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IGT na Rede
versão On-line ISSN 1807-2526
IGT rede vol.12 no.22 Rio de Janeiro jan./jun. 2015
EDITORIAL
Marcelo Pinheiro da Silva*
IGT - Instituto de Gestalt Terapia e Atendimento Familiar – Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Este é o primeiro documento que publicamos após o XIV Congresso Internacional de Gestalt-Terapia. Impossível não comentar este episódio marcante no âmbito da Gestalt-Terapia nacional e Internacional. Resultado de dois anos de muito trabalho e de muito empenho por parte de todos os responsáveis por sua produção. Uma história que precisa ser contada.
Assim que recebemos a incumbência de presidir este evento, em maio de 2013, buscamos traçar princípios norteadores para direcionar nossas ações. Estes princípios, em seus aspectos fundamentais, já foram declarados na plenária final do XIII congresso internacional de Gestalt, momento do anúncio de que o XIV Congresso ocorreria no Rio de Janeiro com nossa presidência1. Naquela ocasião declaramos que trabalharíamos no sentido de construir um congresso que desse espaço para os diversos estilos de Gestalt-terapia, sem privilegiar grupos específicos; que fosse um espaço de trocas, priorizando o relacionamento entre seus participantes; e que fosse um grande evento no que se refere ao número de congressistas, já que estaríamos em uma cidade que seguramente abriga uma das maiores concentrações de Gestalt-Terapeutas no mundo.
Um outro aspecto que definimos como meta foi que os trabalhos apresentados pudessem ficar para a posteridade, que as vozes dos congressistas pudessem ser escutadas para além dos dias do evento. Que o congresso pudesse ser filmado e disponibilizado gratuitamente na internet como já fazemos em relação aos congressos brasileiros e do Estado do Rio de Janeiro.
Com nossos princípios já definidos, assim que chegamos de volta ao Rio de Janeiro iniciamos nossos trabalhos. Construímos um cronograma de ação, convocamos uma reunião para a qual convidamos representantes de todos os centros formadores, além de professores universitários com quem tínhamos contato e outros formadores de opinião de nossa cidade. Solicitamos às pessoas convocadas para participarem deste encontro que nos enviassem voluntários que tivessem tempo e disposição para trabalhar em nossa comissão organizadora.
A partir das pessoas indicadas e também de pessoas de nossa confiança que convidamos diretamente, demos início à equipe que teria o desafio de construir nosso evento. Eram muitos desafios, muitas frentes a serem trabalhadas. Como construir um evento de grande porte sem nenhuma verba inicial ou instituição financiadora?
Para fazer frente às inúmeras tarefas nos dividimos em núcleos. O núcleo de ativação estadual tinha a incumbência de ativar os Gestalt-terapeutas do Estado do Rio de Janeiro. Para tanto buscou mapear os centros formadores de nosso estado, procurou manter contato com as diversas universidades sempre com o intuito de estabelecer a conexão do congresso com estas instituições e divulgar o evento; O núcleo de ativação nacional buscou seguir os mesmos objetivos a nível nacional; O núcleo de ativação internacional trabalhou no mesmo sentido, buscando mapear os centros formadores ao redor do mundo, procurando estabelecer contato com os mesmos, além de pesquisar a história desta série de congressos; Também foi constituído um núcleo de virtualidade que tinha como objetivo cuidar da estrutura de filmagem, transmissão online e viabilizar a participação de palestrantes que, na impossibilidade de comparecerem presencialmente, também teriam a oportunidade de fazer suas apresentações à distância, enriquecendo nosso evento; o núcleo de Logística trabalhou no sentido de cuidar de toda a estrutura física do evento: aparelhagens, tradução, restaurantes, crachás, etc. Nossa meta era de que cada núcleo tivesse um coordenador e funcionasse de forma autônoma fazendo frente a seus obstáculos.
