SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 número1Peppa Pig: um estudo sobre as relações familiares entre avós, pais e netosEscolha profissional: teoria e intervenções sistêmicas voltadas ao adolescente e à família índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.21 no.1 Porto Alegre jul. 2017

 

ARTIGOS

 

Afetividade e conflito nas díades familiares, capacidade funcional e expectativa de cuidado de idosos

 

Affection and conflict in the family, functional capacity and expectation of care of the elderly

 

 

Laila Lorena Nogueira Batista da Silva1 ; Dóris Firmino Rabelo2, I

I Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Avaliou-se a percepção de idosos quanto à afetividade e conflito nas díades familiares com cônjuge, filhos e netos, e suas associações com o sexo, a idade, a capacidade funcional e a expectativa de cuidado. Participaram 134 idosos do interior da Bahia, sem déficit cognitivo. A tipologia predominante nas díades familiares foi Alta Afetividade e Baixo Conflito. A percepção de alta afetividade no relacionamento conjugal foi maior entre homens e idosos independentes e no relacionamento com os filhos foi maior entre mulheres. A percepção de alto conflito no relacionamento com filhos foi mais frequente entre homens e idosos com dependência. A percepção de afetividade e conflito associou-se com a expectativa de ser cuidado por filhos, cônjuges e netos. O papel de cuidadora da mulher favorece uma relação afetiva mais próxima na díade com os filhos, mas por outro lado lhe impõe sobrecarga afetando a percepção de afetividade no relacionamento conjugal.

Palavras-chave: Idoso, Afetividade, Conflito, Família, Cuidado.


ABSTRACT

We investigated the elderly’s perception about affection and conflict in relationship with spouse, children and grandchildren, and their associations with sex, age, functional capacity and the expectation of care. Participated 134 elderly from Bahia-Brazil, without cognitive deficit. The predominant typology in the family was High Affectivity and Low Conflict. The perception of high affection in the marital relationship was higher among men and among the independent ones and in the relationship with children was higher among women. The perception of high conflict in relationships with children was more common among men and the elderly with dependency. The perception of affection and conflict was associated with the expectation of being care by children, spouses and grandkids. The woman’s caregiver role favors close affective relationship with the children, but on the other hand imposes burden affecting the perception of affectivity in the marital relationship.

Keywords: Elderly, Affectivity, Conflict, Family, Caring.


 

 

Introdução

O aumento da expectativa de vida tem permitido a convivência mais prolongada entre as gerações, dando aos idosos a oportunidade de participarem mais ativamente da vida de seus familiares (Mainetti & Wanderbroocke, 2013). As características e a qualidade desses relacionamentos refletem a maneira pela qual os subsistemas familiares foram se organizando e se transformando ao longo do tempo. Aparecem no desempenho das funções conjugais e parentais e das formas de ajustamento vigentes na família no enfrentamento dos eventos de vida como a dependência de um membro idoso (Rabelo & Neri, 2014a).

A afetividade é central à coesão e ao apoio familiar enquanto que os sentimentos negativos, que podem gerar estresse e agressividade, caracterizam o conflito. O conflito é um aspecto normativo das relações familiares e afeta significativamente o funcionamento familiar quando a afetividade é baixa. Baixo afeto e ambivalência nos relacionamentos intergeracionais têm sido associados a consequências negativas para o bem-estar do idoso e predizem pior qualidade de vida na velhice (Rabelo & Neri, 2014b).

Os subsistemas conjugal e parental são aqueles nos quais os adultos mais se envolvem ao longo do ciclo de vida familiar e são os mais importantes e significativos na velhice. A relação com os filhos adultos é complexa por trazer sentimentos ambivalentes para os pais, no qual os filhos são fontes de suporte e de estresse (Rabelo, 2016). A dinâmica do relacionamento conjugal tem potencial para influenciar a saúde do casal idoso e seu bem-estar. Um ambiente conjugal positivo funciona como um amortecedor do estresse devido à percepção de disponibilidade de suporte socioemocional (Falcão, 2016).

