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IGT na Rede
versão On-line ISSN 1807-2526
IGT rede vol.9 no.16 Rio de Janeiro jan./jun. 2012
A morte do pai e o declínio da função de professor
The father's death and the decline of the function of teacher
Antônio Eustáquio Ferreira
RESUMO
O presente artigo é uma reflexão acerca de alguns aspectos que contribuíram para a “morte” do pai e o declínio da função de professor. Analisamos os fatores que influenciaram as transformações na constituição da noção de pai em Freud, na construção do conceito de função paterna em Lacan, e o reflexo disso no lugar ocupado pelo professor enquanto operador simbólico da Lei. Explicitamos os efeitos produzidos nas relações entre professores e estudantes nas instituições educacionais. O trabalho propõe explicitar como o professor, enquanto operador simbólico da Lei, ocupa o lugar do pai e também perde sua função. Esta investigação é resultado de estudo bibliográfico envolvendo a noção de pai, de castração, dos nomes-do-pai e o conceito de função paterna. Finalizamos explicitando como os fenômenos acima elencados foram enfraquecendo e confundindo o simbolismo paterno e refletiram no declínio da função de professor.
Palavras chave: Noção de pai; castração e função paterna.
ABSTRACT
This article is a reflection on some aspects that contributed to the "death" of the father and the declining role of teacher. The factors that influenced the changes in the constitution of the notion of father in Freud, in the construction of the concept of the paternal function in Lacan, and the reflection of the place occupied by the teacher as a symbolic operator of the Law It will explain the effects on relationships between teachers and students in educational institutions. It is proposed to explain how the teacher, while symbolic operator of the Law takes the place of the father and also loses its function. This research is the result of literature research involving the notion of father, castration, the names of the parent-and the concept of the paternal function. We conclude by explaining how the phenomena listed above were weakening and confusing the symbolic father and was reflected in the declining role of teacher.
Key words: Notion of father; castration and the paternal function.
Introdução
Para investigarmos a morte do pai e o declínio da função de professor percorreremos parte do caminho pelo qual Freud constituiu a noção de pai. Para tanto recorreremos a algumas de suas obras tais como: “Édipo” Freud (1924/1996), “Totem e Tabu” Freud (1912/13/1996) e “Moisés e Monoteísmo” Freud (1939/1996). Obviamente relacionando-as às demais, nas quais ele aborda a mesma questão.Ou seja, a noção de pai. Lacan (1995/2005) também fará parte desse percurso, e neste caso, com a construção do conceito de função paterna. As obras de Lacan serão “O Seminário - livro 4, A relação de objeto” (1995) e “Nomes-do-Pai” (2005).
A alternativa para analisar as palavras e fórmulas utilizadas por Freud e Lacan como noção é balizada nas ideias de Dor (1991), Lacan (1995/2005), Laplanche & Pontalis (2004) e Pereira (2008). De Dor (1991), porque tratou da noção de pai no campo psicanalítico, como ela interferiu no espaço conceitual da psicanálise. O referido autor demonstrou como o pai é uma “entidade simbólica que ordena uma função” (p. 14). Portanto, o modo preponderante de existência simbólica dessa entidade o pai, autoriza-o universalmente à estruturação dos sujeitos que com ele se relaciona independentemente do sexo. Logo, aos seres de linguagem não resta saída, a não ser se submeterem ao que lhes é determinado pela função simbólica paterna que os forçam a uma experiência de sexualidade. Já Lacan (1995) considerou como noções as palavras de: fobia, objeto e fetiche, apenas para citar alguns exemplos. Lacan (2005) acreditava ter sido positiva a questão de levar para seu seminário a noção do plural dos Nomes-do-Pai, estudar a função dos nomes do pai. A motivação de Lacan pode ser identificada quanto às questões de suas reconstruções, de seu retorno a Freud e suas significativas contribuições para a psicanálise. No caso de Laplanche & Pontalis (2004), eles explicitaram que as obras de Freud foram se enriquecendo porque ele se apoiou na psicologia, na psicopatologia e na neurofisiologia de seu tempo. Porém, foi na língua alemã que ele encontrou as palavras e fórmulas ideais para seu trabalho. Assim os autores buscaram analisar os elementos utilizados por Freud identificando as noções, ou seja, o conjunto de conceitos idealizados por Freud para ilustrar suas investigações. Por fim, Pereira (2008) revelou que Freud não dedicou uma investigação exclusiva acerca do tema do desamparo, cuja noção foi objeto de investigação do primeiro. Portanto, Pereira (2008) também buscou uma noção da palavra no pensamento freudiano. O autor justificou sua opção pela alternativa da noção, asseverando que Freud revisava suas obras e não raro “derrubava de uma só vez o conjunto de seu sistema teórico anterior, por vezes longamente elaborado.” (Pereira, 2008, p. 126). O psicanalista assinalou como exemplo, a obra de Freud “Projeto” de 1895, que traz a ideia de localização dos processos psíquicos como sendo na célula nervosa. Ao passo que, quatro anos antes, em outra investigação Freud já havia criticado essa possibilidade de identificação física e cerebral desses processos.
A noção de pai na obra em Freud (1923/1996) se inicia pelo mito de Édipo. Ele a exemplifica ilustrando o caso de uma criança do sexo masculino que direcionou um investimento objetal pela mãe. A catexia era em relação ao seio materno. Esse evento durava até o momento em que os desejos sexuais do menino pela mãe se fortaleciam, e a criança percebia o pai como obstáculo em relação a esses desejos. A relação com o pai, que antes era de identificação, passa agora a ser de ódio. Segundo Freud (1923/1996) seria a gênese do complexo de Édipo. Seria o momento do surgimento, no menino, do desejo de eliminar o pai e ocupar o seu lugar ao lado da mãe. Nesse momento a relação do menino com o pai se transforma. Pois ele amará e odiará, em um movimento idêntico, a mesma pessoa, ou seja, o pai. Portanto o conjunto do complexo de Édipo positivo simples, num menino, passa a conter dois elementos: a atitude ambivalente do menino para com o pai e a relação objetal afetuosa com a mãe, segundo o pesquisador.
