Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Pesquisas e Práticas Psicossociais
versão On-line ISSN 1809-8908
Pesqui. prát. psicossociais vol.10 no.1 São João del-Rei jun. 2015
ARTIGOS
Juventude e drogas: uma intervenção sob a perspectiva da Psicologia Social
Youth and drugs: an intervention from the perspective of Social Psychology
Juventud y drogas: una intervención desde la Psicología Social
Maira Ribeiro de SouzaI; Cássia Ribeiro de SouzaII; Camila Marques Silva DaherIII; Lara Brum de CalaisIV
IMestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFJF. Graduanda do curso de Psicologia da FAMINAS Muriaé. Endereço: mairarsouza@yahoo.com.br
IIGraduanda do curso de Psicologia, FAMINAS Muriaé Endereço: cassia.ribeiro@live.com
IIIGraduanda do curso de Psicologia da FAMINAS Muriaé Endereço: camila-daher@hotmail.com
IVDoutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFJF Endereço: laracalais@hotmail.com
RESUMO
O presente artigo apresenta uma intervenção que teve como objetivo contribuir para a discussão sobre a prevenção do uso de álcool e outras drogas entre jovens, pautada na promoção integral da saúde e na criação de modos singulares de cuidado. Buscou-se problematizar a prevenção a partir da abordagem crítica da Psicologia Social. As atividades foram realizadas com 33 estudantes, entre 13 e 15 anos, de uma turma do 9º ano do ensino fundamental de uma escola pública da cidade de Muriaé-MG e seguiram o delineamento da Pesquisa-Intervenção, sendo desenvolvidas com a realização de oficinas temáticas. Adotou-se como estratégia a redução de danos, que busca diminuir os prejuízos advindos do uso de álcool e outras drogas, sem que a abstinência seja considerada a única saída. Pôde-se perceber que os jovens, quando valorizados por meio de atividades que considerem suas experiências, assumem posicionamento ativo, consciente e político durante as discussões.
Palavras-chave: Juventude; Drogas; Políticas Públicas; Educação; Psicologia Social.
ABSTRACT
The present article presents an intervention that had the purpose to contribute to the discussion about the prejudice of young's alcohol use and another drugs, based on the integral health promotion and on the creation of singular ways of care. It has searched to problematize the prevention, parting from the criticism approach of Social Psychology. The activities were realized with thirty-three students, about thirteen and fifteen years old, from the ninth year of a public school in Muriaé city, in Minas Gerais State and followed the delineate of Intervention search, being developed by the realization of thematic workshops. It was adopted like a strategy the damage reducing that search to decrease the damages from alcohol use and another drugs, without the abstinence be considered the only way out. Was realized that when young's are valued, through activities that consider their experiences, they take active positioning, conscious and political front of the discussions.
Keywords: Youth; Drugs; Public Policies; Education; Social Psychology.
RESUMEN
Este artículo presenta una intervención que tuvo el propósito de contribuir a la discusión sobre la prevención de alcohol y otras drogas entre los jóvenes, sobre la base de la promoción de la salud en general y la creación de modos peculiares de cuidado. Tratamos de discutir y proponer reflexiones sobre la prevención con el apoyo teórico de la psicología social crítica. Las actividades se llevaron a cabo con 33 estudiantes en el noveno grado de una escuela pública en Muriaé-MG, entre 13 y 15 años de edad, por el método de la investigación-acción con el desarrollo de talleres temáticos. Hemos adoptado una estrategia de reducción de daños, cuyo objetivo es reducir las pérdidas causadas por el alcohol y otras drogas sin que la abstinencia la única opción a considerar. Se puede observar que cuando se anima a los jóvenes a través de actividades que ponen de relieve sus experiencias, toman un papel activo en los debates conscientes y políticas.
Palabras clave: Juventud; Drogas; Políticas Públicas; Educación; Psicología Social.
Introdução
Para pensar a relação entre o uso de drogas e a juventude, é necessário que se considere os vários contextos de vulnerabilidade e os marcadores sociais que permeiam essa relação, o que torna a abordagem desse fenômeno ampla e complexa. Este se constitui como um desafio que deve ser enfrentado com uma visão crítica e realista, principalmente quando se trata de intervenções preventivas (Soares, 2007).
Carlini-Cotrim (1998) aponta que tal visão é importante, pois o tema do uso de álcool e outras drogas entre os jovens vem se constituindo atualmente como "um terreno propício para o desenvolvimento de ações preventivas, improvisadas e a-críticas" (p. 19). Tendo em vista que um dos objetivos da instituição escolar é formar cidadãos, seu espaço tem sido apontado como um território estratégico no que se refere à implementação de atividades que visam à prevenção e à potencialização de políticas públicas envolvendo o tema álcool e outras drogas direcionadas ao público juvenil.
Contudo, observa-se que a escola muitas vezes encontra-se com falta de recursos para lidar com tal temática (Soares & Jacobi, 2000). Assim, é notável a falta de ações escolares que busquem incentivar discussões e iniciativas pautadas em uma postura crítica dos envolvidos no processo educacional e que estimulem, de fato, a autonomia dos jovens em seus diferentes modos de vida.
Inserido nesse contexto, o presente artigo aborda a experiência de um Projeto de Extensão Universitária vinculado à FAMINAS-Muriaé, que teve por objetivo discutir a prevenção primária ao uso de drogas e a promoção da saúde dos jovens, enfatizando a redução dos fatores de vulnerabilidade que envolvem o uso de álcool e outras drogas e a criação de modos singulares de cuidado, considerando a complexidade social, política e histórica desse fenômeno.