A qualidade do relacionamento conjugal é percebida de forma diferente entre os sexos. Estudos mostram que as mulheres apresentam menor percepção de benefícios adquiridos no casamento e uma sobrecarga de tarefas, o que acaba por resultar em menor felicidade e senso de completude, diferente do sexo masculino. Além disso, a qualidade da relação com o cônjuge é mais baixa para as mulheres quando há filhos adultos (Bulanda, 2011).

As trocas intergeracionais acontecem nos níveis afetivo, instrumental, financeiro e educativo. Nesse sentido, outro papel importante dos idosos é o de avós, pois são os responsáveis por transmitir valores e tradições, servindo como elo entre as gerações. Os estudos sobre a relação entre avós e netos mostram que eles interagem uns com os outros com frequência, tendem a ser emocionalmente próximos e apresentam uma relação satisfatória (Cardoso, 2011).

No contexto familiar se constrói a expectativa de cuidado, e o idoso está mais propenso a acreditar na continuidade da ajuda em caso de necessidade, se isso já ocorreu no passado. Na presença de muitos conflitos nos relacionamentos, a probabilidade dessa expectativa diminui (Karsch, 2003). A maioria dos idosos espera ser cuidado por alguém no futuro, especialmente pelas filhas (Oliveira, Neri & D’Elboux, 2013). Embora não existam garantias de que os idosos venham a receber a ajuda de que precisam ou que esperam, a percepção de que há pessoas disponíveis para o suporte contribui para que mantenham sentimentos de que são valorizados e cuidados.

A família é a principal fonte de suporte do idoso diante das tensões geradas pelos eventos de vida e as novas configurações familiares demandam maior conhecimento das fragilidades e potencialidades dos relacionamentos. O objetivo deste estudo foi verificar a percepção dos idosos de afetividade e conflito nas díades familiares com o cônjuge/companheiro, os filhos e os netos e suas associações com o sexo, a idade, a capacidade funcional e a expectativa de cuidado.

 

Método

O presente estudo faz parte da pesquisa “Desenvolvimento familiar e o idoso: rede de suporte social, dinâmica familiar e a convivência intergeracional”, destinado a investigar o funcionamento de famílias com idosos e sua rede de suporte informal e formal. A realização da pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Maria Milza (FAMAM), do município de Cruz das Almas – Bahia, de acordo com a Resolução nº. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), do Ministério da Saúde do Brasil.

O campo selecionado para estudo foi Santo Antonio de Jesus, Estado da Bahia – Brasil, cujo papel no setor da saúde é importante no Recôncavo Baiano, pois nucleia a microrregião leste do estado, sede da 4ª. DIRES (Diretorias Regionais de Saúde). Dentre as 20 unidades básicas de saúde (UBS) localizadas na zona urbana, foi selecionada a que tinha o maior número de idosos cadastrados (14,5% do total de pessoas cadastradas e 16,8% dos idosos residentes na cidade). Segundo dados do Sistema de Informação da Atenção Básica, ano 2010, nessa unidade estavam cadastradas 2.754 famílias que somavam 9.234 pessoas, dentre os quais 1344 com 60 anos e mais.

Com a ajuda de agentes comunitários de saúde, foram realizados a identificação e o arrolamento dos domicílios com idosos localizados em todas as 21 micro-áreas abrangidas pela UBS selecionada. Os critérios de elegibilidade foram: idade igual ou superior a 60 anos; residência permanente na região e no domicílio; compreensão das instruções; interesse em participar e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Como critério de inclusão foi adotada a pontuação referente às notas de corte para cada faixa de escolaridade, menos um desvio padrão, no Mini-Exame do Estado Mental –MEEM (Brucki, Nitrini, Caramelli, Bertolucci & Okamoto, 2003). A opção pela inclusão de idosos sem déficit cognitivo sugestivo de demência no estudo foi feita para não prejudicar a confiabilidade das respostas de autorrelato dos idosos (Neri & Guariento, 2011). Os critérios de exclusão foram: déficit auditivo ou visual grave; dificuldade de expressão verbal e de compreensão e estar temporária ou permanentemente acamado.

