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Stylus (Rio de Janeiro)

versão impressa ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.25 Rio de Janeiro nov. 2012

 

EDITORIAL

 

 

A revista que você tem em mãos reúne, em continuidade com a Stylus 24, alguns artigos apresentados no XII Encontro Nacional da EPFCL – Brasil que ocorreu em Salvador, em 2011, e que investigou a lógica da interpretação. A exceção desse conjunto reside na publicação de duas conferências êxtimas, uma de Colette Soler, proferida em abril de 2012 em Paris e publicada na Stylus 24, e outra, a de Bernard Nominé, proferida em dezembro de 2011, na Jornada de Encerramento do Fórum São Paulo, publicada neste número. Justificamos a inclusão dessas suas conferências por considerá-las de extrema importância para acompanharmos o debate que ocorre na França e darmos um tratamento clínico e teórico aos ecos que reverberam aqui no Brasil.

A primeira conferência, já publicada no número anterior, trata do estudo do conceito de inconsciente real, deduzido pela autora no último ensino de Lacan, e a interrogação sobre consequências da introdução deste conceito para a prática psicanalítica. A segunda, a de Bernard Nominé, é resultado de um trabalho de pesquisa que o autor vem desenvolvendo no seu seminário O inconsciente, de Freud a Lacan, afinando o tema O inconsciente e a questão do sentido. Nessa conferência vocês poderão encontrar uma reflexão sobre a prática do psicanalista diante do inconsciente, para tentar daí desvendar a lógica do passo que fez Freud descobrir o inconsciente e levá-lo a operar na clínica, não sem o sentido, consequência que poderia ser deduzida equivocadamente da extração do conceito do inconsciente real.

Essa pesquisa de Nominé, fundamental para a clínica psicanalítica, pode ser dita de diferentes maneiras: "o que faz o analista diante do inconsciente?; qual a lógica da interpretação?; ou mais ainda: "o que é esse algo em que o psicanalista, ao interpretar, produz a intrusão do significante? Esfalfo-me para que ele não o tome por uma coisa, já que se trata de uma falha estrutural" (LACAN, Radiofonia, 1970, p. 411). O que encontraremos como resposta aqui em cada um desses artigos que compõem esta revista? Vejamos aqui na sequência.

Marcelo Mazzuca, psicanalista, AE da EPFCL, trata de forma bonita e poética na sua conferência de mais um depoimento do seu passe no que diz respeito à importância dos sonhos e da interpretação na sua análise. Por se tratar de um testemunho vivo, podemos recolher alguns ensinamentos, dos quais destaco: "que o sonho não é o inconsciente, e muito menos o inconsciente real. Entretanto, dá lugar ao real, não pode provocá-lo, mas sim evocá-lo. Essa dimensão do real repercute no sonho, abrindo o campo do sentido com suas vozes e ressonâncias".

"Vozes e ressonâncias." Palavras comuns no campo da poesia, e Lacan estava atento a isso. No Seminário L'insu (1976-1977) ele lança uma pergunta: seria o psicanalista poeta o suficiente? É a provocação que ele nos deixa, afirmando a seguir que "apenas a poesia permite a interpretação". Esse é o desenvolvimento proposto por Ana Laura Prates Pacheco no seu artigo, que abre a seção Ensaios. Nele, a autora destaca que a articulação entre interpretação e poesia – portanto, as leis da linguagem – está presente no ensino de Lacan pelo menos desde A instância da letra (1958). "Lacan demonstrou – com Freud – que o sintoma, assim com o sonho, é uma cifra cuja lógica responde às mesmas leis que regem a combinatória significante: a metáfora e a metonímia.", diz a autora.

