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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.22 no.1 Campinas jan./jun. 2021

https://doi.org/10.26707/1984-7270/2021v22n102 

10.26707/1984-7270/2021v22n102

ARTIGO

 

Desafios das mulheres na carreira científica no Brasil: uma revisão sistemática

 

Challenges faced by women pursuing scientific carrer in Brasil: a systematic review

 

Desafios de las mujeres en la carrera científica en Brasil: revisión sistemática

 

 

Ana Carolina Rodríguez IbarraI; Natália Baptista RamosI; Manoela Ziebell de OliveiraI

IPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta uma revisão sistemática da produção sobre a carreira científica das mulheres no Brasil, publicada no período de 2005 a 2019. Consultaram-se as bases de dados: Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/Brasil), Scielo, Web of Science e Scopus. Os descritores utilizados foram "Mulheres na ciência" AND Brasil* em português, inglês e espanhol. Os resultados evidenciam desafios enfrentados pelas pesquisadoras, como as dificuldades para avançar na carreira científica, os estereótipos sobre as mulheres na sociedade, situações de violência verbal, assédio, sobrecarrega de trabalho, dificuldades para conciliar o trabalho doméstico e de cuidado, com o de cientista. Conclui-se que a desigualdade de gênero ainda marca o contexto da ciência no Brasil.

Palavras-chave: Mulheres; Ciência; Trabalho; Gênero.


ABSTRACT

This article presents a systematic review on the production about scientific career of Brazilian women, published between 2005 and 2019. The authors consulted the following databases: Portal of Scientific Journals from the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (CAPES/Brazil), Scielo, Web of Science, and Scopus. The descriptors used were "Women in Science" AND Brazil * in Portuguese, English, and Spanish. Results show challenges faced by the researchers, such as difficulties in advancing their scientific careers, stereotypes about women in society, situations of verbal violence, harassment, work overload, difficulties in reconciling domestic and caregiver work with that of a scientist. The conclusion is that gender inequality still characterizes the context of science in Brazil.

Keywords: Women; Science; Work; Gender


RESUMEN

Este artículo presenta una revisión sistemática de la producción sobre la carrera científica de mujeres Brasileras, publicada en el periodo de 2005 a 2019. Fueron consultadas las bases de datos: Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Scielo, Web of Science y Scopus. Los descriptores utilizados fueron "Mujeres en la ciencia" AND Brasil* en portugués, inglés y español. Los resultados evidencian desafíos que enfrentan las investigadoras, como dificultades para avanzar en la carrera, estereotipos sobre las mujeres, violencia verbal, acoso, sobrecarga de trabajo, dificultades para conciliar trabajo doméstico con trabajo científico. Se concluye que la desigualdad de género aún está presente en el contexto de la ciencia en Brasil.

Palabras clave: Mujeres; Ciencia; Trabajo; Género.


 

 

Introdução

Os discursos construídos em torno do trabalho e das práticas profissionais contribuem para a propagação de expectativas e de valores na sociedade. Assim, o conceito de trabalho, está intimamente atrelado ao significado que as pessoas atribuem às suas escolhas profissionais e à sua função na sociedade (Frabetti, Thomazelli & Feijó, 2015; Ribeiro, Teixeira e Duarte, 2019). Os papéis exercidos pelas pessoas têm se construído também em função do gênero. Desde a infância, a família e o contexto em geral, incentivam aqueles interesses e comportamentos vocacionais dos filhos que são congruentes com as expectativas sociais de gênero (Silva & Taveira, 2012). Assim, o peso dos estereótipos de gênero sobre as profissões pode ser definitivo, visto que são construções que funcionam de forma eficiente para dar sentido ao mundo e moldar a carreira (Frabetti et al., 2015; Prado & Fleith, 2020).

Mulheres, Carreira e Divisão Sexual do Trabalho

No arcabouço dos estudos feministas, o conceito da divisão sexual do trabalho problematiza a divisão de tarefas na sociedade. Esta não reflete uma complementaridade, mas representa uma relação de poder dos homens sobre as mulheres, que estabelece hierarquias e mecanismos de controle os quais diferenciam funções, direitos e salários (Alves, 2013; Costa & Pinheiro, 2015; Kergoat, 2009; Mies, 2016). A divisão sexual do trabalho baseia-se em dois pressupostos: a separação e a hierarquização. A separação faz uma diferença entre os trabalhos de homens e os de mulheres. A hierarquização atribui maior valor social e econômico ao trabalho realizado pelos homens, ao comparar com o trabalho feito pelas mulheres (Alves, 2013; Kergoat, 2009; Quirino & Guimarães, 2017; Gonçalves & Quirino, 2017).