Drogas, prevenção e educação: uma contextualização
O presente artigo aborda a temática das drogas considerando-a como um fenômeno com impactos que vão além dos aspectos biológicos, incluindo as dimensões psicológica e social, que apresentam impactos diretos na saúde. Corroborando essa argumentação, Figueiredo (2002, s/p.) aponta que, por ser um fenômeno também social, o uso de drogas é "fruto de uma cultura e de um aprendizado de como viver em sociedade e da forma como essa sociedade organiza seus interesses políticos, econômicos e legislativos".
Atualmente, o uso de drogas configura-se como um complexo problema de saúde pública, que pode ser visto a partir de alguns recortes específicos, tais como o debate sobre as políticas públicas, a discussão política acerca do enfrentamento e da prevenção, a perspectiva dos usuários, os diferentes equipamentos sociais que se direcionam ao tratamento (CAPS, comunidades terapêuticas, etc.), entre outros. Porém, no presente artigo o recorte enfatizado se baseia na perspectiva de que as substâncias psicoativas fazem parte da realidade social e que, muito frequentemente, é na juventude, conforme afirmam Soldera, Dalgalarrondo, Corrêa Filho & Silva (2004) e Figueiredo (2011), que ocorrem as primeiras experiências envolvendo o uso de álcool e outras drogas.
Nesse período, a utilização de tais substâncias pode estar associada a atitudes de experimentação relacionadas às diferentes formas de vivenciar a juventude e seus processos específicos, assim como pela construção de uma identidade social. Essa última "ocorre por um processo de socialização extrafamiliar", em que o indivíduo irá buscar o pertencimento ao grupo de pares. Logo, torna-se relevante a problematização dessa temática, para que o jovem possa construir formas singulares de cuidado e de relação com as drogas ao longo de sua vida1 (Figueiredo, 2011, p. 51).
No entanto, nem todos os jovens farão uso ou abuso de tais substâncias, considerando que, quando se trata de "juventude", não é apenas a faixa etária que deve ser considerada. Pode-se dizer que no contexto brasileiro existem "juventudes" que são integradas e marcadas por suas desigualdades e diferenças. Nesse sentido, "os jovens têm diversos rostos, cores, gênero, situações econômicas, orientações sexuais, crenças, locais de moradia e, ainda, diversificadas experiências de convivência com as chamadas "drogas ilícitas" (Novaes, 2011, p. 23), bem como com as "drogas lícitas". Logo, torna-se importante compreender a juventude como uma categoria sócio-histórica e múltipla, o que coloca os jovens em variados graus de vulnerabilidade em relação à questão do uso de álcool e outras drogas (Traverso-Yepez & Pinheiro, 2002; Paulilo & Jeolás, 2000), compondo dessa forma posições sociais heterogêneas.
No presente artigo, adotou-se o conceito de vulnerabilidade, conforme a definição apresentada por Ayres, Calazans, Saletti Filho & França Júnior2 (2006), que se refere a esta como um conjunto de aspectos individuais, sociais e programáticos, cuja interação reduz o risco e amplia a proteção de uma pessoa ou população diante de determinada doença, condição ou dano. Tal conceito vem ampliar a percepção de que a exposição das pessoas a uma situação de risco e/ou adoecimento não resulta apenas de um conjunto de aspectos individuais, mas também de questões coletivas, contextuais e institucionais que contribuem para a maior ou menor suscetibilidade a tais situações (Ayres et al., 2006).
Torna-se pertinente considerar que as vulnerabilidades que podem afetar os jovens não devem ser associadas à concepção naturalizante da juventude como um período problemático, e sim ao fato de que por muito tempo os jovens estiveram à margem da sociedade, vivenciando diversos problemas por falta de políticas públicas que amparassem suas necessidades (Abramo, 1997). No contexto brasileiro, tais condições de vulnerabilidade podem ser percebidas pela falta de acesso da maioria dos jovens aos programas de prevenção que atendam as suas especificidades e demandas na rede de educação e nos serviços de saúde (Paulilo & Jeolás, 2000).
Conforme a legislação e políticas públicas sobre drogas que dispõem, entre outros pontos, sobre a abordagem dessa temática no âmbito educacional, a implantação de projetos pedagógicos de prevenção nas instituições de ensino público e privado deve estar alinhada às Diretrizes Curriculares Nacionais e aos conhecimentos relativos ao tema (Senad, 2010). Na legislação vigente, esse ponto encontra-se contemplado no interior do tópico transversal "Saúde", pois é considerado um problema sanitário. Fica assim, a cargo da escola, a decisão de como se aprofundar (ou não) no assunto. Tal fato pode ser considerado um problema, já que a instituição escolar encontra-se, muitas vezes, despreparada para trabalhar com questões que envolvem um discurso moral. Portanto, há no contexto brasileiro a produção de uma negligência histórica acerca de temas como: ética, pluralidade cultural, identidade de gênero, orientação sexual e álcool e outras drogas - temas de grande relevância para a promoção da cidadania dos estudantes (Soares & Jacobi, 2000).
