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Psicologia Hospitalar
versão On-line ISSN 2175-3547
Psicol. hosp. (São Paulo) vol.16 no.1 São Paulo jan. 2018
ARTIGOS ORIGINAIS
Convivendo com uma nova realidade: revisão sistemática da literatura sobre as experiências dos irmãos de crianças com câncer
Living with a new reality: a systematic review of the literature on the experiences of siblings of children with cancer
Daniele Mariante Giesta; Thamy de Oliveira Azambuja; Mariana Calesso Moreira
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – UFCSPA, Brasil.
RESUMO
O câncer infantil traz muitos desafios, transformando tanto a vida da criança que adoece, quanto a de todo sistema familiar. O estudo realizou uma revisão sistemática da literatura sobre as experiências dos irmãos de crianças com câncer buscando compreender suas vivências desde o diagnóstico. A pesquisa de artigos publicados entre 2012 e 2017 nas bases de dados Medline, Lilacs, Scopus, Science Direct, Pubmed e Scielo revelou 17 estudos relevantes de diferentes delineamentos, porém, não foi encontrado nenhum estudo brasileiro sobre a temática. A análise das publicações identificou três principais eixos abordados pelos autores: desempenho escolar, funcionamento familiar e sentimentos dos irmãos. Os dados indicam que os irmãos sofrem consequências significativas em relação à doença, percebidas em sua maioria como negativas, ainda que identifiquem também potenciais de crescimento. Portanto, evidencia-se a necessidade de ampliar as intervenções e pesquisas direcionadas a essa população, para que sejam atendidas efetivamente as suas necessidades psicossociais.
Palavras-chave: Câncer, Infância, Irmãos, Família, Oncologia.
ABSTRACT
Childhood cancer brings several challenges, changing not only the life of the sick child as well as the family system. The aim of this study was to carry out a systematic review of the literature about children that have a sibling with cancer and their experiences since the diagnosis. The search of published articles between 2012 and 2017 in Medline, Lilacs, Scopus, Science Direct, Pubmed and Scielo databases revealed 17 relevant studies of different designs, however, none Brazilian study on the subject was found. The analysis of those publications allowed the identification of three major axes addressed by the authors: school performance, family functioning and the sibling’s feelings. The data indicated that the siblings suffer significant consequences in relation to the disease, perceived mostly as negative, although they identify potentials of growth. Thus, it is evident the need to expand the interventions and researches directed to this population, in order to effectively meet their psychosocial needs.
Keywords: Cancer, Childhood, Siblings, Family, Oncology.
INTRODUÇÃO
O câncer é uma doença que causa sofrimento tanto em quem o vivencia no próprio corpo, quanto em quem sofre suas repercussões (Rolland, 2000; Ribeiro & Souza, 2010; Anjos, Santo & Carvalho, 2010). Quando uma família recebe o diagnóstico de câncer infantil, instauram-se muitos desafios, transformando a vida não só da criança que adoece, como também de todo o sistema familiar (Cavicchioli, 2005; Long & Marsland, 2011; Miceli, 2013; Murray, 1998; Valle, 1994).
Perrin e Gerrity (1984) afirmam que, para avaliar o impacto que uma doença crônica causa em uma família é necessário assumir o ponto de vista de cada um dos membros que a compõem. A forma como a família irá reagir a esse evento estressor dependerá de suas características, porém, Rolland (2000) diz que todos os membros do sistema são afetados pelo diagnóstico. No caso dos irmãos, a nova rotina imposta pela doença pode trazer consequências em sua saúde física e mental (Cavicchioli, 2005; Miceli, 2013; Selvagni, 2015).
Muitas vezes o plano terapêutico implica o afastamento dos membros da família por conta dos longos períodos de internação hospitalar (Anders, 1999; Selvagni, 2015). Nessa nova dinâmica que é imposta, a criança enferma passa a ser o centro das atenções dos pais e os papéis dentro da família necessitam ser adaptados de acordo com suas necessidades (Grant & Traesel, 2010). Os outros filhos, apesar de terem suas necessidades de cuidado e atenção reconhecidas, acabam ficando, muitas vezes, em segundo plano (Almico & Faro, 2014) e, consequentemente, recebendo menos dedicação direta dos pais, principalmente durante o tratamento (Cavicchioli, 2005; Cheron & Petengill, 2011; Gerhardt, Lehmann, Long & Alderfer, 2015; Miceli, 2013).