Entretanto, as transformações nas relações familiares continuam. Com o fim do investimento objetal do menino pela mãe, o vazio que fica poderá ser ocupado por dois eventos, segundo o autor. No primeiro evento, o menino poderá se identificar com a mãe, no segundo, fortalecer sua identificação com o pai. Este último resultado, considerado pelo autor como o mais comum, possibilitaria a manutenção da relação afetuosa do menino com a mãe. Esse desfecho do complexo de Édipo solidificaria a forma como esse menino se situaria em relação ao seu sexo biológico. Para o caso da menina, o desfecho promoveria um fortalecimento de sua identificação com a mãe, evento que consolidaria o modo de ser feminino da criança.
A castração, inserida no interior do complexo de Édipo, tem a função de ordenar as pulsões. A castração ocorre num momento em que a criança percebe a dessemelhança entre os sexos e também a representação psíquica de tal evento. Freud (1909/1996) exemplifica que o pequeno Hans dizia que em tudo haveria algo do pênis. Seria a fase em que a criança se interessaria pelos seus órgãos genitais. O interesse foi demonstrado pelo menino quando manipulava seus órgãos genitais. Naquele momento ele percebia que seus cuidadores não o apoiavam. A mensagem negativa vinha das mulheres, segundo Freud (1923/1996) pois elas o ameaçavam buscando na figura do pai ou do médico, parceiros que funcionavam como executores da mutilação do órgão que tanto o menino valorizava. As mulheres também redirecionavam a ameaça para outro membro, no caso, a mão do menino, que era para que ele não manipulasse seu órgão genital. No entanto a ameaça à castração seria maior pelo fato de a criança urinar na cama e não poder ser higienizada, pois seus cuidadores desconfiavam que o fato de urinar na cama pudesse ser prova de que a criança estaria inadequadamente interessada em seu órgão genital e ainda, que esse fato estaria ligado a uma excitação física genital identificada à dos adultos, uma espécie de ejaculação involuntária que ocorre durante o sono. Nesse sentido, Freud (1923/1996) acreditava ser essa ameaça de castração a responsável pelo desmantelamento da estrutura fálica da criança.
Com relação à eficácia da ameaça o autor apontou uma diferença de funcionamento no menino. Ele, o menino, não aceita terminantemente a ameaça, porque quem o ameaça, a mãe, não é o modelo e sim seu objeto de desejo. Assim, há necessidade de a mãe chamar o pai. Dessa forma, ela introduz o pai na relação. O pai, que já ocupava as posições de rival e modelo, agora entra na relação como magistrado castigador. Portanto, a mãe introduz o pai como um “diplomata”, como um “embaixador”, que entra na relação para a confirmação da autoridade perante a “comunidade estrangeira mãe-filho”. (Dor, 1991, p. 14).
Essa organização efetivada pelo complexo de Édipo ocupa um ambiente simbólico. Trata-se de uma representação simbólica. Esta representação seria uma porta de acesso à cultura. Essa porta possibilitaria à criança se identificar com os valores sociais, assimilar a proibição do incesto e se constituir como sujeito de desejo.
Em “Totem e Tabu”, Freud (1912/13/1996) analisou os comportamentos nos relacionamentos das tribos australianas, seus pensamentos e atitudes para com reis, chefes, inimigos e comparou com as mesmas atitudes em relação aos pais. O autor percebeu que o poder do pai morto ficou fortalecido. Dessa forma, não havia necessidade de força para manter a lei, porque ela já estava internalizada. O pai morto substituiu o líder opressor e se transformou em um símbolo que teria relação com a lei. Então, a função do pai seria simbólica. Portanto, a existência de um pai não era garantia da efetivação da lei.
Nesse sentido, na obra acima mencionada, o autor aponta a noção de pai como àquele que introduz a rede simbólica, o que garante o nome da lei. Nas duas obras de Freud, “Totem e Tabu” e “Édipo”, o pai que surge fortalecido enquanto lei é o pai morto. Os filhos só o reconhecem quando morto, ou seja, surge o pai quando ele, o tirano, morre.
Freud (1912/13/1996) revela que havia um pai aterrorizante e que desfrutava de todas as mulheres. Segundo o autor seria um período da humanidade quando esta era formada por grupos de mulheres dominadas por homens. Esses machos líderes afastavam os filhos das mulheres, quando estes chegavam à maturidade sexual. A penalidade para quem não obedecesse às regras seria a castração e a morte.
Ainda segundo o autor, houve uma revolta de um grupo de filhos. Eles se uniram, mataram o pai e fizeram um banquete com o corpo, consumindo suas partes. Assim, acreditavam que, dessa forma, a força do pai também seria por eles adquirida. No entanto o conflito persistia pois os filhos, concorrentes entre si, ainda teriam o desejo de ocupar o lugar do pai. Porém, sozinhos não poderiam empreender tal ação. Dessa forma, o grupo se deparou com um limite que não foi imposto arbitrariamente mas que foi resultado de uma proibição real aos seus desejos incestuosos. Portanto deveriam desistir do lugar do pai e dos benefícios desse lugar, principalmente em relação às mulheres, porque não poderiam possuí-las. Dito de outra maneira, o casamento entre eles mesmos bem como as relações sexuais da mesma forma estavam proibidos.