Para superar essa realidade, torna-se importante que a escola - por se constituir como um território de negociações e de novos agenciamentos coletivos, ocupada predominantemente pelos jovens - fomente discussões e desenvolva ações preventivas sobre tais temáticas e, dessa maneira, amplie suas contribuições como uma instituição formadora de cidadãos (Silva, Bacellar & Castro, 2012). Nessa direção, é fundamental o investimento em estratégias que partam
de um diálogo claro e honesto sobre a existência das drogas, seus diferentes consumos e motivações, os efeitos das diferentes substâncias e formas de uso. Isso significa uma ação educativa, seja na escola com atividades intra e extracurriculares, em espaços de saúde, sociabilidade, lazer, mas também pelo uso educacional da própria mídia. Para que este diálogo ocorra, é fundamental conhecer as características sociais, de lazer e os códigos culturais dos jovens, de forma a facilitar a comunicação e ação com esses grupos, gerando troca de informações com base científica, estimulando atitudes autônomas de autocuidado. (Figueiredo, 2011, p. 54)
Desse modo, ao abordar a prevenção do uso de álcool e outras drogas para/com os jovens, é necessário contextualizar as ações para que possamos saber com que jovem estamos falando, quais os fatores que importam e fazem sentido para essa juventude e quais as possíveis estratégias de redução de danos que podem ser utilizadas, considerando o território ocupado por esses jovens.
Dentro desse panorama, deve-se abordar a temática das drogas priorizando discussões que apostem na capacidade dos jovens de intervirem concretamente nos espaços sociais em que estão inseridos. Desse modo, deixam de ser vistos como "problemas sociais" e passam a ser considerados como sujeitos capazes de formular questões relevantes que contribuam para a transformação de suas realidades (Abramo, 1997).
Castro, Abramovay, Rua & Andrade (2001) apontam que experiências que investem na participação dos jovens como protagonistas e que valorizam suas manifestações configuram-se como programas mais eficazes. Porém, em nossa conjuntura atual, a participação dos jovens nos processos de discussão sobre decisões, principalmente no âmbito político, ainda se encontra frágil.
No Brasil, existe a reprodução de uma cultura que considera o jovem como alvo de políticas e ações públicas que não abrem espaço para a participação efetiva das diversas juventudes na concepção, execução e avaliação destas (Brenner, Lânes & Carrano, 2004). Diante desse panorama, torna-se fértil a realização de ações que tenham como foco a participação dos jovens na construção de conhecimento acerca de sua saúde e bem-estar, como será apresentado a seguir.
Metodologia e intervenção: o Projeto "Trabalhando a prevenção do uso de drogas com adolescentes no contexto escolar"
Para a efetivação da proposta utilizou-se como recurso metodológico a Pesquisa-Intervenção. Esta entende que pesquisar é uma condição construtiva do sujeito da pesquisa, pois constitui-se como elemento de transformação, na medida em que possibilita tanto ao pesquisador quanto ao pesquisado novas formas de produzir sentidos à realidade em questão (Marascin, 2004).
O projeto foi viabilizado tendo como dispositivo de produção de sentidos as oficinas temáticas, que têm como proposta a aprendizagem compartilhada por meio de atividades grupais que priorizam a construção coletiva do conhecimento (Afonso, 2002). Desse modo, é possível perceber que as oficinas representam um dispositivo importante para a pesquisa-intervenção na medida em que permitem e fomentam a coparticipação.
Considerando tais discussões, o recurso metodológico da pesquisa-intervenção oferece estratégias que coadunam com o objetivo do projeto, tendo em vista que parte do princípio de que o sujeito pesquisado se (re)produz a partir das condições sócio-históricas. Com isso, o conhecimento produzido pelos envolvidos no processo de pesquisa precisa levar em consideração o contexto e suas especificidades (Aguiar & Rocha, 2007).
Partindo desse princípio, realizar uma leitura sócio-histórica acerca dos fatores que atravessam o uso de álcool e drogas entre jovens, implica necessariamente em uma compreensão ampliada sobre o fazer da Psicologia. Tal perspectiva rompe com certos paradigmas tradicionais e amplia as possibilidades de intervenção e problematização, buscando um posicionamento crítico na tentativa de oferecer melhores condições de vida ao homem em sociedade.
Como fonte de registro dos dados advindos das intervenções, foi utilizado o "Diário de Campo". Esse recurso permite a colocação de questionamentos e observações dos pesquisadores sobre as atividades realizadas de forma sistemática e detalhada, contribuindo posteriormente para a descrição e análise dos dados (Minayo, 2011). Tal ferramenta constitui-se como valiosa nos dois momentos da pesquisa-intervenção, ou seja, tanto no momento da observação, quando a impressão dos observadores e a descrição das ações do grupo são cuidadosamente registradas, como na fase de análise, na qual os elementos destacados no diário de campo servem como material de produção de dados e contribuem para a validação das informações levantadas durante a intervenção.
Para o entendimento do que vem a ser o consumo de drogas, o presente artigo parte de uma perspectiva em que são consideradas as mais distintas práticas, o que pode incluir o uso de drogas lícitas ou ilícitas em diversas situações; consumo individual ou grupal; por pessoas de diferentes idades, contextos e escolaridades (Moraes, 2010). Nessa direção, a estratégia de Redução de Danos foi adotada como ferramenta de intervenção. Para Soares e Jacobi (2000) essa estratégia é valiosa para o campo da saúde pública, pois considera que para se enfrentar o uso de drogas torna-se necessário minimizar suas consequências prejudiciais e considerar como sucesso não apenas a abstinência do uso, mas os passos dados em direção à diminuição de seus prejuízos. Tal perspectiva propicia uma visão mais apurada das diferentes formas de uso ao levar em consideração, principalmente, o lugar e a função ocupada pela droga na vida do indivíduo e sua interferência produzida, seja ela benéfica ou maléfica na vida social, orgânica e emocional em cada usuário (Figueiredo, 2002).
No contexto da prevenção primária, a adoção da Redução de Danos "romperia com o pensamento maniqueísta de 'caretas bonzinhos' e 'drogados malvados', desestimulando o preconceito e a segregação" (Moreira, Silveira & Andreoli, 2006, p. 813). Logo, as ações desenvolvidas nas escolas passam a valorizar a promoção integral da saúde dos jovens, levando em consideração suas particularidades biopsicossociais, independentemente de fazerem ou não uso de qualquer substância psicoativa.