Alderfer e Noll (2006) dizem que, ao contrário das crianças com câncer, o impacto psicossocial da doença nos irmãos permanece pouco estudado. Há alguns anos o objeto principal de investigação de muitos pesquisadores tem sido as demandas das crianças com câncer e seus pais, enquanto outros membros da família, como os irmãos, por exemplo, têm sido, de certa forma, negligenciados (Murray, 1998).
Alguns autores identificaram que a experiência do câncer infantil pode provocar efeitos negativos nos irmãos das crianças doentes, estando estes suscetíveis a sintomas de depressão e ansiedade e sentimentos como raiva e culpa, o que pode provocar um quadro de isolamento social (Murray, 1998; Phuphaibul & Muensa, 1999; Johnson, 2002; Prchal & Landolt, 2012). Comum também é que tais vivências incluam um aumento na rivalidade entre irmãos, além do sentimento de rejeição (Murray, 1998). Segundo Phuphaibul e Muensa (1999), as manifestações de afeto do irmão saudável ocorrem, em grande parte, devido à instabilidade emocional pela separação dos pais, mas também por medo e tristeza pelo ocorrido.
Por outro lado, também foram encontrados aspectos positivos, indicando que tal experiência pode promover crescimento nos irmãos, incluindo maior responsabilidade, independência e maturação emocional (Alderfer et al., 2010; Williams et al., 2009). Além disso, eles passam a demonstrar maior empatia, desejo de proteger/cuidar do irmão doente e compreensão dos sentimentos dos pais (Phuphaibul & Muensa, 1999). Nolbris, Enskär e Hellström (2007) relataram ainda que, quando há uma criança com câncer em uma família, o vínculo entre irmãos torna-se mais forte, mais próximo e mais perceptível. Em resumo, tais achados indicam que os irmãos de crianças com câncer vivem experiências percebidas tanto como construtivas quanto desafiadoras, todas com significativo impacto em seu desenvolvimento.
Outro aspecto lembrado pelos autores é o contexto escolar (Alderfer & Hodges, 2010; Cavicchili, 2005; Gerhardt et al., 2015; Miceli, 2013; Woodgate, 2006). São apontados prejuízos no desempenho escolar dos irmãos de crianças com câncer enquanto vivenciam o adoecimento, seja devido à falta de concentração ou motivação. Em alguns estudos, os irmãos relataram a ausência dos pais em suas tarefas escolares e outras atividades de lazer. Além disso, Alderfer e Hodges (2010) referem que os colegas e professores podem ser uma importante fonte de apoio, influenciando positivamente o desempenho escolar nesse período difícil.
Cavicchioli (2005), em uma pesquisa sobre as vivências dos irmãos saudáveis, demonstrou que, ao confirmar-se o diagnóstico, mesmo que os pais não lhes revelem toda a realidade dos fatos com o intuito de protegê-los, os irmãos percebem a mobilização da família. Suas reações estão relacionadas à maneira como a família responde à doença, sendo a falta de informações uma das suas principais queixas (Bezerra & Veríssimo, 2002; Cavicchioli, 2005; Leite, 2013; Miceli, 2013).
Os irmãos ditos saudáveis anseiam por apoio emocional para enfrentar esse período de sofrimento (Cavicchioli, 2005; Cavicchioli, Nascimento & Lima, 2004; Cheron & Petengill, 2011; Leite, 2013). No entanto, se veem desamparados e necessitam lidar com as exigências de amadurecimento precoce que a doença na família lhes impõe (Bezerra & Veríssimo, 2002; Miceli, 2013).
A partir do exposto, entende-se que a velocidade dos acontecimentos, somada ao grande impacto da doença, não deixam muito espaço para que a família consiga se organizar. É necessária uma rápida readaptação na rotina familiar, pois as mudanças na vida dos irmãos ocorrem de maneira acelerada, sendo eles inundados por uma série de sentimentos, demandas e exigências.
Diante disso, surge o questionamento: seriam os irmãos de crianças com câncer realmente “saudáveis” ou apenas “não-vistos”? Desta forma, o presente estudo pretende abordar tais vivências, buscando compreender as suas demandas, e trazendo a necessidade de dedicar um olhar para estas crianças ou jovens que, de alguma maneira, têm seu processo de desenvolvimento marcado pelo impacto do adoecimento de um irmão.
