Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Cadernos de Psicopedagogia
versão impressa ISSN 1676-1049
Cad. psicopedag. v.6 n.10 São Paulo 2006
RESENHA
Rogério José de Almeida Santos1
Universidade Católica Portuguesa Faculdade de Ciências Humanas Palma de Cima
José Afonso Furtado. O Papel e o Pixel. Do impresso ao digital: continuidades e transformações. . (Florianópolis: Escritório do Livro, 2006.)
Do mesmo modo que se fala na substituição do cinema pelo vídeo, também se fala no desaparecimento do livro e emergência de suportes digitais. A internet, diz Furtado (p. 29) traduz-se no surgimento de novas formas de escrita, edição, distribuição e leitura, mas também de editores eletrônicos, livrarias virtuais, obras hipertextuais e dispositivos de leitura de livros eletrônicos.
Furtado chama a atenção para uma ecologia que evita a oposição simplista entre impresso e digital (p. 87), pois a passagem da cultura do livro em papel para o digital não é a morte de uma por outra, mas antes uma transição, existe mais compromisso que ruptura. E apela à distinção produzida por Martin-Barbero entre palimpsesto e hipertexto: aquele põe-nos em contacto com a memória e a pluralidade dos tempos que acumulam os textos, este remete para a enciclopédia e para a intertextualidade (p. 184). O que nos conduz para a aceitação de três modos diferentes de inscrição e transmissão dos textos: manuscrito, impresso e eletrônico.
O autor prefere olhar a mediação tecnológica no centro desta mudança, socorrendose de dois autores, Bolter e Grusin (1999), que desenvolveram o conceito de remediação: operação de transferência de conteúdos para outros suportes (p. 95). A remediação é a operação de translação-tradução-conversão para outros media e significa a lógica formal em que os novos media remoldam (refashion) formas anteriores dos media. Daí, desembocar em algo que escrevi acima: 1) os historiadores do livro mostram que uma técnica em si não é suficiente para originar uma cultura, 2) não se pode dizer que uma nova tecnologia aniquila as anteriores, 3) pois isso seria determinismo tecnológico, e 4) os novos media trabalham em conjunto com os media clássicos e com as mesmas forças econômicas e sociais (pp. 104-105).
Há uma defesa concreta do livro, pois ele, com a seqüencialidade da escrita, preserva o desenvolvimento da singularidade (p. 125). O papel e a tinta no livro garantem um equilíbrio entre portatibilidade e imutabilidade, algo que se perde nos media seguintes: desaparece a imutabilidade no telégrafo, telefone e rádio (p. 132), o que ocorre também no mundo digital. Neste, apesar da semelhança entre texto digital e texto impresso, o produto digital pode sofrer permanentes alterações, como se observa nas páginas da internet, constantemente em mudança. Credibilidade, confiança e qualidade são outras dificuldades que separam o mundo impresso do digital.
Outras distinções aparecem: do mesmo modo que a cultura do livro remetia para a relação entre passado e presente, a televisão remetia para o eterno presente e o computador mostra-nos o tempo real. Contudo, acrescento eu, a televisão também nos dá já o tempo real quando se realiza o direto. Creio que é por tudo isto que José Afonso Furtado nos fala de diferentes tempos: 1) tempo longo, feito de seqüências lineares, 2) tempo curto, o do flash, zapping, replay e surfing, clip musical e spot publicitário, e 3) tempo largo, o do capitaltempo acumulado (biblioteca, artigos arquivados, memorização da informação), investimento que pode ser reutilizado na concretização de novos projetos (pp. 114-115).
Porém, a leitura de livros é cada vez menos importante no conjunto das práticas culturais, diz o autor (p. 169). E não se pense que o universo digital é do domínio do mais simples. Pelo contrário, é do mais complexo. Primeiro, pela necessidade de mediação tecnológica como acima identifiquei. Depois, porque o acesso configura modalidades de consulta múltipla: não linearidade, tabularidade, scrolling, links, ambiente multi-windows (p. 165).
O livro de José Afonso Furtado & que uma vez se refere aos blogues (p. 181) como fazendo parte do novo fenômeno de multiplicação da autopublicação na internet & representa "um panorama muito atualizado dos desafios que enfrentam a edição, a autoria e a leitura, em todos os seus espaços de produção e realização", conforme escreve Aníbal Bragança, o prefaciador brasileiro (p. 16). Distinção ainda para o projeto do livro, editado por uma associação sem fins lucrativos, em que relevo o projeto gráfico de Dorothée de Bruchard, que torna a obra uma pequena maravilha gráfica.
Licenciado em filosofia, José Afonso Furtado é diretor da biblioteca de arte da Gulbenkian, tendo sido já presidente do Instituto Português do Livro e da Leitura (atual IPLB), entre 1987 e 1991. Como docente, a sua atividade tem-se desenrolado em universidades como a Clássica de Lisboa e a Católica, na área de edição e da sociologia do livro e da leitura.
1 Universidade Católica Portuguesa Faculdade de Ciências Humanas Palma de Cima - 1649-023 Lisboa N.º Verde 800 204 164 Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa E-mail: rogerio.santos@fch.ucp.pt