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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.1 n.1 Porto Alegre jun. 2002

 

ARTIGOS

 

Adaptação e validação de uma escala de bem-estar psicológico para uso em estudos ocupacionais

 

Adaptation and validation of a psychological well-being scale for use in the occupational studies

 

 

Livia de Oliveira Borges; João Carlos Tenório Argolo

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi adaptar e avaliar a estrutura fatorial do QSG-12 - Questionário de Saúde Geral. Tal questionário mensura deteriorações menores em saúde mental e é largamente utilizado em estudos ocupacionais. O presente estudo foi desenvolvido com amostras de bancários (N=152), profissionais de saúde (N=136) e desempregados (N=158) em Natal-RN. Os resultados corroboram estudos anteriores, apontando a solução unifatorial como a mais recomendada, mas também mostrou a viabilidade de utilizar solução bifatorial. Encontraram-se diferenças significativas do nível de deterioração mental por situação e por categoria ocupacional. Os resultados encontrados reforçam as qualidades psicométricas do questionário, indicando que sua aplicabilidade em estudos ocupacionais é generalizável para o contexto local.

Palavras-chave: Validação, Análise Fatorial, Questionário de Saúde Geral.


ABSTRACT

The present study was aimed to adapt and to assess the factor structure of the GHQ-12 - General Health Questionnaire. This questionnaire measures small amounts of deterioration in mental health through behavioral indexes and it is used broadly in occupational studies. This study was developed with samples of bank workers (N=152), health professionals (N=136) and unemployed (N=158) in Natal, Brazil. The results corroborated previous studies, showing that the one-factor solution represents the best solution but it also showed the validity of using the two factors solution. Significant differences of the mental deterioration level for situation and for occupational category were found. The results showed that the questionnaire has sound psychometric properties and that its use in occupational studies may be generalized for the local context.

Keywords: Psychological well-being, Factor Analysis, General Health Questionnaire.


 

 

A estruturação da pessoa humana enquanto ser psicossocial ocorre pela interseção das várias fontes de socialização, entre as quais, na adultice, destaca-se a instituição trabalho/emprego. Conseqüentemente, o trabalho/emprego exerce um papel relevante para a saúde mental do homem, quer pelos aspectos positivos da estruturação e desenvolvimento de traços de personalidade (Kohn & Schooler, 1983), do desenvolvimento da identidade, (Agulló-Tomás, 1997; Codo, Sampaio & Hitomi, 1993), e do fortalecimento e inter-relação com as demais esferas de vida. (Jahoda, 1987; Bicalho-Souza, 1994; Borges, 1998), quer pelos aspectos negativos das disfunções e afecções decorrentes da organização do trabalho e suas relações com o sujeito (Codo & Sampaio, 1995; Codo, 1999; Dias de Souza & Patrocínio, 1999; Sampaio, Borsoi & Ruiz, 1998; Robayo-Tamayo, 1998) ou de sua ausência - desemprego (Jahoda, 1987; Álvaro-Estramiana, 1992; Álvaro-Estramiana, Torregrosa & Garrido-Luque, 1992; Garcia-Rodríguez, 1993).

Os estudos da relação entre o trabalho e a saúde mental incluem linhas de investigação acerca dos efeitos do trabalho ou sua ausência e sobre o bem-estar psicológico do trabalhador. Particularmente, em função da reestruturação produtiva, que se segue nos países industrializados e é estendida pelo sistema de mercado globalizado, foram intensificados os estudos sobre os efeitos do desemprego, a saúde mental e/ou do bem-estar do trabalhador (Garrido, 1996).

Diante da dificuldade em integrar posturas e conceitos divergentes acerca da saúde mental, os estudiosos adotaram vários indicadores. Entre estes, surgiu a noção de transtornos psíquicos leves ou não-psicóticos, sob uma ótica de que a saúde não significaria apenas a ausência da doença mental enquanto distúrbio grave. Os transtornos leves indicam alguma afecção da estrutura de vida psíquica do trabalhador, portanto, inter-relações com sua vida social.

Foi neste caminho que o QSG-Questionário de Saúde Geral, uma escala criada por Goldberg (1972, 1978), para fins de exames de saúde mental dos indivíduos, passou a ser usado em estudos ocupacionais, em vários centros de pesquisa da Europa e dos Estados Unidos da América como aferidor da vulnerabilidade a transtornos psíquicos não-psicóticos, na situação de desemprego.