Estrutura montada, começamos a busca de superar nossos desafios: O primeiro e mais básico se referia ao local do evento. Na cidade do Rio de Janeiro temos poucos lugares com capacidade de abrigar um número superior a 1.000 (mil) congressistas e nós sabíamos que poderíamos superar os 1300 (mil e trezentos) como de fato aconteceu. Os lugares que poderiam dar conta deste número de participantes se restringiam a dois centros de convenções: o Riocentro e o centro de convenções Sul América, ao hotel Windsor e a UERJ. Para reservar os Centros de convenções e o Hotel precisaríamos pagar algo na ordem de 40% do valor total do aluguel do espaço antes mesmo de abrirmos as inscrições do evento. Se tivéssemos uma associação para assumir esses custos e esses riscos, ou ainda se tivéssemos recebido verbas do congresso anterior este seria um caminho possível, porém, infelizmente, não era este o caso. Precisávamos trabalhar com os pés no chão. Por mais que acreditássemos na possibilidade de atingirmos um grande número de participantes, não existiam garantias. Qualquer acontecimento que comprometesse a imagem do Rio de Janeiro poderia frustrar nossa previsão, no que se refere ao número de inscritos, gerando um prejuízo financeiro que comprometeria o patrimônio do presidente do evento, já que não temos uma associação nacional de Gestalt-Terapeutas2. Assumir este risco não seria razoável.
A opção da UERJ se mostrou nitidamente a opção mais sensata: teríamos um espaço adequado, não precisaríamos usar um dinheiro que não existia naquele momento, teríamos o aval de uma das maiores universidades do País e, além de tudo isso, a UERJ tem um papel histórico no que se refere ao desenvolvimento da Gestalt-Terapia no Estado do Rio de Janeiro. Cabe lembrar que na época que tomamos essa decisão a UERJ não estava passando pela crise que se estabeleceu no período de realização deste evento.
O segundo desafio foi na direção de que o evento se fizesse um espaço de troca para nossa comunidade. Para trabalharmos no sentido de cumprir este objetivo, já de início, buscamos que a própria identidade visual do evento fosse construída de forma coletiva. Para tanto criamos um concurso para a elaboração da Logomarca do evento, com isso nossa logo foi escolhida através de votação. Mais de 120 pessoas participaram desta escolha. Também criamos um questionário que foi veiculado, através da internet em 4 idiomas e tinha como objetivo dar espaço a comunidade no sentido de que os Gestalt-Terapeutas dos diversos países pudessem participar de decisões relativas a aspectos como: o tema central do evento; os tipos de atividades a serem realizadas; as personalidades a serem convidadas etc.
Na etapa de definição de aspectos ligados à estrutura do evento, buscamos assegurar que em pelo menos um ambiente teríamos tradução para 4 idiomas, português, espanhol, francês e inglês3. Fizemos isto com o objetivo de ampliar a participação de representantes dos diversos países. Quanto à tradução em outros espaços, estabelecemos que esta seria feita por membros de nossa comunidade de forma consecutiva e que combinaríamos a distribuição dos voluntários para fazer a tradução a partir do processo de inscrição em atividades.
Cabe lembrar que este congresso foi construído dando continuidade a uma série de eventos nos quais eram raras as atividades com tradução simultânea. Nas atividades realizadas em salas menores quando existia tradução, o que era mais raro ainda, esta se dava em situações pontuais e era feita de forma voluntária, nunca, ou quase nunca para o português. É importante registrar que nos congressos realizados na América do Sul a delegação brasileira normalmente, tende a ocupar o segundo lugar no que se refere ao número de participantes, só ficando atrás dos países sede.
Todo este processo deu muito, muito trabalho; exigiu muito, muito esforço, de todos os participantes da organização de nosso encontro. Passo então a descrever nossos números finais.
Este acontecimento se fez marcante em muitos sentidos. O primeiro aspecto tem relação com as dimensões do evento. Tudo indica que foi o maior congresso desta abordagem realizado em todos os tempos. Ultrapassamos, como prevíamos os 1.300 participantes. Tivemos mais de 250 trabalhos inscritos. Considerando que cada trabalho foi avaliado por no mínimo 2 pareceristas e um editor e, que vários deles passaram por bem mais do que dois pareceristas, podemos afirmar sem medo de errar que foram realizadas mais de 1.000 avaliações de trabalhos. Além das pessoas contratadas para trabalhar no evento, tivemos 55 voluntários trabalhando como monitores para dar apoio aos congressistas. Entre recebidos e enviados foram mais de 14.000 e-mails, isto sem levar em consideração as malas diretas enviadas (e-mails de divulgação). Estes e-mails foram trocados em cinco idiomas diferentes, a saber, Português, Espanhol, Francês, Inglês e Italiano. Ao longo de todo o evento tivemos um ambiente com tradução simultânea para quatro idiomas: Português, Espanhol, Francês, Inglês. Além de buscarmos apoio voluntário na comunidade gestáltica para tradução consecutiva das demais atividades, solução mais adequada para este contexto, nada melhor que um gestalt-terapeuta traduzindo outro gestalt-terapeuta, também foram contratados 33 tradutores profissionais para dar apoio aos congressistas.