Na sequência, Antonio Quinet interroga, de forma interessante, as condições da enunciação da resposta do analista chamada classicamente de interpretação, cujo termo advém de campos tão díspares. Inicialmente como oráculo, que toma a via do signo e do enigma, correndo o risco de ser tomada como vaticínio e também como fora-do-discurso das psicoses, que toma o sentido paranoico como sua via por excelência, portanto avessa à ética da psicanálise por referir-se a uma significação pré-estabelecida. Para sair do embaraço de nomear o dizer do analista com esse termo, o autor lembra que Freud indicava o caminho trilhado pelo artista, ou seja, o da interpretação musical ou teatral, justificando ao longo do texto a escolha da sua trilha pelo inconsciente musical de lalíngua e a mise-en-acte do analista.

Sonia Borges também lança recurso da arte para demonstrar a interpretação psicanalítica. Neste seu artigo ela discute a orientação de Lacan para o trabalho de interpretação à luz de sua surpreendente afirmação: A interpretação é o ready made, Marcel Duchamp [...], que está mencionada na conferência A terceira, de 1974. Com esta "definição" da interpretação, Lacan não só radicaliza a sua crítica à perspectiva hermenêutica da interpretação, como ratifica a ideia do equívoco como sendo o seu paradigma. O ready-made, pelo fato de mostrar silenciosamente o que é um objeto, ou a falta essencial que habita e sustenta todo objeto, esclarece que é jogando com as palavras de forma provocativa que se pode ir além do deciframento dos significantes primordiais, sem, contudo, "engordar os sintomas com significados".

Encerrando esta seção temos o artigo de Luis Izcovich, que traz uma importante articulação entre a interpretação e o final de análise. Nele, o autor interroga se aquele que não tenha levado sua própria análise até sua conclusão poderá assegurar a direção de uma análise, como também poderá fazer uma interpretação "à bon escient", ou seja, uma interpretação intencional, aquela que se faz com conhecimento de causa e em função de uma finalidade. Conclui defendendo a tese de Lacan, presente desde 1958 no texto A direção do tratamento, que ter atravessado a experiência de final de análise não só é necessário para saber como no que se refere à sua conclusão, mas também condiciona a pertinência da interpretação.

Abrindo a seção Trabalho crítico com conceitos temos o instigante trabalho de Ana Paula Gianesi, que também trata de final de análise. Encontram-se no seu trabalho alguns comentários de Lacan, em conformidade com certa cronologia, até aportar a noção de suplemento, o que indica uma orientação "feminizante" para uma análise concluindo que se em um possível final de análise possa não haver equivalência entre o homem e a mulher, isso aponta para um gozo suplementar em relação ao gozo fálico.

Também do final de análise trata o trabalho de Barbara Guatimosim. Ela parte de uma conferência inédita de Lacan, de 1978, Congresso sobre a transmissão, para interrogar: como o discurso do analista promove este desfecho? Qual é o truque? Como se cura uma neurose? Baseada nas observações que faz Lacan e sob sua orientação, a autora trabalha algumas questões sobre interpretação e ato. Um trabalho que tem a marca de uma autoria singular que vale a pena acompanhar e analisar as consequências que dele se pode extrair.

Na sequência, Rosanne Grippi trabalha o clássico texto de Freud (1934), Construções em análise, considerado por Lacan como o texto que abarca a teoria freudiana por demonstrar clinicamente a interdependência dos conceitos de "construção" e "interpretação". A autora lembra nesse artigo que Freud questiona o que os analistas fazem em sua clínica e aponta que uma análise tomada a partir de um saber soberano do analista é, no mínimo, uma impostura clínica. Ela também trata a diferença que reside no fato de que a interpretação se dá com base em um dado isolado, como um lapso, enquanto que a construção confronta o sujeito com um fragmento de sua história primitiva.

Para finalizar esta seção, temos o artigo bem argumentado e fundamentado de Raul Pacheco, que trata o tema da interpretação e das diferentes maneiras de concebê- la nos campos da filosofia, da ciência e da psicanálise, estabelecendo alguns contrapontos entre as discussões nesses dois campos. O autor interroga se existe uma especificidade da interpretação na psicanálise, em relação à interpretação em outros campos científicos, e também aponta outras tantas questões, tais como as temáticas do real, da verdade e da causa material, e se a pluralidade interpretativa, na psicanálise, é apenas decorrência da falta de rigor ou extimidade de suas teorizações em relação à ciência ou isso deve ser concebido de outra maneira?