Em cada domicilio, todos os idosos eram entrevistados com vistas à seleção para participação no estudo. A escolha do participante era baseada na maior pontuação obtida no Mini-Exame do Estado Mental. A coleta de dados foi realizada em duas ou três visitas de duas horas cada uma, em média. Participaram do estudo 134 idosos.

 

Variáveis e instrumentos

1. Características sociodemográficas. Foram avaliadas a idade (agrupada em duas faixas - 60 a 74 anos e 75 anos ou mais) e o sexo (feminino x masculino).

2. Capacidade funcional:

2.1. Índice de independência nas atividades básicas de vida diária (Lino, Pereira, Camacho, Ribeiro & Buksman, 2008). Escala de seis itens com três possibilidades de resposta sobre a ajuda necessária (nenhuma, parcial ou total) para banho, vestir-se, toalete, transferência, controle esfincteriano e alimentação. As respostas foram agrupadas em: independente, dependência parcial e dependência total.

2.2. Desempenho de atividades instrumentais de vida diária (Brito, Nunes & Yauso, 2007). Escala com três possibilidades de resposta sobre a ajuda necessária (nenhuma, parcial ou total) para telefonar, usar transportes, fazer compras, cozinhar, realizar serviços domésticos, uso de medicação e manejo de dinheiro. As respostas foram agrupadas em: independente, dependência parcial e dependência total.

3. Familiograma (Teodoro, 2006). O indivíduo avalia sua relação com outro membro familiar, a partir de adjetivos positivos (afetividade) e negativos (conflito), em uma escala que varia de 1 (de jeito nenhum) a 5 (completamente). A díade é descrita uma única vez, sempre a partir da perspectiva do idoso. Foram avaliadas as díades idoso-cônjuge/companheiro, idoso-filhos e idoso-netos. A partir dos resultados pode-se classificar as famílias em diferentes categorias: tipo I - famílias que apresentam alta afetividade e baixo conflito; tipo II - famílias com alta afetividade e alto conflito; tipo III - baixa afetividade e baixo conflito e tipo IV - baixa afetividade e alto conflito.

4. Expectativa do cuidado. Sete itens dicotômicos no qual o individuo informa se acredita que tem quem possa ajudar caso precise, e quem seria essa pessoa: cônjuge ou companheiro, filha ou nora, filho ou genro, outros parentes, vizinho ou amigo e um profissional pago (Neri & Guariento, 2011).

 

Análise de dados

Foram feitas tabelas de frequência das variáveis categóricas com valores de frequência absoluta (n) e percentual (%) para descrever o perfil da amostra de acordo com as variáveis estudadas. Foi utilizado o teste qui-quadrado ou o teste de Exato de Fisher (na presença de valores esperados menores que 5) para comparar as variáveis categóricas. O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5%, ou seja, p<0,05.

 

Resultados

A idade dos participantes variou de 60 a 95 anos, com média de 72 (±8,0) anos, sendo 77,6% do sexo feminino, 96,3% independente para as atividades básicas e 58,2% independente para as atividades instrumentais de vida diária. Caso venham a precisar de ajuda para realizar qualquer uma das atividades de auto-cuidado ou do dia-dia, 91% dos idosos relataram que tem com que contar: 64,2% contam com filhas ou noras, 28,4% com filhos/ genros, 17,9% com um vizinho ou amigo, 16,4% com o cônjuge/companheira(o), 15,7% com outro parente e 13,4% com um profissional pago. Nas díades familiares, a tipologia predominante foi “alta afetividade e baixo conflito”. A Tabela 1 mostra a percepção dos idosos quanto à afetividade e o conflito nas díades familiares.