O referido questionário, em sua forma original, é composto de 60 itens. O autor do questionário formulou posteriormente várias outras versões, com um número cada vez menor de itens (30, 20 e 12 itens). Mesmo a forma mais reduzida tem man-tido o grau de confiabilidade. É a última versão (QSG-12), devido à simplicidade, que tem se tornado comum em estudos ocupacionais e, principalmente, em estudos sobre os efeitos do desemprego. Sem margens de dúvidas, o artigo de Banks e cols. (1980), explorando especificamente as propriedades do QSG-12 em estudos empíricos no campo ocupacional, muito influenciou a generalização de seu uso.

Vários autores (por exemplo, Garcia (1985); Jackson & Warr (1984); Stafford, Jackson & Banks (1980), Álvaro-Estramiana, 1992; García-Rodriguez, 1993; Baba, Jamal e Tourigny, 1999) pontuam que predomina em tais estudos o uso do QSG-12. García-Rodriguez (1993) associa o fato à constatação de que estudos epidemiológicos sobre o desemprego têm se concentrado em torno de três núcleos de pesquisa: na Universidade de Sheffield na Grã-Bretanha, em distintas universidades americanas e os de origem australianas (por exemplo, Feather, O'Brien e Gordon).

Pasquali (1999), por outro lado, assinala a carência de escalas psicométricas (em geral) no Brasil e identifica em tal carência uma das barreiras para o avanço da investigação científica. Mesmo assim, diversos estudos epidemiológicos no campo ocupacional, no Brasil, têm sido desenvolvidos, destacando-se entre eles os estudos da equipe coordenada por Codo (por exemplo, Codo & Sampaio, 1995; Codo, 1999; Sampaio, Borsoi e Ruiz, 1998) pela sua extensão, principalmente no estudo com profissionais de educação (apoiado pela CNTE: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) com amostra nacional (abrangendo todos os estados da federação). Porém, como os próprios autores têm relatado, as dificuldades metodológicas não são desprezíveis, o que termina corroborando a observação de Pasquali.

Nos estudos da referida equipe de pesquisa, usa-se como instrumento de mensuração da saúde mental o MMPI (Inventário Minnesota Multifásico de Personalidade)1 , teste psicológico bastante conhecido e utilizado em avaliações clínicas no Brasil. O uso deste teste pode ser vantajoso, de acordo com as especificidades do que se pretende mensurar ou identificar referente à saúde mental dos indivíduos. Entretanto, caracteriza-se por teste extenso e de difícil preenchimento. Na maior parte das oportunidades, os estudos não pretendem a mensuração exclusiva da variável saúde mental. Aliás, atualmente a tendência é sempre tomá-la como uma entre tantas variáveis. Autores, como Katzell (1994) e Álvaro-Estramiana (1995), identificam como uma das tendências na Psicologia Social do Trabalho caminhar na construção de modelos mais amplos e, por conseguinte, desenvolver mais estudos que levem em conta diversas variáveis. Nesta área de estudo, como é difícil e inadequado, senão impossível, isolar variáveis em delineamentos experimentais, freqüentemente opta-se por metodologias de campo. Assim, em tal abordagem de estudo, a extensão do MMPI torna o protocolo de coleta de dados excessivamente pesado (extenso). Desta forma, as características citadas do teste inviabilizam seu uso em muitas situações de pesquisa, especialmente com desempregados, cujo acesso normalmente se complica, tanto pelas dificuldades de localização e acesso aos mesmos, como pelas dificuldades em contar com a sua colaboração em responder. É importante observar que os estudos, levados a cabo sob a coordenação de Codo, centram a atenção nos efeitos do próprio trabalho/emprego e não do desemprego.

Pasquali, Gouveia, Andriola, Miranda e Ra-mos (1994) desenvolveram estudo pioneiro no país, adaptando e validando o QSG-60 com amostra brasileira. Freitas (1997), por sua vez, desenvolveu estudo sobre a associação entre suporte social e saúde mental, utilizando tal adaptação do QSG-60. Em seguida, Sarriera, Schwarcz e Câmara (1996) desenvolveram estudo sobre a validade e estrutura fatorial do QSG-12 com uma amostra gaúcha de jovens (16 e 24 anos de idade) de várias situações ocupacionais (desempregados, empregados temporários, trabalhadores fixo e estudantes).

Apesar das iniciativas citadas, continuam limitados, no país, os estudos sobre o QSG-12, suscitando reexame com amostras de outros segmentos populacionais. Ressalta-se que, devido a sua consolidada aplicação internacional no campo ocupacional e ao fato de coadunar-se com a linha de pesquisa sobre Saúde Mental e Trabalho, sua adaptação e validação para a realidade local permitem o uso imediato em estudos sobre assunto.

