realização de vários exames, bem como diagnósticos incertos foram relatados pelos participantes. Sintomas como cansaço, falta de apetite e perda de peso são, muitas vezes, considerados pelo profissionais de saúde como patologias próprias do envelhecimento, ou seja, o binômio sexo e AIDS é considerado pouco evidente nesse grupo etário (Oliveira; Saldanha; Lima, 2008).

Outro aspecto importante no processo de diagnóstico de HIV diz respeito à forma como ele é revelado. Maliska, Padilha, Vieira e Bastiani (2009) sugerem que o diagnóstico de soropositividade ao HIV seja realizado por profissionais de saúde atentos aos anseios do paciente. Isso é inviável sem uma escuta ampla e uma postura empática que permita conhecer os limites e as possibilidades das pessoas para lidar com as adversidades do viver com a AIDS na maturidade e velhice. Segundo o relato da Participante 9, a revelação do seu diagnóstico por parte de um profissional de saúde gerou sofrimento e crenças equivocadas para ela e sua família, que foram minimizados após serem atendidos por um serviço de atendimento especializado.

(...) Ele [o profissional] devia ter me chamado e conversado direitinho, mas não, ele chegou logo e aí disse assim: "Você tá com AIDS. Vou lhe encaminhar hoje mesmo pra o hospital que tem lá em João Pessoa. Você vai ficar lá internada. (...) A senhora vai ficar internada até o dia que a senhora morrer. A senhora vai ficar lá no isolamento." (...) Me falou mesmo assim. Aí eu disse: "Tá, eu vou fazer o quê?". (...) Aí ele me deu uns papéis. Vim pra cá. Quando eu cheguei aqui, o pessoal me explicou: "Não, não vai acontecer nada disso não." [Participante 9, mulher, 55 anos]

Em alguns casos, verifica-se que há profissionais despreparados para lidarem com o manejo clínico em AIDS. A forma como é realizada a devolutiva do diagnóstico pode influenciar na adesão do indivíduo ao tratamento, sendo necessária, no processo de diagnóstico, a participação de uma equipe multidisciplinar capacitada junto ao paciente e seus familiares. Ademais, no momento em que receberam o diagnóstico, essas pessoas foram confrontadas com a possibilidade de morte, comumente associada à AIDS, gerando sentimentos de desespero, revolta e culpa.

Aí eu fiquei também meio nervosa, chorando. (...) Eu pensei que ia pra o isolamento, não ia receber visita. (...) Aí eu fiquei meio nervosa, assim: "Ah, meu Deus, nem vou ver mais minha família", porque eu pensei que ia morrer. [Participante 9, mulher, 55 anos]

Quando recebi o diagnóstico, eu pensei assim: "Eu nunca cheguei a uma fase terminal". Daí, fiquei tão desesperado, desesperado, que acho que o mundo morreu. Morreu com a doença, morreu pra amizade e me senti sozinho, sem ninguém. Acabou meu mundo. [Participante 6, homem, 56 anos]

O medo, o desespero, a angústia e as alterações de humor foram sentimentos vivenciados por essas pessoas após receberem o diagnóstico da soropositividade ao HIV. Segundo Machado e Figueiredo (2007, p.6), esses sentimentos são acompanhados da "sensação de não ser e não pertencer, e da impossibilidade de esquecimento da soropositividade, na medida em que a doença traz em si uma relevante carga de estigmatização". Há uma preocupação com os relacionamentos interpessoais, pois a doença, em alguns casos, contribui para a perda do emprego, o afastamento de amigos e mudanças na aparência física. Além disso, a revelação do diagnóstico emerge como uma sentença de morte, seja em relação aos aspectos físicos, seja em relação aos projetos de vida. Não há, de início, uma aceitação.

Eu gritava: "Deixe eu sair, deixe eu sair!". Eu queria sair pra poder morrer, pra comprar veneno. Procurei veneno dentro de casa e não achei, porque se tivesse, eu teria tomado. Eu não queria mais viver. Aí o tempo foi passando, eu fui me consultando com ela [médica] e ela dizendo que eu ia tomar esse remédio pro resto da vida e que a minha saúde ia melhorar, que eu ia ser uma pessoa normal. [Participante 10, mulher, 56 anos]

Com base neste relato, considera-se a estreita relação existente entre morte e vida enquanto características aparentemente opostas da vida humana, pois, subjacente à fala "eu não queria mais viver" está o desejo de, se possível, manter a vida que existia antes do diagnóstico. Nesse sentido, Kubler-Ross (1996) descreveu as cinco fases vivenciadas por pacientes que recebem o diagnóstico de uma patologia sem cura: negação, revolta ou raiva, barganha ou negociação, interiorização e aceitação. Embora não haja linearidade entre as fases, alguns autores (Goforth et al., 2009) sugerem que as pessoas com diagnóstico positivo ao HIV também vivenciam, de alguma maneira, tais sentimentos. Em alguns casos, as pessoas podem recorrer a outros exames e profissionais para desmentir o resultado recebido, principalmente em pessoas assintomáticas. Já os sentimentos de revolta e raiva ocorrem quando a pessoa se percebe soropositiva. A pergunta "por que eu?" é recorrente nos relatos, seguido da procura por possíveis culpados ou mesmo a própria culpabilização.

