Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Psicologia Hospitalar
versão On-line ISSN 2175-3547
Psicol. hosp. (São Paulo) vol.9 no.1 São Paulo jan. 2011
ARTIGOS ORIGINAIS
Evidências de validade do IDTP por meio da versão brasileira do TIPI
Validity evidence of IDTP through the brazilian version of TIPI
Lucas de Francisco CarvalhoI,1; Marina Gasparoto do Amaral GurgelII,2; Ricardo PrimiII,3
IInstituto de Psicologia. Universidade Presbiteriana Mackenzie
IIUniversidade São Francisco
RESUMO
A teoria de Millon fornece um consistente modelo para o entendimento e avaliação dos transtornos da personalidade. Com base nessa teoria, Carvalho (2008) desenvolveu um instrumento para avaliação dos estilos propostos por Millon, o Inventário Dimensional dos Transtornos da Personalidade (IDTP). O presente estudo tem como objetivo buscar evidências de validade para o IDTP baseadas na estrutura interna e com base em um instrumento para avaliação da personalidade, pautado no modelo dos Cinco Grandes Fatores (CGF). Para tanto, o IDTP e a versão brasileira do Ten-Item Personality Inventory (TIPI) foram aplicados em 113 universitários, com idades entre 18 e 58 anos (M = 22,8; DP = 8,2), sendo 72,6% do sexo feminino. Para verificar a estrutura interna do IDTP, foi realizada a análise fatorial de segunda ordem. Foi encontrada uma solução fatorial composta por 4 fatores, que apresentou similaridades com dados apresentados em estudos anteriores. Para busca de evidências de validade baseadas nas relações com outras variáveis, utilizou-se a correlação de Pearson entre as escalas dos instrumentos, sendo que as relações significativas encontradas suportam parte das hipóteses do estudo. E, por fim, a amostra foi dividida em quatro grupos de acordo com suas pontuações nos fatores do TIPI, de modo que as diferenças de médias encontradas nos fatores do IDTP foram teoricamente consistentes. Os dados encontrados sugerem a adequação das propriedades psicométricas do IDTP, contudo, é importante que futuros estudos investiguem as inconsistências evidenciadas, de acordo com as hipóteses estabelecidas neste estudo.
Palavras-chave: Avaliação da personalidade; Transtornos psiquiátricos; Evidências de validade.
ABSTRACT
Millon's theory provides a consistent model for understand and evaluate personality disorders. Based on this theory, Carvalho (2008) developed an instrument to assess the styles proposed by Millon, the Personality Disorders Dimensional Inventory (PDDI). The present study aims to find evidence of validity for the IDTP based on internal structure and on an instrument for personality assessment, according to the Five Factor Model (CGF). Thus, the IDTP and the Brazilian version of Ten-Item Personality Inventory (TIPI) were applied to 113 college students, aged between 18 and 58 years (M = 22,8, SD = 8,2) and 72,6% were female. To verify the internal structure of IDTP, we performed second-order factor analysis. There was a factor solution composed of 4 factors, which showed similarities with the data presented in previous studies. To search for evidence of validity based on relationships with other variables, we used Pearson correlation between the scales of the instruments, and the significant relationships found support the hypothesis of the study. Finally, the sample was divided into four groups according to their scores on TIPI factors, so that the mean differences found in the IDTP factors were theoretically consistent. The results suggest the adequacy of the psychometric properties of the IDTP, however, it is important that future studies investigate the inconsistencies, according to the hypotheses established in this study.
Keywords: Personality assessment; Psychiatric disorders; Validity evidences.
1. INTRODUÇÃO
O padrão de funcionamento de cada indivíduo corresponde ao seu padrão de personalidade, que é um amálgama de diferentes estilos separados e identificáveis (Oldham & Morris, 1995). Nesse sentido, a personalidade é frequentemente entendida como a combinação de diferentes sistemas relacionados aos atributos psicológicos (Allport, 1937; Mayer, 2005). Cada indivíduo possui um padrão próprio de funcionamento, que engloba pensamentos, sentimentos, atitudes, comportamentos, mecanismos de enfrentamento, entre outros atributos (Cloninger, 1999; Hall, Lindzey & Campbell, 2000).
