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IGT na Rede
versão On-line ISSN 1807-2526
IGT rede vol.14 no.27 Rio de Janeiro jul./dez. 2017
ARTIGO
Terapia Comunitária Integrativa e Seu Diálogo com a Gestalt- Terapia
Integrated Community Therapy and its Dialogue with Gestalt- Therapy
Jaqueline de Lima Braz*; Janaina Maria Vidal Sampaio**; Ebenezer Teixeira de Souza Júnior***; Fabiane de Souza Pedro****; Lídia Cristina da Silva Braga*****
RESUMO
Neste artigo apresentam-se aspectos teóricos da Terapia Comunitária Integrativa e da Gestalt-Terapia, com o objetivo de realizar um diálogo entre essas teorias, correlacionando conceitos e propondo uma contribuição da Gestalt-Terapia à TCI. As contribuições da GT à TCI buscam potencializar os efeitos das rodas de TCI, caso as propostas descritas sejam inseridas no desenvolvimento das rodas. Apresentam-se também as observações de algumas rodas de TCI ocorridas na cidade do Rio de Janeiro, verbalizações de participantes que corroboram as similaridades entre as teorias e as possíveis situações em que a Gestalt-Terapia pode entrar nas rodas de TCI como um recurso.
Palavras-chave: Terapia Comunitária Integrativa; Gestalt-Terapia; Diálogo.
ABSTRACT
In this article, theoretical aspects of Integrated Community Therapy and Gestalt-Therapy will be presented with the aim of holding a dialogue among these theories, correlating concepts and proposing a contribution from the Gestalt-Therapy to the Integrated Community Therapy. The contributions from the Gestalt-Therapy to the Integrated Community Therapy aims to strengthen the effects of the Integrated Community Therapy research meetings, if the described proposals are inserted in the development of the meetings. Some research meetings of Integrated Community Therapy also present observations, which occurred in Rio de Janeiro city, with participant’s verbalizations who corroborate the similarities among the theories and the possible situations in which the Gestalt-Therapy may enter the research meetings as a resource.
Keywords: Integrated Community Therapy; Gestalt-Therapy; Dialogue.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho consiste em uma proposta teórica de união entre a Terapia Comunitária Integrativa e a Gestalt-Terapia. Diante dessa questão, a pesquisa tem como objetivo identificar similaridades teóricas entre essas teorias, correlacionando conceitos de ambas e de utilizar a GT como recurso em TCI, apresentando suas possíveis contribuições. Em pesquisa bibliográfica verificou-se a inexistência de artigos e outras fontes que realizem o diálogo entre esses dois saberes. Desta forma, acredita-se que o desenvolvimento deste trabalho promoverá uma potencialização da prática da TCI, caso recursos da GT sejam inseridos em seu desenvolvimento. O interesse por esse estudo surgiu mediante a participação na oficina de roda de Terapia Comunitária Sistêmica Integrativa, ocorrida na ONG “Pela Vida”.
A descrição dos resultados desta pesquisa se desenvolveu a partir da fundamentação teórica construída nos conceitos da GT e da TCI. Para compreender o diálogo entre elas, suas similaridades e possíveis contribuições da GT, foi adotada a abordagem qualitativa, utilizando como procedimento a pesquisa de campo, para coleta de dados sobre a execução das rodas de TCI. Como instrumento de coleta de dados foi utilizada a observação participativa em atividades ocorridas na cidade do Rio de Janeiro.
Após a revisão bibliográfica sobre a temática e a observação em rodas de TCI foi percebida a existência de similaridades entre as teorias, o que possibilita o proposto diálogo entre essas. E, a partir desse diálogo a existência de contribuições que a Gestalt-Terapia pode oferecer à Terapia Comunitária Integrativa.
A GESTALT-TERAPIA
A Gestalt-Terapia é uma abordagem de psicoterapia que acredita no ser holístico, o ser integrado ao meio. Ela reúne técnicas e estratégias terapêuticas específicas dentro de um modelo teórico e prático de intervenções fenomenológicas. A principal característica dessa abordagem é o processo de crescimento pessoal que ela potencializa. Diferentemente, de outras abordagens, a Gestalt-Terapia prioriza a experiência em relação à fala. Nessa perspectiva, um diferencial desta abordagem é o uso dos experimentos, que são propostas para a pessoa “entrar” na situação que está sendo abordada naquele momento. Além das verbalizações, expressões não verbais (gestos, posturas e entonação) também são consideradas na atuação do terapeuta.