Um negócio desse que culpa eu não tive. Uma coisa que ele [marido] podia ter evitado se tivesse se prevenido, mas não. Mas Deus tá vendo. Também eu confiava e sempre sobra pra mulher. Mas ninguém vai dar jeito. (...) Mas as vezes que eu me vejo assim contrariada e fico chorando é desse meu problema mesmo. Se eu pudesse, eu não chegava nem perto dele. (...) Porque ele me faz lembrar a doença. É tudo culpa dele. Mas no momento, graças a Deus que eu tô só. [Participante 7, mulher, 56 anos]

(...) Até porque eu sabia que ele [esposo] ficava com outras mulheres da vida. Eu também tive culpa por não me prevenir. Então, eu nem posso me revoltar tanto assim. E ele é o pai dos meus filhos. [Participante 2, mulher, 51 anos]

Desse modo, verifica-se que o diagnóstico de AIDS na maturidade e velhice desencadeia sentimentos adversos nas pessoas. Todavia, é preciso considerar que a produção de um discurso sobre determinado fenômeno ocorre inserido em uma cultura, a qual é considerada por Silva (2000) como sendo o espaço de confronto responsável pela produção dos sentidos e dos sujeitos, de acordo com suas especificidades e grupos sociais de pertença. Nessa perspectiva, Foucault (1987) se referiu ao discurso como sendo o conjunto de saberes e práticas "que formam sistematicamente os objetos de que falam", ou seja, o discurso sobre determinado fenômeno, ao mesmo tempo em que descreve uma realidade, contribui para a produção dessa realidade e do próprio ator social. Assim, ao afirmar "... eu confiava e sempre sobra pra mulher. Mas ninguém vai dar jeito", essa participante descreve a condição da mulher e, ao mesmo tempo, a sua realidade. No entanto, a construção desse discurso não é alienada do tempo histórico e cultural no qual essa mulher se insere, mas reflete um conjunto de práticas discursivas sobre o papel da mulher, mais especificamente sobre a vivência subjetiva do seu corpo de mulher e de suas práticas sexuais.

 

C. Percepção da AIDS

As crenças elaboradas socialmente sobre a AIDS no decorrer da história influenciaram as políticas públicas de atuação frente à epidemia, bem como contribuíram para a elaboração e posterior desconstrução da noção de grupos de risco (Ayres, 2002). Sob uma perspectiva mais individual, a forma como os indivíduos subjetivaram os seus processos de saúde e doença, como a AIDS, tem influência nas estratégias de enfrentamento utilizadas. Nesse sentido, a vivência da AIDS foi percebida de forma negativa, gerando sofrimento psíquico, embora apresentando também ganhos secundários.

No que se refere à percepção negativa, a AIDS é associada às dificuldades de se conviver com uma doença que não tem cura e ao impacto negativo de campanhas de prevenção, tendo como referência a percepção do portador.

(...) Me sinto triste, muito triste. Uma coisa dessa é muito ruim (...). Sei que toda vida tem dificuldade, mas você sabe que tem outros problemas. Mas esse não, esse meu não tem jeito. [Participante 1, homem, 72 anos]

Hoje, está bem maleável. Usar camisinha, tudo bem, mas só que, na época, a medicina colocou pânico. Eu andava com medo. Hoje, ainda tenho um medozinho. Acho até a medicina até mais razoável, mas também ia chegar a um ponto que ninguém ia olhar mais pra ninguém. Como dizia a história: quem vê cara não vê AIDS. Pra mim, portador, isso me matava. [Participante 6, homem, 56 anos]

A associação entre AIDS e morte, segundo Ayres (2002) foi uma imagem frequente em campanhas de prevenção no início da epidemia, gerando pânico na sociedade em geral. No caso das pessoas soropositivas ao HIV, aumentou o medo de serem rejeitadas. Esse tipo de discurso, além de se mostrar ineficaz, promoveu o preconceito entre as pessoas, principalmente com profissionais do sexo, homossexuais e usuários de drogas injetáveis, aos quais era atribuída a responsabilidade pela propagação do vírus.