Atualmente, a personalidade é compreendida em um continuum, podendo se caracterizar por modos de funcionamento bem sucedidos em lidar com obstáculos do cotidiano, ou por um funcionamento psicológico mal-adaptativo, caracterizado por deficiências, descompassos e conflitos na capacidade de lidar com o ambiente. Quando o funcionamento da personalidade acarreta prejuízos importantes para a vida do indivíduo, esse padrão é considerado como um transtorno da personalidade (Millon, Millon, Meagher, Grossman, & Ramanath, 2004).
Os transtornos da personalidade podem ser compreendidos como construtos teóricos empregados para representar diversos estilos ou padrões em que a personalidade funciona de maneira mal adaptada em relação ao seu ambiente (Millon & Davis, 1996). Diz-se clinicamente acerca dos funcionamentos patológicos da personalidade quando estratégias alternativas empregadas para atingir objetivos, se relacionar com outros, ou lidar com o stress são poucas e rígidas (inflexibilidade adaptativa); quando percepções habituais, necessidades e comportamentos perpetuam e intensificam dificuldades preexistentes (círculos viciosos); e quando a pessoa tende a uma baixa resiliência frente a condições de stress (estabilidade tênue) (Craig, 1999; Davis, 1999).
A avaliação do funcionamento patológico da personalidade possibilita ao clínico compreender a função das reações do paciente em interação com o ambiente, bem como a dinâmica que está subjacente aos comportamentos manifestos do paciente. Especialmente em casos de funcionamentos desadaptativos da personalidade, o que pode caracterizar um transtorno da personalidade, a avaliação permite que conflitos intrapsíquicos do paciente sejam explorados, possibilitando um tratamento mais adequado para o processo psicoterapêutico (Handler & Meyer, 1997).
Nesse âmbito, uma avaliação adequada do funcionamento da personalidade deve abranger um amplo conjunto de variáveis. Avaliar essas variáveis implica estimar o nível de suas magnitudes por meio de observações e entrevistas, escalas de autorrelato, checklists, inventários, técnicas projetivas ou testes psicológicos (Urquijo, 2000). As escalas de autorrelato têm sido um dos meios mais utilizados para avaliação da personalidade, por serem práticos e rápidos para a aplicação (Millon et al., 2004; Urbina, 2007). Um importante fator relacionado aos instrumentos para avaliação dos transtornos da personalidade diz respeito à teoria que embasa essas ferramentas. São diversas as teorias psicológicas que dão base para a avaliação dos transtornos da personalidade, entre essas, encontra-se a teoria de Millon, que fornece um consistente modelo teórico para o entendimento e avaliação dos transtornos da personalidade (Davis, 1999; Strack & Millon, 2007).
A proposta teórica de Millon se caracteriza por ser um modelo integrativo, que considera a personalidade em seus diversos domínios, o entrelaçamento entre eles, e sua relação com o ambiente. A proposta de Millon, na busca por um sólido pano de fundo que englobasse os diferentes domínios (processos cognitivos, comportamentos observáveis, conteúdos inconscientes, reações neuroquímicas, entre outros) que representam os estilos de personalidade, utiliza-se de três esferas que são baseadas nos princípios evolutivos, nomeadas de fases evolutivas: Orientações para Existência, Modos de Adaptação e Estratégias para Replicação (Alchieri, 2004; Davis, 1999; Millon & Davis, 1996; Millon et al., 2004; Strack & Millon, 2007).
A primeira fase evolutiva, Orientações para Existência(Existência), refere-se à tendência do organismo adaptado a expressar mecanismos que favoreçam o aumento e preservação da vida. Em outras palavras, respeita à transformação de estados menos organizados em estados de grande organização com estruturas distintas.
As polaridades características dessa fase referem-se ao polo prazer, no qual o indivíduo tende a procurar estímulos que aumentem a probabilidade de sobrevivência, e ao polo dor, no qual há um decréscimo na qualidade de vida e aumento de riscos à própria existência.
Na continuidade, uma vez que exista uma estrutura integrada (organismo), há a necessidade de manutenção da própria existência do organismo por meio de trocas de energia e informação com o meio ambiente. A fase evolutiva seguinte, Modos de Adaptação (Adaptação), concerne ao processo homeostático aplicado para a sobrevivência em sistemas ecológicos abertos, isto é, aos modos de se adaptar de um organismo que tornam as trocas entre organismo e ambiente possíveis. Essas trocas podem ser realizadas a partir de uma orientação ativa (polo ativo), caracterizada por indivíduos que tendem a modificar o ambiente ao redor, ou uma orientação passiva (polo passivo), caracterizada por indivíduos que tendem a acomodar-se ao ambiente em que vivem.