Cabe lembrar que, dos 5 congressos internacionais que participamos anteriormente, nenhum deles teve sequer um espaço amplo com tradução simultânea continua para 4 idiomas durante todo o evento, quanto mais tradução consecutiva nas atividades realizadas em salas menores. Nossa meta era de cuidar de forma especial do quesito tradução, indo além do que se deu tradicionalmente nesta série de eventos, justamente em função de nosso objetivo de ampliar ao máximo as possibilidades de troca entre os participantes deste congresso.
Além dos números marcantes deste evento também é importante citar as inovações que ele trouxe: foi o primeiro da série a buscar ser transmitido online; segundo nossas pesquisas, será o primeiro a ter anais oficiais com ISSN; terá os trabalhos que foram filmados e que tiverem a autorização de seus autores, disponibilizados gratuitamente online; foi organizada uma exposição com a história dos congressos Internacionais de Gestalt-Terapia; o programa do evento foi fornecido em mais de um idioma; tivemos atividades de pré-congresso apresentadas virtualmente (Palestra de Claudio Naranjo e de Erving Polster); tivemos palestrantes apresentando seus trabalhos virtualmente; tivemos inscrições para atividades artísticas, valorizando os talentos de nossa comunidade.
Mas, nem tudo foram flores na história de nosso congresso. Enfrentamos uma crise na UERJ que culminou com o fato de um dos piores momentos, se não o pior momento, da história desta Universidade ter coincidido com o horário de credenciamento e da abertura do mesmo. Este fato trouxe consequências avassaladoras: comprometeu definitivamente o processo de credenciamento4, impediu a realização das atividades de abertura, e determinou a necessidade de transferência do evento para a Universidade Santa Úrsula, prejudicando aspectos ligados à virtualidade, como a transmissão online, ficou perdida toda a programação social do evento, impediu que a exposição com a história dos congressos anteriores fosse visitada pelos congressistas. Além disso, tivemos que reinventar este congresso de um dia para o outro. Mais um desafio que buscamos superar da melhor forma possível. Podemos afirmar que nenhuma atividade ficou sem espaço para ser apresentada, a capacidade total do evento não foi prejudicada, só o que não conseguimos manter foi a distribuição dos participantes em cada atividade5. Para nós da comissão organizadora este foi um grande feito. Porém, infelizmente, nosso esforço não impediu que alguns palestrantes tenham feito a opção de não apresentar seus trabalhos.
Desde o início da construção desse encontro, que realizamos com todo o carinho, paciência e dedicação, não tínhamos como objetivo a perfeição. Sabíamos que diante da complexidade de nosso desafio a perfeição seria impossível, até porque esta construção não dependia só da organização, mas também dos inscritos, de pareceristas que avaliaram os trabalhos, etc. Mesmo se não tivessem ocorrido os problemas vividos na UERJ o evento certamente não seria perfeito, mas com certeza nos dedicamos de corpo e alma para que ele pudesse fluir da melhor maneira possível.
Gostaríamos de expressar nossa gratidão a todos os membros da comissão organizadora deste congresso que buscaram trabalhar de forma empenhada para a realização do mesmo; aos membros da equipe de apoio e a todos aqueles que, mesmo não estando oficialmente ligados a equipe de apoio, buscaram ajudar e com isso tiveram um papel importantíssimo para a realização deste encontro. Também é fundamental agradecer à UERJ e todos os seus representantes que abriram muitas portas e que sem estas portas abertas este evento não poderia ter sido desenvolvido6.
