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Stylus (Rio de Janeiro)
versão impressa ISSN 1676-157X
Stylus (Rio J.) no.28 Rio de Janeiro jun. 2014
EDITORIAL
Quando os membros da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, em 2012, definiram como tema para o VIII Encontro Internacional da IF EPFCL "Os paradoxos do desejo", pareceu a alguns, a princípio, que estaríamos optando por certo retrocesso no ensino de Lacan, um retorno ao campo lacaniano da linguagem sem, as implicações e avanços que as últimas formulações lacanianas do objeto a, do real, e do campo do gozo trouxeram à teoria e à prática analítica.
No entanto, o que pudemos constatar ao longo desses dois anos de trabalho, tendo o desejo como tema principal de nossos estudos, pesquisas e transmissão, foi o quanto o conceito de desejo, seus paradoxos, suas errâncias, indeterminações e determinações, especialmente se situado numa perspectiva que vai além do Édipo, levando em conta a ausência de correspondência entre os sexos, mantém sua centralidade e atualidade.
Isso se demonstrou no XIV Encontro Nacional da EPFCL – Brasil, ocorrido em Belo Horizonte em outubro de 2013, momento em que partilhamos o que desenvolvemos até aquele momento, sobre o tema "O desejo e suas errâncias", que por isso dá o título para a Stylus 28, que traz em sua maioria, textos apresentados nesse encontro.
Mais uma vez, nesse número de Stylus, contamos com a experiência, o rigor e a propriedade com que Colette Soler desenvolve e apresenta suas ideias a respeito da psicanálise de orientação lacaniana. Durante o referido encontro, Colette Soler realizou três conferências que iremos publicar, sendo a primeira no presente número de Stylus e as outras duas na Stylus 29.
A primeira das três conferências, que abre os textos da Stylus 28, recebeu o título de "Desejo no singular e desejos no plural", em que a autora desenvolve o tema a partir da bipartição do desejo em desejo com objeto e desejo sem objeto, desejo finito e desejo infinito, para mostrar as elaborações, ao longo de uma década, feitas por Lacan sobre o fundamento de que o desejo é produzido pela falta.
Outra formulação importante que Soler comenta é a de que "o desejo é sempre desejo de outra coisa", que é um desejo mais próximo ao wunsch, ao voto, à aspiração. E que a insatisfação característica dessa forma de expressão do desejo é muito destrutiva, na medida em que "esvazia o cotidiano de sua substância, em nome de uma vaga aspiração. Assim ele engendra a ineficácia, a inadaptação e, também, a dor". O ponto central da Conferência "Desejo no singular e desejos no plural" está no destaque à evidência de que não há desejo que não vá em direção a um mais-de-gozar.
Na seção Ensaios, estão dispostos três textos. Escolhemos, para abrir essa seção, o ensaio "O Campo Lacaniano e o desejo", exatamente porque, fazendo jus ao título, o autor, Ronaldo Torres, ressalta a pertinência do retorno ao tema do desejo, demonstrando como Lacan, para além da dimensão clínica, ocupou-se em sustentar a psicanálise no mundo com base em seu próprio discurso. E perguntando-se sobre o que se transmite em um tratamento analítico, o autor articula ato, desejo e laço social.
A seguir, Maria Helena Martinho recorre à literatura com muita propriedade, para expressar seus argumentos que versam sobre a divisão subjetiva entre amor e desejo. É assim que, por meio do romance do virtuoso escritor japonês Yukio Mishima, Confissões de uma máscara, a autora vai circunscrevendo a cada etapa da vida do escritor, já que esse é um romance autobiográfico, a presença da clivagem determinada a partir de seus investimentos libidinais, para demonstrar uma aproximação muito cara ao ensino de Lacan, entre o movimento pulsional do escritor, que passa do amor ao desejo, e a topologia da banda de Moebius.
Encontramos no terceiro ensaio "Dom Quixote, Sancho Pança, a errância do desejo e mais-além", de Raul Pacheco, que também recorre à passagens da literatura clássica para ilustrar seus argumentos, uma pergunta central em torno do que é passível de transformação na relação do sujeito com seu modo de gozo, para além da repetição do mesmo que a errância do desejo implica.
Na seção Trabalho crítico com os conceitos, contamos com cinco artigos que, à maneira própria de cada autor, vão trazendo elementos importantes para a ampliação da reflexão em torno do desejo. Começamos com "A inexistência e a insensatez: hiância causal e o gozo do falasser", que iniciando com um poema e concluindo com outro, procura em seu desenvolvimento demonstrar por meio de algumas formulações - chaves de Lacan, como o Real subverte o gozo fálico. A autora, Ana Paula Lacorte Gianesi articula de modo claro e consistente a práxis com a teoria, percorrendo um trajeto que vai do gozo fálico ao gozo não – todo por meio das categorias do necessário, contingente, possível e impossível.
Em "Relação entre sublimação e desejo", a autora opera uma revisão considerável do conceito de sublimação. Parte das noções de sublimação, desejo e saber referenciando-se ao seminário A ética, para se perguntar quais as possíveis relações e diferenças entre essas noções. Beatriz Elena Maya Restrepo apresenta e discute dois paradoxos: um relativo à sublimação e o outro ao desejo.