 

 

A Tabela 2 apresenta as associações da percepção de alta afetividade nas díades familiares com o sexo, a idade, a capacidade funcional e a expectativa de cuidado. A análise comparativa mostrou que no relacionamento conjugal a percepção de alta afetividade foi mais frequente entre os homens e os idosos independentes nas atividades instrumentais de vida diária. No relacionamento com os filhos a percepção de alta afetividade foi mais frequente entre as mulheres. Os idosos que não tinham percepção de alta afetividade no relacionamento conjugal apresentaram menor expectativa de serem cuidados pelos cônjuges. Aqueles que relataram alta afetividade na díade com filhos tinham maior expectativa de serem cuidados por filhas ou noras.

 

 

A Tabela 3 apresenta as associações da percepção de alto conflito nas díades familiares com o sexo, a idade, a capacidade funcional e a expectativa de cuidado. A percepção de alto conflito no relacionamento com filhos foi mais frequente entre os homens e entre os idosos com dependência em atividades instrumentais de vida diária. Aqueles que tinham expectativa de serem cuidados pelo cônjuge foram mais frequentes entre os que relataram alto conflito na díade conjugal. Os idosos com percepção de alto conflito no relacionamento com netos tinham maior expectativa de serem cuidados por outros parentes.

 

 

 

Discussão

Nas díades familiares (idoso - cônjuge/ idoso - filho/ idoso - neto), a tipologia predominante foi “alta afetividade e baixo conflito”. Esse é o tipo mais funcional de família, nos quais os sentimentos de apoio e proximidade emocional, marcados pela afetividade, predominam em comparação aos sentimentos marcados pelos conflitos. As interações familiares negativas podem se tornar nocivas à saúde e gerar aparecimentos de doenças, enquanto que as interações positivas são importantes para o bem-estar psicológico (Baptista, Teodoro, Cunha, Santana & Carneiro, 2009).

A percepção de alta afetividade no relacionamento conjugal foi diferente entre os sexos, sendo mais frequente nos homens. Como consequência dos padrões de gênero estabelecidos socialmente, as mulheres relatam sobrecarga com mais frequência do que os homens, além de exercerem o papel de cuidadoras (Carneiro, 2012 e Rabelo & Neri, 2014a). A menor percepção de benefícios adquiridos no casamento e o ônus percebido do exercício de múltiplas tarefas afeta a qualidade do relacionamento conjugal das mulheres (Bulanda, 2011).

Os idosos com dependência nas atividades instrumentais de vida diária perceberam com menor frequência alta afetividade no relacionamento com o cônjuge e maior frequência de alto conflito no relacionamento com os filhos. O idoso espera dos familiares apoio e o suprimento de necessidades afetivas e instrumentais, o que nem sempre é concretizado (Sampaio, Rodrigues, Pereira, Rodrigues & Dias, 2011). As consequências de problemas de saúde, as mudanças em papéis sociais mais amplos e as demandas relativas aos eventos de vida precisam ser resolvidas e negociadas, buscando o equilíbrio do sistema familiar.

As perdas na independência geram uma tensão entre autonomia e dependência e ativam os mecanismos de manutenção do senso de controle e do senso de autoeficácia. No caso do relacionamento com filhos, a inflexibilidade e a dificuldade para aceitar a mudança de papéis bem como as demandas, exigências e tensões cotidianas geradas pela situação do cuidado favorecem a emergência de conflitos (Santos, Brito & Rossignolo, 2015). Muitos idosos relutam em solicitar ou aceitar suporte dos filhos, e podem interpretar a oferta de ajuda como desnecessária. Por outro lado, os filhos, mesmo que bem intencionados, podem se comportar inadequadamente, superfuncionando pelos idosos e limitando o exercício de sua autonomia e liberdade. No entanto, quando há expectativa de suporte e esta não se realiza, os idosos podem sentir-se alienados e negligenciados, o que pode ter acontecido no relacionamento conjugal dos idosos avaliados (Rabelo, 2016).