O motivo que levou os filhos a desistirem de ocupar o lugar do pai deixa-os com um sentimento de abandono, com um sentimento de culpa pelo assassinato do pai. Dessa culpa nascem dois tabus do sistema do totemismo, ou seja, dois desejos correspondentes aos desejos reprimidos do complexo de Édipo, quais sejam: o desejo de matar o pai e o desejo de possuir a mãe.
No sistema do totemismo, um animal ocupa o lugar do pai morto. Essa substituição provoca um sentimento de culpa. Segundo o autor a substituição seria uma tentativa de acalmar o sentimento de culpa. Assim os filhos passam a tratar o substituto com respeito. A culpa também traz para a relação com o substituto uma reconciliação com o pai. Essas características irão influenciar a natureza da religião.
A religião totêmica surge do sentimento de culpa, mas também como forma de abrandar esse sentimento e harmonizar a relação com o pai, o que Freud (1912/13/1996) considerou como um adiamento de obediência. O autor também revelou que o surgimento das demais religiões foram experiências para tentar resolver o mesmo problema. Apesar da diversidade cultural e métodos adotados a finalidade das religiões seria a mesma.
O sentimento de culpa persiste no meio do clã. Nesse sentido, o novo substituto do pai é tratado como se fosse membro da comunidade. Há uma identificação com esse deus, por parte dos componentes do clã que participam do ritual a ele endereçado. Freud (1912/13/1996) fez nova comparação enfatizando que, segundo a psicanálise, surge uma concepção de Deus que se torna o centro das atenções e que controla a vida religiosa. Esse deus do totemismo, formatado à semelhança do pai, torna-se o Deus pai glorificado. Ele representa o sacrifício primitivo: como Deus e como vítima. Vale ressaltar que antes o Totem era representado por um animal, agora os súditos resgatam sua forma humana. Portanto, segundo o autor, os filhos restauram a forma humana do pai e, com isso, podem sentir saudade desse pai. Todavia esse resgate ainda traria complexidade na relação com a divindade em forma humana. O lugar de autoridade, antes ocupado por um pai, agora substituído por um deus, implica em uma organização na sociedade que passa a ser patriarcal.
Freud (1912/13/1996) finaliza asseverando que, do complexo de Édipo, surge a base religiosa. Essa ideia estaria de acordo com a descoberta da psicanálise de que o complexo de Édipo é o centro geral das neuroses.
Na obra “Moisés e o monoteísmo” Freud (1939/1996) o primeiro relato acerca do pai tem início com a narrativa do excerto do livro de Otto Rank, publicado em 1909, cuja história foi sobre a glorificação de heróis dos povos civilizados, um relato de como eles eram transformados em lendas e em contos fabulosos. O herói, geralmente, era filho de um rei e o histórico de sua gestação era repleto de complicações, principalmente oriundas das mensagens dos oráculos acerca do perigo que o nascimento deles traria para o pai. Assim sendo, deveria ser morto, por ordem do pai ou de seu representante. Geralmente, esse herói era condenado às “vontades” das águas, pois era colocado em um cesto e deixado à deriva. No entanto, ele geralmente era salvo, sobrevivia, crescia e após um período de aprendizado e descoberta da nobreza do pai, conseguia se vingar e ainda era reconhecido.
O autor utilizou o mito de Sargão de Agade para ilustrar a trajetória de um herói. Sargão teria sido abandonado no Eufrates, mas o “tirador de água” “Akki” o teria encontrado. Fortalecido pelo modo como foi criado por “Akki” e escolhido pela deusa “Istar”, Sargão se transformou em um rei. Essa narrativa foi para explicitar que heróis como Moisés e Édipo fizeram parte das histórias de Rank. Em todos os casos os heróis foram personagens que enfrentaram e venceram os pais.
Como nas histórias de Rank, no ambiente do lar ocorre um ‘romance familiar’ da criança Freud (1939/1996). Para a criança, existe um mundo povoado de personagens de contos de fadas, ou seja, de reis e de rainhas. Esses personagens representam os pais. Num período da vida da criança há uma supervalorização do pai. Em outro, quando ela descobre que seus heróis são na verdade seus rivais, a criança se afasta deles e se posiciona contra o pai. Desta forma as duas famílias – a do conto de fadas e da realidade – serão resultantes da família que surge nas fases da vida da criança.
Freud (1939/1996) em “Moisés e Monoteísmo” inicia sua pesquisa sobre a morte de Moisés, investigando a origem de seu nome. Conforme comentado anteriormente, a origem do nome de Moisés faz parte da narrativa de Rank. Entretanto, o pesquisador revelou, explorando excerto da obra de J. H. Breasted (1906), que o nome Moisés era egípcio e não poderia ter ligação com a expressão: “porque das águas o tenho tirado”, como foi apresentado. O autor demonstrou que a palavra “mose” significa “criança” e é abreviação de ”Amon-mose”. “Amon-mose” significa “Amon-uma-criança”, ou “Ptah-mose”, do mesmo modo significando “Ptah-uma-criança”, e estas ainda seriam abreviações de “Amon-(deu)-uma-criança”, ou “Ptah-(deu)-uma-criança”. Freud (1939/1996) acreditava que o pai de Moisés incluiu ao nome do filho elementos dos nomes de deuses, tais como: Amon ou Ptah. Portanto, a criança foi chamada de “Mose”, sendo que o ‘s’ final foi acrescentado da “tradução grega do Antigo Testamento” (Freud, 1936/1996, p. 5).
Na obra “Moisés e o monoteísmo” Freud (1939/1996), o assassinato do pai é retomado como centro para investigação da morte de Moisés. Moisés ocupou o lugar do pai e foi assassinado. Importante ressaltar a questão do nome porque é a isso que o autor intentava com seu artigo, isto é, a sua aplicação em psicanálise.