Dominique Fingermann apresenta suas elaborações referentes às possíveis articulações entre os conceitos de Repetição e desejo, termos dispostos no título de seu artigo. Procede a seu desenvolvimento entre os conceitos em três tempos. No primeiro tempo por meio da pergunta: "Como a questão da repetição se apresentou na clínica do desejo tanto para Freud, quanto para Lacan?". No segundo, demonstrando como "Lacan retomou a articulação topológica dos dois: o desejo como efeito da repetição e a repetição como efeito do dizer, ou seja, a repetição do traço unário como efeito do Um-Dizer e causa do sentido do desejo, Um de sentido". E no terceiro, fazendo coro aos autores em Stylus 28, que recorrem à literatura, confirmando a profunda afinidade da psicanálise com a arte, comenta alguns dos romances de Marguerite Duras, por considerar que "sua obra permite vislumbrar a articulação da ética da repetição com a extravagância do desejo: pas-de-deux".
No quarto artigo dessa seção, o autor parte do wunsch freudiano, percorrendo diversos momentos do ensino de Lacan para demonstrar sua tese presente no título "Desejo: Dasein lacaniano". Distingue duas concepções do Dasein como "ser aí" e como Das Ein, "O Um", o qual irá relacionar ao final da análise. Justifica o uso do termo heideggeriano, na sua concepção de interpretação, como o que localiza o desejo do sujeito em um instante precedente, depois do qual o sujeito já não está aí, a interpretação daseina do desejo do sujeito. Nesse trajeto, o autor procura localizar as várias maneiras com que Lacan situou o desejo nas dimensões imaginária, simbólica e real, relacionando-o aos quatro conceitos fundamentais, e também com os quatro discursos, fazendo uma aproximação do desejo com sua escritura. Rebollo finaliza seu desenvolvimento, destacando a função desejo do analista.
"Sobre o amor, o desejo e os parceiros" é o artigo que conclui a seção Trabalho crítico com os conceitos, onde Marcia de Assis aposta nos efeitos de uma análise sobre a questão amorosa. A autora tece uma declinação do amor em sua relação com o desejo como respostas ao axioma "não há relação sexual", partindo do amor em sua ignorância do desejo, passando pelo amor de transferência, enquanto condição e obstáculo do tratamento e chegando a um amor mais digno, aquele que não acredita no parceiro, porém o reconhece em sua "unicidade solitária".
A seção Direção do tratamento reúne mais três promissores artigos que apresentam precisas articulações da teoria com a práxis. Perguntando-se sobre o que Lacan quis demonstrar com as formulações em torno do conceito de transferência e seu manejo clínico, como a do fechamento do inconsciente como efeito do amor de transferência, e a respeito da função obturadora do objeto a, bem como ao apontar para a instalação do sujeito suposto saber, Luciana Guarreschi, que intitula seu trabalho de "As exigências do manejo transferencial e o desejo de analista" entrelaça fragmentos clínicos com a teorização da transferência, chegando à função do desejo do analista nesse percurso.
Em "Na vertigem da dor: o luto na zona entre os vivos e os mortos", Miriam Ximenes Pinho, baseada na singularidade de um caso clínico que traz a questão da elaboração psíquica do luto, recorre às obras de Freud, Lacan e Allouch sobre o tema, a fim de articular e extrair três aspectos envolvendo teoria e clínica do luto, que nomeia de "na vertigem da dor", "o estatuto do morto" e "o luto entre o recordar e o repetir".
Encerramos essa seção com "O importante papel do humor na direção da cura", em que a autora procura articular um caso clínico de um sujeito obsessivo, que padece da tirania superegoica, ao personagem Giovani Mazonni, interpretado no filme A família, sendo o humor o laço que amarra ficção e realidade psíquica.
A Entrevista com Colette Soler aqui publicada, realizada por Dominique Fingermann, é consequência de uma solicitação da Comissão Científica do XIV Encontro Nacional da EPFCL – Brasil, "A causa do desejo e suas errâncias". Na ocasião do encontro a entrevista foi publicada parcialmente no jornal O Estado de Minas, e consideramos oportuno apresentá-la na íntegra na Stylus 28, que tem como fio condutor o mesmo tema do referido encontro.
Concluindo mais este número de Stylus, temos a satisfação de apresentar na seção Resenha, nas palavras de Jairo Gerbase, o livro A criança em nós e sua autora, a psicanalista Sonia Magalhães, que, ao reunir uma série de artigos referentes à psicanálise e criança, demonstra sua extensa contribuição à psicanálise e ao Campo Lacaniano, para a clínica com crianças.
Esperamos, com os trabalhos aqui reunidos, oferecer ao leitor um caminho para redescoberta e atualização da noção de desejo no Campo Lacaniano.
O próximo número da revista, Stylus 29, continuará abordando esse mesmo tema, e encontraremos, além de outros instigantes trabalhos, as segunda e terceira conferências pronunciadas em Belo Horizonte por Colette Soler, em outubro de 2013.
Em nome da Equipe de Publicação de Stylus, desejo a todos boa leitura!
Ida Freitas