O Gestalt-terapeuta acredita que toda pessoa tem em si potencialidades que permitem que elas façam a melhor escolha possível para elas, naquele momento. Quem sabe o que é melhor para a pessoa é ela própria e não o terapeuta. Ele é somente um facilitador para que o cliente se conheça e se perceba. Deste modo é possível que ele encontre a forma mais adequada de fechar suas “gestaltens” abertas. Assim, se auxilia o cliente a uma atitude dentro da psicoterapia, que implica em acreditar no desenvolvimento, no crescimento humano e na construção de uma relação. Cabe ressaltar que o crescimento e o desenvolvimento humano são concebidos dentro da Gestalt-terapia como um processo contínuo que se dá por meio do contato entre a pessoa e o ambiente, de acordo com Frazão et al. (2014). E, que o trabalho psicoterapêutico é fundamental para esse processo.
No trabalho psicoterapêutico, segundo Yontef (1995), “a relação entre o terapeuta e o cliente é o aspecto mais importante da psicoterapia”, coloca-se todo o ser disponível, aqui e agora, para uma relação autêntica e singular. O terapeuta deve se disponibilizar para vivê-la, mas não visá-la como objeto. A relação autêntica simplesmente acontece. Assim, a “relação terapêutica se constrói como uma ponte de comunicação entre o terapeuta e cliente, buscando a consolidação de um processo ativo”, conforme Melo (2015).
Dentre os principais conceitos da GT estão: Aqui e Agora: Trata-se da forma que a pessoa encontra, na atualidade, de manejar situações, independente da temporalidade. O passado só existe quando faz sentido no presente. Enquanto, o futuro é uma possibilidade que se apresenta na atualidade. “Awareness”: O estar consciente (“tobeaware”) é ter consciência da própria atenção, da própria consciência. Segundo Yontef(1995), a “Awareness” é uma forma de experienciar. É o processo de estar em contato, vigilante com o evento de maior importância no campo indivíduo/meio, com total suporte sensório-motor, emocional, cognitivo.
- Ajustamento Criativo: É o processo pelo qual a espontaneidade instintiva da pessoa encontra a solução disponível em si mesmo, no ambiente ou em ambos de se autorregular. Goldstein definia a autorregulação organísmica como uma forma do organismo interagir com o mundo, segundo a qual o organismo pode se atualizar, respeitando a sua natureza, do melhor modo possível.
"Este lidar com o meio pode se dar tanto através de reações de aceitação e adaptação a este, quanto também através de ações de rejeição e fuga do mesmo. Quando à continuidade do sistema é ameaçada pelo contato com o meio, a retirada do contato é uma tentativa de adaptação do organismo. Esta noção de fuga, de resistência, como respostas também de equilibração, é claramente levada para o campo conceitual da Gestalt terapia" (LIMA, PATRÍCIA VALLE de ALBUQUERQUE; Vol. 2, N. 3. 2005).
- Fenomenologia: Baseada no que é obvio ou revelado pela situação, e não na Interpretação do observador. A atitude fenomenológica é reconhecer e colocar “entre parênteses” (colocar de lado) ideias preconcebidas sobre o que é relevante. Objetiva uma descrição cada vez mais clara e detalhada do que é e desenfatiza o que seria, poderia ser, pode ser e foi.
- Teoria Paradoxal da Mudança: Beisser (1975) afirma: “que esta mudança ocorre quando a pessoa se torna o que ela é e não quando ela tenta se tornar o que não é”. A mudança não ocorre por meio de uma tentativa coercitiva do indivíduo ou de qualquer outra pessoa em mudá-lo, mas acontece se a pessoa faz o esforço, e leva o tempo necessário, para ser o que é estando integralmente de posse de suas posições atuais. Pela rejeição do papel de agente da mudança e tornando a mudança ordenada e significativamente possível.