A separação do trabalho produtivo, designado aos homens e do trabalho reprodutivo, às mulheres, tem sua base histórica no processo de industrialização da sociedade. Entre o final do século XIX e meados do século XX, foram formulados discursos baseados na ciência disponível naquela época, que descreviam diferencialmente mulheres e homens, assim foram expostos princípios organizadores para a divisão de tarefas. Nos homens foram destacadas capacidades como inteligência, razão e habilidades de decisão. Nas mulheres foram sublinhadas capacidades associadas à sensibilidade e aos sentimentos (Prado & Fleith, 2020). Essas descrições sustentam o estabelecimento de espaços específicos para cada sexo, ficando para os homens o domínio público e produtivo, e para as mulheres o domínio privado e reprodutivo, com a responsabilidade pelo cuidado da família (Alves, 2013).

No mundo do trabalho produtivo, é evidenciada a desigualdade de gênero através de dois tipos de segregação, a vertical e a horizontal. A segregação vertical refere-se às dificuldades que enfrentam as mulheres para conseguir ocupar cargos de liderança, prestígio e comando no trabalho. A segregação horizontal, é a tendência a designar para as mulheres tarefas e trabalhos em áreas consideradas femininas, como as relacionadas com atividades domésticas e de cuidado, às vezes conexas com trabalhos com baixa remuneração, informais e em condições precárias (Barros & Mourão, 2018; Lima, 2018). Outro dos desafios enfrentados pelas mulheres no contexto laboral, diz respeito às dificuldades para conciliar o trabalho doméstico com o trabalho remunerado fora de casa (Morales, et al. 2018; Prado & Fleith, 2020; Sousa & Guedes 2016).

A análise sobre a divisão sexual do trabalho permite compreender porque algumas profissões, como enfermagem, pedagogia e nutrição, vinculadas ao cuidado, à sensibilidade e à paciência, são atividades associadas aos atributos femininos. Enquanto que as áreas de ciências exatas e as engenharias, são associadas a características do masculino, pois requerem raciocínio, rapidez, sagacidade e objetividade (Costa & Pinheiro, 2015). A histórica associação das mulheres às emoções, à fragilidade e à insegurança (Prado & Fleith, 2020), e a sua dificuldade para usar a razão, características internalizadas pelas mulheres no seu processo de socialização, tem contribuído para que elas acreditem que são menos aptas para as atividades científicas. Porém, nos anos recentes, mais mulheres optam por construir suas trajetórias nessa área, embora ainda enfrentem dificuldades de permanência e de promoção na carreira, segregação, desvalorização do seu trabalho, além de ter que desenvolver funções precárias e operacionais, apesar de sua maior qualificação em comparação aos homens (Gonçalves & Quirino, 2017). Tendo em vista esse pano de fundo, o objetivo da presente revisão foi conhecer e sistematizar a produção sobre a carreira científica das mulheres no Brasil.

 

Método

Esta revisão sistemática foi desenvolvida segundo os critérios da proposta de Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (Moher, Liberati, Tetzlaff, Altman, The PRISMA Group, 2009), seguindo as etapas descritas a seguir: 1- Delimitação da questão de pesquisa; 2- escolha das bases de dados; 3- eleição das palavras-chave para busca; 4- busca dos artigos nas bases de dados; 5- seleção dos artigos de acordo com os critérios de inclusão e exclusão; 6- extração dos dados dos artigosselecionados em uma planilha; 7- leitura e análise dos artigos e 8- síntese, interpretação dos dados e escrita final do artigo.

Para isso, foi realizada busca dos artigos disponíveis nas bases de dados: Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/Brasil), Scielo, Web of Science e Scopus. Os descritores utilizados foram: "Mulheres na ciência" AND Brasil* em português e suas respectivas versões em inglês ("Women in science" AND Brazil*) e espanhol ("Mujeres en la ciencia" AND Brasil*). A busca foi realizada por duas juízas no mês de dezembro de 2019.

Os artigos encontrados foram analisados com base no título e resumo. Os critérios de inclusão foram: artigos empíricos em qualquer área de conhecimento, revisados por pares, em português, espanhol ou inglês, publicados entre o ano de 2005 e o ano de 2019, com foco na carreira de mulheres cientistas no Brasil. Os critérios de exclusão utilizados foram: artigos repetidos em mais de uma base de dados, livros, teses e dissertações, resumos, entrevistas, trabalhos publicados em congressos e artigos que diziam ao respeito de tratamento de doenças e/ou patologias nas mulheres ou sobre situações de violência doméstica.