A percepção de alta afetividade em relação aos filhos foi diferente entre os pais e mães idosos. Para a mulher, a percepção da alta afetividade foi maior, o que indica que elas percebem maior apoio e proximidade dos filhos. Já os homens relataram alto conflito com mais frequência na díade com filhos. A maioria dos idosos atuais foi socializada segundo um modelo em que cabia às mulheres a responsabilidade emocional pelos relacionamentos familiares e o gerenciamento das relações de intimidade. As mulheres investem mais nos relacionamentos sociais e na coesão entre as gerações, planejando eventos familiares, oferecendo suporte e mantendo as conexões. Já os homens idosos esperam permanecer na posição de chefes e de norteadores do comportamento familiar, o que pode gerar tensões nos relacionamentos intergeracionais. O relacionamento com os filhos adultos pode ser afetado por muitos fatores, como afetividade, proximidade, intimidade, o que pode resultar tanto em um suporte familiar quanto pode significar estresse entre os membros (Rabelo & Neri, 2014b).

O que vem ocorrendo no Brasil é um movimento oposto ao “ninho vazio”, onde cada vez mais se encontram famílias que são compostas por idosos, filhos e netos. Há uma mudança no papel da mulher idosa atualmente, pois além de continuar como cuidadora principal, hoje essa também ocupa o lugar de provedora. Pesquisas vêm mostrando que os “ninhos” estão se enchendo de filhos e netos, onde, inclusive, a renda da mulher se torna indispensável para o orçamento familiar (Camarano, 2003). Os dados mostram que embora a maioria dos idosos apresente a tipologia mais funcional de família, a dependência funcional de um membro idoso e o senso de sobrecarga relativo ao papel feminino põe em risco a percepção de afetividade nas díades familiares, especialmente quanto ao relacionamento conjugal.

A expectativa do cuidado está ligada com experiências vividas anteriormente ao longo da vida. Idosos reconhecem algumas pessoas como suporte em decorrência de situações vivenciadas anteriormente, e é mais provável esperar delas um cuidado se necessário. Os idosos que não perceberam alta afetividade no relacionamento conjugal também mostraram menor expectativa de ser cuidado pelo cônjuge. O oposto foi observado nas díades com filhos, no qual a percepção de alta afetividade estava associada com a expectativa de cuidado por filhas ou noras.

Existe uma hierarquia na decisão do cuidador, sendo que a ordem de preferência inclui em primeiro lugar as esposas e depois a filha mais velha, a nora mais velha, a filha solteira (Diogo, Ceolim & Cintra, 2005). As mulheres são as principais provedoras de cuidados a idosos em situação de dependência (Batistoni, Neri, Tomomitsu, Vieira, Oliveira, Cabral & Araújo, 2013). Mas o contrário não ocorre com tanta frequência, especialmente em uma relação com baixa afetividade. Não é comum a mulher esperar que o cônjuge cuide dela e a maioria da amostra deste estudo é de idosas. O gênero tem sido associado à expectativa de suporte para o cuidado e o número de pessoas de quem o idoso espera receber ajuda, estando as mulheres em desvantagem (Oliveira, Neri & D’Elboux, 2013).

Por outro lado, os idosos que tinham expectativa de serem cuidados pelo cônjuge foram mais frequentes entre os que relataram alto conflito na díade conjugal. É possível que esse conflito seja derivado justamente de uma expectativa não concretizada, não apenas de cuidado no caso de dependência, mas aquele relativo ao apoio e à atenção esperada no relacionamento conjugal. Cada casal possui um sistema de crenças e de expectativas, construídas a partir de um contexto sociohistórico e cultural que envolve os modos de ser esposa e marido. A diferença entre o que a pessoa espera da outra na relação e o que está recebendo, afeta o funcionamento da díade conjugal e a satisfação com a mesma (Falcão, 2016).

Os idosos com percepção de alto conflito no relacionamento com netos tinham maior expectativa de serem cuidados por outros parentes. A presença de netos não garante relações de afeto e cuidado e os idosos ampliam suas relações sociais para suas trocas de suporte e para a manutenção de sua integridade física e psicológica. O funcionamento familiar tem reflexo nos estresses, tensões, conflitos com netos e características da avosidade (Cardoso, 2011; Reis, Torres, Reis & Nobre, 2015).