O projeto de pesquisa e o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de ensino. O TCLE foi assinado pela diretora da escola, representante legal da instituição escolar, que autorizou a realização da pesquisa e a participação dos estudantes no presente projeto. Cabe ressaltar que os estudantes foram previamente informados sobre os objetivos deste. No artigo, não foram mencionados os nomes dos participantes e da escola para resguardar a identidade e integridade destes.
As atividades foram desenvolvidas com duração média de 50 minutos, em uma turma do 9º ano do ensino fundamental (selecionada após conversa com a diretora e com os jovens para levantamento de demandas relacionadas ao tema), com 33 estudantes na faixa etária entre treze e quinze anos de uma escola pública da cidade de Muriaé-MG. O projeto foi desenvolvido no período de fevereiro a julho de 2013. A escola atende estudantes de várias comunidades próximas e se localiza em um território caracterizado por condições de vulnerabilidade, exclusão social, altos índices de violência envolvendo jovens, bem como uso e tráfico de drogas.
As atividades elaboradas tiveram como sustentação a proposta de promover uma consciência crítica por parte dos jovens, valorizando, conforme as argumentações de Martin-Baró (1996), a posição do jovem como sujeito ativo e transformador de sua realidade social. Foram abordados temas como o cuidado com o corpo, prática sexual e uso de drogas; a problematização sobre as substâncias psicoativas e seus aspectos biopsicossociais; o papel da mídia na construção de informações preventivas e seu poder de influência; as diferentes formas de preconceitos e o respeito às diversidades, entre outras temáticas. Tais atividades3 foram ordenadas da seguinte forma:
- 1ª oficina - Tema: Cuidado com o corpo. Visou discutir a relação entre o cuidado com o corpo, prática sexual e uso de drogas;
- 2ª oficina - Tema: Relações Sociais. Buscou explorar a diversidade de relações que ocorrem na juventude, a amplitude de sensações e emoções que existem em um relacionamento afetivo ou sexual e discutir sobre situações em que podem existir desrespeito e violência em um relacionamento;
- 3ª oficina - Tema: Prevenção. Direcionada à discussão sobre prevenção ao uso de drogas, sendo abordada a conceituação, os tipos e efeitos que causam no sistema nervoso central, os padrões de uso, seu papel na história da humanidade e os desdobramentos biopsicossociais originados pelo uso de drogas na vida pessoal e social do indivíduo;
- 4ª oficina - Tema: Prazer e Vulnerabilidade. Foram abordadas as diferentes formas de se obter prazer, levando em consideração os fatores de vulnerabilidade e formas de proteção ligadas a estes, buscando levar os jovens a construírem modos singulares de cuidado e de relação com o (não) uso das drogas;
- 5ª oficina - Tema: Políticas Públicas. Foram trabalhadas propagandas governamentais de prevenção do uso de drogas, visando estimular a análise crítica dos jovens na avaliação da efetividade ou não destas;
- 6ªoficina - Tema: Mercado e Drogas. Abordou propagandas mercadológicas da venda de drogas lícitas, que buscaram estimular a reflexão e postura crítica referente às propagandas midiáticas de venda de bebidas alcoólicas e de cigarro;
- 7ª oficina - Tema: Rótulos e Solidariedade. Visou discutir questões relacionadas ao preconceito, discriminação, desigualdades, diversidade e solidariedade, buscando levar os jovens a questionarem os lugares designados ao usuário de drogas na sociedade conforme o contexto sociocultural e marcadores (econômico, raciais, gênero) que atravessam e constituem a vida dos sujeitos.
Objetivando mapear os conhecimentos dos jovens a respeito do tema em questão, utilizou-se um questionário semiestruturado, o qual foi aplicado no início e no término do projeto. Analisando o questionário inicial, pôde-se observar que a maioria dos estudantes apontou que o tema drogas já havia sido abordado na escola. Quando indagados durante o projeto sobre o que achavam das ações que haviam sido realizadas, os jovens demostraram insatisfação, pois consideravam que elas, por terem sido realizadas sob forma de palestras - nas quais o profissional convidado para falar sobre o tema apenas transmitia as informações - não abriam espaço para questionamentos e discussões, além de serem ações esporádicas.
Pode-se perceber que os estudantes fazem uma crítica quanto à metodologia adotada nas ações desenvolvidas na escola. Essa crítica se baseia, principalmente, no que se refere à participação passiva dos discentes, na qual suas vivências, dúvidas e realidades são desconsideradas. Analisou-se que a realização das intervenções pontuais por um profissional externo à realidade escolar não permite o estabelecimento de um vínculo com os jovens. Além disso, a eventualidade e descontinuidade das ações desfavorece a construção de uma cultura preventiva que vise à promoção integral da saúde do jovem.
Esse fato não é uma particularidade da escola em questão, considerando que na maioria das escolas brasileiras, as intervenções educacionais seguem, geralmente, o modelo educativo de aprendizado, sendo realizadas sob forma de palestras e outras ações pontuais (Ministério da Saúde, 2011). Os discursos (re)produzidos são, geralmente, autoritários, próprios do modelo da sociedade disciplinar, enquadrando os indivíduos sem participação criativa, responsabilidade civil e pensamento crítico (Acsebrad, 1989). Para que de fato ocorra o engajamento do jovem em uma ação coletiva, é necessário que ele se considere como parte de um projeto coletivo contextualizado e situado (Prado & Perucchi, 2011).