E, por último, ainda que o organismo que existe esteja adaptado, a existência é limitada, e é por meio da terceira fase evolutiva, Estratégias de Replicação (Replicação), que os organismos são capazes de ultrapassar essa limitação, desenvolvendo estratégias para reprodução da prole, permitindo a continuidade dos genes na espécie. Por isso, a Replicação refere-se a estratégias de reprodução que maximizam a diversificação e seleção de atributos ecológicos efetivos.
Essas estratégias variam entre uma tendência a visar o eu (polo eu), com foco na autoperpetuação, ou uma tendência a visar o outro (polo outro), com foco na proteção e sustento da família. Com base em seu modelo teórico integrativo e nos pressupostos evolutivos, assim como nos grupos propostos no eixo II do DSM-IV-TR (APA, 2003), Millon propôs quatorze transtornos da personalidade (sumarizados na Tabela 1), que representam protótipos nomotéticos, conforme proposto por Millon (Millon & Davis, 1996; Millon et al., 2004).
Com base nessa teoria, Carvalho (2008) desenvolveu um instrumento para avaliação dos estilos propostos por Millon, o Inventário Dimensional dos Transtornos da Personalidade (IDTP). Trata-se de um instrumento de autorrelato composto por 100 itens distribuídos em 15 escalas distintas, sejam elas: Escala Esquizoide, Escala Evitativo, Escala Depressivo, Escala Dependente, Escala Histriônico, Escala Narcisista, Escala Antissocial, Escala Sádico, Escala Compulsivo, Escala Negativista, Escala Masoquista, Escala Paranoide, Escala Esquizotípico, Escala Borderline, e Escala de Validade e Desejabilidade Social (Escala XV).
Os dados encontrados no estudo realizado por Carvalho (2008) foram favoráveis em relação à fidedignidade das escalas e às evidências de validade para a interpretação dos dados obtidos por meio das pontuações no instrumento. Em relação à estrutura fatorial do instrumento, foram encontradas empiricamente doze das quatorze escalas esperadas, de modo que, para as escalas Evitativo e Narcisista foram utilizados os conjuntos de itens hipotetizados com base na teoria de Millon. A fidedignidade (coeficiente alfa de Cronbach) das escalas para avaliação dos transtornos da personalidade variou entre 0,65 e 0,89, sendo que apenas a Escala Narcisista (alfa = 0,65) apresentou coeficiente inferior a 0,71. Também foi verificada a estrutura fatorial de segunda ordem a partir das escalas do instrumento, na qual uma solução de 3 fatores foi encontrada. Essa solução corroborou dados encontrados previamente (Dyce, O´Connor, Parkins & Janzen, 1997), apesar de não haver um consenso entre os autores acerca da estrutura fatorial mais adequada (Strack & Millon, 2007). Ainda, em relação às evidências de validade, as correlações entre as escalas do IDTP e de outro instrumento com base na teoria de Millon, o Millon Clinical Multiaxial Inventory III (MCMI-III), foram teoricamente coerentes, bem como as diferenças encontradas entre os grupos psiquiátricos e não psiquiátricos.
Apesar dos resultados favoráveis encontrados por Carvalho (2008) em relação às propriedades psicométricos do IDTP, é relevante a contínua busca por evidências de validade para as dimensões do instrumento (Urbina, 2007). Neste estudo, dar-se-á foco para as evidências de validade com base na estrutura interna para o IDCP, de modo a verificar a possibilidade de replicação da estrutura fatorial de segunda ordem previamente encontrada (Carvalho, 2008), bem como para as evidências de validade com base em critérios externos. Para tanto, será utilizado um instrumento para avaliação da personalidade com base no modelo dos Cinco Grandes Fatores (CGF), conhecido por sua robustez empírica enquanto proposta dimensional para entendimento e avaliação da personalidade (Costa Jr. & McCrae, 2009).
De acordo com esse modelo, a personalidade deve ser compreendida por meio de cinco dimensões amplas da personalidade, sendo elas Neuroticismo, Extroversão, Abertura, Agradabilidade e Conscienciosidade. Na Tabela 2 estão apresentadas as principais características relacionadas aos polos positivo e negativo de cada uma das dimensões (Costa, McCrae & Kay, 1995; Hutz et al., 1998; Widiger, Costa & Samuel, 2006).