Importa, ainda, registrar que o referido instrumento de medida poderá ser utilizado também como instrumental na atuação profissional na área de administração de pessoas, para desenvolver diagnósticos organizacionais e/ou de saúde coletiva numa perspectiva epidemiológica aplicada ao trabalho.

Todos estes aspectos levantados indicam a relevância social de novo estudo sobre a adaptação e validação do QSG-12. Adicionalmente, do ponto de vista psicométrico, é importante considerar que nos estudos internacionais e nacionais já realizados sobre o QSG-12, há bastante convergência sobre as avaliações da sua consistência e validade enquanto um questionário unifatorial, porém, ainda persistem discussões e dúvidas sobre a adequação de utilizá-lo na mensuração dos subfatores ou fatores primários (dois ou três?) como se resume mais adiante. Contribuir para resolver esta questão pode significar ampliar a aplicação do QSG-12 em estudos de campo e/ou na atuação profissional. Por todas estas razões, o presente trabalho teve por objetivo adaptar e validar um instrumento de medida de bem-estar psicológico QSG-12, através de estudo de campo com bancários, profissionais de saúde e desempregados em Natal, explorando?se a estrutura fatorial e a consistência do mesmo.

Histórico do Instrumento

Segundo Banks e cols. (1980), os estudos des-de a proposição do QSG têm mostrado sua validade como um questionário auto-administrável para identificar desordens psiquiátricas menores. O desenvolvimento original da medida por Goldberg, em 1972 (Banks e cols, 1980) resultou em uma versão de 60 itens (QSG-60) e depois, com a extração dos melhores 30, 20 e 12 destes itens, viabilizou versões mais reduzidas (QSG-30, QSG-20 e QSG-12, respectivamente). Cada um dos itens mostrava uma diferença em endossos de pelo menos 40% entre a proporção de normal a severo definida por índices clínicos. Os itens consistem em uma pergunta que investiga se o participante experimentou recentemente um sintoma particular ou indício de comportamento taxado em uma escala de quatro pontos. Dois principais métodos de apuração das respostas são usados: o método QSG, no qual se atribui 0 se os indivíduos escolhem qualquer uma das duas primeiras categorias, ou 1, para escolhas da terceira ou da quarta categoria; e o método Likert, no qual às respostas são atribuídas as pontuações de 0, 1, 2 e 3.

Os estudos mostraram que a escala plena exibiu alta consistência interna e boa confiabilidade de reteste num período de 6 meses. Todas as versões da escala também apresentaram altas correlações umas com as outras. O original e estudos empíricos subseqüentes (resumido em Goldberg, 1978) oferecem evidências da validade do QSG, como mostrado por suas associações lineares com avaliações clínicas independentes (tipicamente r=0.70 ou maior), e sua sensibilidade e especificidade, discriminando entre casos patológicos e o normal. O método QSG de pontuação foi ligeiramente menos satisfatório que o método Likert nestes aspectos posteriores.

As formas com mais itens se mostram consistentes para mensurar tanto um fator geral de saúde mental quanto os fatores componentes, que, na forma adaptada no Brasil (QSG-60) por Pasquali, Gouveia, Andriola e Ramos (1994) são: estresse psíquico, desejo de morte, desconfiança do próprio desempenho, distúrbio do sono, distúrbio psicossomático e suporte organizacional.

Banks e cols. (1980), no estudo já citado, explorando especificamente as propriedades do QSG-12 no campo ocupacional, analisam as respostas ao questionário apresentadas por três amostras distintas. A primeira (N=659), de empregados numa empresa de engenharia, a segunda (N=512), de estudantes de doze escolas urbanas e a terceira (N=92), de desempregados. Os principais resulta-dos deste estudo foram:

· A análise fatorial mostrou que os itens continuaram carregando adequadamente no fator geral.

· Os índices Alfa de Cronbach nas três amostras variaram de 0,82 a 0,90, indicando adequada consistência.

· O primeiro fator (entre três) explica de 34% a 48% da variância.

· Os demais fatores explicam índices irrelevantes da variância e não são facilmente interpretáveis, indicando que a escala é unifatorial.

· O método de apuração de Likert é mais consistente com uma distribuição normal e, por con-seguinte, mais adequado para análises paramétricas multivariadas.

· A exploração da relação do fator geral do QSG com características demográficas - idade, sexo, nível do posto de trabalho (colarinho branco, colarinho azul, supervisão e gerencial), estado civil e inserção no mercado de trabalho (empregado/desempregado) - encontrou diferenças significativas entre os empregados e os desempregados na primeira amostra (t=8.06, p<0.01 para o método QSG; t=8.36, p<0.01 para o método Likert); em uma comparação entre todos os empregados da primeira amostra (firma de engenharia) e todos o desempregados da terceira amostra (t=14.36, p<0.01 para o método QSG; t=13.15, p<0.01 para o método Likert). Foi também encontrada uma diferença significativa de sexo para o grupo jovem da segunda amostra (t=2.76, p<0.01 para o método Likert), com as mulheres pontuando mais alto que os homens.