 

Considerações finais

Como limitação do estudo pode-se citar a ausência de informações sobre a percepção dos outros membros das díades avaliadas, as quais pudessem ampliar o entendimento do funcionamento familiar como um todo. Sugere-se que futuros estudos incluam outras variáveis que avaliem o funcionamento familiar bem como métodos mais refinados de análise de dados, envolvendo tanto o idoso quanto outros familiares.

A relação entre afetividade, conflito, gênero, capacidade funcional e expectativa de cuidado dentro de um sistema familiar é importante para a compreensão da dinâmica nas díades familiares e dos fatores que podem ser funcionais ou não para um idoso. A convivência intrageracional e intergeracional vem trazendo mudanças das dinâmicas familiares, renovando estratégias de coabitar com pessoas de diferentes gerações, e exigindo constantes adaptações para que se alcance um bem estar coletivo.

O presente estudo mostrou que nas díades familiares com cônjuge, filhos e netos, os idosos relataram predominante alta afetividade e baixo conflito. A percepção de alta afetividade no relacionamento conjugal foi maior entre homens e idosos independentes e no relacionamento com os filhos foi maior entre mulheres. A percepção de alto conflito no relacionamento com filhos foi mais frequente entre homens e idosos com dependência. A percepção de afetividade e conflito associou-se com a expectativa de ser cuidado por filhos, cônjuges e netos.

Homens e mulheres vivenciam seus relacionamentos familiares de forma diferente. O papel de cuidadora da mulher favorece uma relação afetiva mais próxima na díade com os filhos, mas por outro lado lhe impõe sobrecarga afetando a percepção de afetividade no relacionamento conjugal. A dependência também afeta o relacionamento familiar por estar ligada a fatores estressores tanto para quem é cuidado quanto para o cuidador.

 

Referências

Baptista, M. N., Teodoro, M. L. M., Cunha, R. V., Santana, P. R., Carneiro, A. M. (2009). Evidência de validade entre o inventário de percepção de suporte familiar -IPSF e familiograma -FG. Psicologia: Reflexão e Crítica, 22(3), 466-473.         [ Links ]

Batistoni, S. S. T., Neri, A. L., Tomomitsu, M. R. S. V., Vieira, L. A. M., Oliveira, D., Cabral, B. E. & Araújo, L. F. (2013). Arranjos domiciliares, suporte social, expectativa de cuidado e fragilidade. In A. L. Neri (Ed), Fragilidade e qualidade de vida na velhice (pp. 267-282). Campinas, SP: Alínea.         [ Links ]

Brito, F. C., Nunes M. I., Yauso D. R. (2007). Multidimensionalidade em gerontologia II: Instrumentos de avaliação. In M. Papaleo Netto. Tratado de gerontologia (2ª ed., pp. 133-47). Rio de Janeiro: Atheneu.         [ Links ]

Brucki, S. M. D., Nitrini, R., Caramelli, P., Bertolucci, P. H. F., & Okamoto, I. H. (2003). Sugestões para o uso do mini-exame do estado mental no Brasil. Arquivos de Neuropsiquiatria, 61(3B), 777-781.         [ Links ]

Bulanda, J. R. (2011). Gender, marital power, and marital quality in later life. Journal of Women & Agin, 23(1), 3–22.

Camarano, A. A. (2003). Mulher idosa: Suporte familiar ou agente de mudança? Estudos Avançados, 17(49), 35-63.         [ Links ]

Cardoso, A. R. (2011). Avós no século XXI: Mutações e rearranjos na família contemporânea. Curitiba: Juruá         [ Links ].