MÉTODO
O presente estudo trata-se de uma revisão sistemática da literatura que pretendeu investigar as experiências dos irmãos de crianças com câncer. Foram realizadas buscas nos bancos de dados on-line da Biblioteca Virtual em Saúde - BVS (Medline e Lilacs), Periódicos Capes (Scopus e Science Direct), Pubmed e Scielo,de artigos publicados entre janeiro de 2012 e julho de 2017, nos idiomas inglês, português e espanhol. Para tanto, utilizou-se as combinações dos descritores “cancer” AND “siblings” AND “family” AND “child” em cada uma das bases consultadas. Os descritores foram gerados de acordo com a lista DeCS (Descritores em Ciências da Saúde).
Foram considerados elegíveis apenas os estudos que continham os descritores no título, resumo ou corpo do artigo e que tivessem como participantes da pesquisa os irmãos das crianças com câncer. Foram desconsideradas referências repetidas entre as bases de dados, com acesso indisponível, estudos teóricos, artigos de revisão, relatos de caso ou de experiência, cartas ao editor e opiniões de especialistas, baseado nos critérios para elaboração de revisões sistemáticas de Higgins e Green (2011).
Sendo assim, a pesquisa foi estruturada em três etapas: (1) busca de artigos em bases de dados e leitura de títulos; (2) leitura integral de resumos com reaplicação dos critérios de inclusão e exclusão; e (3) leitura completa e análise detalhada dos artigos escolhidos. Os artigos selecionados a partir da terceira etapa serão apresentados e discutidos a seguir e poderão ser visualizados na Tabela 1: Características dos estudos incluídos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A primeira busca realizada nas bases de dados, de acordo com os critérios anteriormente citados, encontrou um total de 2.574 publicações sobre o tema. Porém, através da análise destes materiais foram considerados elegíveis para esta pesquisa apenas 17, conforme ilustrado no Anexo A. Foram excluídos, em um primeiro momento, os artigos duplicados entre as bases e aqueles que, pelo título, constatou-se serem estudos teóricos ou que fugiam ao tema, como: estudos de caráter genético, estudos que o foco não eram os irmãos saudáveis e pesquisas que tratavam da experiência do irmão depois que o paciente com câncer havia falecido, ou seja, com irmãos enlutados.
Na próxima etapa, foram analisados os resumos de 47 artigos, dos quais 22 foram excluídos por se tratarem de: estudos nos quais o objetivo principal era estudar a família ou o cuidador da criança com câncer; pacientes em cuidados paliativos; alguns que traziam como informantes outras pessoas que não os irmãos (pais ou enfermeiros e professores, por exemplo) e estudos de validações de escalas.
Para análise completa e detalhada do artigo foram escolhidos 25 estudos, dos quais verificou-se que: um estava com acesso indisponível do texto na íntegra, três consideravam o irmão apenas como comparação para as vivências do paciente com câncer e quatro abordavam experiências de irmãos que ainda não tinham nascido no momento do diagnóstico ou tratamento. Portanto, foram selecionados e incluídos nesta revisão 17 estudos, por terem abordado diretamente as experiências dos irmãos em relação à vivência do tratamento de uma criança com câncer.
A partir da pesquisa realizada observa-se que entre as bases de dados utilizadas, as com maior número de artigos encontrados sobre a temática foram a Medline (13) e a Scopus (12), seguidos por Pubmed (10) e Science Direct (2), ainda que alguns estudos se repetissem entre as bases. Entende-se que, possivelmente, este achado vá ao encontro da natureza das revistas que se dedicam a publicações relacionadas ao tópico investigado, já que grande parte delas era ligada às áreas da Medicina ou Enfermagem, em comparação com um número mais restrito que se destinava a pesquisas em áreas diretamente interligadas a saúde mental (Psicologia ou Psiquiatria, por exemplo).
Em relação ao ano de publicação dos artigos, por tratar-se de uma pesquisa realizada em um intervalo relativamente curto de tempo (5 anos) não houve grande discrepância quanto ao número de estudos publicados por ano. Entretanto, a distribuição se mostra mais ampla quando se analisa o contexto no qual tais pesquisas foram realizadas. A maioria dos estudos aconteceu nos Estados Unidos e Canadá, ainda que tenha sido encontrado um número expressivo de pesquisas também no continente europeu. No período investigado, não foram encontradas publicações de estudos realizados no Brasil, o que denota a carência e as lacunas do conhecimento científico sobre o assunto no âmbito nacional.