Banks e cols. (1980) chamam atenção de que os resultados encontrados evidenciam que o QSG é recomendável para comparar níveis de desordens psiquiátricas em e entre populações, sendo útil em estudos referentes a empregos e problemas ocupacionais.

Sarriera e cols. (1996), para analisar as propriedades psicométricas do QSG-12, aplicado em uma amostra 563 jovens de ambos os sexos, com idade de 16 a 24 anos (média=19, dp=2,47), dos quais 54,8% com 2o grau, desenvolveram uma Análise de Componentes Principais, com rotação Varimax, e estimaram os coeficientes de consistência (alfa de Cronbach). Os resultados mostraram três fatores que se referiam à auto-estima, à depressão e à auto-eficácia (usando o critério de interpretar todos os fatores com eigenvalues superiores a 1). Verificaram também que os coeficientes Alfa referentes às respostas aos itens que compõem cada fator variaram de 0,54 a 0,66. O coeficiente Alfa estimado para a totalidade dos itens do QSG-12 foi de 0,80.

Concluíram, com base nestes resultados, que os três fatores apresentam insuficiente consistência, sendo úteis apenas em nível explicativo. Pro-põem que o QSG-12 seja utilizado como unifatorial ou bifatorial. Importa assinalar que apesar de Sarriera e cols. (1996) levantarem a possível adequação de utilização como bifatorial e citarem estudos anteriores (Moret e cols., 1990, Rodríguez & García, 1989; e González-Romá, 1991) consistentes com esta propriedade, não exploram tal alternativa. Os estudos anteriores indicando a bifatorabilidade, designavam os fatores por depressão e ansiedade (Sarriera e cols., 1996).

Por fim, é importante registrar que os diversos estudos ocupacionais utilizando o QSG-12 em cortes transversais ou longitudinais têm sido consistentes em encontrar escores mais elevados2 para desempregados do que para empregados.

Em suma, os estudos consultados são consensuais em apontar a validade e consistência do QSG-12 em uma estrutura unifatorial (útil para estimar um escore geral de bem-estar psíquico), mas existem divergências e/ou dúvidas sobre a adequação para estimar escores para fatores mais específicos.

 

Método

O presente estudo se caracteriza por pesquisa de campo a partir de uma amostra de bancários, de profissionais de saúde e desempregados. Tendo em vista o objetivo anunciado anteriormente, o seu desenvolvimento orientou-se pelas seguintes questões de pesquisa:

· Quantos fatores formam a estrutura fatorial do QSG-12?

· Qual é a consistência de tais fatores?

· Os escores a serem estimados variam em conformidade com características demográficas (Ida-de, estado civil, religião, freqüência à igreja e sexo) e ocupacionais (categoria ocupacional e tempo de serviço) da amostra?

Participantes

Participaram deste estudo 158 desempregados e 288 empregados, sendo que destes, 47,2% são profissionais de saúde e 52,8%, bancários. Dos bancários, 33,6% (51 bancários) são de bancos privados e 66,4% (101 bancários), de bancos de economia mista.

A média de idade da amostra é de 35,3 anos (com desvio-padrão de 9,71), sendo que para os empregados essa média é 39,6 anos (com desvio-padrão de 8,05) e para os desempregados é de 27,3 (com desvio padrão de 7,16). A média de tempo de serviço dos empregados é de 15,3 anos (com desvio-padrão de 7,13). A aplicação do Teste t com-parando empregados e desempregados confirmou que a diferença de idade entre os dois segmentos é estatisticamente significativa (t=15,81, p<0,01).

Quanto à religião, 75,5% da amostra declaram ser católicos. Quanto ao estado civil, 56,1% são casados, 32,9% solteiros e 9,9% são separados, divorciados ou viúvos. Quanto ao sexo, 54,4% são mulheres e 45,6% são homens. E quanto ao nível de instrução, 36,2% dos participantes apresentam nível de escolaridade superior completo, 41,9%, ensino médio e 22%, ensino fundamental.

Estimado o Qui-Quadrado, há rejeição da in-dependência entre a situação ocupacional (empregado/desempregado) e as variáveis: sexo ( ²=11,98, p<0,01), nível de instrução ( ²=118,60, p<0,01) e estado civil ( ²=18,98, p<0,01). Desta forma, entre os desempregados é menor a proporção de mulheres, pessoas casadas e com instrução superior.