Carneiro, A. M. (2012). A família e o idoso: Desafios da contemporaneidade. Avaliação Psicológica, 11(2), 317-319.         [ Links ]

Diogo, M. J. D., Ceolim, M. F., & Cintra, F. A. (2005). Orientações para idosas que cuidam de idosos no domicílio. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 39(1), 97-102.         [ Links ]

Falcão, D. V. S. (2016). Amor romântico, conjugalidade e sexualidade na velhice. In E. V. Freitas & L. Py, (Orgs.), Tratado de geriatria e gerontologia (4ª ed., pp. 1498-1507). Rio de Janeiro: Koogan.         [ Links ]

Karsch, U. M. (2003). Idosos dependentes: Famílias e cuidadores. Cadernos de Saúde Pública, 19(3), 861-866.         [ Links ]

Lino, V. T. S., Pereira, S. R. M., Camacho, L. A. B., Ribeiro, S. T., Filho, & Buksman, S. (2008). Adaptação transcultural da Escala de Independência em Atividades da Vida Diária (Escala de Katz). Caderno de Saúde Pública, 24(1), 103-112.         [ Links ]

Mainetti, A. C., & Wanderbroocke, A. C. N. S. (2013). Avós que assumem a criação de netos. Pensando Famílias, 17(1), 87-98.         [ Links ]

Neri, A. L., Guariento, M. E. (Orgs). (2011). Fragilidade, saúde e bem-estar em idosos: Dados do estudo FIBRA Campinas. Campinas: Alínea.         [ Links ]

Oliveira, D. C., Neri, A. L., D’Elboux, M. J. (2013). Variáveis relacionadas à expectativa de suporte para o cuidado de idosos residentes na comunidade. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 21(3).

Rabelo, D. F., Neri, A. L. (2014a). A complexidade emocional dos relacionamentos intergeracionais e a saúde mental dos idosos. Pensando Famílias, 18(1), 138-153.         [ Links ]

Rabelo, D. F., Neri A. L. (2014b). O idoso e sua família. In A. C. V. Campos, E. M. Berlezi, A. H. M. Correa, (Orgs.). Envelhecimento: Um processo multidimensional (pp 173-195). Ijuí: Ed. Unijuí         [ Links ].

Rabelo, D. F. (2016). Os idosos e as relações familiares. In E. V. Freitas, L. Py, (Orgs). Tratado de geriatria e gerontologia (4ª ed., pp. 1518-1525). Rio de Janeiro: Koogan.         [ Links ]

Reis, L. A., Torres, G. V., Reis, L. A. & Nobre, T. T. X. (2015). Suporte familiar: Possibilidades e limites no cuidado ao idoso dependente. In A. C. V. Campos, E. M. Berlezi, & A. H. M. Correa, (Orgs). O cuidado e o suporte ao idoso fragilizado: Um desafio para a família e o estado (pp.91-108). Ijuí: Unijuí         [ Links ].

Sampaio, A. M. O., Rodrigues, F. N., Pereira, V. G., Rodrigues, S. M., & Dias, C. A. (2011). Cuidadores de idosos: Percepção sobre o envelhecimento e sua influência sobre o ato de cuidar. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 11(2), 590-613.         [ Links ]

Santos, A. A., Brito, T. R. P. & Rossignolo, S. C. O. (2015). Uma boa funcionalidade familiar é essencial para o envelhecimento saudável? In A. C. V. Campos, E. M. Berlezi & A. H. M. Correa (Orgs.), O cuidado e o suporte ao idoso fragilizado: Um desafio para a família e o estado (pp.75-90). Ijuí: Unijuí         [ Links ].

Teodoro, M. L. M. (2006). Afetividade e conflito em díades familiares: Avaliação com o familiograma. Revista Interamericana de Psicología/Interamerican Journal of Psychology, 40(3), 385-390.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Dóris Firmino Rabelo
E-mail: drisrabelo@yahoo.com.br

Enviado em: 02/09/2016
1ª revisão em: 21/12/2016
Aceito em: 29/05/2017

 

 

1 Psicóloga formada pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
2 Psicóloga, Mestre em Gerontologia e Doutora em Educação pela Unicamp. Docente do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons