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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.25 no.2 Porto Alegre dez. 2021

 

ARTIGOS

 

Análise familiar de agentes de segurança prisional (ASP) de uma cadeia pública feminina mato-grossense

 

Family analysis of prison security agents (ASP) of a Mato Grosso State female public chain

 

 

Jady Maria Gonçalves da Silva1, I, II ; Vagner Ferreira do Nascimento2, I ; Thalise Yuri Hattori3, I ; Juliana Herrero da Silva4, III; Marina Atanaka5, V ; Ana Cláudia Pereira Terças Trettel6, I

I Universidade do Estado de Mato Grosso, Campus de Tangará da Serra – MT
II Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Mato Grosso (FAPEMAT)

III Universidade Federal do Rio Grande do Sul
IV Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso, câmpus de Cuiabá - MT

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A família é uma rede onde os integrantes compõem vínculos de interdependência, influenciando nas relações sociais, podendo ser fonte de apoio para as dificuldades. Objetivamos realizar análise familiar de agentes penitenciários de uma cadeia pública feminina de MT. Através de um estudo descritivo, exploratório e misto, realizado com funcionários da cadeia feminina de MT, a análise foi realizada através construção de Genograma e Ecomapa com análise pautada no Modelo Calgary de Avaliação da Família. Analisando as características familiares constatou-se uma fragilidade nas relações familiares, dificuldades de relacionamento interpessoal em casa e no trabalho e estresse ocupacional que pode estar relacionado ao conflito trabalho–família. Ao entender o contexto familiar e social que os ASP estão inseridos, pode-se conhecer os principais riscos que influenciam na qualidade de vida possibilitando intervenções que auxiliem no enfrentamento de dificuldades.

Palavras-chave: Saúde do trabalhador, Prisões, Relações familiares, Características da família.


ABSTRACT

The family is a network where members integrate interdependence bonds, influencing social relations, and can be a source of support for difficulties. We aim to carry out a family analysis of penitentiary agents of a female public network of TM. Through a descriptive, exploratory and mixed study carried out with employees of the female TM chain, the analysis was performed through a genogram and ecomap construct with analysis based on the Calgary Family Assessment Model. Analyzing family characteristics, we found a fragility in family relationships, difficulties in interpersonal relationships at home and at work, and occupational stress that may be related to work-family conflict. By understanding the family and social context that ASPs are inserted, one can know the main risks that influence the quality of life enabling interventions that help in coping with difficulties.

Keywords: Worker health, Prisons, Family relationships, Family characteristics.


 

 

Introdução

O Brasil é o quarto país com mais pessoas privadas de liberdade no ranking mundial (Busatto et al., 2017). Esse cenário é reflexo de um período marcado pela crescente criminalidade nas cidades brasileiras (Instituto de economia aplicada, 2017). Resultado da desigualdade socioeconômica vivida no Brasil, ineficácia da segurança pública e desinteresse dos jovens em permanecerem na escola, tornando-os mais susceptíveis a criminalidade (Junior, 2014).

Em 2017, houve rebeliões em inúmeras penitenciárias de diferentes estados do país, com intensa desordem, incluindo incêndios e decapitações, colocando em risco à saúde dos internos, bem como a integridade dos profissionais que atuam nessas instituições, em especial os Agentes de Segurança Penitenciária (ASP) (Instituto de economia aplicada, 2017).

Estes profissionais estão expostos às condições insalubres e estressoras no ambiente de trabalho, o que implica em sofrimentos de diversas ordens, podendo interferir em suas relações familiares (Fernandes et al., 2016). Entretanto, as boas relações familiares despenham importante papel no enfrentamento das dificuldades de vida diária, devendo receber atenção especial dos serviços de saúde e da gestão penitenciária (Delalibera & Presa, 2015).

As famílias constituem redes de apoio fundamentais para a sustentação e equilíbrio das dinâmicas sociais do ASP. Além disso, exercem influências sob esse profissional, seja na compreensão ou incompreensão do complexo contexto laboral que partilham diariamente no cuidado diante de possíveis adoecimentos (Macana, 2014).

A utilização de instrumentos como o Genograma  e o Ecomapa pode permitir o conhecimento sobre essas famílias e facilitar o planejamento de ações terapêuticas para benefício dos profissionais e seus familiares (Nascimento, et al., 2014). Nessa perspectiva, este estudo objetivou realizar uma análise familiar de agentes penitenciários de uma cadeia pública feminina de Mato Grosso.

 

Material e Método

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório e misto, realizado junto aos ASP´s que atuam em uma cadeia pública feminina na Região Médio Norte de Mato Grosso.

Foram incluídos no estudo todos os profissionais de segurança que atuam nesta instituição, sendo excluídos quatro que estavam em período de férias ou em afastamento, totalizando o número final de dezesseis participantes. A coleta de dados ocorreu no segundo semestre de 2017 e os instrumentos utilizados foram entrevistas semiestruturadas, com questões abertas e ferramentas qualitativas (Genograma e Ecomapa) preconizadas pelo Guia para Avaliação e Intervenção na Família (Wright & Leahey, 2012).

A coleta de dados foi iniciada após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e realizada individualmente em ambiente reservado, com  duração em média de 45 minutos. Após a construção do Genograma e Ecomapa, este era mostrado ao ASP para que o mesmo confirmasse a exatidão das informações fornecidas no que cerne a estrutura e relações descritas pelo entrevistador.

O Genograma  é um diagrama familiar que configura a estrutura intergeracional das relações familiares. Já o Ecomapa, por sua vez, se refere as redes e interações sociais da pessoa com a comunidade (Rocha, et al., 2002).

Como recurso de sumarização dos dados foram utilizadas as diretrizes da sociometria (Moreno, 1992), a fim de apresentar as principais características do círculo familiar e da rede social. A análise dos dados seguiu o Modelo Calgary de Avaliação da Família (Wright & Leahey, 2012).

O Modelo Calgary de Avaliação da Família (MCAF) é estrutura de avaliação multidimensional e integrada, que tem como base teórica os sistemas familiares. Nesse estudo, utilizou-se a categoria de avaliação estrutural que faz parte da família, os vínculos afetivos entre os membros e o contexto familiar, destacando a estrutura interna: composição familiar, gênero, subsistemas (subgrupos formados no interior do sistema familiar) e a estrutura externa: os sistemas amplos (instituições sociais, ambiente profissional e pessoas com as quais a família tem contato significativo) (Wright & Leahey, 2012).

Adicionalmente, houve a análise individual de cada Genograma e Ecomapa, quanto à estrutura interna (Composição familiar, Orientação sexual e Ordem de nascimento) e externa (Família extensa, Sistemas mais amplos, Religião, Ambiente Familiar e Ambiente Profissional) da família, sendo estes dados sistematizados em planilhas eletrônicas e realizado análise estatística descrita, posteriormente, no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0, assim os resultados constituídos de tabelas de frequência absoluta e relativa. Optou-se por ilustrar e descrever o Genograma e Ecomapa de dois indivíduos, estes que foram selecionados de forma aleatória simples.

O presente estudo seguiu todas as normas vigentes quanto aos aspectos éticos e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da Universidade do Estado de Mato Grosso (CEP/UNEMAT), sob CAAE: 50417815.8.0000.5166 e Parecer nº 1.457.621/2016.

 

Resultados

A maioria dos ASP encontrava-se na faixa etária de 28 a 33 anos, autodeclarando-se pardos, casados, com ensino superior completo, atuando a menos de cinco anos na instituição e possuindo renda familiar entre R$ 4.770 e R$ 5.724 que correspondem de cinco a seis salários mínimos.

 

 

Na tabela 2, em relação a estrutura interna e externa dos ASP, é possível observar que em sua maioria a composição familiar é coletiva (93,80%) e que residem juntos (87,50%). Os ciclos de vida são variáveis, com discreto predomínio de famílias com adultos e crianças (37,50%) e metade possui separação conjugal na família, variando entre uma e três separações. Todos relatam serem heterossexuais e metade eram os primogênitos da família.

 

 

Em relação a estrutura externa, há predomínio de famílias extensas (62,50%), em que os sistemas mais amplos acessados são os amigos do ambiente social (68,75%). Os profissionais possuem alguma religião (81,25%), consideram o ambiente familiar harmonioso (68,75%), porém, o ambiente profissional, estressante (62,50%).