Procedimentos

A pesquisa foi desenvolvida nas seguintes etapas:

Tradução Regressiva

Traduziu-se o QSG-12 para o Português a partir da versão original em Inglês. Apoiou-se na tradução para o espanhol e, por fim, na tradução de Sarriera e cols. (1996). Realizou-se, então, tradução regressiva para o espanhol. Duas pessoas, originárias de países que têm como principal idioma o espanhol, colaboraram nesta atividade, na qual receberam a tradução para o Português e voltaram a traduzir para o espanhol. Por fim, compararam-se os resultados do trabalho das colaboradoras à ver-são em espanhol. Realizada tal tradução, processou-se os ajustes necessários.

Confecção do questionário

Adotou-se o formato tradicional do questionário, porém foi reproduzido e aplicado como parte de um protocolo de pesquisa mais amplo, a fim de permitir o desenvolvimento de uma coleta de dados integrada com outros projetos da equipe de pesquisa, racionalizando os recursos materiais e de esforços dos participantes. Neste protocolo, além de outros questionários de mensuração de aspectos psicossociais, havia também uma ficha com dados demográficos e ocupacionais (idade, tempo de serviço, serviço/função, etc.).

Contatos

Visando a operacionalização da coleta de da-dos, foram feitos contatos com organizações que podiam apoiar neste sentido. Buscou-se o sindica-to dos bancários, os próprios bancos, coordenação dos cursos de extensão oferecidos pela UFRN3 / Unitrabalho4 /Sindicato dos Bancários e instituições de saúde (Hospitais e Postos de Saúde) e o SINE5.

Aplicação dos questionários

O tipo de aplicação (individual ou coletiva) variou conforme as conveniências dos participantes da amostra decorrente das características do ambiente onde eram abordados. Assim, os bancários que foram contatados por estarem participando do curso já referido, responderam o questionário coletivamente em sala de aula; os demais bancários, contatados nas Agências bancárias, individualmente e na ausência do aplicador; os profissionais de saúde, predominantemente em pequenos grupos, conforme os setores onde atuavam (por exemplo, urologia, psiquiatria, etc.) e os desempregados, nas Agências do SINE, individualmente e na presença do aplicador.

 

Resultados

Depois da aplicação dos questionários, as respostas dos participantes da amostra foram registradas (segundo a escala Likert, de 0 a 3) na forma de banco de dados do SPSS 7.5.

A literatura indica que a maioria dos estudos desenvolve Análise de Componentes Principais. Tal técnica estatística é recomendável na construção de instrumentos de medida para as explorações introdutórias da estrutura fatorial latente, principalmente antes de se levantar o número de fatores e sua consistência. Entretanto, em referência à presente pesquisa, esta não é mais a situação. O QSG já foi testado em várias populações, inclusive, contando com estudos no Brasil sobre a sua validade, consistência e estrutura fatorial, como descrevemos na seção de revisão bibliográfica. Por estas razões, optou-se por aplicar a Análise Fatorial na técnica dos Eixos-Principais, a qual é recomendada para o desenvolvi-mento de análises com caráter confirmatório.

A partir da aplicação da referida técnica, analisou-se a estrutura fatorial latente nas respostas da amostra como um todo, em seguida se repetiu a mesma análise para os dois segmentos da amostra segundo a situação ocupacional (empregados/ desempregados) e, por fim, para as duas categorias ocupacionais dos participantes empregados (profissionais de saúde e bancários).

A primeira análise fatorial (para a amostra como um todo), foi aplicada em dois momentos, sendo que no primeiro utilizou-se Rotação Varimax e no segundo, Rotação Oblíqua (Direct Oblimin). Procedeu-se assim, porque os estudos anteriores relatados na bibliografia consultada aplicavam Rotação Varimax. No entanto, especialistas em métodos estatísticos (por exemplo, Tabachnick e Fidell, 1989) recomendam primeiro aplicar a Rotação Oblíqua e verificar se há correlações entre os fatores, resultado previsível para a maioria dos construtos em ciências humanas. Aplicada, no presente estudo, encontrou-se uma correlação de r=0,62, o que é suficiente para justificar sua adequação. Foi feita a comparação entre os resultados gerados pela Análise Fatorial nas duas rotações, observando-se que os resultados eram extremamente semelhantes (como a mesma composição fatorial), variando um pouco a magnitude de alguns pesos6 e, de forma, que os maiores eram ampliados na Rotação Oblíqua. Por estas razões, optou-se aqui em tomar a tal solução como o resultado principal encontrado.

Além dos procedimentos já relatados, estimou-se também o Coeficiente Alfa da totalidade das respostas e entre os itens que compõem cada fator, tanto para avaliar a consistência interna dos dados coletados, quanto da solução fatorial adotada.