O presente estudo tem como objetivo buscar evidências de validade para o IDTP baseadas na estrutura interna e com base em critérios externos, sendo ele um instrumento para avaliação da personalidade pautado no modelo dos Cinco Grandes Fatores (CGF). Considerando as informações apresentadas, foram formuladas hipóteses acerca dos resultados desta pesquisa. Em relação às evidências de validade com base na estrutura interna, partindo dos dados apresentados por Carvalho (2008), esperava-se encontrar uma estrutura fatorial de segunda ordem similar à previamente estabelecida.
No que diz respeito às evidências com base em critérios externos, as hipóteses foram elaboradas de acordo com estudos previamente realizados (Widiger et al., 2001; Wiggins & Pincus, 2001). O polo negativo do fator Agradabilidade deve estar mais relacionado com o funcionamento paranoide e antissocial; o polo negativo de Extroversão, mais relacionado com o funcionamento esquizóide; o polo negativo de Conscienciosidade, com o funcionamento antissocial; o polo positivo do fator Abertura, com o funcionamento esquizotípico; o polo positivo do fator Neuroticismo, com os funcionamentos borderline e evitativo; o polo positivo do fator Extroversão, com o funcionamento histriônico; o polo positivo do fator Agradabilidade, com o funcionamento dependente; e, o polo positivo do fator Conscienciosidade, com o funcionamento compulsivo. Complementando essas informações, a Tabela 2 (de acordo com) apresenta as características mais relacionadas com os polos extremos negativo e positivo nas dimensões do modelo CGF.
MÉTODO
Participantes
Participaram da pesquisa 113 universitários de uma universidade do interior de São Paulo. A idade dos participantes variou entre 18 e 58 anos (M = 22,8; DP = 8,2), sendo 72,6% (N = 82) do sexo feminino.
Instrumentos
Foram aplicados dois instrumentos, sendo o Inventário Dimensional dos Transtornos da Personalidade (IDTP) e a versão traduzida e adaptada do Ten-Item Personality Inventory (TIPI). O IDTP foi desenvolvido por Carvalho (2008), e trata-se de um instrumento de autorrelato para avaliação de características patológicas da personalidade de acordo com a teoria de Millon. Esse teste é composto por 100 itens, distribuídos em 15 escalas: Escala Esquizoide, Escala Evitativo, Escala Depressivo, Escala Dependente, Escala Histriônico, Escala Narcisista, Escala Antissocial, Escala Sádico, Escala Compulsivo, Escala Negativista, Escala Masoquista, Escala Paranoide, Escala Esquizotípico, Escala Borderline, e Escala de Validade e Desejabilidade Social/ Escala XV4. O tempo para sua aplicação foi de aproximadamente 20 minutos.
A versão brasileira do TIPI foi desenvolvida por Carvalho e Primi (2008) com base na versão original do instrumento (Gosling, Rentfrow & Swann, 2003). É um teste de autorrelato, composto por 10 itens, distribuídos em 5 fatores (cada um composto por 2 itens), nos quais a pessoa deve responder o quanto ela concorda ou discorda dos itens em uma escala tipo Likert de 7 pontos. O tempo para aplicação do teste foi de aproximadamente 10 minutos.
O coeficiente alfa de Cronbach foi calculado para os fatores do IDTP e da versão brasileira do TIPI com a finalidade de verificar a fidedignidade dos fatores de ambos instrumentos. A Tabela 3 apresenta os dados encontrados. A Escala XV não foi calculada neste estudo, já que o foco é nas escalas para avaliação dos transtornos da personalidade.
Cabe fazer uma ressalva acerca dos coeficientes de fidedignidade encontrados para os fatores do TIPI. Como ressaltam Gosling, Rentfrow e Swann (2003), é muito difícil obter níveis satisfatórios de fidedignidade em fatores com apenas dois itens (como é o caso do TIPI). O desenvolvimento da versão original do instrumento é baseado em evidências de validade, mas não com o objetivo de atingir altos índices de fidedignidade.
PROCEDIMENTO E ANÁLISE DE DADOS
Inicialmente, foi realizado um contato prévio com os coordenadores dos cursos, sendo que após aprovação, foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aos participantes. Para aqueles que concordaram em participar da pesquisa, a aplicação se deu de forma coletiva, em sala de aula, em uma universidade do interior do estado de São Paulo. O tempo total de aplicação foi de aproximadamente 30 minutos.