Em GT, o grupo pode ser definido como uma comunidade de aprendizagem com indivíduos cujo objetivo é resolver problemas pessoais e interpessoais, com auxílio de um líder treinado. Os problemas podem variar dos sintomas fóbicos de um indivíduo a sentimentos de isolamento e alienação em relação a outras pessoas. Na prática percebemos que o grupo terapêutico tem mais força no empoderamento das pessoas, pois seus membros todos juntos buscam a compreensão do mistério humano dos sentimentos básicos de nossa existência: dor, raiva, angústia, alegria, amor, medo e tristeza. Acontecem trocas e aprendizados uns com os outros, ainda numa perspectiva do individual para o individual ou mesmo do individual para o grupal ou de terapeuta para individual ou grupal. Uma Gestalt cuja natureza é maior que a soma de suas várias partes. Os líderes cuidam para comunicar aos participantes suas regras básicas e essenciais. As regras não devem ser utilizadas com rigidez ou autoritariamente. São elas: assumir autoria de seu comportamento e fala (dizer EU ao invés de nós, a gente, entre outros); priorizar o aqui e agora, compartilhar sentimentos, pensamentos e sensações presentes; atenção na maneira como ouve os outros participantes; fazer afirmações no lugar de perguntas; falar diretamente com a outra pessoa; ouvir o que o outro está sentindo e validar essas vivências; prestar atenção em gestos, mudanças de posturas e experiências físicas; confidencialidade do que os outros dizem; experimentar riscos enquanto participantes das conversas; colocar parênteses ou compartimentizar; respeito pelo tempo em que o outro não se encontra disponível para a fala.
A TERAPIA COMUNITÁRIA INTEGRATIVA
A Terapia Comunitária Integrativa é uma metodologia criada pelo psiquiatra e antropólogo Prof. Dr. Adalberto Barreto, da Universidade Federal do Ceará. Ela nasceu em 1987 para responder às demandas do Centro de Direitos Humanos da Comunidade do Pirambú, a maior favela do Estado do Ceará, Brasil. Ela vem sendo aplicada em vários países, em diversas áreas – social, de saúde e de educação. A roda de TCI é um espaço de acolhimento e de partilha de sentimentos e experiências de vida. Mobiliza recursos e competências das pessoas por meio da ação terapêutica do próprio grupo, e estimula a formação de uma rede social solidária para enfrentar os problemas do cotidiano.
"Enquanto muitos modelos centram suas atenções na patologia, nas relações individuais, privadas, a TCI se propõe cuidar da saúde comunitária em espaços públicos. Propõe-se a valorizar a prevenção. Prevenir é, sobretudo, estimular o grupo a usar sua criatividade e construir seu presente e seu futuro a partir de seus próprios recursos" (BARRETO; ADALBERTO, 2003.).
Essa metodologia promove encontros interpessoais e intercomunitários, com o objetivo de resgatar a identidade cultural dos indivíduos e suas comunidades, ampliando a percepção dos problemas e possibilitando sua resolução através de competências locais.
É um procedimento terapêutico de fácil acesso e viável para grupos de todos os tamanhos. De acordo com Adalberto Barreto, a base teórica da TCI é formada de 5 pilares: Conceitos da Teoria dos Sistemas; entendimento psicossocial do conceito sobre Resiliência; aplicabilidade e valorização da Antropologia Cultural; a inclusividade e o incentivo ao aprendizado mútuo contextual na visão da Pedagogia de Paulo Freire; e a observação atenta à linguagem verbal e não verbal destacada pela Teoria da Comunicação. A roda de TCI pode acontecer em qualquer lugar que possa acomodar o grupo de interessados e deve ser conduzida por um terapeuta comunitário formado por um dos polos credenciados como formador pela Associação Brasileira de Terapia Comunitária Integrativa – ABRATECOM. Podemos dizer que a TCI é um conhecimento pluridimensional, em que se integra o que as pessoas e comunidades construíram como experiência de vida, e formas científico-acadêmicas de saber, desdobradas em disciplinas e especialidades. Etapas ou momentos da roda de TCI: organização do espaço: cadeiras em círculo, facilitando a proximidade dos participantes, igualdade na participação e o diálogo íntimo e respeitoso; acolhimento e dinâmica: clima caloroso, quebrando resistência e medos, brincando e aproximando com liberdade; escolha do tema: tema livre, mas que seja conectado a algo que os membros estejam integrados. Elege-se um tema, dando oportunidade a todos de se inserirem no contexto; perguntas durante a contextualização: busca a compreensão das vivências de cada um. Há um caminho interno a ser percorrido, interrogando seus próprios conflitos; compartilhamento de experiências: através do assunto em debate, cada indivíduo amplia o tema na sua perspectiva e não há perda de elo, de conexão com os outros membros; encerramento: responde-se a seguinte pergunta: O que estou levando daqui? Ocorre a conscientização do que foi levantado fortalecendo o grupo.