Complementando o estudo, desenvolveram-se análises estatísticas (Coeficiente de Correlação e Qui-quadrado) para explorar a variabilidade dos escores nos fatores obtidos pelos participantes da amostra em conformidade às características demográficas e ocupacionais, visando comparar aos estudos anteriores.

Propriedades Psicométricas do Questionário

Iniciado o desenvolvimento da primeira análise fatorial, confirmou-se a fatorabilidade7 dos da-dos disponíveis (KMO=0,91; Teste de esfericidade de Bartlett = 1847,5, p<0,01; coeficientes de correlação entre os itens variando de 0,17 a 0,59; Communalities variando de 0,33 a 0,55). Observou-se que, de acordo com as características da matriz de correlação, nenhum dos itens pode ser considerado outlier8 em relação ao questionário.

A solução inicial (sem rotação) indica que há dois fatores com eigenvalues superiores a um, indicando uma estrutura bifatorial. No entanto, o primeiro fator (9 itens) explica 48,6% da variância e o segundo (3 itens), 9,3%. O Scree Plot (Fig. 1) ilustra uma mudança forte na direção da curva no primeiro fator, sugerindo um solução unifatorial.

Os coeficientes Alfa de Cronbach estimados também fortalecem mais a solução unifatorial, porque o coeficiente para a totalidade dos itens é de 0,88, enquanto para os itens que compõem cada fator é: a = 0,85 para o primeiro fator e a = 0,75 para o segundo.

Do ponto de vista da natureza dos fatores (Tabela 1), o primeiro reúne itens que dizem respeito a dar conta do fazer e da competência em interagir com o ambiente psicossocial. Portanto, pode ser designado por auto-eficácia, como vem sendo utilizado na literatura. No segundo fator predominam conteúdos referentes à tensão, esgotamento emocional e depressão. Pode, então, receber a designação de depressão.

 

 

 

Repetida a análise fatorial (Eixos-Principais, com Rotação Oblíqua) apenas para os emprega-dos, os indicadores de fatorabilidade continuaram favoráveis9 . Neste caso, os resultados fortalecem a solução bifatorial, na qual os fatores apresentam respectivamente os seguintes coeficientes Alfa de Cronbach: a=0,86 para o primeiro fator e a =0,83 para o segundo. Além de que o segundo fator fica composto com mais um item e que os demais itens têm seus pesos fatoriais ampliados, como mostra a Tabela 1.

Repetidos os procedimentos tendo em vista apenas o segmento de bancários da amostra, os coeficientes que indicam a fatorabilidade continuaram favoráveis10 e obtiveram-se resultados muito semelhantes à solução encontrada para empregados - com o mesmo número de fatores e com-posição destes - o que dispensa a descrição de tal estrutura.

Para os profissionais de saúde, entretanto, a estrutura fatorial apresenta algumas diferenciações que merecem atenção. Os indicadores de fatorabilidade continuaram favoráveis11 . Nas estatísticas iniciais, há três fatores com eigenvalues superiores a 1, porém o Scree Plot sugere a existência de dois fatores relevantes e, aplicada a Rotação Oblíqua, observa-se que na matriz padrão não há nenhum item que a principal saturação seja no terceiro fator. Por isto, optou-se neste caso também por uma solução bifatorial.

Tal solução, entretanto, apresenta características diferenciadas daquela encontrada para a amostra como um todo:

1 - Os fatores apresentam-se correlacionados entre si com um coeficiente de 0,52.

2 - O primeiro fator explica 42 % da variância e o segundo, 12%.

3 - A composição de tais fatores é diferencia-da da estrutura geral (Tabela 2), de modo que a noção predominante no primeiro fator é acerca da depressão e tensão emocional e no segundo, auto-eficácia.

Variabilidade dos Escores nos Fatores por Características Demográficas e Ocupacionais

Tomando-se a primeira solução fatorial como referência (para amostra como um todo), estimou-se os escores nos fatores para cada participante da amostra, através da média dos pontos atribuídos a cada item, ponderados pelos pesos dos mesmos itens no fator, obtendo-se as médias por segmentos da amostra apresentados na Tabela 3.

Aplicado o Teste t, comparando-se as médias dos empregados com as dos desempregados, constatam-se diferenças significativas no Fator Geral (t=2,06, p< 0,04) e no segundo fator (t=3,68, p<0,01).

Estimaram-se as correlações entre os escores nos fatores e a idade dos participantes, encontrando um coeficiente estatisticamente significativo em referência ao segundo fator (r=0,11, p<0,03, N=488).