Às vezes, o cara também é casado e sai com outras. Ou mulher também, aí passa pra ele. E assim vai. Eu ainda acrescento uns 15% que (...) usa (sic) droga na veia. E o restante são (sic) caras de 40, 50 anos que são solteiros, aí vai (sic) pro cabaré e se contamina, entendeu? Mas a maior parte, sem querer ser ofensivo, é homossexual. (...) Mas nem por isso é o caso de você desprezá-lo ou dizer que tá errado ou que tá certo. [Participante 8, homem, 53 anos]

Diferente deste relato, que associou a AIDS aos chamados grupos de risco, dados do Ministério da Saúde do Brasil têm demonstrado o processo de "heterossexualização" da AIDS. Na década de 1980, início da epidemia, os casos diagnosticados em homossexuais, heterossexuais e bissexuais eram de 24,2%, 17,4% e 14,2%, respectivamente. Em 2010, o índice em heterossexuais foi de 43,4%, ao passo que os homossexuais e bissexuais representaram 20,7% e 7,8%, respectivamente (Brasil, 2010). Todavia, para melhor entendimento acerca dos discursos supracitados, faz-se necessário considerar que seus autores falam a partir de um lugar social. Não se trata, pois, de pessoas com realidades particulares no mundo, mas de um "ser social, apreendido em um espaço coletivo" (Fernandes, 2005, p. 33).

Os homossexuais e os profissionais do sexo são categorias sociais com legado de preconceito e discriminação anterior aos primeiros casos de AIDS, pois se contrapõem aos parâmetros da moral heteronormativa e religiosa sobre o "certo" e o "errado", sobre o "normal" e o "anormal" acerca das práticas sexuais e da vivência subjetiva do corpo (Araújo; Oliveira, 2008). Assim, os relatos dos participantes são perpassados pelo conjunto de práticas discursivas sobre os homossexuais e profissionais do sexo, as quais vêm mudando no decorrer da história, mas que ainda possuem preconceitos subjacentes, embora manifestados de forma diferencial, denominada por Camino, Silva, Machado e Pereira (2001) de "preconceito sutil". Para esses autores, embora o preconceito e o estereótipo sejam construtos e estejam no plano da consciência individual, eles sugerem que seja considerada a natureza das relações intergrupais no que tange às suas formas de comunicação, elaboração e propagação dos discursos.

Ainda no que se refere à percepção da AIDS, são verificados os aspectos emocionais e afetivos vivenciados em decorrência da doença, contribuindo para a percepção da AIDS como um acontecimento que impulsiona o indivíduo a uma avaliação das suas experiências passadas e presentes, gerando tristeza e depressão, as quais podem prejudicar a adesão ao tratamento.

Num (sic) sei... dá uma crise de choro em mim, sozinho. (...) Penso no que estou passando na minha vida, o que já foi, o que já era... O tempo todo a gente pensando nesse problema. Tudo tá errado. (...) Quando esses pensamentos vêm, aí me dá a crise. Eu sei que é difícil. Eu fico triste, muito triste, depressivo, não dá nem vontade de vir aqui pegar esse medicamento. Para que, se isso um dia vai ter fim? O meu fim. [Participante 1, homem, 72 anos]

Estudos (Junqueira et al., 2008; Christo, 2010) têm apontado a prevalência da depressão em pessoas soropositivas para o HIV, demonstrando características e implicações. Dentre outros fatores, a depressão pode influenciar a adesão ao tratamento, seja não tomando a medicação prescrita, seja não atendendo às recomendações dos profissionais de saúde. Embora tendo que lidar com muitos problemas físicos, sociais e emocionais, alguns participantes discorreram sobre a necessidade de "olhar além" da própria situação, falando dos ganhos secundários da doença, ou seja, o que melhorou depois do diagnóstico, bem como da necessidade de transmitir às pessoas recém-diagnosticadas sua vivência com a doença.

Depois da doença, sabe, agora eu sou feliz. Antes, eu não sabia o que era ser feliz. Sou feliz, com certeza. (...) E eu com AIDS, eu sou feliz pra caramba porque eu tenho o meu Deus. Eu não conhecia Deus. [Participante 3, homem, 57 anos]

Antes de ser portador, não tinha nem contado de amizade com tanta gente. (...) Eu não tinha amizades porque eu estava bom de saúde, porque eu não sabia que tinha problema nenhum. Aí depois que eu adoeci, aí resolvi procurar amizade. [Participante 6, homem, 56 anos]

Pesquisas (Saldanha, 2003; Ribeiro et al., 2006) demonstram relatos de pessoas soropostivas para o HIV que indicam a existência ganhos secundários com a doença, tais como: melhoria na espiritualidade, ressignificação da vida, melhoria nas relações familiares, aprofundamento de laços afetivos, entre outros. A soropositividade impõe perdas significativas (amigos, emprego, planos), mas, ao mesmo tempo, traz mudanças subjetivas de cunho positivo, incluindo novos valores e esperança frente à vida.