Optou-se então, nas Figuras 1 e 2, por construir o Genograma  e o Ecomapa de dois ASP, estes que foram selecionados aleatoriamente.

 

 

D.M.A, trinta e quatro anos, branco, sexo masculino, solteiro, ensino superior completo, atuando como agente de segurança pública há três anos, filho de D.S.A (77 anos) e I.F.A (61 anos). Possui um casal de irmãos, a primogênita R.M.A (40 anos), tendo uma relação conflituosa e o ultimogênito F.M.A (21 anos) com boa relação. Seus pais se separaram há 17 anos, mas relata ter forte proximidade com eles. Atualmente, reside com a mãe e o irmão em uma cidade do médio norte de Mato Grosso. Possui dois filhos de relacionamentos distintos, I.S.A (15 anos), estudante e M.P.A (nove anos) estudante, ambos residindo com suas respectivas mães. D.M.A possui vínculo distante com suas ex-mulheres e filhos.

Descreve seguir a fé católica, porém não é participativo. Passa por conflitos dentro do ambiente de trabalho, mas possui amizades nesse ambiente. Possui vínculo distante com a unidade de saúde, tendo poucas atividades de lazer.

 

 

G.M.A.L, 34 anos, parda, sexo feminino, solteira, ensino médio completo, atuando como agente de segurança pública há três anos, filha de D.L (68 anos) e E.F (falecida há nove anos). Possui duas irmãs, G.L (36 anos) e D.O (20 anos), sendo a mais nova fruto do novo relacionamento de seu pai. G.M.A.L reside atualmente com os dois filhos mais novos em uma cidade do médio norte de Mato Grosso. Possui três filhos com o ex-marido R.T (42 anos), C.L (19 anos), mora com o namorado, N.T (13 anos), J. L (oito anos), ambos estudantes, moram com a mãe. G.M.A.L possui relacionamento conflituoso com a irmã, vínculos afetivos distantes e hostil com o ex-marido, distante inferior com a filha mais velha, pai, madrasta e sobrinhos. Possui vínculo muito próximo com os filhos mais novos.

Descreve seguir a fé católica, participando das atividades ligadas à igreja. Passa por conflitos dentro do ambiente de trabalho, mas possui amizades nesse ambiente. Possui vínculo próximo com a unidade de saúde, porém não realiza atividades de lazer.

 

Discussão

A análise das características sociodemográficas dos profissionais, aponta a prevalência do sexo feminino, porém, 37,50% dos agentes de segurança interna são homens, situação que descumpre a Lei de Execução Penal, que orienta o desempenho das atividades de segurança interna em presídios femininos somente por mulheres (Brasil, 2009). Quanto a faixa etária, 75% dos agentes de segurança possuem entre 28 e 38 anos, equipe considerada jovem em relação a outras instituições, onde a idade mínima encontrada é de 32 e a máxima 39 anos (Lima, et al., 2018).

Considerando a raça/cor, 68,80% dos participantes se autodeclaram como pardos. Enquanto, no estudo de Souza, et al., (2015) os pardos correspondiam a 40%. Porém, esse achado no presente estudo, pode ser justificado pela composição étnica da região do Mato Grosso. O padrão de escolaridade e renda também foram mensurados neste estudo sendo 87,50% dos profissionais cursam ou concluíram o ensino superior, outros (68,7%) possuem renda de três a seis salários mínimos. Essa característica é semelhante com a pesquisa de Ferreira et al. (2015), em que a incidências de colaboradores com nível superior completo chega a 95% e a média de três a cinco salários mínimos atinge 47,1%.

O estilo de vida dos ASP é comum a dos indivíduos privados de liberdade da instituição. Apesar de estarem trabalhando, são reservados, com atividades similares ao dos reeducandos por compartilharem o mesmo ambiente (Siqueira, et al., 2017). Este convívio entre profissionais e reeducandos gera uma situação de conflito propensa à violência, pois o contato direto dos profissionais em menor número que apenados leva a utilização da força para manutenção da ordem (Ferreira et al., 2017).