 

 

Desenvolvida, por fim, a análise fatorial ape-nas para os desempregados, os resultados, ao contrário do que se observou para os empregados, fortalece a solução unifatorial, visto que os coeficientes Alfa de Cronbach para o conjunto de itens de cada fator são respectivamente 0,81 e 0,66. Além disto, ainda se observa que: dois itens não apresentam pesos fatoriais acima de 0,30 (itens 1 e 3) e o segundo fator passa a ser composto pelos itens 4, 7 e 8. Desta forma, o primeiro fator (que explica a maior proporção da variância) passa a ser aquele referente à de-pressão e o segundo à auto-eficácia.

As demais variáveis sócio-demográficas eram nominais (sexo, categoria ocupacional e religião) ou ordinais (níveis de instrução, freqüência à igreja). Por isso para estudar a relação entre tais variáveis e os escores nos fatores do QSG, foram desenvolvidos tabelas cruzadas e estimados os Qui-Quadrados. Nenhum dos resultados encontrados eram estatisticamente significativos.

Repetindo-se tais análises apenas para os empregados, tomando como referência à análise fatorial desenvolvida com os mesmos, foram encontrados resultados estatisticamente significativos em relação a três variáveis (ver Tabelas 4, 5 e 6): categoria ocupacional (bancários e profissionais de saúde), freqüência à igreja e nível de instrução.

 

 

Na Tabela 4, observa-se que, no fator geral e nos demais, os bancários apresentam sua média superior aos profissionais de saúde, portanto, os bancários tendem a apresentar maior deterioração da saúde mental ou bem-estar, segundo os aspectos medidos no QSG-12.

Na amostra, havia bancários trabalhando em bancos privados e em bancos de economia mista.

Tomando-se, então, exclusivamente o segmento de bancários da amostra, comparou-se as médias nos fatores do QSG-12 nos dois grupos citados, aplicando o Teste T. Os resultados não indicam entretanto diferenças estatisticamente significativas. Portanto, a deterioração da saúde mental entre bancários não está relacionada com o regime jurídico-econômico do banco (economia mista e privada).

A Tabela 5 mostra que há diferenças significativas entre as médias em todos os fatores do QSG-12, quando comparados os empregados que freqüentam à igreja com os que não freqüentam e freqüentam raramente. Estes últimos tendem a maior deterioração na saúde mental já que, nos três fatores, apresentam médias superiores àquelas dos indivíduos considerados freqüentadores.

 

 

 

 

Por fim, observa-se, na Tabela 6, que há mais bancários da amostra, comparou-se as médias nos deterioração da saúde mental nos níveis mais elevados de instrução no que se refere ao fator geral e ao primeiro fator (auto-eficácia), indicando que aqueles com instrução superior tendem a se perceberem com menos auto-eficácia e, conseqüente-mente, com mais deterioração na saúde mental.

 

Discussão e Conclusões

Em todas as análises fatoriais apresentadas encontram-se indicadores de fatorabilidade favoráveis, a consistência indicada pelos coeficientes Alfa de Cronbach para a totalidade dos itens acima de 0,80 e todos os itens carregando (pesos acima de 0,30) na solução unifatorial. Nas soluções bifatoriais, os fatores encontrados são bastante correlacionados entre si e a diferença da proporção de explicação da variância do primeiro para o segundo fator é muito acentuada. Todas estas constatações corroboram a pertinência de lidar com o QSG-12 como estrutura unifatorial conforme recomendado na bibliografia consultada.

Ao se utilizar a solução unifatorial para com-parar grupos da amostra por categoria e situação ocupacional, esta se mostrou capaz de discriminar diferenças, indicando suficiente sensibilidade para as peculiaridades dos referidos grupos. Por essa razão, em vários estudos epidemiológicos a solução unifatorial tem sido suficiente.

Por outro lado, soluções que indicam uma estrutura bifatorial podem ser enriquecedoras para pre-cisar melhor a natureza da deterioração de saúde mental identificada entre categorias ou grupos ocupacionais. Exemplo disto é compreender que a deterioração mental dos bancários é mais acentuada que a dos profissionais de saúde, se esta implica em conteúdo de baixa auto-eficácia e da associação entre depressão e esgotamento mental. Levanta-se, por conseqüência, a hipótese de que tais problemas podem estar relacionados à natureza repetitiva e esvaziada de significado das tarefas bancárias, aspectos estes que já vem sendo associado à etiologia de problemas em saúde mental de bancários em outros estudos (Codo, Sampaio, Hitomi e Bauer, 1995).