A escolha pelo período de publicação, do ano de 2005 ao ano de 2019, se deve ao fato do lançamento do Programa Mulher e Ciência no Brasil, pelo CNPq, em 2005. Esse programa possui como objetivo estimular a produção científica e a reflexão acerca das relações de gênero, mulheres e feminismos no país, para promover a participação das mulheres nas ciências e fomentar o desenvolvimento de carreiras acadêmicas.

Após o emprego dos critérios de inclusão e exclusão, os artigos foram lidos na íntegra por duas juízes que, de forma independente, registraram em uma planilha as seguintes informações coletadas dos artigos, para posterior análise: Título, filiação acadêmica Curso-Centro de Pesquisa ou Universidade, autoras/autores, ano de publicação, revista, país de publicação do estudo, método, objetivo geral, temáticas principais e conclusões do artigo. Os registros das duas juízas foram discutidos por ambas a fim de assegurar o consenso sobre as informações coletadas. A partir da sistematização das informações dos artigos, foi realizada a categorização temática e, por fim, a análise dos dados.

 

Resultados

A partir dos critérios estabelecidos para busca nesta revisão sistemática, foram recuperados 102 artigos nas seguintes bases: Periódicos Capes (n=76); Scielo (n=7); Scopus (n=9) e Web of Science (n=10). A partir da aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram excluídos 73 artigos, totalizando uma amostra de 29 estudos incluídos para análise (Figura 1).

 

 

Observa-se que as primeiras publicações ocorrem apenas dois anos após o lançamento do Programa Mulher e Ciência no Brasil, pelo CNPq e que há um aumento relevante do número de publicações a partir de 2015 (10 anos depois do lançamento), com destaque para o ano 2019.

Quanto ao país de origem dos estudos que constituíram o banco de dados final, 26 foram realizados no Brasil, um artigo foi produto de uma parceria entre Estados Unidos e Brasil, um foi feito nos Estados Unidos e inclui participantes do Brasil,e por fim, um estudo que resultou da parceria entre Estados Unidos, Equador e Costa Rica, que analisa dados da América Latina, inclusive do Brasil. A propósito do delineamento utilizado nos estudos, 12 artigos foram de cunho qualitativo (41%), 12 estudos quantitativos (41%) e cinco estudos com delineamento misto (18%).

A partir da leitura, na íntegra, dos artigos, realizou-se a categorização temática dos conteúdos abordados, e então, a análise dos dados. As categorias produzidas foram: Representação da Mulher Cientista; Violência verbal e Assédio moral; Segregação Vertical e Segregação Horizontal; Sobrecarga de Trabalho; Estratégias em prol da equidade de gênero.

A caraterização dos artigos analisados nesta revisão, apresentada na Tabela 1, evidencia que os estudos analisados foram escritos, em sua maioria, por pesquisadoras, 80% das autoras são mulheres.

 

 

A partir dos estudos analisados observou-se que os estereótipos de gênero estão presentes no cenário da pesquisa brasileira. As pesquisadoras enfrentam situações tais como, a posição subalterna em relação aos homens, a invisibilização do seu trabalho e o pouco reconhecimento das suas habilidades de liderança. As mulheres se defrontam com os estereótipos e as expectativas sociais sobre a profissão que uma mulher deve assumir, ideias que reforçam a ideia de que não têm aptidões para as matemáticas, no caso da pesquisa nas ciências exatas e na tecnologia, e que a ciência é uma área para homens. Os estudos evidenciam situações em que as mulheres são silenciadas, ignoradas ou não recebem o crédito pelas suas contribuições; os estudos destacam ainda que as pesquisadoras enfrentam situações de assédio e preconceitos associados à raça e à maternidade. A seguir, são apresentadas as categorias temáticas, que foram produzidas após a leitura na íntegra dos artigos, e a análise dos resultados dos estudos que compõem esta revisão sistemática, segundo as orientações de Braun e Clarke (2006).

Representação da mulher cientista

Esta categoria inclui estudos que analisam questões associadas aos estereótipos de gênero, às construções sobre os significados de ser mulher na sociedade e às representações das mulheres no mundo da ciência e na mídia. Foi constituída de nove artigos.