Além das etapas descritas, as rodas de TCI possuem regras. Que segundo a terapeuta sistêmica de grupo e família, Sandra Monica Silva Schwarzstein, são: falar sempre na primeira pessoa – EU; ficar em silêncio quando o outro fala; não julgar; não dar conselho; e sugerir uma música, poesia ou ditado popular quando alguém estiver falando.
A TCI é hoje utilizada em todos os estados brasileiros em interação com diversas organizações da sociedade civil, universidades bem como com o sistema público de saúde. Pelos resultados positivos que vem apresentando, a TCI foi recentemente adotada como estratégia de atenção básica em saúde mental pelo Ministério da Saúde do Brasil - MS. As ferramentas terapêuticas da TCI são a ajuda mútua e a abordagem grupal, e na rede de cuidados básicos tem sido utilizada para prevenir doenças psíquicas através de uma prática social.
O DIÁLOGO ENTRE A TERAPIA COMUNITÁRIA INTEGRATIVA E A GESTALT-TERAPIA
A TCI e a GT apresentam em suas práticas aspectos similares, motivo pelo qual se propõe um diálogo entre esses dois campos do saber. A partir de participação em roda de TCI e conhecimentos sobre a prática gestáltica nota-se que ambas buscam a responsabilização do indivíduo por suas escolhas, e a promoção de crescimento pessoal.
Considerando esse aspecto da responsabilização, a Gestalt-terapia destaca e apóia três pontos importantes: a liberdade, a responsabilidade e a escolha humana. A esse respeito, Martins (1998) afirma que o sujeito humano é:
"Um ser responsável, como uma totalidade passível de integração, como um ser voltado para a consciência, auto-regulado, em permanente energia de auto-realização e presentificação e em busca de dar um sentido às suas percepções, às suas experiências, à sua existência. Estas idéias supõem um resgate do humano em tudo o que seja potencialmente transformador, gerador de possibilidades e caminhos para a reconstrução de si mesmo" ( MARTINS,1998, p.16 apud PERES e HOLANDA,2003,p.6).
Na Terapia Comunitária Integrativa ao iniciar a roda no momento do acolhimento que é uma das bases da TCI, o co-terapeuta coloca para os participantes as regras, e uma delas é falar sempre na 1ª pessoa do singular e de sua própria experiência; com isso, o participante se torna responsável pela sua fala e pela sua experiência de vida. Entende-se que a responsabilização e a promoção de crescimento pessoal são premissas utilizadas em ambas às práticas, mas apesar da similaridade, acredita-se que a GT pode auxiliar a TCI se essa utilizar-se do conceito de awareness, visto que os momentos de relato podem promover a tomada de consciência de si mesmo e a formação de Gestalt. Para tal, além dos discursos as rodas deveriam incluir iniciativas do co-terapeuta que levem o participante e os demais a experienciar o que está sendo trazido. Ainda que o relato esteja sendo feito por uma pessoa, como a temática é definida a partir do interesse de todo grupo, a experiência surtirá efeitos, mesmo que distintos, em todos.
A GT embasa sua atuação no aqui-agora, em como o indivíduo lida com as situações “hoje”. E, na TCI os temas abordados nos debates são incômodos trazidos naquele momento, assuntos pertinentes ao cotidiano dos seus participantes. No entanto, na escolha do tema que faz parte de um momento na roda de TCI, o terapeuta estimula os participantes a “falar sobre aquilo que está trazendo sofrimento para suas vidas” (MORAES, ET AL.,2014, p.37). Porém, há uma diferenciação entre as duas modalidades no que tange a maneira de abordar os assuntos atuais. Enquanto que o aqui-agora da GT não se restringe apenas a demandas negativas, a pergunta introdutória que remete aos sofrimentos parece delimitar a escolha dos participantes por situações ruins. Neste ponto, deveria a TCI como a GT deixar que o assunto apareça, sem definir como possibilidades apenas as experiências dolorosas, pois naquele momento algo positivo pode ser o que configura o aqui-agora do participante e, pode servir para aprendizado e como ferramenta para o grupo, tal qual as situações de dificuldade.