 

D. AIDS na velhice

Os participantes fizeram uma distinção entre a velhice de um modo geral e a experiência da velhice no contexto da AIDS.

Essa coisa de ter essa doença na terceira idade, tudo depende da pessoa certa. Velho ou novo, vai depender de [com] quem a pessoa tá, de quem a gente confia, se presta ou não presta, aí ela pode pegar ou não pegar. (...) Eu quero é viver, doutora. Tem gente jovem aí muito mais acabado que eu, [que] só vive reclamando o tempo inteiro. Eu não, eu quero é seguir vivendo. [Participante 7, homem, 56 anos]

Eu fico com pena quando eu vejo um garoto de 16, 18 anos tá com AIDS. Mesmo com toda a informação que tá aí no mundo e a pessoa pegar AIDS com 13, 14 anos de idade, né? Aí é preocupante, né? (...) Porque a pessoa com AIDS na terceira idade ele já teve uma vida, mas um jovem não viveu, tem toda uma vida, é saudável. [Participante 8, homem, 53 anos]

A AIDS na velhice se apresenta como um evento de menor impacto quando comparada à AIDS entre os jovens. Nestes, a doença acarretaria em maiores danos, em decorrência do não aproveitamento da vida, pois imporia limitações e tornaria a morte um acontecimento iminente.

Outros participantes, porém, afirmaram que a AIDS na velhice contribuiu ainda mais para o abreviamento dos anos de vida. A experiência individual de tempo é constituída por meio das interações sociais, visto que a percepção negativa da AIDS, não da velhice, emergiu como o fator que contribuiu para o medo de ficar "dependendo dos outros", sem trabalho e sozinho.

(...) Mesmo eu estando já com 72 anos, o tempo de vida tá muito curto e aí vem essa doença e a gente não cura de jeito nenhum. (...) Penso que não vou viver mais o suficiente, até porque eu já estou numa idade, 72 anos, mas a gente não para de sonhar, a gente envelhece tendo sonhos. [Participante 1, homem, 72 anos]

Porque é sempre uma situação difícil. Porque eu com 51 anos e ainda doente. E uma pessoa assim fica muito difícil o povo querer. Ninguém quer dar emprego para um velho com AIDS, né? [Participante 4, homem, 51 anos]

Embora a TARV tenha prolongado a vida das pessoas que convivem com a doença, melhorando a qualidade de vida, verifica-se que a AIDS impõe limitações no plano social e subjetivo, seja em decorrência dos medicamentos, seja devido à evolução da própria doença. Além disso, de acordo com Malbergier (2000), a incapacidade trazida pelo adoecimento pode significar a interrupção de projetos de vida pessoal, familiar e profissional.

 

E. Enfrentamento

Após o momento em que se descobrem soropositivas para o HIV, as pessoas demonstram a necessidade de reorganizar a vida em seus vários aspectos (Machado; Figueiredo, 2007). A partir dos relatos dos participantes, verifica-se que a nova condição foi incorporada de maneira diferenciada, através de estratégias distintas. Há, em alguns casos, uma naturalização da AIDS como um acontecimento que não alterou significativamente o cotidiano.

(...) Apesar de eu estar com esse problema, tem hora que eu nem sei se estou com essa doença, porque eu não sinto nada. Vivo bem, como bem, durmo bem. [Participante 2, mulher, 51 anos]

A naturalização da AIDS é comumente demonstrada por pessoas assintomáticas, contribuindo para que a doença passe a ser mais um aspecto a ser vivenciado, sendo prioritárias questões mais urgentes, como renda, moradia e alimentação, ou seja, aspectos mais objetivos do dia a dia. "Neste momento, focaliza-se na vida, na continuidade dos projetos de vida e no desempenho de papéis sociais no âmbito da família e do trabalho" (Machado; Figueiredo, 2007, p. 10). Diferentemente da naturalização, alguns participantes utilizaram a religiosidade como estratégia de enfretamento por meio da qual esperam ser possível reduzir a ansiedade frente à doença e à possibilidade da morte.