A violência no trabalho traz impactos negativos para a penitenciaria ocasionando aumento da rotatividade e absenteísmo. Segundo Menezes e Leite (2017), a violência pode influenciar nas separações matrimoniais e abuso de drogas psicoativas lícitas ou ilícitas.Já no campo pessoal o desempenho da profissão sob condições violentas, exige esforço físico e psíquico, gerando estresse e ansiedade, além de sintomas, como dores musculares, doenças e incapacidade de desempenhar seu papel (Bezerra, et al., 2016).

A partir da aplicação do MCAF, evidenciou-se o predomínio da estrutura familiar coletiva, onde o indivíduo reside tanto com pessoas com as quais possui vínculo biológico, como com aquelas que o vinculo familiar se expressa por outras caracterisiticas que transcendem a biológica (Souza, et al., 2017). A demonstração da presença de vínculo afetivo, é fundamental para o enfrentamento de dificuldades (Souza, et al., 2017). A convivência diária com outras pessoas coopera para a manutenção da saúde, pois mantém o bem-estar biopsicossocial, influenciando positivamente na qualidade de vida Cecilio, et al., 2014).

Quando ocorre interferência negativa do trabalho nas relações familiares, cria-se o conflito trabalho-família. Esta forma de conflito é facilmente percebida, sendo reflexo do desequilíbrio no ambiente laboral (Andrade, et al., 2017), porém dificilmente recebe atenção adequada (Fernandes et al., 2016). A relação entre família e trabalho é dinamica e complexa, sendo necessário que o equilíbrio esteja presente para que ambos sejam vivenciados de forma saudável (Carvalho, 2016). Esse conflito pode se agravar entre profissionais do sexo feminino, pois a mulher quando comparada ao homem, em sua maioria dedica um período de tempo maior nos cuidados com o lar e sua família, sendo este último cumulativo às suas atividades profissionais (Braun, et al., 2016).

O trabalhador que necessita se abdicar de momentos com a família, por conta de sua rotina profissional, experimenta sofrimentos e acaba não conseguindo ter êxito total em nenhum papel desempenhado (Feijó, et al., 2017). O estudo de Andrade, et al., (2017), revela que o conflito trabalho-família traz prejuízo às relações, afetando a comunicação entre os casais, assim como observado no presente estudo onde 50% dos ASP já vivenciaram alguma separação conjugal, conforme exemplificado nos Genogramas e Ecomapas apresentados (figura 1 e 2).

Existem diversas teorias que explicam como a vida pessoal pode influenciar no trabalho. O estudo de Carvalho (2016) aponta que a insatisfação em um dos domínios pode afetar o outro, pois o profissional produz uma resposta ativa ao estresse, e esta resposta pode ser negativa ou positiva. A implantação de medidas estratégicas para diminuição dos efeitos que a vida pessoal do empregado causa no trabalho, torna-se um desafio organizacional, levando os gestores a pensar no profissional como um todo, não apenas como um instrumento de produção (Feijó, et al., 2017).

Cada indivíduo vivencia a família em diferentes fases, exercendo diversos papeis dentro do grupo e influências um sobre os outros (Souza, et al., 2017). O ciclo vital, caracteriza-se pelas transformações sofridas pela família e está relacionada às tarefas realizadas por cada membro de acordo com sua fase de vida, seja ela na infância, adolescência, idade adulta ou idosa (Wright & Leahey, 2012).

O presente estudo aponta a prevalência da fase de “criação dos filhos”, sendo a família composta em sua maioria por 37,50% de crianças e adultos, 31,25% com crianças, adolescentes e adultos, os quais 87,50% residem juntos. Estes estágios seguem uma forma lógica de transformação sequenciada, mesmo que sejam popularmente conhecidas, cada família encontra uma forma particular de superar as especificidades das diferentes fases (Simões & Alberto, 2017).

Existem vários agentes estressores que podem influenciar o bem-estar da família como o nascimento ou morte de um integrante, acidentes, doenças e as mudanças no comportamento social, como por exemplo a inclusão da mulher ao mercado de trabalho (Simões & Alberto, 2017).

A estrutura externa familiar aborda as características sociais e ambientais que envolvem o sujeito, permitindo a avaliação da família de forma integral, compreendendo seu funcionamento, ou seja, sua dinâmica, que se baseia na composição de sua estrutura (Cavalcante, et al., 2016).