O Gestalt terapeuta deve em sua prática validar a fala do cliente, sem julgamentos ou conselhos, através de uma escuta ativa. Entre os participantes da roda de TCI, também deve haver respeito em relação às falas dos outros. Sem interrupções ou conselhos, e colocando-se disponível à escuta. Na formação de grupos em GT deve haver uma disponibilidade em partilhar, assim como nas rodas de TCI, em que os participantes propõem temas de sua realidade e incômodo, para escolha do grupo. Há, ainda, a possibilidade de o participante não estar aberto a partilhar ou de não possuir uma demanda específica para o momento, e ambas as situações devem ser regidas pelo respeito.
Gestalt terapeutas e mediadores das rodas de TCI não se colocam em uma posição vertical, em relação aos pacientes e participantes das rodas, os dois agem como facilitadores, o primeiro, do processo psicoterapêutico; e o segundo, no desenvolvimento das rodas. Desta forma, estabelecem em suas práticas relações horizontais. Essa relação gera na psicoterapia uma potencialidade do indivíduo, o que se equipara ao empoderamento dado nas rodas de TCI.
Diante do exposto acima, observa-se entre as duas abordagens uma postura dialógica. E nela, entende-se que todo o “ser está sempre em relação” e que tal posicionamento (postura) , provoca aceitação, confirmação e inclusão, permitindo uma relação viva e atuante, como evidencia De Andrade Souza e Sant’Ana (2010).
Cabe ressaltar, que na postura dialógica não há lugar para “comandante”, em que as pessoas precisam estar à espera de uma ordem e regras para saber como viver suas próprias experiências (MARIOTTI, 2001). A GT e a TCI abrem mão desse “poder manipulador” e adotam uma postura horizontal e facilitadora.
A Terapia Comunitária Integrativa possui cinco pilares, já descritos anteriormente, e entre eles também há semelhanças com a Gestalt-Terapia. A Teoria Geral dos Sistemas, um dos pilares da TCI, também é um conceito utilizado pela GT. O pensamento sistêmico busca compreender a interrelação existente entre as partes e o todo. As crises e os problemas são observados e resolvidos como partes integradas de uma rede complexa, cheia de ramificações, que interligam as pessoas num todo. A abordagem sistêmica percebe a pessoa humana na sua relação com a família, com a sociedade, com seus valores e crenças contribuindo para a compreensão e transformação do indivíduo.
"A proposta de Von Bertalanffy é construir modelos e descobrir os princípios gerais aplicáveis a sistemas complexos de qualquer natureza - biológicos, ecológicos, psíquicos, sociais, econômicos e culturais - que não sejam vagas analogias e tampouco transposições de conceitos de uma área de conhecimento para outra" (TELLEGEN, THERESE A. 1984).
A antropologia Cultural e a capacidade de resiliência, também são pilares da TCI. A primeira ressalta que os valores e as crenças são fatores importantes na formação da identidade do indivíduo e do grupo. Adalberto Barreto considera que a transformação social só será possível quando considerar duas vias: a do conhecimento científico e a do saber popular. Já, a resiliência trata da capacidade dos indivíduos de superar as dificuldades contextuais. Esses princípios assemelham-se ao ajustamento criativo, utilizado pela Gestalt-Terapia. Segundo este princípio, as pessoas encontram a solução disponível de se autorregular. Acredita–se que os indivíduos se autorregulam dando prioridade para a execução de ações que visem à satisfação das suas necessidades emergentes, e quando uma necessidade é satisfeita, está deixaria de ser figural e outra necessidade emergirá.
Em sua Pedagogia, Paulo Freire, propõe que a partir da descoberta de novos conhecimentos e consequentemente, novas formas de intervir na realidade, os indivíduos tornam-se sujeitos da história. E, de acordo com a Teoria da comunicação: comunicar é buscar a consciência de existir e pertencer, de modo que a consciência que o indivíduo tem de si, nasce de uma relação de comunicação com o outro. Todo comportamento, cada ato, verbal ou não, individual ou grupal, tem "valor de comunicação", existindo múltiplas possibilidades de significados e sentidos ligados ao comportamento humano. Nesse contexto, a emergência da doença ou agravo; explicitam conflitos interacionais com o meio, com o outro (BARRETO, 2003; WATZLAWICK et al., 2002) (GRANDESSO, MARILENE A., 2007).