Com base nessa concepção, reservou-se um espaço no questionário inicial destinado a sugestões. Neste os jovens sugeriram propostas como: a utilização de músicas, filmes e brincadeiras, o que de certa forma se configurou como um convite à aproximação da realidade vivenciada por eles. Foi proposta também a formação de um espaço físico de diálogo que não seguisse necessariamente os moldes de "sala de aula". As colocações e apontamentos dos estudantes foram fundamentais para se pensar de forma compartilhada e contextualizada os caminhos mais viáveis para a realização das intervenções, visto que uma das prioridades do projeto foi possibilitar a participação ativa dos jovens em todo o processo.
Trabalhando a prevenção: possibilitando transformações
O início das intervenções teve como objetivo trabalhar as relações sociais e afetivas dos jovens. Para iniciar a discussão, perguntou-se a eles o que entendiam por sexualidade. Foi possível perceber que a maior parte dos estudantes considerava que a sexualidade se restringia ao aspecto físico/biológico e ao ato sexual. Houve falas como "sexualidade é fazer sexo", "sexualidade tem a ver com órgão reprodutor", "criança e idoso não fazem sexo, então não têm sexualidade". O relato dos jovens demonstra que o tema tem sido tratado de forma reducionista, guiado por discursos biologizantes e naturalizantes. Isso, de certa forma, reflete a visão da cultura vigente, que se pauta no conhecimento biomédico reproduzido nos diversos segmentos, entre eles o educacional.
Após as colocações dos estudantes, foi trabalhada a noção ampliada de sexualidade, sendo esta entendida como um processo simbólico e histórico que compõe a identidade do sujeito e expressa a questão da intimidade, da significação de normas e valores culturais sendo, portanto, considerada como multideterminada e produzida historicamente, tanto no plano individual quanto coletivo (Kahhale, 2003).
A partir da construção dessa nova perspectiva, o debate se estendeu para a relação do cuidado com o corpo, prática sexual e uso de drogas. Aqui, surgiram questionamentos quanto as várias dimensões da sexualidade como: prazer, negociações, formas de prevenção e violência. Os jovens levantaram pontos como: os riscos que envolvem o compartilhamento de seringas na prática do uso de drogas injetáveis, os riscos da associação entre uso de drogas e relação sexual desprotegida, destacaram também que esses comportamentos podem tornar o indivíduo mais vulnerável a uma gravidez indesejada, às DSTs, violências, entre outros. Aproveitou-se para discutir as diferentes formas de se obter prazer, entre elas o uso de álcool e outras drogas, levando em consideração os contextos de vulnerabilidade e as formas de proteção ligadas a esses contextos4.
Em um segundo momento, buscou-se discutir os lugares designados ao usuário de drogas na sociedade, a influência do contexto sociocultural e dos marcadores (econômico, racial e de gênero) presentes nessa relação. Foi realizada uma atividade na qual algumas frases pré-selecionadas eram lidas, com elaboração posterior sobre qual a representação destas para os participantes. Entre as várias sentenças trabalhadas, duas das mais marcantes faziam referência ao uso de bebida alcoólica entre garotos e garotas: "Ana é uma adolescente que não bebe" e "Ao invés de beber cerveja e cachaça, Gabriel só toma suco natural".
As respostas dos jovens associaram a atitude de não consumir bebida alcoólica como algo "desejado", "admirável" e "certo", quando vinculada à figura feminina (todas as respostas relacionaram Ana a uma pessoa "esperta", "inteligente" e "consciente"), e visto como um comportamento controverso quando associado ao masculino (alguns jovens consideraram Gabriel como "careta" e "fresco"). Analisando tais respostas, foi possível perceber que entre os diversos marcadores sociais, o que diz respeito ao gênero aparece de certa forma a engendrar relações hierárquicas de poder quando relacionado às drogas.
Em relação à posição do feminino e masculino inseridos nessa discussão, pode-se compreender que posições diferenciadas são designadas para homens e mulheres, à medida que autorizam ou condenam certas práticas diretamente ligadas às drogas e suas composições, podendo levar esses sujeitos a uma maior ou menor condição de vulnerabilidade. Considerando que o gênero constitui relações sociais e que estas são articuladas a partir de diferentes posições de poder, é de grande importância compreender que tal marcador produz significados socioculturais sobre as pessoas, como pode ser observado nas falas dos estudantes (Moraes, 2010).
Referindo-se à figura masculina, por exemplo, pode-se dizer que em uma sociedade moldada por preceitos machistas e preconceituosos, o lugar imposto ao homem é de uma figura que deve ser forte e corajosa. Nesse sentido, as atribuições negativas mencionadas pelos jovens na atividade proposta, relacionadas ao menino que não faz uso de álcool, se traduzem como reflexo da imagem socialmente construída sobre o masculino. Tais referências entendidas como sinônimo de masculinidade, além de produzir sofrimento, podem também influenciar o indivíduo à exposição a práticas de risco (Moraes, 2010).
Quanto ao feminino, é reservado o lugar de estigmatização e condenação de tal comportamento, tendo em vista que o uso de álcool e outras drogas e a imagem de uma "mulher dependente de tais substâncias" vão em direção contrária aos papéis construídos pela sociedade a serem assumidos pela mulher, como o de mãe, cuidadora, mulher pura e imaculada (Romo, 2003).
Nesse contexto, pode-se perceber que as desigualdades vivenciadas pelos indivíduos (aqui em relação aos jovens), conforme o gênero, forjarão diferentes concepções pela sociedade quanto a sua relação com as drogas e designarão formas diferenciadas de tratamento e lugares a serem ocupados no cenário social. Isso pode ser observado também quanto aos marcadores de raça/etnia e classe social.