A partir dos dados coletados foi realizada análise fatorial de segunda ordem, na busca por evidências de validade baseadas na estrutura interna; na busca por evidências baseadas na relação com outras variáveis, foi utilizada a correlação de Pearson entre os fatores do IDTP e o TIPI; e o procedimento ANOVA para verificar diferenças significativas entre os grupos (formados a partir das pontuações dos respondentes no TIPI) em relação aos fatores do IDTP.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir do cálculo dos fatores para avaliação de características da personalidade por meio do IDTP, de acordo com os dados apresentados por Carvalho (2008), foi realizada uma análise fatorial de segunda ordem. Para a análise, não se restringiu o número de fatores extraídos, se deu por meio do método componentes principais e rotação oblíqua (directed oblimin), visando à verificação da possibilidade de reagrupamento dos quatorze fatores primários do instrumento. Foram obtidos quatro fatores com eigenvalue acima de 1,0, capazes de explicar 81,7% da variância total. As cargas fatoriais da matriz rotada são apresentadas na Tabela 4.
Pode-se notar que as escalas Esquizoide, Depressivo, Masoquista, Evitativo, Esquizotípico, Negativista e Paranoide se agruparam prioritariamente no primeiro fator de segunda ordem (F1). No segundo fator (F2) foram agrupadas as escalas Borderline, Narcisista, Histriônico e Dependente. No que se refere ao F3 (terceiro fator), a única escala que o compõe é a Escala Compulsivo. E, o último fator, fator 4 (F4), é representado prioritariamente pelas escalas Antissocial e Sádico. Pode-se notar que a Escala Dependente apresentou cargas em três fatores (F1, F2 e F3), contudo, prioritariamente no fator F2. Ainda, no que se refere à fidedignidade desses fatores, os coeficientes variaram entre 0,66 e 0,90.
Os dados encontrados podem ser comparados com os resultados encontrados no estudo realizado por Carvalho (2008). Apesar de ter sido encontrada uma solução fatorial de 3 fatores no estudo citado e presentemente 4 fatores, algumas similaridades podem ser ressaltadas, são elas, um fator contendo as escalas Esquizoide, Depressivo, Masoquista, Evitativo, Negativista e Paranoide; um fator contendo as escalas Borderline, Narcisista e Histriônico; e, um fator composto pela Escala Compulsivo.
Ainda vale ressaltar que, em um estudo realizado por Dyce et al. (1997), foram encontrados resultados similares com as 14 escalas de transtornos da personalidade do MCMI-III. Entre outros resultados, verificou-se uma solução fatorial de 4 fatores. O fator 1 foi composto pelas escalas Evitativo, Depressivo, Dependente, Negativista, Masoquista, Esquizotípico e Borderline; o fator 2, pelas escalas Narcisista, Antissocial, Sádico e Paranoide; o fator 3, pelas escalas Esquizoide e Histriônico (carga negativa); e o fator 4, pela Escala Compulsivo. Como pode ser observado, os dados presentemente encontrados apresentam também similaridades com a solução fatorial de quatro fatores verificada por Dyce et al. (1997), isto é, um fator contendo as escalas Depressivo, Masoquista, Evitativo, Esquizotípico e Negativista; um fator composto prioritariamente pela Escala Compulsivo; e um fator contendo as escalas Antissocial e Sádico.
Em síntese, no que se refere às estruturas fatoriais observadas neste estudo e em estudos anteriores, como apontam Dyce et al. (1997) e Strack e Millon (2007), não é esperado que as complexidades da teoria de Millon sejam completamente encontradas e validadas por meio da análise fatorial. Contudo, é importante que as soluções fatoriais evidenciadas nos diferentes estudos apresentem dados persistentes ao longo do tempo. Os dados encontrados atestam uma persistência de uma estrutura fatorial para os fatores do IDTP, o que confere validade baseada na estrutura interna para o instrumento. Contudo, também diferenças que não devem ser desconsideradas foram observadas entre as estruturas apresentadas pelos estudos (Carvalho, 2008; Dyce et al., 1997) em relação aos dados deste estudo. Nesse sentido, apesar de uma estrutura básica ser notável nos estudos citados, futuras pesquisas devem investigar a possibilidade de replicação das estruturas encontradas. Na continuidade, para verificar as relações entre os fatores dos instrumentos aplicados neste estudo, foi utilizada a correlação de Pearson. A Tabela 5 apresenta as correlações entre os fatores do IDTP e do TIPI.