Segundo Watzlawick (2002), os processos de comunicação interferem no comportamento. Todo comportamento é comunicação. A atividade ou a inatividade, as palavras ou o silêncio, mesmo não intencionais, possuem um valor de mensagem. Toda comunicação tem dois aspectos: a comunicação verbal e não verbal expressa por meio de gestos, olhares, tom de voz, etc. Nesse sentido, a comunicação se torna uma sequência ininterrupta de trocas. Os princípios da Teoria da Comunicação aplicados na Terapia Comunitária indicam que todo sintoma tem valor de comunicação. Isso significa que as queixas e os problemas apresentados estão comunicando um desequilíbrio familiar ou social.
Na Gestalt – terapia, os aspectos da comunicação não-verbal são fonte de informação tão relevante quanto o exposto verbalmente. O psicoterapeuta evidencia para o cliente os elementos não- verbais expostos durante sua fala e chama-o a pensar o fenômeno corporal junto ao que está sendo relatado. Essa prática pode ser adotada pela TCI com o objetivo de evidenciar a integralidade do sujeito e as diferentes formas de manifestação de uma temática. E, à partir desse apontamento podem ser possíveis intervenções de cuidado e atenção ao corpo.
A Gestalt-Terapia tem em comum com as terapias de linhagem existencial a ênfase no homem-em-relação, na sua forma de estar no mundo, na radical escolha da sua existência no tempo, sem escamotear a dor, o conflito, a contradição, o impasse, encarando o vazio, a culpa, a angústia, a morte, na incessante busca de se achar e de se transcender.Quanto à importância das comunicações verbais no processo terapêutico, Perls (1977, p. 81) afirma que:
“[...] um bom terapeuta não escuta o conteúdo do blá, blá, blá que o paciente produz, mas o som, a música, as hesitações. A comunicação real está além das palavras." Continuando, ele faz um alerta: "[...] não escutem as palavras, escutem apenas o que a voz lhe conta, o que os movimentos contam, o que a postura conta, o que a imagem conta" (Perls, 1977, p.81) (D'ACRI, GlADYS; LIMA, PATRÍCIA; ORGLER, SHEILA. 2012).
Vale dizer: material para o Gestalt-terapeuta é tudo o que ele pode observar e perceber atentamente através dos seus sentidos no aqui-e-agora da situação de terapia, não se restringindo à comunicação verbal, ou seja, incluindo a comunicação não verbal. Nesse momento, serão pontuadas as divergências entre a TCI e a GT. Durante as rodas de TCI percebe-se uma rigidez estrutural, que prevê passo a passo o andamento da atividade, e essa estrutura é imutável. Em contrapartida a prática da GT permite intervenções de acordo com as demandas que surgem, se adaptando ao fenômeno, a fim de possibilitar uma experimentação do mesmo. Além disso, a primeira centraliza sua atuação no discurso dos participantes, enquanto a segunda prioriza a experimentação/vivência da demanda. Cabe, uma reflexão sobre a rigidez presente nas rodas de TCI. De fato, o modelo estruturado propicia benefícios aos seus participantes, mas certa maleabilidade em sua execução não promoveria maiores efeitos? Fazer com que os participantes experienciem o conteúdo abordado surtiria maior impacto nos indivíduos, levando-os a uma maior consciência dos fatos, ainda que tal prática quebre a sequência estrutural das rodas de TCI.
Devemos pensar se a maior contribuição que a GT pode dar à TCI não é a possibilidade de um encontro, referindo-nos a roda de terapia comunitária integrativa, mais flexível e fluido. Embora seja compreensível que o passo-a-passo das rodas é uma forma de garantir o cumprimento dos objetivos, principalmente pelo fato de que o facilitador não é um profissional de psicologia, há a possibilidade de se estar atento à mais fatores, do que somente a fala. Facilitador e participantes, ainda que não sejam psicólogos, de perceber no contato com os demais os momentos em que há uma excitação corporal, mudança vocal e outros. Em suma, a atenção do grupo deve se deslocar do conteúdo verbal do participante para ele, de uma forma ampla e integral. A premissa da TCI quanto ao respeito e a atenção ao outro, permaneceriam intactas, mudando apenas sua focalização.