De acordo com Domínguez e Castro (2015), ao entender a família como uma rede de apoio, se torna mais fácil compreender as condições estressantes que a família passa ao lidar com os problemas dos seus membros, podendo enfrentá-los de forma resolutiva, utilizando-se da resiliência ou absorvendo-os de forma negativa, tornando as dificuldades motivo de conflito. O impacto causado pelos desafios do ambiente de trabalho não atinge somente um componente do grupo familiar, mas também todos aqueles que o cercam, podendo alterar o relacionamento interpessoal da dinâmica familiar e do grupo com a sociedade (Silva & Santos, 2015).

O ambiente familiar é considerado estressante por 31,25% do público entrevistado e 68,75% o consideram harmonioso, fato que contradiz a análise dos Genogramas avaliados, que mostram uma predominância de histórico de relações interpessoais distantes e coflituosas, além de ser importante destacar o grande número de separações conjugais na história familiar. A estrutura familiar bem estabelecida auxilia no fortalecimento de vínculo, afeto, intimidade, reciprocidade e solidariedade. Quando há dificuldades neste campo seus indivíduos se tornam carentes emocionalmente, desinteressados, sem perspectiva de futuro e desempenham comportamento de risco à saúde como propensão ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas entre outros (Macana, 2014).

Durante a realização do seu oficio, o ASP lida com diversas situações que prejudicam a manutenção da saúde, como jornada de trabalho excessiva, diversas trocas de liderança em curto espaço de tempo, superlotação dos presídios, questões administrativas e burocráticas (Barbosa, 2015). Outras falhas que o sistema penitenciário apresenta contra o trabalhador é a violência interna dos presídios, despreparo profissional, número de servidores menor que as necessidades de segurança. Esta instabilidade no ambiente laboral gera queda da produtividade, diminuição da qualidade de serviço e estresses (Menezes & Leite, 2017).

O estresse é uma ação fisiopatológica em resposta aos agentes ambientais que ameaçam o bem-estar psicossocial, a intensidade das cobranças vivenciadas no trabalho dos ASP, são propícias para o desenvolvimento das doenças psicossomáticas originadas do estresse ocupacional (Bezerra, et al., 2016). A maioria (62,50%) dos ASP, da cadeia pública feminina da região médio norte do MT, consideram seu ambiente laboral estressante. Esse estresse pode ser associado à má organização do serviço, estrutura do local de trabalho e a prevalência de transtornos metabólicos, acarretando em afastamentos ou adoecimentos silenciosos (Lima, et al., 2018).

O estresse é umas das principais causas de sofrimento psíquico, desencadeando transtornos emocionais e de comportamento no ambiente de trabalho (Junior, et al., 2013). A síndrome de Burnout é definida como transtorno psicológico advindo de uma resposta a estressores, e normalmente é desenvolvida por pessoas que desenvolvem más relações emocionais interpessoais no trabalho (Braun, et al., 2016). A partir do diagnóstico é necessário tratamento psicológico com profissionais adequados, para que a síndrome não evolua trazendo maiores prejuízos a qualidade de vida o servidor. Os sintomas da síndrome variam de acordo com seu grau de acometimento, podendo geral insatisfação com o trabalho, baixa autoestima, mudança comportamental, agressividade e sintomas físicos (Junior, et al., 2013).

De acordo com os estudos de Bezerra (2016), a síndrome de Burnout leva à exaustão emocional, implicando em conflito nas relações interpessoais e incapacidade da realização do trabalho; desumanização onde o profissional toma uma atitude defensiva para não criar vínculos emocionais com os outros, tornando-se frio, rígido e insensível ás necessidades do próximo. Neste contexto, é possível entender que a violência causada pelos ASP contra os reeducandos, é reflexo do mau enfrentamento de seus problemas causados pelo estresse ocupacional.