Na lenda de Moisés ocorreram alguns fatores diferenciados dos outros heróis das histórias de Rank. Moisés saiu de uma família humilde para ser encontrado e criado por uma família real. No entanto, o autor revelou que a criação da lenda deve ser atribuída aos judeus, uma vez que os egípcios não tinham motivo para criar um herói feito Moisés. Nesse sentido, a referida lenda estaria conectada a uma história de nascimento, à imagem do líder do povo judeu. Entretanto, ficaria sem sentido criar uma história cujo herói fosse um estrangeiro para os judeus. Porém, Moisés foi colocado nas mesmas situações das figuras heroínas anteriores, ou seja, apesar de ter sido abandonado e ficado à mercê de perigos externos, foi encontrado e conseguiu sobreviver, transformando-se em um líder.
O autor trabalhou no sentido de afirmar que Moisés era egípcio e fazia parte da aristocracia. A lenda foi idealizada de modo invertido para aproximar Moisés dos judeus. O psicanalista argumentou que haveria motivos para que a história fosse inventada dessa forma. Talvez atender às necessidades de um povo judeu por um egípcio, ou anunciar e disseminar a religião de Akhenaten, mestre de Moisés. Assim sendo, Moisés foi “apresentado” como egípcio, pois seria o educador e legislador do povo de Israel, além de encarregado para impor-lhes a nova religião. Nova religião, rigorosa e de um só Deus. Diferente da religião do Egito, com várias divindades.
Com o fim do reinado de Akhenaten, Moisés guiou o povo para fora do Egito, mas foi por ele sacrificado, pois utilizou um método mais rigoroso do que o de seu mestre para impor-lhes a fé em seu Deus, qual seja, obrigou-os a acreditar em um novo e único Deus.
O autor relatou que o povo, guiado por Moisés, encontrou-se com um grupo semita. Da união do deus dos semitas, denominado de YHWH, um deus vulcânico, e o deus mosaico, nasceu a religião hebraica e o nome de Deus Pai único. Moisés também institui um ritual para ligação com seu Deus, a circuncisão que, segundo Freud (1936/1996), seria o substituto simbólico da castração que teria sido imposta pelo pai primitivo, como um sinal de aceitação e submissão a esse pai. Moisés tentou ganhar a simpatia dos judeus, enfatizando que eles seriam os escolhidos. No entanto, Moisés foi assassinado. O motivo seria a rejeição à nova religião. Todavia, segundo o autor, houve um regresso do Deus pai na figura do Cristo. Uma oportunidade de universalização da nova religião.
A instauração da lei foi valorizada com a morte do pai, pelos filhos. O Cristianismo surge com a morte do Judaísmo. Nesse caso, a religião do pai foi substituída pela religião do filho. A religião do filho foi balizada em um sentimento de culpa desse filho, pelo assassinato do progenitor. Dessa forma, não haveria mais necessidade do ritual da circuncisão para manter a nova religião. Freud (1936/1996) assevera que bastaria a manutenção das experiências do trauma, da “tradição herdada” (Freud, 1936/1996, p. 63), para estruturação do sujeito. Moisés fez o povo experimentar a ideia de um deus único. Logo Moisés ocupou uma posição de apresentador desse deus ao povo. Nesse sentido, a figura paterna teria a mesma posição no Édipo, qual seja a de apresentar ao sujeito outro lugar.
Esse lugar, ocupado pela figura paterna, teria origem na experiência religiosa mosaica do Deus único. Segundo Freud (1936/1996), no poder real é que estaria a força do pai primitivo. Já Lacan (1995) explicitou que, ao contrário, na cultura ocidental a autoridade do pai estaria ligada à experiência do Deus único, mas que esse Deus não estaria presente. Portanto, o poder desse pai ausente estaria exatamente em um vazio.
A noção de função paterna em Lacan
Lacan (1995) quer articular sua fala em torno da angústia do pequeno Hans. No caso Hans, Freud (1909/1996) manteve o pai como agente de castração do menino e não seu substituto: o cavalo. No entanto, o pequeno Hans parece não ter experimentado o vazio para que o poder do pai fosse exercido sobre a relação de Hans com seu objeto de desejo. Tal fato impossibilitaria a localização do pai para que Hans o reconhecesse como o portador da castração.
Lacan (1995) revelou que o combustível para o enfraquecimento da função do pai real de Hans era o medo que Hans sentia do animal. Somam-se a esse evento os fatos de seu pai ser um homem bondoso e tolerante e a mãe não fazer valer a palavra do progenitor de Hans. Esses elementos contribuíam para deixar Hans refém dos caprichos da mãe, segundo Lacan (1995).
O autor aborda a questão expondo como o sujeito entra no Édipo. Para tanto, ele deve ser capturado por seu próprio engodo, ou seja, o menino se insinua para a sua mãe, segundo o autor, mostra-se a ela como um chamariz. Assim, ele deverá ser capturado por sua atuação como isca. Dessa forma, ele poderá ser normatizado pelo Édipo. Entretanto, essa primeira ação não é suficiente para que a função do Édipo seja concluída. Esse sujeito deve ser direcionado a uma escolha de objeto. Adiciona-se a esse evento que a escolha de objeto deve ser heterossexual. Porém, mesmo sendo heterossexual, ainda há possibilidade de mascaramento dessa forma de escolha, que pode ocultar um arranjo homossexual. O ideal seria que a menina ou o menino, segundo Lacan (1995), tenha como referência para a sua escolha objetal, após passar pelo Édipo, a função do pai.