OBSERVAÇÕES EM RODAS DE TERAPIA COMUNITÁRIA INTEGRATIVA E AS POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DA GESTALT-TERAPIA
Durante os meses de março e abril de 2015 foram realizadas quatro visitas às rodas de TCI, nos bairros de Botafogo e Catete, na cidade do Rio de Janeiro. As rodas acontecem semanalmente, no período noturno, contendo duração de uma hora e meia. A roda ocorrida no Catete acontece numa Unidade Municipal de Saúde, enquanto a roda do bairro de Botafogo acontece na sede do Instituto NOOS, que tem por objetivo o desenvolvimento e a difusão de práticas sociais sistêmicas voltadas para a promoção da saúde dos relacionamentos nas famílias e nas comunidades. A diferença observada entre as rodas consiste no número de participantes nas unidades. Na roda de Botafogo o contingente foi bem maior e possuía a participação de variadas faixas etárias. Na roda do Catete o grupo nas três visitas prestadas percebeu um grupo muito reduzido. Vale ressaltar que apesar do grupo pequeno assistido na unidade Municipal de Saúde havia tanto acolhimento quanto o apreciado na roda de Botafogo. Em ambas as rodas, as regras da TCI são seguidas à risca.
Todos os participantes que frequentemente assistem as rodas conhecem as regras e se enquadram de modo muito positivo e tranquilo as exigências relatadas no início de cada atividade. As questões colocadas como incômodo são votadas pelo grupo e a temática é definida. Ao propor uma dinâmica de aquecimento sentimos a satisfação dos participantes por terem suas opiniões e conhecimentos validados pelo grupo. No fechamento das atividades o equilíbrio dado pela roda, através de uma dinâmica, fortalece todo processo ocorrido do início ao final da atividade.
Diante das observações participativas se pode constatar que o desenvolvimento das rodas de TCI corroboram as similaridades descritas anteriormente, deixando claro que a Gestal-terapia pode contribuir para um melhor empoderamento de crescimento pessoal, resiliência e ressignificação de vida, tanto individual como coletiva através da autorregulação, do ajustamento criativo, da responsabilidade, do aqui e agora, e da teoria paradoxal da mudança. São conceitos que podem reforçar a prática da TCI. Isso se refere à “visão holística do homem como ser biopsicossocial, sempre em interação com o seu meio, isto é, leva-se em conta a pessoa em sua totalidade, mas também o contexto no qual ocorre” (GOODMAN; HEFFERLINE; PERLS,1997,p.10). Exprimindo assim uma das importantes contribuições da Gestat-terapia.
Na roda de Botafogo foram observados nas verbalizações de participantes, os seguintes aspectos: responsabilização, a relação dialógica e o aqui-agora.
- “Eu, A. fico com raiva da submissão feminina” (responsabilização)
- “Eu me identifico com o conflito entre a mãe e o filho, que você acabou de descrever”. (Relação dialógica)
- “Eu, V. estou chateada porque briguei com meu filho, hoje” (aqui-agora)
Além dos aspectos observados nas rodas de Botafogo, a falas presenciadas no Catete demonstraram a aplicabilidade de tais conceitos: autorregulação e ajustamento criativo.
- “Eu, D. tenho pânico há dez anos e hoje eu consigo pegar o metrô, dar aula e ficar sozinha durante o dia”. (autorregulação)
- “Eu, M. consigo, hoje, não entrar em conflito com a minha mãe, pois entendo que ela tem suas dores. E, com isso, passei a não me aborrecer e a compreender que isso me faz sentir melhor”. (Ajustamento criativo)
No transcorrer das rodas de TCI nota-se que sua rigidez estrutural poderia permitir uma maleabilidade, como há na GT, possibilitando um maior contato com as demandas explicitadas, para tal indica-se a inserção de vivências e experimentos, propiciando uma experimentação dos fenômenos. Desta maneira, se acredita que os efeitos das discussões seriam mais eficazes. Visto que vivenciar produz maior consciência do que o discurso. Em relação ao sigilo embora a TCI e a GT, atuem de maneira diferente há uma coerência na visão de ambas, por se tratar de propostas diferentes. A GT necessita do sigilo por se tratar de uma psicoterapia, com um contato frequente, geralmente semanal, que se sustenta em uma relação regida pela confiabilidade. Já a TCI não possui uma obrigatoriedade quanto à periodicidade presencial, cada participante comparece de acordo com sua disponibilidade. Neste formato é possível compreender a ausência do sigilo, pois a rotatividade de participantes é maior.