Como pode ser observado na Tabela 5, grande parte dos fatores dos instrumentos apresentaram correlação significativa. Um primeiro dado que deve ser explicitado refere-se aos polos das correlações encontradas. Praticamente todas as correlações significativas dos fatores Extroversão, Agradabilidade, Conscienciosidade e Abertura foram negativas, e, diferentemente, todas correlações significativas com o fator Neuroticismo foram positivas. Isso sugere que os construtos mensurados pelos fatores do IDTP convergem com as características atreladas ao fator de personalidade Neuroticismo, mas divergem das características relacionadas aos outros fatores do TIPI. Esse dado era esperado, já que o IDTP está mais relacionado com características patológicas da personalidade e o TIPI com características saudáveis.
A concordância aos itens do fator Neuroticismo no modelo dos cinco grandes fatores, e mais especificamente no TIPI, estão relacionadas, em geral, com uma instabilidade emocional, e mais especificamente podem sugerir a existência de aspectos depressivos, irritabilidade, ansiedade, desesperança, preocupação, entre outros atributos (Costa & McCrae, 1995; Hutz et al., 1998; Widiger, Costa & Samuel, 2006). Esses atributos podem estar ligados a um funcionamento desadaptativo da personalidade, que é caracterizado, segundo Millon e Davis (1996), por rigidez e escassez de estratégias alternativas para atingir objetivos, se relacionar com outros, ou lidar com o stress (inflexibilidade adaptativa); por percepções habituais, necessidades e comportamentos que perpetuam e intensificam dificuldades preexistentes (círculos viciosos); e pela tendência à baixa resiliência frente a condições de stress (estabilidade tênue).
Em relação às hipóteses deste estudo, algumas delas foram corroboradas por meio de correlações significativas, sendo elas, correlação negativa entre a Escala Esquizoide e o fator Extroversão, correlação negativa entre a Escala Antissocial e os fatores Conscienciosidade e Agradabilidade, correlação positiva entre as escalas Borderline e Evitativo e o fator Neuroticismo, e correlação positiva entre a Escala Compulsivo e o fator Conscienciosidade.
Além disso, com base em Widiger, Costa e Samuel (2006), algumas das correlações significativas encontradas podem ser interpretadas. A relação positiva entre a Escala Depressivo e o fator Neuroticismo parece ser adequada, já que uma das característica desse fator é o traço depressivo e a ideação suicida, que podem caracterizar um funcionamento depressivo da personalidade (Millon et al., 2004). A Escala Masoquista e o fator Neuroticismo também apresentaram correlação significativa e positiva, o que parece teoricamente plausível já que os funcionamentos da personalidade depressivo e masoquista costumam apresentar altas correlações em diferentes estudos (Carvalho, 2008). Ainda com o fator Neuroticismo, a Escala Borderline apresentou correlação significativa e positiva. Esse dado pode ser explicado por meio do funcionamento-chave borderline, que está atrelado a uma instabilidade emocional (Millon & Davis, 1996), o que também é característico no fator Neuroticismo.
Além disso, algumas das correlações evidenciadas não foram hipotetizadas anteriormente, mas apresentam concordância teórica. Exemplo disso é a relação significativa e negativa entre a Escala Paranoide e o fator Conscienciosidade, que pode ser explicado por um aspecto importante do funcionamento paranoide. Um dos atributos que caracteriza esse funcionamento refere-se à inveja em relação aos ganhos dos outros, e mais que isso, exalta seu "azar" em não conseguir atingir seus objetivos, o que vai de encontro com o polo negativo do fator Conscienciosidade (Costa & McCrae, 1995). Também a correlação significativa e negativa entre a Escala Sádico e o fator Agradabilidade parece ter coerência teórica, já que o funcionamento sádico diz respeito, além de outras características, a uma necessidade de fazer o outro sofrer, seja física ou psicologicamente (Millon et al., 2004). Tal funcionamento pode acarretar dificuldades em relação às interações sociais, o que está de acordo com uma relação negativa com o fator Agradabilidade (Hutz et al., 1998).
Outra correlação significativa e negativa evidenciada foi entre a Escala Dependente e o fator Abertura. A pertinência teórica desse achado refere-se à tendência a não apresentação de traços relacionados à curiosidade e criatividade (característica atrelada ao fator Abertura) por pessoas que apresentam funcionamentos dependentes, já que essas pessoas aprenderam a deixar para os outros a resolução de tarefas e a solução de problemas (Millon & Davis, 1996).