Em vista disso, ao realizar um trabalho voltado para a prevenção do uso de álcool e outras drogas entre jovens, é preciso se atentar à pluralidade que envolve as juventudes existentes, ou seja, se tratando de uma escola pública e de um território marcado pela vulnerabilidade social, muitas vezes, o lugar designado aos jovens na sociedade é o de criminalização, exclusão e segregação. Tais designações desconsideram que estes são os mais afetados pela ausência de políticas públicas nos diversos âmbitos sociais como saúde, educação, lazer e trabalho.
Após as discussões envolvendo os diversos marcadores sociais e seus desdobramentos, foram iniciadas as atividades que trataram do tema prevenção, nas quais foram abordados os tipos, classificações, padrões de uso das drogas e suas dimensões biopsicossociais. Quando indagados sobre quais substâncias consideravam efetivamente como "drogas psicotrópicas", os participantes trouxeram como exemplos, principalmente, a cocaína, o crack, a maconha, o cigarro e o álcool.
No decorrer da atividade, a questão da legalidade/ilegalidade surgiu por meio de relatos sobre o uso de drogas por familiares e amigos, sendo estas permitidas e proibidas. Foi observado que o fato de os jovens estarem inseridos em contextos de comercialização e uso de tais substâncias faz com que eles as enxerguem como algo comum, não demarcando o uso ilícito como pior ou mais problemático do que o lícito.
Durante essa discussão, surgiram falas que demonstraram dúvidas a respeito da classificação de certas substâncias utilizadas no cotidiano como psicoativas. Entre elas as mais citadas foram a cafeína e os medicamentos psicotrópicos. Isso pode ser observado nas seguintes falas: "Ah, eu bebo coca, se tem cafeína então eu sou drogada."; "Ué, mas eu tomo Rivotril todo dia pra dormir... é droga também?"
Objetivando esclarecer tais dúvidas, foram trabalhados com os jovens, utilizando adaptação de cartilhas produzidas pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (2011), os diferentes tipos e alterações advindas do uso das substâncias psicotrópicas de acordo com as características individuais do usuário, do tipo da droga, a quantidade consumida, a frequência em que é utilizada, as expectativas e circunstâncias em que o uso se dá, analisando também com que finalidade ela é utilizada. Tal discussão foi relevante para problematizar com esses meninos e meninas as variadas formas de relacionamento que podem ser estabelecidas com as substâncias psicoativas, sendo que cada sociedade e cultura estabelecerá suas regras e normas sobre quais substâncias terão o uso permitido ou proibido.
Sendo assim, continuando a incentivar reflexões críticas, foi abordado o tema das políticas públicas. Foram utilizados dois cartazes impressos de campanhas de prevenção ao uso de drogas lícitas e ilícitas. Uma delas tinha como foco o uso do cigarro, desenvolvida pelo governo de Minas Gerais; e outra, o uso do crack, da campanha "Crack, é possível vencer", realizada pelo Ministério da Saúde no ano de 2009. Também foi utilizado como recurso disparador da discussão o jingle da mesma campanha e propagandas audiovisuais5.
Com relação ao cartaz contendo as substâncias do cigarro e o banner sobre o crack, a maioria dos jovens relatou que os recursos não despertam atenção, pois possuem muita informação escrita ("Precisa ler isso tudo?"; "Nossa, tem muita coisa escrita nesse cartaz, ninguém lê isso tudo não."; "Ninguém presta atenção, quando bate o olho vê esse monte de palavras"). Em relação ao jingle, os estudantes se mostraram interessados e enfatizaram a tristeza e o drama da letra, apontando que a utilização do ritmo do rap foi positiva, pois alcança o público jovem que se identifica com o gênero musical ("Esse ritmo é legal", "Desse jeito a gente presta atenção no que tá falando", "Os jovens gostam de música, assim atinge mais a gente").
Durante a discussão das propagandas audiovisuais, os jovens apontaram, de modo geral, que as consideram importantes e úteis, e que se interessam pelas mais diretas e impactantes, porque mostram de forma incisiva os riscos e as consequências trazidas pelo uso de drogas. A preferência apresentada pelos jovens por propagandas preventivas impactantes, ou seja, que mostram somente os prejuízos da droga, sem considerar o prazer que estas proporcionam, pode estar relacionada ao que Novaes (2011, p. 23) ressalta como a representação da juventude: "um espelho retrovisor da sociedade: em tempos de incerteza e fragmentação social, as opiniões de parcelas da juventude também incorporam discursos repressivos, expectativas contraditórias, assim como refletem embates de valores presentes na sociedade".
Considerando a possível contribuição dessa intervenção para futuras ações voltadas à prevenção do uso de drogas, os relatos dos participantes quanto à utilização de músicas como estratégia das propagandas preventivas, em contrapartida, podem indicar alguns caminhos relativos à criação de políticas públicas mais próximas da linguagem juvenil.
Conforme argumentam Sposito e Carrano (2003), a presença ativada de jovens no planejamento, implementação, monitoramento, avaliação e análise crítica das políticas públicas pode garantir o caráter plural e democrático da participação de tais atores sociais no cenário político. No entanto, marcados pela lógica naturalizante de entendimento da juventude como um período "problemático", por muito tempo, e ainda hoje, o lugar da fala reservado aos jovens sobre sua vivência ainda é negligenciado, principalmente no tocante a questões políticas.