Em síntese, a interdisciplinaridade entre as duas abordagens coopera para a adaptação do indivíduo em seu ambiente através de um processo criativo em que ambas empoderam o homem a se expressar livremente, a aceitar-se como é, fazendo suas escolhas e se responsabilizando por elas. Além de promover a ressignificação de sua história de vida, possibilitando um crescimento pessoal amplo e contínuo ao longo da trajetória do indivíduo, dando atenção ao que é vivido. O que evidencia Prestrelo et al. (2016):
"A importância dada ao vivido implica em uma atualização do possível. Esse possível vai sendo atualizado e ao mesmo tempo reconfigura cada experiência compartilhada, percebendo que cada indivíduo tem a sua maneira de vê o mundo, de vivenciar as suas experiências, que não existe certo ou errado e que cada um compartilhando suas experiências abre possibilidades para reflexão diante do diferente e do novo" ( PRESTRELO ET.AL.,2016).
Diante disso, a proposta de interdisciplinaridade entre a GT e a TCI potencializa o indivíduo a superar suas adversidades e o desafia para uma vida integrada ao meio (ambiente), sem medo de ser o que é. Desta forma, a interdisciplinaridade poderá servir como instrumento de rede, oferecendo apoio individual e social (CARVALHO ET. AL.,2013 ).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho foi abordada a relação entre a Gestalt- Terapia e a Terapia Comunitária Integrativa, tendo em vista a possibilidade de usar a GT como recurso na TCI com o objetivo de potencializar as rodas.
Conclui-se que ambas apresentam uma profunda ligação em suas práticas, mesmo sendo utilizadas de formas diferentes, onde ambas proporcionam ao indivíduo bem-estar, autoconhecimento, responsabilização e consciência, promovendo através de suas práticas a capacidade do indivíduo desenvolver a resiliência, levando o mesmo a um empoderamento social e individual.
Desta forma, os objetivos propostos foram cumpridos, já que se conseguiu identificar similaridades teóricas entre elas, correlacionando seus conceitos e comprovando que é possível utilizar a GT como recurso na TCI.
Sendo assim, este trabalho foi importante para o crescimento acadêmico e profissional, pois possibilitou a compreensão de que se pode experimentar outra forma de pensar, deixando a rigidez que o suposto saber produz, gerando um ganho pessoal e profissional, onde fomos atravessados com o acolhimento e com a simplicidade de profissionais comprometidos com o bem-estar do indivíduo.
Através deste trabalho se percebe que a junção de TCI e GT pode contribuir com a sociedade devido à praticidade de sua execução, podendo ser executada em qualquer espaço físico, e principalmente por atingir a população de forma igualitária.
Verifica-se a importância de futuras pesquisas com o objetivo de fornecer dados científicos que fortaleçam o diálogo entre a Gestalt-Terapia e a Terapia Comunitária Integrativa e que experimente, na prática, a união entre esses dois saberes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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NOTAS
* Jaqueline de Lima Braz - Psicóloga (CRP 03/15805), Especialista em Gestalt-terapia e Ergonomista. Professora convidada de curso de formação em Gestalt-terapia e psicoterapeuta infantil.
** Janaina Maria Vidal Sampaio - Psicóloga (CRP 05/46711) e Especialista em Gestalt-terapia. Palestrante em temas de doenças crônicas.
*** Ebenezer Teixeira de Souza Júnior - Psicólogo (CRP 05/47355) e Especialista em Gestalt-terapia.
**** Fabiane de Souza Pedro - Psicóloga (CRP 05/34007) e Especialista em Gestalt-terapia.
***** Lídia Cristina da Silva Braga - Psicóloga (CRP 05/40010) e Especialista em Gestalt-terapia.
Endereço para correspondência
Jaqueline de Lima Braz
Endereço eletrônico:jaqueline-braz@hotmail.com
Janaina Maria Vidal Sampaio
Endereço eletrônico:janainaesuacasa@hotmail.com
Ebenezer Teixeira de Souza Júnior
Endereço eletrônico:jr_psimus@hotmail.com
Fabiane de Souza Pedro
Endereço eletrônico:fabpedro@ig.com.br
Lídia Cristina da Silva Braga
Endereço eletrônico:lidia.foit@gmail.com
Recebido em: 15/09/2017
Aprovado em: 01/03/2018