A partir dos dados encontrados, optou-se por subdividir a amostra em 4 grupos distintos, sendo um composto por pessoas com altas pontuações em Neuroticismo e baixas nos outros fatores do TIPI, pessoas com baixas pontuações em Neuroticismo e altas nos outros fatores, pessoas com altas pontuações em todos os fatores e pessoas com baixas pontuações em todos os fatores. Para verificar as diferenças entre esses grupos nas escalas do IDTP foi utilizado o procedimento ANOVA. Os dados encontrados estão apresentados na Tabela 6.
As escalas que apresentaram diferenças significativas foram Depressivo, Esquizoide, Masoquista e Evitativo. Além disso, por meio da análise post hoc, observou-se que somente o grupo com neuroticismo alto e baixo nos outros fatores se diferenciou dos demais grupos, tendo apresentado as médias mais altas nos fatores do IDTP. Esses dados sugerem que os itens do IDTP estão, de fato, mais voltados para um funcionamento desadaptativo da personalidade, já que os itens do fator Neuroticismo estão mais relacionados com esse funcionamento (Costa & McCrae, 1995; Hutz et al., 1998).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve como objetivo buscar evidências de validade para o IDTP baseadas na estrutura interna e também com base no TIPI, que tem base no modelo CGF. Os dados encontrados apontam para uma estrutura persistente em relação aos fatores do IDTP, em comparação a dados prévios, mas também para algumas mudanças na estrutura que não podem ser descartadas. Desse modo, futuros estudos devem buscar verificar a estrutura fatorial do instrumento, com vistas à melhor compreender as diferenças encontradas entre os estudos.
Ao lado disso, as correlações entre os fatores dos instrumentos e a diferença entre os grupos estruturados por meio dos fatores do TIPI sugerem evidências de validade baseadas na relação com outras variáveis para o IDTP, uma vez que parte das hipóteses do estudo foi corroborada. Contudo, em relação às hipóteses que não se confirmaram, é importante que futuros estudos verifiquem essas relações, dadas as limitações deste estudo, sejam elas, uma amostra composta somente por universitários (sem diagnóstico psiquiátrico conhecido) e pequena (em relação ao número de escalas do IDTP).
Os achados do presente estudo, mais do que evidenciar propriedades psicométricas adequadas para o IDTP, ressaltam a possibilidade de convergência entre a teoria de Millon e o modelo CGF, amplamente estudados na atualidade. Estudos nesse sentido são relevantes na medida em que a sistematização e acúmulo de dados no campo de estudo da personalidade possibilitam uma melhor compreensão desse construto, o quão é tão debatido entre as distintas teorias contemporâneas.
REFERÊNCIAS
Alchieri, J. C. (2004). Modelo dos Estilos de Personalidade de Millon: Adaptação do Inventário Millon de Estilos de Personalidade. Tese de doutorado não publicada, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul. [ Links ]
Allport, G. W. (1937). Personality: A psychological interpretation. New York: Holt. [ Links ]
American Psychological Association. (2003). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-IV-TR (4ª ed.). Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Carvalho, L. de F. (2008). Construção e validação do Inventário Dimensional dos Transtornos da Personalidade. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Psicologia, Universidade São Francisco, Itatiba. Disponível em: http://www.saofrancisco.edu.br/itatiba/mestrado/psicologia/uploadAddress/Dissertacao_VersaoFinal3[10989].pdf [ Links ]
Carvalho, L. de F.; Nunes, M. O. F.; Primi, R.; & Nunes, C. H. S. (no prelo). Tradução, adaptação e evidências de validade de um instrumento de 10 itens para avaliação da personalidade. Painel submetido e aceito no IV Congresso Brasileiro de Avaliação Psicológica, Campinas. [ Links ]
Cloninger, S. C. (1999). Teorias da personalidade. São Paulo: Martins Fontes. [ Links ]
Costa Jr., P. T., & McCrae, R. R. (2009). NEO-PI-R - inventário de personalidade NEO revisado - manual. São Paulo: Vetor. [ Links ]
Costa, P. T., McCrae, R. R. Jr. & Kay, G. G. (1995). Persons, places, and personality: career assessment using the revised NEO Personality Inventory. Journal of Career Assessment, 3 (2), 123-139. [ Links ]