Eu não tenho direito de determinar a minha morte, porque quando eu parar pra pensar em Deus, eu vou pensar: "a AIDS é, digamos, como diabetes e outras doenças que se tornam gravíssimas e que não têm cura". Então, até por aí eu não me desespero. Aí isso me conforta muito. (...) A religião ajudou muito, porque eu dei esses saltos. Estou dando até agora. [Participante 6, homem, 56 anos]

Nesses relatos, a espiritualidade/religiosidade/crença pessoal se apresenta como uma maneira de enfrentar os eventos estressantes. Nesse sentido, é possível que a religiosidade contribua para a manutenção de um sentido na vida, pois a AIDS, sendo uma doença incurável, apresenta-se como um evento cuja resolução não depende do indivíduo. Além da religiosidade, os participantes abordaram outras formas de enfrentamento, como sigilo, ou seja, a manutenção do resultado apenas para si ou, no máximo, para alguma pessoa confidente - na maioria dos casos, um parente ou amigo muito próximo. Ocorre, ainda, de algumas pessoas falarem da sua doença como sendo outra patologia, bem como procurarem tratamento em outros municípios, evitando, assim, serem reconhecidas.

 

F. Suporte

Com o aumento de sobrevida das pessoas, em decorrência da terapia antirretroviral, as redes de apoio social e a participação em atividades sociais no cotidiano se tornaram aspectos relevantes no enfrentamento da soropositividade ao HIV/AIDS (Silva; Medeiros & Saldanha, 2008), o que é corroborado pelos relatos dos participantes:

Recebi sempre ajuda no meu trabalho, dos moradores. Pronto, agora mesmo eu necessitei fazer uma ressonância e não tinha condição financeira. Então, essa história chegou no (sic) meu trabalho e todo morador do prédio que eu trabalhava ajudou. [Participante 4, homem, 51 anos]

É bom quando na hora da visita a gente vê. É só uma hora, mas quando sai o pessoal, chega você fica aliviado. (...) minha esposa me ajuda a lembrar a medicação. Tudo é a família. [Participante 8, homem, 53 anos]

Um estudo realizado por Ncama et al. (2008) com sul-africanos soropositivos ao HIV demonstrou que o número de amigos próximos e a família são os fatores que contribuem para um maior senso de suporte social. A percepção positiva sobre o apoio social recebido se apresenta necessário para a manutenção do bem-estar, uma vez que as percepções negativas podem desmotivar as pessoas na manutenção do tratamento. Para Machado e Figueiredo (2007, p. 7), o suporte social contribui "para o término de uma postura de auto-reclusão, na medida em que a vivência e o acolhimento do outro potencializam sentimentos de integração, suprindo com elementos para re-estabelecimento do equilíbrio psicoativo". Assim, para os participantes desta pesquisa, a família propiciou uma rede de suporte social e afetivo, favorecendo o desenvolvimento de estratégias de proteção para a convivência com a doença.

No que se refere ao suporte prestado por profissionais e instituições, um estudo realizado no Canadá (Crook et al., 2005) com pessoas soropositivas ao HIV/AIDS demonstrou que uma percepção positiva acerca dos serviços de saúde prestados contribui para a redução do isolamento social dos pacientes, auxiliando-os no conhecimento e enfrentamento do HIV/AIDS, bem como melhorando a sua qualidade de vida. Nesse sentido, é possível verificar que o suporte social prestado pelos cuidadores formais foi avaliado positivamente por alguns participantes:

Jesus está dentro desse hospital, porque eu fui bem tratado, muito bem tratado. Nunca tive prazo nenhum, nem de pegar medicação, nem de falar com o médico. (...) Então, eu gosto muito daqui e fui muito bem atendido. [Participante 4, homem, 51 anos]

(...) Tem doutora que me abraça. A gente sente aquele carinho quando elas perguntam por mim, pelos exames. [Participante 8, mulher, 53 anos]

De modo contrário, quando da ausência de suporte social e acolhimento adequado, alguns participantes relatam o sentimento de abandono e preconceito vivenciado:

Eu fico sozinho o tempo inteiro. (...) Eu presto atenção na casa toda arrumadinha, sofazinho, CD, DVD, um sonzinho, mas quando eu tiver morrendo, sem nenhuma pessoa pra cuidar deu (sic), num (sic) é? Num (sic) tenho ninguém, sou sozinho. [Participante 1, homem, 72 anos]

Mas eles [família] tiveram que vir nesse hospital, me viram e, na verdade, caíram fora daqui. Isso é um absurdo. Me entristeci muito. [Participante 6, homem, 56 anos]

Um estudo realizado por Diniz, Saldanha e Araújo na cidade de João Pessoa-PB demonstrou, entre outros aspectos, a dificuldade de se encontrar cuidadores/familiares junto a idosos HIV+. Para esses pesquisadores, tal realidade decorre, em parte, devido ao fato de "o idoso portador morar sozinho; a família não está ciente de sua condição de soropositividade e se está, não aceita; ou ainda o paciente opta por contar a uma pessoa próxima" (Diniz; Saldanha; Araújo, 2006, p. 6). Além disso, a ausência de suporte decorre, muitas vezes, da falta de assistência institucional.