No que se refere aos objetivos propostos nestes estudos, encontrou-se a avaliação de sintomas, principalmente de depressão e ansiedade, avaliação do estresse tanto no que se refere ao Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), como as estratégias de enfrentamento e avaliação do funcionamento familiar (Kaplan, Kaal, Bradley & Alderfer, 2013; Kobayashi, Hayakawa & Hohashi, 2015; Long, Alderfer, Ewing & Marsland, 2013A; Long, Marsland & Aldefer, 2013B; McDonald et al., 2015; Nolbris & Ahlstrom, 2014; Prchal, Graf, Bergstraesser & Landolt, 2012; Salavati et al., 2014).
A idade dos participantes variou de 6 a 24 anos, embora um dos estudos incluídos entrevistasse irmãos de até 30 anos, que haviam passado pela experiência ainda enquanto crianças. Este recorte em etapas específicas do desenvolvimento, as quais vêm invadidas pela experiência do adoecimento, se faz relevante, uma vez que vários estudos abordam o impacto do câncer infanto-juvenil na família, reforçando que o diagnóstico instaura um período de crise e tensão além de fazer com que a família tenha que reorganizar-se para se adequar à nova realidade (Almico & Faro, 2014; Amador et al., 2013; Anjos, Santo & Carvalho, 2015; Barbeiro, 2013). Ademais, alguns estudos que se propuseram a investigar a experiência do diagnóstico e tratamento do câncer nos irmãos destacaram que, apesar deles serem muitas vezes esquecidos pelos profissionais de saúde, também são afetados com o adoecimento, podendo sofrer consequências em sua saúde física e mental (Cavicchioli, 2005; Cheron & Petengill, 2011; Leite, 2013; Miceli, 2013).
Em relação aos aspectos metodológicos, foram encontrados estudos qualitativos, quantitativos e mistos, todos de caráter transversal. Os estudos com metodologia qualitativa foram, em sua maioria, exploratórios. Desses, grande parte se propôs a investigar as experiências relacionadas a ter um irmão com câncer, buscando analisá-las em diferentes contextos (hospital, escola e família) através de diferentes informantes (D’Urso, Mastroyannopoulos & Kirby, 2017; Long et al., 2015; Neville et al., 2016; Nolbris, Enskär & Hellstörm, 2013; Prchal & Landolt, 2012). Além disso, também buscaram ampliar o conhecimento sobre as necessidades psicossociais dos participantes (Tasker & Stonebridge, 2016). Já nos estudos quantitativos prevaleceram as análises correlacionais e de predição. Os autores buscaram analisar as variáveis preditoras de estresse e das necessidades não atendidas dos irmãos saudáveis (McDonald et al., 2015), avaliar a presença de TEPT e associá-la aos sintomas de ansiedade e depressão, bem como suas relações com gênero e idade (Kaplan et al., 2013), examinar as associações entre o contexto familiar e aspectos emocionais (Long et al., 2013B) e verificar o funcionamento social dos irmãos de crianças com câncer comparando-o com o de seus colegas de classe (Alderfer et al., 2014). Cabe salientar que nos estudos quantitativos não houve um padrão de instrumentos utilizados para mensurar as variáveis, porém nos qualitativos houve o predomínio da entrevista semiestruturada.
Além desses, alguns artigos realizaram intervenções psicossociais e as compararam com medidas de um grupo controle. Sobre as intervenções utilizadas percebeu-se que, tanto as individuais quanto as grupais, auxiliaram os irmãos na redução de sintomas e contribuíram como fonte de informações acerca do diagnóstico e tratamento do irmão com câncer. Além disso, buscaram melhorar os níveis de qualidade de vida e apoio social (Prchal et al., 2012) e analisar suas estratégias de enfrentamento (Neville et al., 2016).
Observa-se que o tempo desde o diagnóstico até a coleta de dados adotado pelos autores variou de 1 mês a 5 anos, sendo que a maioria dos estudos considerou mais de 6 meses, podendo os pacientes estarem em tratamento ou não quando seus irmãos foram abordados pelas pesquisas. Tal achado indica que os resultados, de forma geral, possam ter algumas diferenças, já que se entende que o tempo real e concreto para a elaboração da experiência certamente interfere na percepção de crianças e adolescentes sobre a vivência do adoecimento do irmão. Além disso, constatou-se que os estudos não mencionaram a existência de qualquer tipo de acompanhamento psicológico nas amostras investigadas. Tal dado também se mostra relevante, uma vez que o acompanhamento psicológico, nestes casos, poderia auxiliar de forma significativa o processo de elaboração e, assim, também influenciar a resposta oferecida pelos participantes, tanto nas entrevistas, quanto nas escalas aplicadas.