Gostaríamos de agradecer de forma especial a Universidade Santa Úrsula e seus funcionários que nos receberam com todo o carinho e disponibilidade, em especial ao Reitor Lácio Cesar Gomes que abriu as portas desta universidade para o evento e ao Professor e Psicólogo Alexandre Trzan Ávila, pois sem sua colaboração não poderíamos fazer esta mudança que foi tão importante para darmos continuidade a este congresso.
Agradecemos também ao Conselho Federal de Psicologia que contribuiu com R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em passagens aéreas e ao Conselho Regional de Psicologia que contribuiu com uma passagem aérea para a América Latina.
Nem todos os participantes do evento souberam valorizar o que foi feito pela organização, este fato será tema de pelo menos um artigo, que será publicado posteriormente, no qual trataremos este tema com todo o cuidado que ele merece, abordando uma série de nuances, com as quais, ele nos acena. Acreditamos que a discussão cuidadosa deste tema é fundamental para superarmos entraves que certamente prejudicam muito o desenvolvimento de nossa abordagem.
Boa leitura a todos.
Marcelo Pinheiro da Silva
Comissão Editorial
IGT - Instituto de Gestalt Terapia e Atendimento Familiar,Rua Haddock Lobo, 369/709 - Tijuca Rio de Janeiro - Brasil CEP 20260-141 Telefax (55) 21 2569-2650, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
Endereço eletrônico: igtnarede@igt.psc.br
Notas
* Psicólogo Marcelo Pinheiro CRP nº 05/16.499 Gestalt-terapeuta, especialista em psicologia clínica pelo CRP, especialista em psicologia organizacional pelo CRP, especialista em atendimento de casal e família na abordagem sistêmica (I.T.F.- RJ), Professor substituto de Psicologia da UERJ, Mestrando em Psicologia Social (UERJ), coordenador do curso Especialização em Psicologia Clínica - Gestalt-Terapia (Indivíduo, Grupo e Família), editor chefe da Revista Virtual IGT na Rede, coordenador do Centro de Documentação da Gestalt-Terapia Brasileira e sócio-fundador do IGT e Presidente do XIV Congresso Internacional de Gestalt-Terapia Rio 2015.
1 Os Congressos Internacionais de Gestalt-Terapia funcionam em regime presidencialista. A partir de uma reunião de associações é feita a escolha do local e de um presidente que se responsabiliza pela coordenação do próximo evento.
2 Com o objetivo de fomentar o desenvolvimento de uma Associação Brasileira de Gestalt-terapia, colocamos na programação deste congresso uma mesa para a qual convidamos representantes de várias associações nacionais de outros países, de forma a que estes pudessem contar sobre a importância, os ganhos e as dificuldades que foram experimentadas nas histórias destas associações. Também convidamos para esta mesa uma pessoa que historicamente vem se empenhando no sentido da construção de uma associação para os Gestalt-terapeutas do Brasil, no caso Antônio Elmo.
3 Inicialmente também pretendíamos disponibilizar tradução para o Italiano, porém como não ocorreram inscrições de representantes da Itália cancelamos esta possibilidade.
4 Tínhamos previsão de credenciar entre 70 a 80% dos congressistas naquela etapa do evento, para tanto disponibilizamos um grande efetivo de nosso pessoal, de forma a podermos organizar 18 filas de credenciamento. Esta meta ficou frustrada com a interrupção precoce deste serviço. No dia seguinte com o início das diversas atividades do congresso tínhamos de cobrir apresentações realizadas simultaneamente em 15 espaços diferentes e, além disso, alguns monitores terminaram deixando de participar do evento assustados com o que presenciaram no dia anterior. Tivemos de diminuir drasticamente o número de filas de credenciamento, o que inviabilizou esse processo.
5 As 21 salas de aula utilizadas para a maior parte das atividades realizadas na Santa Úrsula eram maiores e mais confortáveis do que as salas da UERJ, porém os maiores espaços utilizados na UERJ, isto é, quatro auditórios e o teatrão, não tinham equivalentes na Santa Úrsula. Este fato inviabilizou a manutenção das inscrições em atividades previamente realizadas.
6 Este agradecimento é justo e necessário, mas não invalida a discordância que a comissão organizadora deste evento tem em relação a algumas das decisões tomadas pela reitoria da UERJ nas situações críticas vividas durante o evento em questão.