Que os gestores desse (sic) mais uma condição de liberdade, de vida melhor. Ter o passe livre, tá entendendo? (...) Por isso que eu falo: "dê liberdade pra gente viver uma vida digna e morrer dignamente, com a UTI, com a medicação toda". A gente não morre de HIV mais, a gente morre de doenças inoportunas e eles não dão condições. (...) Falta de um gestor, falta de prefeito, sei lá, de lutar pela causa nossa. [Participante 3, homem, 57 anos]

Sobre o tratamento, além da distribuição universal dos medicamentos para o coquetel no tratamento da AIDS, a Portaria no 2314, de 20 de dezembro de 2002, que institui a Política de Incentivo em HIV/AIDS e outras DST, traz como uma de suas exigências a necessidade de pactuação entre estados e municípios na aquisição e distribuição de medicamentos para tratamento das "infecções oportunistas" relacionadas à AIDS, bem como outras DST. Todavia, os participantes afirmam que, embora a medicação do coquetel seja assegurada, faltam medicamentos para outras doenças.

Outras dificuldades podem prejudicar a adesão ao tratamento de forma sistemática, como a condição financeira para uma alimentação adequada e para o custeio das passagens de ônibus necessárias para ir à consulta, principalmente quando se considera que parte dos participantes vem do interior do estado. Embora algumas prefeituras disponibilizem meios de transportes gratuitos, as pessoas alegam que, além dos carros saírem dos municípios em horários específicos, de difícil conciliação com suas rotinas, o uso desses transportes levantaria suspeita sobre o seu diagnóstico, pois o serviço se destina a pessoas com diagnóstico positivo para o HIV/AIDS.

 

G. Preconceito

Além de ser uma doença com impacto na saúde física e psicológica, a AIDS é acompanhada por estigmas socialmente construídos, os quais estão relacionados com as crenças sociais sobre a doença (Ferreira; Figueiredo, 2006). Tais crenças equivocadas emergem nos relatos dos participantes como um dos fatores que contribuem para a discriminação sofrida.

As pessoas discriminam muito. (...) Só porque você tá com HIV, as pessoas se mantêm distantes, se afastam (...) com medo de transmitir (sic) o HIV, mas muitas pessoas não sabem, acham que só basta pegar na mão que já é contagioso. (...) Sem falar que não vai nem na casa da pessoa; passa pela pessoa [e] não fala, não dá nem bom dia. [Participante 1, homem, 72 anos]

Uma coisa que mata é que eu não posso chegar pras pessoas e dizer: "olhe, eu sou portador daquela doença". Uma relação sem dizer a verdade fica difícil, né? Mas tem o preconceito aí por trás. (...) Eu tenho muito medo de perder o ciclo de amizade, tanto social, de família, como no trabalho. Essa coisa aí é que me prende e me deixa muito infeliz. [Participante 6, homem, 56 anos]

Crenças associadas à visão da AIDS como sinônimo de morte, difundidas na mídia em meados da década de 1980, contribuíram para condutas discriminatórias em relação aos portadores do HIV. A vivência de situações discriminatórias gera causa sofrimento psíquico e influencia na percepção sobre a doença e sobre os comportamentos das outras pessoas frente a ela, contribuindo para sentimentos de ansiedade, em decorrência do medo da rejeição social.

 

H. Trabalho

Para as pessoas entrevistadas, o trabalho emergiu como um fator importante na manutenção da saúde. No entanto, a idade e o diagnóstico de AIDS se apresentaram como dificuldades para o exercício de atividades ocupacionais, seja em decorrência da saúde debilitada, seja por ausência de oportunidades no mercado de trabalho.

Mas já é outro problema: quem vai dar ocupação pra um portador? Se for mais velho, então, aí tá perdido. Mas trabalhar também ajuda na saúde. [Participante 6, homem, 56 anos]

Antes, amanhecia o dia, eu ia pra o trabalho, num (sic) sentia nada. Trabalhava o dia todo, tinha minha vida normal, tinha meu emprego que eu gostava muito. Muitas vezes, eu me aperreio, porque num (sic) tem como eu tá o tempo todo no meu trabalho, né? Aí, diante disso, eu fico triste. [Participante 4, homem, 51 anos]

Como eu vivo nessa situação e sou aposentado, não tenho interesse mais em trabalhar. [Participante 8, homem, 53 anos]

O trabalho é considerado fator influente na manutenção da qualidade de vida no contexto da AIDS, principalmente quando se considera a melhora da eficácia da TARV, favorecendo a convivência com o HIV por vários anos, sem a manifestação de sintomas, sendo possível o exercício de atividades durante esse período (Contrera, 1998).