A pesquisa de Carvalho e Casagrande (2011) objetivou analisar as dificuldades e conquistas das mulheres no campo científico através de fatos históricos. Os autores destacam que na história da ciência, muitas cientistas foram invisibilizadas com o argumento de que as características de um bom cientista, como a racionalidade e a objetividade, eram consideradas masculinas. Além disso, mulheres que participavam do espaço da ciência foram criticadas por não cumprirem seu papel de mãe e esposa.

O artigo de Lima (2013) objetivou conhecer as percepções de professoras e professores brasileiros a respeito da inserção das mulheres na área da computação. Os resultados evidenciam que: o número de estudantes do sexo feminino na computação é baixo; há evasão feminina ao longo do curso; as alunas têm dificuldades com as disciplinas de lógica e de cálculo. O baixo interesse das mulheres nas ciências exatas se relaciona às expectativas da sociedade, que motivam os meninos, mas não as meninas para a matemática. A discriminação também acontece com as professoras do curso, visto que disciplinas consideradas "mais fáceis" são atribuídas a elas.

No artigo de Lima e Souza e Fagundes (2015) analisou-se a contribuição das mulheres no desenvolvimento e consolidação da genética, no estado brasileiro da Bahia. Por meio de uma revisão histórica, as autoras relatam situações em que as mulheres, nos primeiros anos do século XX, tinham acesso aos laboratórios de pesquisa, mas seus salários eram mais baixos quando comparados com os dos homens. As mulheres que trabalhavam nos laboratórios eram referidas como assistentes dos homens que os lideravam.

Teixeira e Freitas (2015) buscaram analisar os preconceitos e discriminações de gênero que atuam como barreiras para gerar interesse e garantir a ascensão de mulheres brasileiras nas áreas de Física e de Educação Física. Os resultados do estudo misto apontam que, à medida que se avança na carreira acadêmica, o número de mulheres vai caindo consideravelmente. Também indicou que mulheres em postos importantes tendem a assumir vestuário, postura e gesto masculinos, o que é interpretado pelas autoras, como uma estratégia de camuflagem.

O estudo de Carvalho, Ferreira e Penereiro (2016) objetivou descrever as causas e consequências históricas da discriminação de gênero na matemática, através de uma revisão de literatura. Os autores sublinham que os estereótipos em relação à inaptidão das mulheres às matemáticas e de que a ciência é uma área para homens, influenciam o grau de participação das mulheres nestas áreas.

A pesquisa de Mendonça e La Rocque (2016) objetivou entender a representação das mulheres e sua ausência no campo científico, através da análise de filmes de comédia durante uma disciplina ministrada no curso de Farmácia numa universidade brasileira. Evidenciou-se que nos enredos, as mulheres se encontravam em posição subalterna em relação aos homens nos processos de pesquisa. Elas aparecem nos filmes no papel de objeto de desejo dos homens, e apresentam uma atitude passiva em relação aos acontecimentos.

Grossi, Borja, Lopes e Andalécio (2016) desenvolveram um estudo para analisar a presença feminina nas ciências no Brasil. Os autores salientam que a participação das mulheres na ciência, em números, chega a se igualar à dos homens pesquisadores. Porém, as posições de liderança ainda são ocupadas em sua maioria por eles. Evidenciam também uma participação feminina maior nas áreas das Ciências Biológicas, das Ciências da Saúde e das Ciências Humanas, e que só uma pequena parcela escolhe as áreas das Engenharias. A expressiva maioria das doutoras pesquisadas atua na docência, área tradicionalmente associada às mulheres.

Reznik, Massarani, Ramalho, Malcher, Amorim e Castelfranchi (2017), no seu artigo, buscaram compreender as percepções de adolescentes brasileiras sobre a ciência e a profissão de cientistas, utilizando a metodologia de discussão em grupos focais. Os autores acharam que é predominante a imagem de cientista associada a um homem branco, que usa jaleco, está no laboratório e é uma pessoa com inteligência acima da média. Os autores sublinham que as representações na midia, com predominância masculina de cientistas, podem refletir em um interesse menor das adolescentes em seguir a carreira científica.

O estudo de Areas, Barbosa e Santana (2019) abordou a história da pesquisadora Emmy Nöther, e comparou suas experiências com fatos atuais sobre a participação das mulheres na ciência no Brasil. O artigo sublinha que na Pós-graduação brasileira existe paridade quanto ao gênero entre os discentes e assinalam um aumento na participação feminina na docência. Pontuam, contudo, que em cursos como física, as mulheres estão pouco representadas. O artigo sublinha a baixa presença de mulheres em posições de maior prestígio e poder, fato que pode estar associado ao fato de elas subestimarem a suas capacidades, e nem sempre concorrem para ocupar esses lugares, além das representações na sociedade, que não reconhecem as qualidades de liderança das mulheres.