Analisando os resultados dos estudos em sua totalidade, percebe-se uma convergência que, de certa forma, independe da metodologia empregada. A análise revela que os autores se preocuparam em abordar três principais eixos: desempenho escolar, funcionamento familiar e sentimentos dos irmãos, sendo este último também associado à avaliação de sintomas psicopatológicos. No que se refere à escola, as principais questões abordadas foram os problemas de concentração e rendimento escolar, além do apoio de colegas e professores. Os resultados apontaram diminuição do rendimento escolar e dificuldade de concentração, principalmente no período pós-diagnóstico, que foi seguido ou não de melhora, dependendo do estudo analisado.
A escola apareceu como um ambiente acolhedor para os irmãos nesse período, interferindo positivamente no sentimento de angústia e solidão e os amigos foram citados como a mais significativa fonte de apoio, o que parece contribuir para seu desenvolvimento, apesar das adversidades. Tais resultados mostram-se relevantes já que, em diferentes contextos analisados, pesquisas apontam que os irmãos de crianças com câncer podem apresentar dificuldades escolares, por estarem com o pensamento voltado para as necessidades do irmão doente e seus pais (Cavicchioli, 2005; Cheron & Pettengill, 2011; Gerhardt et al., 2015; Miceli, 2013), além de aumento da agressividade e problemas no ambiente escolar (Cavicchioli et al., 2004).
Em relação à família, abordou-se a coesão, o apoio por parte de seus membros e o relacionamento interpessoal. Em alguns estudos foi trazido o desejo de que a rotina familiar voltasse ao normal. As crianças e adolescentes entrevistados queriam estar mais próximos da família, sentiam saudades e percebiam o funcionamento familiar como caótico ou inadequado durante a doença. Resultados que demonstram certa ambivalência, comuns na vivência de situações atípicas, como no caso dos adoecimentos, foram encontrados em relação à sobrecarga por ter que assumir tarefas domésticas e cuidar do irmão doente. Alguns participantes traziam sentimentos de raiva e irritabilidade, mas por outro lado verificou-se também uma percepção positiva da situação, acompanhada de orgulho de si e crescimento pessoal.
Além disso, os estudos sugerem uma correlação positiva entre ansiedade e problemas no funcionamento familiar, mostrando que um pior funcionamento familiar predispõe o incremento da sintomatologia ansiosa (Long, Marsland & Aldefer, 2013). Para mais, os participantes trouxeram sentimentos de solidão e abandono, necessitando atenção e reconhecimento, especialmente dos pais, sobretudo durante o tratamento ou em fases de recaída do irmão doente. Tal resultado também refletiu no acesso a informação sobre a doença, pois algumas pesquisas trouxeram que os participantes se sentiram pouco informados e com conhecimento insuficiente sobre a situação clínica de seus irmãos.
Outros autores também parecem reconhecer que o modo como os irmãos reagem está fortemente relacionado às suas experiências individuais, associadas às interações que desenvolvem consigo mesmos, com a família nuclear, com o irmão doente e outras pessoas próximas (Cavicchioli, 2005). Além disso, percebem uma estreita relação entre o modo de reagir dos irmãos com o processo de comunicação e o apoio familiar recebido durante todo o processo (Cavicchioli, 2005; Leite, 2013).
Quanto aos sentimentos e a avaliação de sintomas psicopatológicos, os resultados revelam que os irmãos saudáveis se sentem inseguros e confusos, manifestando tristeza frente ao adoecimento e à situação em que o irmão se encontra, além de temerem sua morte. Eles demonstraram, muitas vezes, irritabilidade ao serem questionados sobre o estado de saúde dos irmãos e apresentam dificuldades para dormir e queixas somáticas. Além disso, referiram solidão e saudades da família e da rotina, sentindo ciúmes do irmão doente, especialmente no que diz respeito à atenção recebida pelos pais, e por perceberem que este tem mais privilégios, o que pode ser acompanhado por sentimento de culpa e raiva.