Em 1992, o Governo Federal do Brasil incluiu no Programa de DST/AIDS do Ministério da Saúde o componente "AIDS no Local de Trabalho", objetivando promover ações integradas entre organizações governamentais e não governamentais (ONGs), além de incentivar maior participação do setor privado na luta contra a AIDS. Assim, dentre as diretrizes, proibiu-se a solicitação da testagem sorológica ao HIV em exames de pré-admissão, declarou-se que a soropositividade ao HIV em si "não acarreta prejuízo da capacidade de trabalho" e que a convivência com os portadores desse vírus não caracteriza risco, tendo como medidas de prevenção informações corretas, adequadas e procedimentos preventivos pertinentes (Pimenta; Terto Jr., 2002).

Um estudo realizado por Ferreira e Figueiredo com dez pessoas soropositivas ao HIV, cujo tempo médio de diagnóstico era de 5 anos, demonstrou que características como "absenteísmo, estigmatização, atrasos, danos à saúde provocados por doenças oportunistas e efeitos colaterais de medicamentos são fortes determinantes das dificuldades para a reinserção no mercado de trabalho" (Ferreira; Figueiredo, 2006, p. 591). Ademais, segundo Garrido, Paiva, Nascimento, Sousa e Santos (2007, p. 72), "o tratamento antirretroviral exige idas frequentes aos serviços de assistência médica, que implicam em faltas ou atrasos no trabalho". Para esses autores, embora a aposentadoria por invalidez se apresente, muitas vezes, como "saída para o estigma de desempregado", quando associada a outras características da AIDS (preconceito, ausência de suporte social, sensação de improdutividade etc.), ela contribui para o sofrimento psicológico.

 

I. Perspectivas

A associação entre soropositividade ao HIV e vivência do diagnóstico depois dos 50 anos se apresentou como fator potencializador de incertezas frente ao futuro, à morte e à própria saúde. No que se refere à perspectiva de futuro, os participantes discorrem sobre a ausência de esperança em relação à concretização de projetos de vida, devido ao sentimento de finitude.

(...) A esperança da gente vai a zero. (...) Os planos que a gente faz, qualquer coisa que a gente faz fica assim... estranho (sic). Assim, parece que nada vai se realizar, que o fim tá chegando. (...) O que mais me entristece é isso. Que eu não vou alcançar os objetivos que eu tinha; que eu vou morrer antes disso. [Participante 1, homem, 72 anos]

E o futuro, minha filha, é muito difícil isso que eu vivo. (...) Eu não tenho [o] que fazer. Não tenho como comprar uma casa. E o futuro o que eu posso fazer é ir levando a vida assim, como Deus quiser. [Participante 10, mulher, 56 anos]

A perspectiva da morte como evento motivador de incertezas frente à concretização ou não do que se almeja foi observada também em outros estudos com pessoas soropositivas ao HIV (Saldanha; Araújo, 2006; Carvalho; Galvão, 2008). Verifica-se, nos relatos dessas pessoas, que a vivência da AIDS na velhice, mesmo considerando-se o aumento da sobrevida com o uso da TARV, influencia na avaliação que elas fazem sobre seus planos para o futuro, bem como na reavaliação dos aspectos considerados essenciais. Corroborando com tais resultados, um estudo realizado por Brasileiro e Freitas (2006), cujo objetivo era analisar as representações sobre AIDS de 9 pessoas acima de 50 anos infectadas pelo HIV, demonstrou que, para essas pessoas, "AIDS é uma ameaça constante de morte".

Os participantes demonstraram, ainda, que a expectativa em relação ao futuro é perpassada pelo medo de envelhecer sem trabalho e em condições de pobreza, podendo prejudicar a sua qualidade de vida.

A gente sem uma aposentadoria, com 51 anos e com AIDS, aí tem medo de chegar a uma situação de pobreza, assim, de precisão, de faltar e a gente não ter pra dar. [Participante 4, homem, 51 anos]

Ah, o meu futuro como pessoa já foi. [Participante 8, homem, 53 anos]

O emprego apresenta-se como um meio que possibilita as condições necessárias para se satisfazer as necessidades básicas. Além disso, o afastamento do trabalho ou o desemprego de pessoas que convivem com a AIDS prejudica o manejo clínico da doença. Para Saldanha, Coutinho, Ribeiro e Araújo (2005, p. 12), o trabalho permite "uma estabilidade e credibilidade adquiridas perante a sociedade como um ser produtivo".