Violência verbal e Assédio moral

Esta categoria é composta por dois artigos que abordaram situações constrangedoras e até violentas vivenciadas pelas mulheres no contexto de fazer ciência. Exemplos são: comentários desmotivadores e misóginos por parte de colegas, situações de discriminação, associadas ao gênero, à raça, à linguagem ou ao país de origem.

O estudo de Gay-Antaki & Liverman (2018) através de metodologia mista, buscou analisar os avanços em prol da equidade de gênero na ciência do clima, e conhecer as percepções de mulheres pesquisadoras sobre sua experiência enquanto cientistas, num grupo intergovernamental sobre mudança climática. Os resultados sugerem que as pesquisadoras neste contexto enfrentam situações em que não são incluídas, são silenciadas, ignoradas ou não recebem o crédito que mereciam pelas contribuições. As autoras sublinham que gênero, raça, nacionalidade, responsabilidades familiares e idioma são barreiras na participação das mulheres na área das ciências do clima. Essas barreiras são mais evidentes para aquelas que têm filhos, mulheres negras e oriundas de países em desenvolvimento.

Da Silva et al. (2019) utilizando metodologia mista, investigaram os desafios das mulheres brasileiras no campo da etnobiologia. Observaram que há mais artigos em que o autor principal é um homem, ainda que não haja diferenças no número de pesquisas lideradas por homens ou por mulheres. Informaram ainda que artigos cujo autor principal é homem tendem a ser publicados em periódicos de maior impacto. Nas entrevistas, as participantes do estudo relataram sentir-se discriminadas no ambiente acadêmico, ter estando expostas a situações de assédio, comentários sobre inferioridade cognitiva e ou física e a preconceitos relacionados à maternidade, também denunciaram casos de sexismo nas comunidades estudadas.

Segregação vertical e Segregação horizontal

Esta categoria agrupa osestudos que refletem o fenômeno conhecido como teto de vidro, o qual se caracteriza pela baixa representação das mulheres em cargos de chefia ou de maior prestígio. Também inclui os artigos que problematizam a segregação das profissões e atividades em função do gênero. Integraram essa categoria 11 artigos.

Hayashi, Cabrero, Costa e Hayashi (2007) analisaram a questão do gênero no setor de ciência e tecnologia no nível nacional, e examinaram a situação das docentes da Universidade Federal de São Carlos – Brasil. Observaram que as mulheres predominam entre pesquisadores mais jovens, têm menor número de bolsas de produtividade em pesquisa e se destacam nas áreas de ciências biológicas, da saúde e humanas, na linguística, letras e artes. É reduzida a participação de mulheres nas engenharias, nas ciências exatas e agrárias.

No estudo quantitativo de Da Cunha, Peres, Giordan, Bertoldo, Marques e Duncke (2014), sobre o interesse na carreira científica em estudantes brasileiras de Ensino Médio, observou-se que os percentuais de estudantes do sexo feminino, que aspiram seguir a carreira científica, são baixos. Resultado complementar foi encontrado por Foote e Garg (2015) que, por meio de uma metodologia qualitativa, investigaram as percepções em relação à ciência, em mulheres universitárias da Índia, dos Estados Unidos e do Brasil, os resultados evidenciam que as mulheres pensam que o gênero pode impactar negativamente sua participação na área da ciência, por acharem que esse é um campo masculino.

Tavares e Parente (2015), com uma pesquisa quantitativa, analisaram a presença das mulheres nos diferentes estágios da carreira científica nas Universidades Federais do Norte do Brasil. Os resultados mostram que o número de mulheres diminui ao longo da carreira, resultando em uma baixa representação feminina entre os bolsistas de produtividade, sobretudo nos campos considerados masculinos.

Liberato e Andrade (2018) analisaram a participação feminina nos Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) das Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs) em São Paulo – Brasil. Identificaram, nos NITs analisados, um equilíbrio da quantidade de mulheres ao comparar com o número total de funcionários.