Seguindo esse raciocínio, Dor (1991) alerta que não há como pensar o Édipo sem a função do pai. Portanto, a função do pai seria conduzir o sujeito a uma dimensão significante pelo processo do complexo de Édipo. Lacan (1995) pergunta: O que é ser um pai? Ou, o que é um pai? (Lacan, 1995, p. 209). Dor (1991) responde, utilizando as ideias de Lacan (1995), que o pai é uma metáfora, já que não é um “objeto real.” E que a metáfora é um significante “que vem no lugar de um outro significante.” (Dor, 1991, p. 45). Assim, o sujeito se constitui por sua inscrição no simbólico. Para tanto, há necessidade de o sujeito ter condições de acesso ao mundo da linguagem. Lacan (1983) assinala que o sujeito ocupa o mundo do simbólico, da linguagem e que tal circunstância é dada pela fala.
Na mesma linha de pensamento, Françóia (2007) demonstrou que Lacan (1998a) pretendia explicitar, através da produção de sua obra “Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise”, os descaminhos que as obras freudianas “experimentavam” pelos seus seguidores. Para tanto, segundo a autora, o psicanalista deveria se tornar o Mestre das funções da fala. Logo, conforme assinalado anteriormente, a fala definiria a situação de sujeito.
A porta de acesso do sujeito à dimensão significante é o complexo de Édipo. Para que a lei seja internalizada e assim o integrar à sexualidade ele, o sujeito, deve passar pelo Édipo. Essa lei organizará a atuação desse sujeito no ambiente simbólico, isto é, ordenará o exercício de sua sexualidade nesse mesmo ambiente . Entretanto, para que ele obtenha o registro no ambiente simbólico, a metáfora paterna será o mecanismo primordial para a autenticação desse registro.
Lacan (1995) também examina a atuação do complexo de Édipo na menina. Ao contrário do menino, a menina encontra o pênis real no pai. Assim, ela não rejeita o objeto de quem tem o dom de realizar seu desejo. Desta forma, segundo o autor, “pela relação ao falo” (Lacan, 1995, p. 207), a menina entra no Édipo, mas de um modo simplificado porque o falo deve ser deslocado do imaginário para o real, o que o psicanalista denomina como “equivalência”. O pai é o objeto de amor da menina. Nas palavras do autor é “o objeto do sentimento que se dirige ao elemento de falta no objeto que é o pai.” (Lacan, 1995, p. 207). Ele, o pai, transforma-se em dono do objeto que dará a criança à menina. Mas haverá nova substituição de objetos, ou seja, surgirá outro que fará o papel do pai e poderá dar-lhe uma criança.
Voltando ao caso de Hans, Lacan (1995) explicita que Hans se refere aos objetos que fazem “pipi”, conforme mencionado anteriormente, principalmente os objetos dos adultos. Hans especula se seus pais têm um “faz pipi”. Observando a mãe inicialmente, Hans imagina que o “faz pipi” dela deveria ficar à mostra como o do leão, que ele havia visto. Mas, segundo o autor, isso se transforma em um jogo imaginário de Hans. Ele brinca de “fazer de conta” (Lacan, 1995, p. 210). Hans fica equiparando os objetos e assim fica preso ao “plano imaginário” (Lacan, 1995, p. 211). Entretanto, o jogo da isca continua, pois Hans não tem o principal referencial para entrada no Édipo: o seu pai.
Sem o referencial, o personagem da trama fica perdido. Ele quer dar nome ao objeto e não encontra meios para isso. Assim, o objeto fóbico de Hans, o cavalo, morde porque substitui o pai. Seria um pedido de socorro de Hans para que fosse submetido à castração. Hans descobre a ligação do seu problema com a figura paterna, quando Freud faz o papel de pai simbólico. Lacan (1995) explicita que o pai simbólico é impensável. Segundo o autor poderíamos encontrar em “Totem e Tabu” a resposta sobre a localização do pai. Há uma necessidade de existência de um “verdadeiro pai, o pai singular, o pai único”, que “esteja antes do surgimento da história” (Lacan, 1995, p. 215), para que os pais existam. Ao mesmo tempo, é preciso que este pai original esteja morto e que tenha sido assassinado pelos filhos. Assim, esse pai original morto daria subsídios ao pai real para o exercício da função.
Dor (1991) entra na discussão para assinalar que o investimento, pela criança, no pai simbólico, transforma o papel do pai real em secundário. Segundo o autor, se o Nome-do-Pai estiver presente no discurso da mãe, fazendo com que a criança entenda que o desejo materno está direcionado ao significante “pai”, ele será “presentificado como instância mediadora na ausência do Pai real.” (Dor, 1991, p. 57). No entanto a criança deve perceber, pelo discurso da mãe, que não satisfaz o desejo materno enquanto objeto fálico. A dúvida da criança em relação à alçada do pai, enquanto possuidor do falo e alvo do desejo da mãe, poderá conduzi-la a uma estrutura perversa, segundo Dor (1991). O psicanalista enfatiza que dessa forma, a lei do pai não será reconhecida, senão para ser contrariada, e ainda haverá um momento propício para que o “desafio e a transgressão” se instalem. (Dor, 1991, p. 62).
Ao percorrer parte do caminho trilhado por Freud e Lacan, para construção da noção de pai e da função paterna, percebemos que não houve uma definição dos referidos conceitos. Nas obras visitadas, verificamos que o pai para Freud em “Totem e Tabu” é o pai morto que se fortaleceu enquanto lei. Com sua morte, não houve necessidade de força para fazer valer a lei. O pai foi simbolizado. Os filhos, ao assassinarem o tirano imaginando destituí-lo de uma posição de poder, fortaleceram-no e o transformaram em pai. A lei ficaria internalizada com esse crime. Nesse sentido, a função do pai, segundo Freud (1913/12/1996), se tornou simbólica. Entretanto, com a morte do pai surgiu um sentimento de culpa, pela identificação dos filhos a esse pai morto. Assim, surge a lei.