É, também, importante lembrar que, na solução bifatorial desenvolvida com amostra de empregados, a consistência indicada pelo coeficiente Alfa de Cronbach é de 0,85 e 0,83 para os dois fatores respectivamente. Os coeficientes Alfa de Cronbach encontrados a partir das respostas da amostra do presente estudo foram mais elevados do que em outro estudo brasileiro (Sarriera e cols., 1996) no qual este se referenciou. É possível que o fato se deva ao tipo de amostra. Sarriera e cols. (1996) pesquisaram com amostra de jovens, os quais pelo próprio período de vida são mais instáveis; além de que os referidos autores indicaram a possibilidade da validade de estrutura bifatorial e não a exploraram. Favorável a esta argumentação, os coeficientes Alfa para a estrutura fatorial encontrada para os empregados são melhores que aqueles encontrados para os desempregados. O primeiro segmento da amostra apresenta características demográficas mais homogêneas.

Os resultados encontrados não indicaram, porém, diferenças dos níveis de deterioração por sexo, o que aparentemente contradiz a literatura consultada, entretanto, nos estudos nos quais tal diferença foi encontrada, a amostra era de jovens, o que pode estar indicando que a diferença entre sexo pode desaparecer com a idade.

As associações encontradas entre os escores nos fatores do QSG-12 e freqüência à igreja sugerem que a prática religiosa funciona como suporte emocional e cognitivo para os indivíduos no aprendizado de lidar com as dificuldades e barreiras inerentes ao exercício profissional. A existência de uma relação entre deterioração da saúde mental e crescimento do nível de instrução, por sua vez, permite propor a hipótese de que quanto maior a discrepância entre expectativas e realizações, maior a deterioração mental. As hipóteses ora apresentadas devem se constituir em sugestões para o desenvolvimento de novos estudos.

Por tudo que foi exposto, conclui-se que os objetivos propostos foram atingidos, fortalecendo a avaliação de que o QSG-12 apresenta suficiente capacidade discriminativa, além de que foram gerados parâmetros externos de referência para outros estudos com bancários, profissionais de saúde e desempregados.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Rua Professor Luis Carlos Teixeira, 10 - Lagoa Nova
59075-130 Natal-RN
E-mail: liviab@digi.com.br

Recebido em 22/07/2001
Aceito em 03/03/2002

Estudo realizado em articulação com o projeto integrado de pesquisa Comportamento no Trabalho e Saúde, do GEST-Grupo de Estudos de Saúde Mental e Trabalho da UFRN, tendo a efetica participação da Bolsista CNPq Fabiana Cristina M. de Medeiros e demais alunos voluntários do GEST na sua coleta de dados

 

 

1 A aplicação do MMPI em pesquisa pode ser compreendida em qualquer publicação da equipe coordenada por Codo e, especialmente em: Sampaio, J. J. C.; Codo, W e Hitomi, A. H.-Saúde Mental e Trabalho: um Modelo de Investigação. In: W. Codo, J. J. C. Sampaio (Orgs.). Sofrimento Psíquico nas Organizações. Petrópolis: Vozes. 1995. p. 85-109.
2 Quanto mais elevados os escores, maior a indicação de desordens psiquiátricas menores, ou seja, mais forte são os sintomas de distúrbios.
3 Universidade Federal do Rio Grande do Norte
4 Rede Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho
5 Sistema Nacional de Empregos
6 No texto está sendo utilizado o termo pesos fatoriais e não carga fatorial, porque se trata de aplicação de Rotação Oblíqua.
7 Segundo Tabachnick e Fidell (1989), as respostas a um questionário são passíveis de estudo de análise fatorial, se apresentam os seguintes coeficientes: KMO > 0,60; nível de significância do Teste de Esfericidade de Bartlett menor que 0,05, na matriz de correlações entre os itens há bastante coeficientes entre 0,30 e 0,60 e cada item apresenta nas estatísticas iniciais da análise fatorial communalities de h²>0,30.
8 Algum item seria considerado outlier, se na matriz de correlações entre os itens não apresentasse nenhum coeficiente maior que 0,30 com nenhum dos demais itens, o que significa que seria um item fora daquele conjunto. Tal característica se confirma se as communalities também são inferiores a 0,30, significando que apenas uma proporção da sua variância muito baixa do item é predita a partir do fator latente.
9 KMO=0,91; Teste de esfericidade de Bartlett = 1544,5 para p<0,001; coeficiente de correlação entre os itens variando de 0,24 a 0,67; Communalities que variam de 0,38 a 0,70.
10 KMO=0,90; Coeficiente de Esfericidade de Bartlett = 849,2 para p<0,001.
11 12 KMO=0,86; Coeficiente de Esfericidade de Bartlett = 614,5 para p<0,001.

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