Oliveira e Serra (2018) analisaram a relação entre características sociodemográficas e desenvolvimento de carreira de pesquisadoras de instituições públicas no contexto do agronegócio em São Paulo- Brasil. Entre os resultados, salientam que as pesquisadoras são maioria nas instituições nas áreas das ciências biológicas e ciências de alimentos; nos grupos etários mais jovens apresentam maior escolarização do que os homens; e que quanto mais alto é o cargo, menor é a presença das mulheres.

Gindri e Budó (2018), por meio de uma metodologia mista, analisaram a composição de gênero de palestrantes e apresentadores de trabalho em eventos acadêmicos das ciências criminais realizados no Brasil. Observaram que, embora a participação de mulheres e homens em grupos de trabalho seja quase equiparada, há sub- representação de mulheres nos espaços de fala principais. O estudo conduzido por Ferrari, Martell, Okido, Romanzini, Magnan, Barbosa e Brito (2018), objetivou mensurar o nível de diversidade geográfica e de gênero, existente na Academia Brasileira de Ciências (ABC). Os autores sublinham que a maioria de membros da ABC são homens e estão concentrados na região sudeste do país.

Salerno, Páez-Vacas, Guayasamin e Stynoski (2019), buscaram analisar a participação das mulheres nas publicações na ecologia e na zoologia, dentro e fora da América Latina, identificaram evidências de um aumento no número de autoras. De forma semelhante, Mendes e Figueira (2019) analisaram a participação das mulheres nas produções das áreas da ciência política e relações internacionais no Brasil. Os resultados evidenciam que, ao comparar o número de dissertações produzidas por mulheres e homens, há um equilíbrio, que não é observado em relação às teses de doutorado (menos autoras). Apesar de ter havido aumento da participação das mulheres nesta área nos últimos anos, ainda estão sub-representadas, especialmente nos cargos estratégicos da docência e da pesquisa.

Tuesta, Digiampietri, Delgado e Martins (2019) por meio de uma pesquisa quantitativa analisaram a participação das mulheres brasileiras da área de Ciências Exatas e da Terra. Entre os achados sublinham que a participação de mulheres é consideravelmente menor que a de homens nesta área.

Sobrecarga de Trabalho

Esta categoria agrupa os estudos relativos às dificuldades associadas à busca de equilíbrio entre o trabalho científico e o trabalho doméstico e de cuidado. Eles questionam como estes conflitos influenciam no desenvolvimento da carreira científica das mulheres. Integraram essa categoria três artigos.

Prado (2014) procurou comparar os padrões de produtividade na área de ecologia entre os gêneros em um estudo quantitativo. A autora pôde observar que, apesar de as mulheres já terem ultrapassado os homens em quantidade de diplomas de doutorado, o meio acadêmico ainda é desfavorável para elas, principalmente no que diz respeito à sobrecarga de trabalho. Também discutem a necessidade de mais estratégias e programas para mulheres a fim de aumentar suas contribuições para a ciência brasileira, principalmente nos primeiros anos de carreira, que é o período em que muitas estão cuidando de crianças.

Santos (2016) realiza um estudo qualitativo para entender como as mulheres estão inseridas na produção científica na região norte do Brasil. A autora argumenta que, apesar de terem acontecido mudanças significativas nas relações de gênero ao longo dos anos, continuam-se reproduzindo papéis tradicionais. Desta forma, as mulheres, apesar de inseridas no mercado de trabalho, ainda são vista como responsáveis pelo âmbito doméstico. Por causa disso, muitas passam a ver a maternidade como obstáculo para a consolidação da carreira. De forma semelhante, Valentova, Otta, Silva e McElligott (2017) buscaram oferecer uma visão mais compreensiva da disparidade entre os gêneros na ciência brasileira. Os autores destacam a incompatibilidade do trabalho científico com o trabalho doméstico, e a maternidade como barreira para a participação das mulheres na ciência.

Estratégias em prol da equidade de gênero

Esta categoria inclui os estudos que apresentam programas ou descrevem a implementação de políticas públicas orientadas a promover a equidade de gênero no contexto da ciência. Integraram essa categoria quatro artigos.

Santos (2015) relata a experiência do projeto Astronomia popular sob os céus do Sergipe, que iniciou em 2013 e durou cerca de 15 meses. O objetivo do projeto era levar ferramentas para escolas e praças públicas a fim de promover observações e discussões. A autora destaca atividades que tinham como foco apresentar mulheres na ciência. O estudo sublinha que nos últimos anos mais mulheres se interessam pela astronomia.