Ao falarem sobre suas perspectivas, alguns participantes discorreram sobre o desejo de ter a saúde recuperada e sobre a esperança de cura para a doença, seja em decorrência do avanço da medicina, seja por uma intervenção de Deus:

A esperança de alguma cura ainda existe, porque não é fácil conviver com a doença ao longo desses dez anos. Mas há ainda esperança de que algo mude. Cura em relação a isso, eu acredito. [Participante 6, homem, 56 anos]

(...) Quando não tem piora, eu fico feliz da vida, contente. Eu não quero nem me lembrar que eu tenho essa doença. Tem hora que eu paro pra pensar assim: "Será que eu tenho essa doença? Eu acho que eu não tenho, não. Ah, meu Jesus, quem sabe, meu Senhor, que aconteceu um milagre e eu vou fazer o exame e num (sic) vai ter mais nada. Ah, deu negativo." Aí eu fico com esses pensamentos [de] que não tenho mais nada. [Participante 10, mulher, 56 anos]

A vivência da AIDS na era dos tratamentos mais eficazes contribui para a crença na possibilidade de se "alcançar" a cura da doença e, consequentemente, o adiamento da morte, principalmente quando se considera o avança nas pesquisas científicas com esse objetivo. Para Coelho (2006, p. 11), com os "novos medicamentos para o tratamento da AIDS e das doenças oportunistas, a idéia da condenação a uma morte rápida foi sendo diluída, mantendo-se a representação de morte, mas agora adiada". Assim, alguns participantes acreditam na possibilidade de saúde melhor, prolongando seu tempo de vida até ver chegar uma cura definitiva. Enquanto isso, na ausência da cura baseada nos aparatos técnico-científicos, os participantes justificaram a esperança de cura para a AIDS em decorrência de uma intervenção divina ou "milagre".

Discursos nessa direção foram encontrados no estudo realizado por Cardoso e Arruda (2005) com pessoas soropositivas ao HIV, mas havendo diferenças nos relatos quando se considerava a condição de estar ou não fazendo uso da TARV. Os resultados da pesquisa indicaram que os participantes usuários da TARV "acreditam que a cura viria no futuro, através da mão do homem" (pesquisas científicas no setor da saúde), diferindo dos discursos dos participantes não aderentes ao tratamento, que acreditavam na cura "pelas mãos de Deus, através da fé ou do milagre" (Cardoso; Arruda, 2005, p. 156), diminuindo, assim, a participação individual na manutenção da saúde.

 

Considerações Finais

A partir dos relatos dos participantes, verifica-se que a vulnerabilidade ao HIV/AIDS está vinculada a distintos tipos de vulnerabilidades anteriores ao diagnóstico, principalmente quando se considera as questões de gênero, renda, níveis educacionais, oportunidades de trabalho, acesso aos bens materiais e simbólicos, entre outras.

As questões de gênero, por exemplo, influenciam na convivência com o HIV/AIDS. Queda de cabelo, magreza e feiúra foram aspectos físicos mencionados nos discursos das mulheres como causadores de preocupação, de vergonha diante de amigos e parentes, e de sofrimento em decorrência da doença. Já os homens relataram a diminuição da disposição física como empecilho para continuar trabalhando. Além disso, ao discorrerem sobre o contágio, as mulheres falam da culpa do parceiro e do sentimento de culpa por não terem se prevenido.

Se, por um lado, a incidência do HIV/AIDS depois dos 50 anos sinaliza para a emergência de estratégias de prevenção específicas para essa categoria social, por outro, demonstra a dimensão ontológica da sexualidade enquanto atributo humano que não se restringe ao tempo e à idade, construindo-se no decorrer da trajetória existencial dos atores sociais e sendo perpassada pela dimensão sociocultural.

Os dados apresentados não são conclusivos e apontam para outros problemas de pesquisa, necessários à complementação e ao aprofundamento do tema em questão. Aspectos da vivência subjetiva, como perda de papéis ocupacionais e perdas afetivas, devem ser considerados na compreensão acerca do conviver com o HIV/AIDS depois dos 50 anos, uma vez que esses elementos estão relacionados com as estratégias de enfrentamento dos atores sociais, podendo interferir em níveis diferenciais nos processos de saúde-doença.

 

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Recebido em 25 de abril de 2011
Aceito em 11 de maio de 2012
Revisado em 25 de outubro de 2012

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