Abrindo a seção que trata da Direção do tratamento, temos o artigo de Carlos Eduardo Frazão Meirelles, que investiga o conceito de manejo da transferência no campo clínico da neurose. Ele acompanha as formulações inaugurais de Sigmund Freud sobre o fenômeno da transferência, no que implica de repetição e realidade sexual, utilizando como referência o caso Anna O., conduzido por Joseph Breuer, assim como as formulações de Freud sobre a utilização da transferência para o tratamento da neurose, no que diz respeito à produção de saber inconsciente e à sustentação do trabalho analítico. Com Jacques Lacan, ele examina o termo freudiano de manejo da transferência, retomando a noção de sujeito suposto saber e sua formalização matêmica, e por fim discute o manejo da transferência no momento de entrada em análise com a apresentação de um fragmento de um caso clínico.

Em seguida, Roberta Luna trata da interpretação, baseada na sua experiência clínica com a neurose obsessiva, desenvolvendo a ideia de que, do lado do analista, o corte, como intervenção, encontra seu contraponto: um sujeito que busca incessantemente a costura como garantia. Isto porque ele amarra os significantes de modo a deixar de fora o um a mais introduzido na interpretação. Aqui, para a autora, se desdobra a questão norteadora deste trabalho: como se interpreta, na neurose obsessiva, uma vez que ela está mais do lado do corte do que do lado da costura? Nessa oposição, a que visa a interpretação na neurose obsessiva?

Finalizando esta parte da revista, temos o rigoroso artigo de Ângela Mucida, afirmando que foi a insistência do real incrustado no sintoma que ofereceu a Freud as coordenadas à invenção do dispositivo analítico. Diz ela: "é pela existência do real fora do sentido que Lacan forjou a tese do inconsciente real, abrindo novas maneiras de se pensar o campo da interpretação". Nessa direção, a partir da referência de Lacan sobre o "espaço do lapso", a autora discute a hipótese de um espaço da interpretação como forma de contextualizar o estatuto da interpretação e o inconsciente real, tendo como suporte a questão: como operar com a interpretação com um real fora do sentido?, o que nos leva de volta ao debate introduzido nesta revista.

Na parte que trata das Resenhas, Andrea Rodrigues dá boas noticias sobre o livro recém-lançado de Antonio Quinet, Os outros em Lacan, que se inscreve numa coleção cujo objetivo é fazer o leitor conhecer, de "maneira gradual e interdisciplinar, os mais importantes pensadores, ideias e obras", com linguagem acessível a todos, mas não sem perder o rigor de cada um de seus campos. Também contamos com a resenha de um livro homônimo a esta revista, recentemente publicado pela Associação Científica do Campo Psicanalítico, organizado por Andréa Fernandes, que contém, além do trabalho dos seus membros, a conferência de Marc Strauss, convidado internacional do Encontro Nacional sobre a Lógica da Interpretação. Com este, mais os dois volumes da Stylus, o leitor terá uma bela composição do que foi tratado no Campo Lacaniano em 2011-12 sobre este tema.

Encerro esta revista – e este editorial – apresentando a entrevista com a atual diretora da EPFCL – Brasil, realizada por considerarmos um momento oportuno de transmissão de uma experiência, haja vista que em breve haverá uma nova permuta da Comissão de Gestão de nossa comunidade de Fóruns e da Equipe de Publicação da Stylus. Não só por isso, mas também para homenagear a recémcriada Rede de Psicanálise & Criança e, last but not least, para acolher e divulgar o livro recém-lançado de Ana Laura pela Letra Viva, que trata da direção do tratamento na análise com crianças. A ela, em nome da Comissão de Gestão, e a todos os colegas da EPFCL – Brasil, agradecemos a confiança e o apoio na realização de nosso trabalho e desejamos a todos uma boa leitura!