Inserido nessa discussão, o projeto teve também como objetivo trabalhar, por meio das oficinas, o poder da mídia na construção da lógica do consumo, promovendo a capacidade crítica de compreensão dos jovens sobre o que lhes é apresentado cotidianamente no discurso midiático. Para viabilizar essa discussão, foram selecionadas propagandas mercadológicas que visam à venda de substâncias lícitas, sendo exibida uma propaganda antiga de cigarro, propagandas atuais de cerveja e de vodca. A proposta consistiu em dividir os jovens em grupos, com o intuito de que analisassem criticamente as propagandas e escrevessem o que era utilizado em cada uma delas para despertar/prender a atenção do consumidor.
Em uma das propagandas sobre cerveja6, por exemplo, os jovens cantaram a música durante toda sua exibição e, ao final, houve falas como:"ah, que vontade", "agora deu até vontade de beber", "não aparece nenhuma gorda e quase nenhuma negra, né? Só tem mulher loira, branca e gostosa", "até parece que bebida é só praia e festa". Na discussão sobre os artifícios utilizados para incitar o consumo de bebida alcoólica, os estudantes demostraram capacidade crítica ao identificarem a lógica que sustenta o discurso de consumo em meio às propagandas, ressaltando também os marcadores de raça e gênero que atravessam e constituem hierarquias de poder na sociedade.
Tal fato pode ser visto na discussão sobre mulheres brancas e loiras serem apresentadas, muitas vezes, sob uma ótica de objetificação e padronização da beleza, bem como o fato de a bebida estar diretamente relacionada a um ambiente de lazer e diversão, ressaltando a construção desta como uma droga socialmente aceita. Um dos estudantes frisou que "as propagandas mostram a droga como uma coisa social, que a pessoa precisa usar para ser popular". Ele apontou também, a presença da música e sua influência, dizendo: "a música é que faz todos cantarem junto, faz a pessoa entrar no clima, ter vontade".
Durante a exibição da propaganda de vodca7, alguns jovens exclamavam:"nossa, que chique", "quero uma festa dessa", "não tem nenhum negro nessa propaganda, né? Só gente branca". Ao fim, muitos ressaltaram que a propaganda é direcionada a classes mais altas, pois mostra ambientes de poder e glamour, se comparada às de cerveja. Dessa forma, novamente marcadores sociais são apresentados na fala dos jovens, apontando as diferenças de classes de acordo com o público a ser atingido pela marca/tipo de bebida. O ambiente glamouroso, a música e a personificação da bebida por meio de uma mulher elegante, com o vestido da mesma cor da garrafa de vodca, são características marcantes de um produto mais caro e que desperta o desejo de consumo dos jovens.
Na exibição da propaganda de cigarro8, observou-se que, de modo geral, os estudantes não encontraram um sentido aparente no comercial. Um dos jovens comentou:"Sem noção! O que tem a ver cavalo com cigarro?" Vale lembrar que as propagandas de cigarro representam uma outra geração, tendo em vista sua proibição pela Lei nº 9.294 de 1996. Mesmo quando a frase em que o narrador diz: "Só alguns homens sabem que a beleza do cavalo selvagem está em sua liberdade. Venha para onde está o sabor, venha para o mundo de Marlboro") foi repetida, alguns jovens não conseguiram encontrar sentido. A ideia de liberdade foi associada à presença de cavalos ao discutirem sobre os recursos utilizados na propaganda para incitar o consumo da droga.
Os estudantes levantaram também as contradições em relação às propagandas midiáticas, que ao mesmo tempo em que incentivam o uso de bebidas alcoólicas, associando estas à "curtição", lugares bonitos e fama, utilizam mensagens rápidas de autocontrole ao final como: "Se beber não dirija" e "Beba com moderação", informações estas reguladas pelo Ministério da Saúde. Conforme Farina (2012, p. 28) "as propagandas sempre tentam aliar os produtos a imagens de prazer, como pessoas bonitas e sedutoras em locais agradáveis, buscando criar a imagem de que o produto é bom".
No entanto, conforme Schenker e Minayo (2005), não se pode, teoricamente, culpabilizar somente a mídia, pois de certa forma, esta reflete a cultura vigente, além de ser relevante considerar que quando os domínios da prevenção, tais como a família, sociedade/comunidade, escola e o próprio sujeito, estão fortalecidos a propaganda por si só não é capaz de persuadir o jovem. O que se coloca para discussão, portanto, é a construção social silenciosa de discursos que ora são autorizados, ora são julgados como incorretos.
Ao fim das atividades, o questionário foi aplicado novamente com objetivo de possibilitar a avaliação do conhecimento construído, assim como de pronunciação de sugestões, opiniões e críticas dos participantes. Em um espaço de questão aberta, questionado sobre o desenvolvimento do projeto, um jovem de quinze anos escreveu, "as atividades foram muito interessantes, foi bem explicado, de um jeito legal e tive um ótimo aprendizado dessa forma". Uma das estudantes de catorze anos relatou que "as atividades foram muito boas, pois trouxeram várias informações importantes".
Os relatos mostram que atividades mais dinâmicas, nas quais os jovens são chamados a participar ativamente, são bem aceitas e têm resultados positivos e promissores, pois passam a ter maior comprometimento com elas. A avaliação do projeto consistiu em verificar se este se desenvolveu conforme os objetivos definidos, permitindo também analisar as dificuldades e facilidades encontradas durante a realização do trabalho e possíveis ajustes a serem feitos para a sua implantação em outras turmas e escolas.
Pode-se apontar como ajustes pertinentes, a ampliação da discussão com os professores e outros profissionais inseridos no contexto educacional, bem como o envolvimento da família e dos profissionais da saúde que atuam na comunidade, visando à articulação e ampliação das ações de forma interdisciplinar, além de agregar a escola ao contexto comunitário.