Em “Moisés e Monoteísmo”, o autor demonstrou que o pai foi aquele que ocupou o lugar de filho. Moisés foi um filho abandonado que se transformou em líder e ocupou o lugar do pai. Proveniente de família humilde que ascendeu a um lugar de líder, Moisés aplicou um regulamento rígido, em nome de seu Deus pai único, idealizou um ritual – a circuncisão – para obediência e submissão ao Pai e sofreu as conseqüências, foi assassinado pelos “filhos” seguidores.
Para o autor do “Édipo”, o pai é o obstáculo à realização do desejo sexual na relação entre mãe e filho. O pai para Freud (1924/1996) é aquele que deve estar no discurso da mãe. É aquele que transmite a cultura. É o sujeito que faz com que a criança renuncie a gozar-se através da mãe.
Com Lacan (1995) o pai adquire uma série de funções articuladas. Uma delas seria a de conduzir o sujeito a uma dimensão significante, pelo complexo de Édipo. O complexo de Édipo só seria superado pelo exercício da função paterna. Para o psicanalista francês, a função paterna também introduziria a proibição do incesto e daria acesso para o sujeito, ao mundo da cultura. Ela, a função paterna, também permitiria no sujeito em constituição o surgimento do desejo. A função paterna seria a que daria autenticidade à inscrição do sujeito no ambiente simbólico, ou seja, na presença do real, ela unificaria o imaginário e o simbólico.
Atualmente, as instituições educacionais mantêm uma relação com seus estudantes, considerando-os clientes que pagam por serviços educacionais. Destarte, o conhecimento é construído como um produto para venda, para ser consumido. Nesse sentido, o produto comercializado é valorizado em detrimento do conjunto de estratégias pedagógicas. Portanto, as instituições funcionam como vitrines ilustradas e bem “iluminadas”, com belas imagens de equipamentos tecnológicos e de encontros virtuais, nos quais as relações são marcadamente mais superficiais do que no ambiente físico. O lugar ocupado pelo professor nesse ambiente é o de um substituto do pai, mais um dos nomes-do-pai no sentido lacaniano, ele é, portanto, o operador simbólico da Lei e, em alguns momentos, um “sujeito” virtual.
Vale ressaltar que não estamos procurando responsáveis pelos fenômenos que ocorrem nos ambientes escolares, tais como, fracasso escolar, evasão, violência etc. O que se percebe é o declínio da função do professor. Esse declínio da função docente é resultado do que ela representa para o estudante. É reflexo da falha da função paterna. O sujeito não foi, digamos, “violentado” pela castração. A falta dessa “violência” da castração faz com que haja outra violência na relação entre o aluno e o representante simbólico da lei: o professor.
O professor deveria funcionar como o embaixador da lei, funcionar como um diplomata que tem como missão redirecionar as energias do aprendiz para a busca do conhecimento. Mas ele, o aprendiz, dá indícios de que não foi apresentado a esse “diplomata” na família. O pai, enquanto operador simbólico da lei, não foi anunciado no discurso da mãe. O estudante não experimentou o fenômeno de passar pela porta da castração. Essa porta possibilitaria a esse sujeito se identificar com os valores sociais, a assimilar a proibição do incesto e se constituir como sujeito de desejo.
Nesse sentido, para mediar a busca do conhecimento, o professor teria, talvez, um aproveitamento positivo de seu trabalho, além de um relacionamento salutar com o estudante, caso esse estudante tivesse passado por essa porta. Agora ele, o professor, o apresentaria ao mundo do conhecimento para uma troca de experiências, mas, digamos, antes, o estudante deveria ter concluído, com êxito, essa disciplina obrigatória: a da castração.
A falta do pai castrador vem mostrar que, se o pai é o obstáculo, como Freud tencionava, não é somente porque ele impede que o investimento amoroso, ou relativo ao prazer sexual da criança em relação à mãe se realize, o que significaria uma união sexual ilícita, mas antes – e fundamentalmente – porque o pai – enquanto terceiro da relação – vem, por assim dizer, salvar a criança do risco de tornar-se o objeto do capricho materno, numa confusão dual e sem saída. Finalmente, a metáfora paterna é o que faz com que, aí onde havia apenas o objeto, advenha o sujeito desejante. Nessa medida, como interpretação da composição do Édipo freudiano, ela tem uma função, de algum modo, normatizante ou apaziguadora.
Porém, e em segundo lugar, parece restar aqui algo de impossível de apreender nesta questão do pai como que a fazer eco ao dito popular que sublinha que ele é incerto. É Lacan o primeiro a relembrá-lo numa passagem do Mito Individual do Neurótico. Diz ele: “a assunção da função do pai supõe uma relação simbólica simples, onde o simbólico recobriria plenamente o real” (Lacan, 1978, p. 195).
A não coincidência fundamental entre o real e o simbólico traduz um intervalo ou uma inadequação irredutível entre esses dois registros. No fundo, o que está em causa é isto: as palavras, ou a linguagem, ao substituírem-se à coisa, hipoteticamente real primitivo e sem lei, deixam um rastro, na medida em que não há um velamento completo entre os dois registros. Seria possível dizer que esta primeira substituição não é mais do que a própria metáfora primordial da condição humana.
Relativamente a ela, a metáfora paterna constitui uma espécie de metonímia que em vez de suprimir o encontro fundamental entre o real da coisa e o simbólico, da fala e da linguagem, o desloca e, de alguma forma, o re-nomeia nesse espaço e nessa realidade particular onde o drama subjetivo se desenrola: a família. É daí que o Nome-do-Pai, que contém uma revelação interessante, retira a sua importância. Pelo contrário, todo o pai (real) apresenta-se sempre, ou a maior parte das vezes, como um pai de algum modo carente, humilhado, discordante relativamente à sua função que seria simbólica.