Os artigos que abordaram sintomas de ansiedade e depressão nos irmãos encontraram, em sua maioria, um nível de moderado a grave, em comparação à população geral. Quanto aos estudos que investigaram sintomas de TEPT, alguns trazem que de 25% a 34% dos participantes apresentavam sintomatologia presente, e encontrou-se um estudo que comparava a presença de sintomas nos irmãos e nas crianças com câncer, não encontrando diferenças significativas entre ambos os grupos. Alguns analisaram sua prevalência na amostra investigada, outros avaliaram os níveis encontrados em relação à população geral.
Os níveis de qualidade de vida dos irmãos saudáveis tendem a ser abaixo da média da população em geral. Alguns demonstraram ter aprimorado suas habilidades para lidar com estressores ao longo do tratamento dos irmãos e, no que tange ao tipo de estratégia de enfrentamento utilizada, também não foram encontradas diferenças entre os irmãos saudáveis e as crianças com câncer. A raiva e o ciúme também foram sentimentos identificados por outros autores, em estudos em que os irmãos relataram a percepção das vantagens recebidas pelos pacientes, trazendo queixas psicossomáticas e, algumas vezes, o desejo de também adoecerem (Cavicchioli, 2005; Leite, 2013; Miceli, 2013).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa pesquisa teve como objetivo investigar as experiências dos irmãos frente ao adoecimento de uma criança com câncer, a fim de compreender o impacto desta vivência em seu desenvolvimento através da sua própria perspectiva, sendo ele criança ou adulto jovem. Os resultados obtidos, através da análise dos 17 estudos eleitos, apontaram que a vivência do câncer infanto-juvenil pode gerar consequências significativas na vida dos irmãos, ocasionando efeitos, tanto em nível físico, como psicológico. Após a análise detalhada do material e posterior reflexão sobre os resultados encontrados, entende-se que os irmãos não são indiferentes a uma experiência deste porte, já que as pesquisas encontradas trazem reverberações desta vivência no seu desenvolvimento, através da manifestação de seus sentimentos e repercussões no ambiente escolar e familiar.
Além disso, se pensarmos na pesquisa mais ampla realizada inicialmente, fica evidente o quanto grande parte da produção científica sobre esta temática não se centra na perspectiva dos próprios irmãos sobre sua vivência, mas sim de outros informantes, o que denota uma necessidade de dar voz a estas crianças e adolescentes que passam por uma situação de tamanha complexidade. Cabe também ressaltar que não foi encontrado nenhum estudo que avalie irmãos menores de sete anos, provavelmente pela dificuldade de abordá-los em uma coleta de dados, a qual possivelmente teria que ser realizada através da observação da interação, testes projetivos ou hora do jogo.
Destaca-se também a escassez de publicações brasileiras voltadas para este tema, transparecendo a necessidade de estudos que enfoquem, sobretudo, as experiências desses irmãos em nosso contexto, tanto no que se refere a descoberta do diagnóstico quanto a internação hospitalar e o tratamento a seguir. Além disso, ressalta-se que poucos foram os artigos publicados e encontrados em revistas de Psicologia, o que pode estar relacionado à inserção, ainda por vezes tímida, dos psicólogos na pesquisa e na assistência em saúde, quando comparados com outras categorias profissionais mais consolidadas neste campo. Corroborando esta reflexão, percebeu-se também que muitos autores se repetiram nos estudos encontrados, o que indica que um grupo restrito, mas ao mesmo tempo consistente de pesquisadores, vem dedicando-se ao estudo desse tema há algum tempo, em sua maioria concentrados nas áreas de Enfermagem e Medicina.
Para finalizar, cabe a reflexão de se estão estes irmãos necessariamente “saudáveis”, mesmo que assim sejam definidos pelas pesquisas, muitas vezes devido à falta de algum termo que melhor os identifique. Talvez lhes falte justamente o olhar e a atenção devida não só no ambiente familiar, hospitalar e escolar, como também científico, já que poucos pesquisadores, até o momento, estão oportunizando a compreensão da sua livre expressão de afetos.
Conclui-se, portanto, que os irmãos sofrem com o diagnóstico e tratamento do câncer da criança doente, havendo assim, necessidade de pesquisas e intervenções direcionadas a essa população, tão logo seja estabelecido o diagnóstico, a fim de se prevenir ou minimizar resultados negativos de tal experiência. Para mais, salienta-se que a presente revisão sistemática contribuiu no sentido de identificar as necessidades e vivências dos irmãos de crianças com câncer, além de mostrar como essa temática vem sendo abordada e a necessidade de avançar as investigações neste campo do conhecimento.
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ANEXO A