Craig, R. J. (1999). Overview and current status of the Millon Clinical Multiaxial Inventory. Journal of Personality Assessment, 72 (3), 390-406. [ Links ]
Davis, R. D. (1999). Millon: essentials of his science, theory, classification, assessment, and therapy. Journal of Personality Assessment, 72 (3), 330-352. [ Links ]
Dyce, J. A., O'Connor, B. P., Parkins, S., & Janzen, H. (1997). Correlational structure of the MCMI-III personality disorder scales and comparison with other data sets. Journal of Personality Assessment, 69, (3), 568-582. [ Links ]
Gosling, S. D., Rentfrow, P. J., & Swann, W. B., Jr. (2003). A very brief measure of the big five personality domains. Journal of Research in Personality, 37, 504-528. [ Links ]
Hall, C. S.; Lindzey, G.; & Campbell, J. B. (2000) Teorias da personalidade, 4ª ed., Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Handler, L. & Meyer, G. J. (1997). The importance of teaching and learning personality assessment. In: Handler, L., & Hilsenroth, M. (eds), Teaching and learning personality assessment (pp. 3-30), New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates. [ Links ]
Hutz, C. S., Nunes, C. H., Silveira, A. D., Serra, J., Antón, M. & Wieczonek, L. S. (1998). O desenvolvimento de marcadores para a avaliação da personalidade no modelo dos cinco grandes fatores. Psicologia: Reflexão e Crítica, 11 (2), 395-410. [ Links ]
Mayer, J. D. (2005). A tale of two visions: can a new view of personality help integrate psychology? American Psychologist, 60, 294-307. [ Links ]
Millon, T. & Davis, R. D. (1996). Disorders of personality DSM-IV and beyond. New Jersey: Wiley. [ Links ]
Millon, T. Millon, C. M., Meagher, S. Grossman, S. & Ramanath, R. (2004). Personality disorders in modern life. New Jersey: Wiley, 2004. [ Links ]
Oldham, J. M.; & Morris, L. B. (1995). The new personality self-portrait: why you think, work, love, and act the way you do. New York :Bantam Books. [ Links ]
Strack, S., & Millon, T. (2007). Contributions to the dimensional assessment of personality disorders using Millon's model and the Millon Clinical Multiaxial Inventory (MCMI9-III). Journal of Personality Assessment, 89 (1), 56-69. [ Links ]
Urbina, S. (2007). Fundamentos da testagem psicológica. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Urquijo, S. (2000) Modelos circumplexos da personalidade - o MCMCI-II como instrumento de avaliação clínica. Em: F. F. Sisto, E. T. B. Sbardelini, & R. Primi (Orgs), Contextos e questões da avaliação psicológica (pp. 31-50) São Paulo: Casa do Psicólogo. [ Links ]
Widiger, T.; & Pincus, A. L. (2001). Personality structure and the structure of personality disorders. In P. T. Costa, Jr. & T. A. Widiger (Eds.), Personality Disorders and the Five-Factor Model of Personality. Second Edition. Washington, APA Books. [ Links ]
Widiger, T. A., Trull, T. J., Clarkin, J. F., Sanderson, C. & Costa, P. T. (2001). A description of the DSM-IV personality disorders with the five-factor model of personality. Em P. T. Costa & T. A. Widiger (Orgs.). Personality disorders and the Five-Factor Model of Personality (2ª ed.). Washington, DC: American Psychological Association. [ Links ]
Widiger, T.A., Costa, P.T., & Samuel, D. (2006). Assessment of maladaptive personality traits. In S. Strack & M. Lorr (Eds.), Differentiating normal and abnormal personality (2nd edition). New York: Springer. [ Links ]
Wiggins, J. S., & Pincus, A. L. (2001). Personality structure and the structure of personality disorders. Em P. T. Costa & T. A. Widiger (Orgs.). Personality disorders and the Five-Factor Model of Personality (2ª ed.). Washington, DC: American Psychological Association. [ Links ]
Endereço para correspondência
e-mail – lucas@labape.com.br
1Doutor pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco e docente do curso de Psicologia Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, Brasil.
2Mestre pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco, São Paulo, Brasil.
3Doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo. Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco, São Paulo.
4A Escala XV não foi calculada neste estudo, já que o foco é nas escalas para avaliação dos transtornos da personalidade.