É por isso que a questão do declínio da função paterna acaba por desembocar quase inevitavelmente nos sintomas presentes na adolescência. E esse é o sujeito “cliente” principal das instituições educacionais. Lacan (1985) dirá mais tarde, já na última fase do seu ensino que o pai é um sintoma. Mas já na passagem extraída do Mito Individual do Neurótico, Lacan falava do valor gerador de moléstia do Édipo. É como se houvesse na questão paterna uma espécie de encruzilhada ou de paradoxo fundamental: ao mesmo tempo em que nomeia e dá idéia, o que permanecia sem nome no sujeito, ele mesmo, enquanto tal mantém-se inominável; quer dizer: há algo impossível de nomear e, portanto, real, na avaliação de Lacan (1987), a qual o real apresenta dificuldade, na função paterna ela mesma.
Para dar conta do que permanece aí de inapreensível, de real, Freud foi obrigado a inventar, para além do Édipo, um novo mito: o Totem e Tabu. Tal invenção demonstra e Lacan (1985) não deixa de sublinhar o fato, que o real pode ser mítico e mais forte que o verdadeiro. O real da realidade ordinária, realidade em que o real e o imaginário andam geralmente desordenados, é antes o que há de impossível de apreender ao nível da própria função paterna, na medida em que esta se refere ao real e não é forçosamente o verdadeiro do real. Daí o desejo de o estudante querer manter sua situação, ou seja, o prazer de fugir da realidade “dada” pela sala de aula e a de quem nela ocupa lugar de autoridade: o professor.
Não ser o verdadeiro do real significa, pelo menos, duas coisas: em primeiro lugar, que ele pode ser mítico, como vimos anteriormente, sem que, apesar disso, para a estrutura seja menos importante que o dizer verdadeiro, mas também que o próprio verdadeiro, em última análise, acaba por revelar-se como um buraco, uma impressão vaga, impossível de tapar. Quando buscamos o verdadeiro do pai, acabamos, inevitavelmente, por embrulhar-nos e escorregar nesse buraco. É neste sentido que Lacan (1985) falava da embrulhada do verdadeiro. O Real, dizia ele, encontra-se nas embrulhadas do verdadeiro.
Impossível de apreender inteiramente, ele está condenado a multiplicar-se: todos os nomes-do-pai (Édipo, Totem, Moisés... em Freud, Real, Imaginário, Simbólico...) procuram dar conta desse resto por nomear, mas nenhum deles é inteiramente capaz de fazê-lo. O real do pai permanece irredutível. E é nessa medida, também, que o real é mais forte, mais resolutivo que o verdadeiro, e que o sintoma é, finalmente, um dos seus nomes.
Lacan (1987) propõe que a metáfora paterna é a responsável pelo surgimento do sujeito desejante, onde havia apenas o objeto, tendo assim, função tanto normatizante quanto apaziguadora. O autor alerta também que o pai deve representar um valor simbólico pleno ao exercer sua função. Conclui que o complexo de Édipo é positivo, pois denuncia o mal-estar, e ainda, que a metáfora paterna contribui para o deslocamento e renomeação do encontro entre o real da coisa e o simbólico, da fala e da linguagem, e que ocorre num espaço particular, ou seja, a família. Daí, talvez, um motivo pelo qual os professores apontam a família como origem do fracasso dos estudantes na escola.
A experiência que obtive com esta pesquisa proporcionou-me apresentar as seguintes contribuições: a primeira seriam as conclusões a que todo o estudo e a pesquisa me levaram, e a segunda, as recomendações.
A guisa de conclusão, após apresentar as razões de peso, possibilitadas pela pesquisa e pelos autores trabalhados, com relação à noção de pai em Freud e Lacan, relacionando-a ao declínio da função do professor, percebi que, hoje, na sociedade globalizada, o ideal paterno não opera do mesmo modo, é mais fraco.
Na convivência moderna temos o médico, o professor, o pediatra etc que, em suas funções, representam autoridades na vida de uma criança e de um jovem. Quando uma autoridade se multiplica, ela enfraquece. Então, qual é a função do pai? Quando a criança continua a perguntar – por quê? Por quê? – de certo modo, somente o pai pode dizer é assim, porque é assim. E, portanto, com a multiplicação dessas autoridades na vida dos sujeitos, a função paterna se enfraquece e declina.
Desta forma, define-se a função do pai no ser falante. O pai está na linguagem, é um significante, ilustra uma função lógica. É por estar morto como apego ao real, à etimologia do termo, que a ideia do patriarca, que se faz equivalente a um puro significante, está cada vez mais relegada a uma posição menos expressiva, passando a ênfase maior a recair sobre o pai simbólico. O pai é aquele que articula a lei. Ou ele falta como presença ou como presença está presente demais ou ainda, mesmo presente ele falha.
É preciso reconhecer no pai a castração; para isso, é preciso que ele reconheça a sua própria castração. Porém, o que é isso? É uma posição diante da falta do Outro. É de pai para filho que se transmite a castração, quando ele escolhe uma mulher, como objeto causa de desejo, e a transforma em mãe. “Um pai só tem direito ao respeito e ao amor, se o dito amor e o dito respeito estiver verticalmente orientado, isto é, feito de uma mulher, objeto pequeno ‘a’, que causa seu desejo” (Lacan, 1987). É enquanto esta mulher se torna mãe de seus filhos, que este pai é nomeado como função. Por conseqüência, essa mulher se ocupa de outros objetos pequenos e que são as crianças, junto a quem o pai, então, tem a função de intervir. É dessa forma, então, que se reconhece nesse pai a função da castração. Só dessa forma é que pode ocorrer a transmissão do desejo do pai para filho.