Aliado às diversas formas de suporte social como amigos, vizinhos e famílias extensas, os colegas de trabalho podem auxiliar no enfrentamento das dificuldades causadas pelo estresse, ofertando apoio emocional na tentativa de atender as necessidades do outro (Dominguez & Castro, 2015). Apenas 31,25% dos ASP entrevistados relatam possuir amigos no ambiente de trabalho, apresentando fragilidade nas relações profissionais. A competitividade entre os colegas de trabalho é um contribuinte para o distanciamento do grupo, trazendo insegurança e sentimento de ameaça (Ferreira, 2017).

Algumas estratégias podem ser utilizadas para a aproximação da equipe, como por exemplo, o suporte social dos pares, realizando rodas de conversa entre os ASP, com a intenção de melhorar a comunicação entre todos os setores, em especial, aproximando a chefia dos profissionais (Bezerra, et al., 2016), fortalecendo a solidariedade e cooperação entre os servidores (Ferreira, 2017). A interação recíproca entre os pares facilita a criação de vínculo, este suporte social é importante em todas as fases do ciclo vital, propiciando troca de experiências, sentimentos e emoções (Borsa, 2013).

Além disso, as práticas religiosas também são consideradas fator protetivo, pois promove a revigoração dos vínculos familiares, auxilia no desenvolvimento do autocontrole, autoestima, flexibilidade nas relações, respeito mútuo e temperamento afetuoso (Becker, et al., 2015). Neste estudo foi observado que 81,25% dos profissionais pertencem a alguma religião, inclusive a família representada pelo Genograma e Ecomapa ASP 2 (figura 2).

Compreende-se que a família se constitui em um suporte emocional importante, sendo fundamental para apoiar a superação de dificuldades do cotidiano, e em condições de desestruturação pode fragilizar o indivíduo, contribuindo para respostas negativas às adversidades. Em se tratando dos ASP, a família se torna ainda fundamental para o equilíbrio de sua saúde e qualidade de vida, pois seu ambiente laboral é estressante e permeado pela periculosidade de partilhar este ambiente com pessoas que cometeram crimes.

 

Considerações Finais

Constatou-se fragilidade nas relações familiares, dificuldades de relacionamento interpessoal em casa e no trabalho, estresse ocupacional causado pelo conflito trabalho – família e vulnerabilidade das redes de apoio que poderiam auxiliar os profissionais a enfrentarem as dificuldades da vida diária, trazendo desarmonia no âmbito profissional e pessoal dos agentes de segurança pública, prejudicando o desempenho de suas atividades em casa e no trabalho.

Considerando as particularidades do assunto, destaca-se a importância da realização de outros estudos e desenvolvimento de ações em saúde para melhor atender as necessidades dos servidores, diminuindo o impacto que o estresse pode causar na saúde individual e coletiva. Desta forma, é possível realizar a implementação de métodos de trabalho e dinâmicas de grupo, para melhorar o relacionamento interpessoal em casa e no trabalho, afim de auxiliar na superação de dificuldades, implicando em melhoria da saúde física e mental dos trabalhadores, melhorando assim a qualidade do serviço ofertado.

Destaca-se como limitações desse estudo a impossibilidade de estender os achados a todos os carcereiros do país, além da observação única da estrutura familiar de apenas dois participantes, sendo sugerido um acompanhamento desses profissionais para observar como a dinâmica familiar se altera ao longo dos anos.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Ana Cláudia Pereira Terças Trettel
E-mail: ana.claudia@unemat.br

Enviado em: 28/09/2019
1ª revisão em: 06/03/2020
Aceito em: 28/04/2021

 

 

1 Acadêmica de Enfermagem da Universidade do Estado de Mato Grosso, Campus de Tangará da Serra – MT. Bolsista FAPEMAT..
2 Doutor em Bioética, Docente Adjunto do curso de Enfermagem da Universidade do Estado de Mato Grosso, câmpus de Tangará da Serra – MT.
3 Mestre em Ciências da Saúde, Docente Assistente do curso de Enfermagem da Universidade do Estado de Mato Grosso, câmpus de Tangará da Serra – MT.
4 Mestranda em Genética pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
5 Doutora em Saúde Coletiva, Docente Assistente do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso, câmpus de Cuiabá - MT.
6 Doutora em Medicina Tropical, Docente Adjunta do curso de Enfermagem da Universidade do Estado de Mato Grosso, câmpus de Tangará da Serra – MT.

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