Mello-Carpes, Abreu, Staniscuaski, Souza, Campagnole-Santos e Irigoyen (2019) trazem em seu artigo dois programas que buscam promover a participação das mulheres na ciência: Elas nas Exatas e Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação. O primeiro projeto buscou dar suporte a iniciativas que aproximam meninas das áreas de tecnologia e ciências exatas. Já o segundo, foi desenvolvido no âmbito de uma chamada do CNPq que busca apoiar atividades que procuram treinar meninas para carreiras das áreas das ciências exatas, engenharias e computação. O artigo de Spinelli, Germano e Herrera (2019) apresentam o evento Dia das Adolescentes no Museu. O programa teve como objetivo encorajar as meninas a explorarem a trajetória científica, reconhecerem a contribuição das mulheres cientistas e quebrarem barreiras sociais e preconceitos que as impedem de buscar carreiras nas áreas de ciências, engenharia e matemática.

Por fim, Nascimento (2016) traz em seu artigo uma análise da desigualdade na sociedade brasileira e discute de que forma as políticas públicas poderiam ser implantadas como soluções. A autora defende que é importante o trabalho conjunto entre sociedade civil e Estado, através da ação dos movimentos sociais e da formulação e implementação de políticas públicas de gênero, a fim de garantir a equidade de gênero na ciência brasileira.

 

Discussão

A partir da revisão sistemática realizada, observou-se que o interesse pelo estudo das mulheres na ciência brasileira, vem aumentando desde o ano de 2014. Em relação ao delineamento utilizado nos estudos, destaca-se a predominância de abordagens qualitativas e quantitativas, e uma porcentagem menor de estudos mistos.

Observou-se um número alto de pesquisadoras interessadas em estudar as mulheres na ciência brasileira. Os artigos que abordam esta temática sublinham alguns aspectos associados aos desafios enfrentados pelas pesquisadoras. Entre eles, é possível citar as dificuldades para avançar na carreira científica, os estereótipos sobre as mulheres na sociedade, situações de violência verbal, assedio, sobrecarrega de trabalho, e, em geral, situações que evidenciam as desigualdades de gênero no contexto da ciência no Brasil.

Compreende-se que o desenvolvimento da carreira científica das pesquisadoras brasileiras está atrelado aos processos históricos de enfrentamento à desigualdade de gênero, e à luta pelo reconhecimento de seus direitos e capacidades para construir conhecimento e participar do mundo da ciência. Este processo perpassa o papel que ocupam na sociedade e a capacidade de refletirem sobre o significado das escolhas que fazem e de sua capacidade para assumir o protagonismo da sua carreira profissional (Ribeiro et al., 2019).

Por meio deste artigo foi possível evidenciar que o conceito da divisão sexual do trabalho e seus princípios de separação e de hierarquização, (Alves, 2013; Gonçalves & Quirino, 2017; Kergoat, 2009; Quirino & Guimarães, 2017) estão presentes no cotidiano das pesquisadoras brasileiras, por exemplo, por meio da segregação horizontal e vertical (Barros & Mourão, 2018; Lima, 2018). A segregação horizontal ficou evidente nos artigos que indicam que as mulheres estão mais presentes nas áreas da educação, de ciências humanas e sociais, e em áreas historicamente associadas ao cuidado e atendimento das pessoas, e ensino e acompanhamento dos processos de desenvolvimento das crianças. Têm-se naturalizado que tais atividades são executadas pelas mulheres, uma vez que são associadas à sensibilidade e à paciência, atributos considerados socialmente como femininos. Em contraste, as áreas de ciências exatas e as engenharias têm sido associadas a características masculinas, como raciocínio, rapidez e objetividade (Areas, Barbosa & Santana 2019; Costa & Pinheiro, 2015; Ferrari, Martell, Okido, Romanzini, Magnan, Barbosa, & Brito 2018; Foote & Garg 2015; Hayashi, Cabrero, Costa & Hayashi 2007; Tavares & Parente 2015; Tuesta, Digiampietri, Delgado & Martins 2019).

A segregação vertical, que descreve as dificuldades enfrentadas pelas mulheres para conseguir ocupar cargos de liderança e prestígio (Barros & Mourão, 2018; Lima, 2018), também foi um fenômeno descrito nos estudos. Ainda que as mulheres sejam quase a metade do total de pesquisadores no país, a dificuldade para obterem bolsas de produtividade e para ascenderem na carreira científica foi evidenciada. Assim, quanto mais alto o cargo, menor é a presença feminina, o que revela uma baixa a participação das mulheres nos cargos decisórios das políticas científicas (Areas, Barbosa & Santana 2019; Da Cunha, Peres, Giordan, Bertoldo, Marques & Duncke 2014; Grossi, Borja, Lopes & Andalécio 2016; Hayashi, Cabrero, Costa & Hayashi 2007; Mendes & Figueira 2019; Nascimento 2016; Oliveira & Serra 2018; Santos 2016; Tavares & Parente 2015).

Outro aspecto destacado nos estudos, diz respeito às dificuldades para conciliar o trabalho doméstico com o trabalho como cientistas. Esta situação, além de gerar sobrecarga de trabalho (Morales et al., 2018; Prado & Fleith, 2020; Sousa & Guedes 2016), orienta a perceber o trabalho doméstico e a maternidade como barreiras no processo de consolidação da carreira cientifica (Valentova et al., 2017).

Ainda que as mulheres tenham conseguido se inserir em diversos campos da ciência, o peso dos estereótipos gera dificuldades para que avancem no desenvolvimento de sua carreira e consigam o reconhecimento que merecem pelas suas contribuições. Permanece, no contexto da ciência brasileira, uma cultura de descrédito em relação às mulheres em posições de liderança, crença que impede uma presença mais ampla de mulheres nos altos cargos.

Por fim, destaca-se a necessidade de incentivar a formulação e implementação de políticas públicas para promover uma cultura baseada na equidade de gênero no contexto da ciência, que orientem a construção de novos discursos sobre os papéis que exercem as pessoas na sociedade, e viabilizem a visibilização das con-tribuições das mulheres na construção de conhecimento científico nas diversas áreas da pesquisa brasileira -(Nascimento, 2016).

 

Considerações finais

Esta revisão da literatura produzida no período de 2005 a 2019, teve como objetivo conhecer e sistematizar a produção sobre a carreira científica das mulheres no Brasil. Os resultados permitiram concluir que a participação das pesquisadoras nas diversas áreas de produção do conhecimento científico ocorre, apesar das barreiras ao desenvolvimento de suas carreiras, que têm gerado desigualdades e violências nas diferentes esferas do cotidiano. Ainda que os estudos sublinhem a baixa participação das mulheres nas ciências exatas e a segregação das pesquisadoras nas áreas humanas, sociais, da saúde, e educação, não mencionam a importância de equilibrar a participação de homens e mulheres nos diversos campos disciplinares como estratégia para evitar a perpetuação da divisão de papéis e de tarefas, no contexto acadêmico.

Os resultados aqui apresentados remetem à ideia de que as construções sobre o que é o gênero delimitam os interesses profissionais, para restringir as escolhas de carreira a uma Zona de Alternativas Aceitáveis (Gottfredson, 2005). Nesse sentido, destaca-se o papel da orientação profissional e de carreira na desconstrução dos estereótipos de gênero em relação às profissões, para configurar novos significados e práticas associadas aos papéis das pessoas na sociedade. Isso pode ser feito, por meio de processos de Educação para a Carreira, orientados para a construção de novas formas de socialização de gênero, que ampliem as possibilidades de escolhas para as pessoas, e auxiliem na identificação de barreiras e elaboração de estratégias para superá-las (Lent & Brown, 2020). Desta forma, será possível contribuir para o combate às desigualdades de gênero.

 

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Endereço para correspondência:
Natália Baptista Ramos
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Escola de Ciências da Saúde e da Vida, PUCRS
Av. Ipiranga, 6681 - Prédio 11 – sala 921
CEP: 90619-900
Porto Alegre – RS
Fone: 3353.4207.

Recebido: 24/08/2020
1a refornulação: 25/08/2020
Aceito: 14/10/2020

 

 

Sobre as autoras:
Ana Carolina Rodríguez Ibarra é Doutora em Psicologia, Pesquisadora Associada Grupo de Estudo sobre Desenvolvimento de Carreira, Programa de Pós Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4779-5739 E-mail: anacarolinarodriguezibarra@gmail.com
Natália Baptista Ramos é Graduada em Psicologia, auxiliar de pesquisa voluntária do Grupo de Estudo sobre Desenvolvimento de Carreira Programa de Pós Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5114-0730 E-mail: natalia.baptista@acad.pucrs.br
Manoela Ziebell de Oliveira é Doutora em Psicologia Coordenadora do Grupo de Estudo sobre Desenvolvimento de Carreira e Professora do Programa de Pós Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0243-5115 E-mail: manoela.ziebell@gmail.com

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