Neste início de século, constata-se uma crise do lugar do pai e de sua função de nomeação. Neste declínio da função paterna, estranhamente o social vem fazer suplência a essa falha da nomeação paterna. Ser nomeado de alguma coisa, eis o que coloca uma ordem que se encontra efetivamente em se substituir ao nome do pai (Lacan, 1985).
Por outro lado, o pai talvez já combalido no tempo de Freud, agora não dispõe de nenhum trono, mas está, pelo contrário, também perdido no grande redemoinho do consumo, humilhado pela perda das prerrogativas com as quais, de qualquer forma, sequer poderia arcar sufocado pelo imperativo da igualdade e do diálogo compulsório entre ele e os filhos; e é bem possível que, de vez em quando, ele se encontre com um dos seus filhos deprimidos.
Nas instituições educacionais, as dificuldades de relacionamento se manifestam com os outros aprendizes, com os professores e diretores, e isso se configurou pela investigação realizada como efeito do declínio da função paterna. Atualmente, mesmo que o professor tenha bom domínio do conteúdo, consciência profissional, desejo real de levar os alunos à aprendizagem e formação didática, os resultados não são sempre positivos. É preciso remarcar que a relação professor e aluno é componente importante no aprendizado efetivo e, portanto, precisa ser compreendida na sua integridade.
Chego ao final desta pesquisa acreditando ter alcançado um nível de análise com resultados o mais completos possível. Entretanto, entendo também que o sentido de esgotar todas as possibilidades das análises das obras é, por mim, limitado.
A presente pesquisa e todos os autores estudados, em relação ao objeto a que me propus investigar, foram-me de grande valia, pois me levaram a perceber que o declínio da função paterna, pode ser citado, com segurança, como um dos responsáveis pelas dificuldades de relacionamento entre os jovens, na dita adolescência, e entre estes e seus professores, e que ainda podemos relacioná-lo ao declínio do professor.
Formulado esse entendimento, apresento como recomendações necessárias aos que lidam com a gestão do sistema nas instituições educacionais, aos professores e aos aprendizes, que fiquem sempre atentos para a ocorrência dos fatores citados e, ao sinal de que estão acontecendo, reforcem o diálogo, exercitem a paciência, se empenhem em estabelecer uma relação capaz de favorecer o crescimento conjunto, procurando por conhecer, suprir o crucial declínio do pai-limite, tornando mais significativas as cobranças por desempenho adequado de papéis e menor o peso das pressões sociais sobre todos.
Em seguida, aprendi, com a pesquisa, que a qualidade de uma instituição escolar depende do modo pelo qual ela enfoca o processo de condução das atividades que se desenvolvem nas salas de aula. É o lugar no qual se realiza o processo de ensino-aprendizagem, mas também é a oportunidade que temos para desenvolver e promover os valores humanos nos aprendizes. Tal qualidade depende, a meu ver, também da capacidade dos professores de estimular o esforço dos aprendizes. Poderíamos iniciar um projeto tentando responder a questões, tais como: Como proporcionar um equilíbrio no ambiente da instituição? Como conseguir a integração dos aprendizes na instituição? Como fomentar a disciplina? Como agir diante das atitudes dos aprendizes consideradas irregulares e que perturbam o direito dos outros? Reforço que, antes de responder tais questões, é preciso ter claro o que seria a missão da instituição.
Outra questão de grande monta é a visão de mundo que professor passa aos aprendizes. Percebi que esta fica enraizada nos estudantes mais que os conteúdos. A sala de aula é onde o facilitador tem oportunidade de propor discussões, despertar inquietações com relação à vida e formar opiniões. Aquilo que o professor demonstra ser, influenciará o estudante, mais que ensina. O facilitador, representante da lei, contribui para formar indivíduos que tenham condições de desenvolver habilidades intelectuais, morais, físicas e sociais, portanto, deve ser cauteloso quanto à sua postura em seu trabalho.
Esta pesquisa também me possibilitou a compreensão de que há um equívoco em acreditar que a solução dos problemas da educação estaria numa geração de supercomputadores, que com apenas um clique colocaria o estudante em contato com tudo que necessita saber, resolvendo assim as mazelas da educação global. O contato humano, a meu ver, é insubstituível.
Entendo que alunos e professores serão eternos aprendizes. O que é urgente é fazer com que o aluno perceba que a cada dia que passa sua educação dependerá de seu próprio interesse e de sua disposição para o aprendizado e constante atualização. O conhecimento teórico é importante para o ensino, mas a habilidade, o saber fazer é fundamental para que o aprendiz tenha competência para a resolução das situações-problema com as quais se deparará. Neste momento, o aprendiz demonstrará se houve ou não o aprendizado.
Não podemos prever o futuro de uma instituição educacional, nem tampouco a escola do futuro, mas poderemos problematizá-lo. Porventura a instituição educacional poderia ser um lugar onde se aprenderia pelo trabalho e não para o trabalho? Onde se estimularia o gosto pelo aprendizado? Onde a determinação perpassasse as competências e habilidades dos alunos? Essas transformações contribuiriam para se repensar a construção de uma instituição educacional futura ou um futuro da instituição. Talvez assim, o avanço tecnológico seria um aliado da educação e não um entrave nas relações humanas.
Aproveito ainda para alertar sobre mais um fator primordial, ou seja, mostrar para os estudantes que o papel do educador não é ser investigador dos atos condenáveis escolares, e sim, fazê-los compreender que seus relacionamentos serão mais harmoniosos quando melhor se conhecerem. Para isto, há que se desenvolver o autodidatismo, o autoconhecimento, o desejo de aprender mais, aprender sobre tudo. Este conhecimento, buscado e apreendido, será importante para que o aprendiz se reconheça como pessoa modificada.
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Antônio Eustáquio Ferreira
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