Conforme Soares e Jacobi (2000), a participação dos jovens na elaboração de políticas públicas e implementação das ações preventivas pode contribuir para que os programas sejam mais coerentes com as demandas reais da juventude. Tal afirmação fora corroborada pela experiência do projeto, pois houve ampla participação dos jovens, rompendo com os discursos que os colocam em uma posição de passividade diante das demandas sociais vivenciadas por eles e temáticas de grande relevância como o uso e abuso de álcool e outras drogas.
Considerações finais
Por meio da proposta desenvolvida, observou-se que a discussão sobre álcool e outras drogas não só faz parte do cenário social como também é constituinte deste. Tal proposição aponta para a relevância da abordagem sobre a referida temática no contexto escolar, já que é nesse território que os jovens vivenciam muitas de suas experiências e articulam suas parcerias. Pôde-se perceber que quando valorizados por meio de atividades que considerem suas experiências, os jovens se posicionam ativamente diante das discussões propostas, têm proposições relevantes sobre assuntos pertinentes à sua realidade e se tornam produtores de sua própria história.
Exemplo disso foi a participação dos estudantes - como resultado do processo de promoção do potencial articulador e de controle social - na Pré-Conferência da 2ª Conferência Municipal da Juventude de Muriaé, com o tema "Educação e Drogas", na qual eles elaboraram propostas a serem apresentadas na Conferência. Esse foi um momento que permitiu o empoderamento e mobilização de tais atores, pois tudo que foi discutido durante o projeto pôde ser extrapolado para outros espaços de discussão. Tal ocasião foi importante para que os jovens pudessem contribuir na formulação das políticas públicas direcionadas a eles sobre essa e outras temáticas no âmbito municipal.
Verificou-se no desenvolvimento da proposta, um processo verdadeiro de construção coletiva que proporcionou aos jovens possibilidades para atuarem como agentes sociais e multiplicadores na escola e na comunidade em que estão inseridos. No entanto, apesar dos benefícios que o trabalho de prevenção pode trazer, cabe à escola decidir tratar ou não dos diversos temas transversais, entre eles o uso de álcool e outras drogas. Esta, portanto, torna-se um dispositivo de poder importante no que diz respeito à (in)visibilidade de temas de relevância para a promoção da cidadania e construção de uma consciência crítica dos jovens.
Nesse sentido, para que o trabalho de prevenção aconteça de forma efetiva, é necessária uma postura crítica de todos os envolvidos no processo educacional como formadores de cidadãos. Além da abordagem da temática no contexto escolar, é fundamental a criação de políticas públicas destinadas aos jovens que possam suprir suas demandas, valorizando as múltiplas formas de se vivenciar a juventude.
Referências
Abramo, H. W. (1997). Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. (5, 6), 25-36.
Acsebrad, G. (1989). Os discursos preventivos sobre o uso de drogas e as potencialidades dos educadores na prevenção primária: relato de uma experiência. Dissertação de mestrado, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro. [ Links ]
Afonso L. (2002). Oficinas em dinâmica de grupo: um método de intervenção psicossocial. Belo Horizonte: Ed. Campo Social. [ Links ]
Aguiar, K. F. & Rocha, M. L. (2007). Micropolítica e o exercício da pesquisa-intervenção: referenciais e dispositivos em análise. Psicologia Ciência e Profissão, 27(4), 648-663. [ Links ]
Ayres, J., Calazans, G. J., Saletti Filho, H. C., & França Jr., I. (2006). Risco, vulnerabilidade e práticas de prevenção e promoção da saúde. In Campos, G., Minayo, M. C. S, Akerman, M., Drumond Jr. M., & Carvalho, Y. M. (Orgs.). Tratado de Saúde Coletiva. (pp. 375-417). São Paulo: Editora Fiocruz. [ Links ]
Brenner, A. K., Lânes, P., & Carrano, P. C. (2004). A Arena das políticas públicas de juventude no Brasil: processos sociais e propostas políticas. Revista de Estúdios sobre Juventude-JOVENES, (22), 194-211.
Caldeira, Z. F. (1999). Drogas, indivíduo e família: um estudo de relações singulares. Dissertação de Mestrado em Saúde Pública, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. [ Links ]
Carlini-Cotrim, B. (1998). Drogas na escola: prevenção, tolerância e pluralidade. In Aquino, J. G. (Org.). Drogas na escola: alternativas teóricas e práticas. (pp. 19-30). São Paulo: Summus. [ Links ]
Castro, M. G., Abramovay, M., Rua, M. G., & Andrade, E. R. (2001). Cultivando vida desarmando violências: experiências em educação, cultura, lazer, esporte e cidadania com jovens em situação de pobreza. UNESCO, Brasil Telecom, Fundação Kellogg, Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Farina, D. (2012). Drogas: uma revisão sistemática da literatura entre 2000-2010. Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. [ Links ]
Figueiredo, R. (2011). Prevenção ao abuso de drogas utilizando estratégias culturais de redução de danos. In Dossiê Juventude e Drogas - é preciso encarar essa associação de forma menos estereotipada e mais crítica. Revista Juventude.br. Ano 5, dez./2010. Centro de Estudos e Memória da Juventude - CEMJ.
Figueiredo, R. (Org.). (2002). Prevenção ao abuso de drogas em Ações de Saúde e Educação: uma abordagem sociocultural e de redução de danos. São Paulo: NEPAIDS-USP. [ Links ]
Jurberg, M. B., Campos, R. H. F., & Guareschi, P. A. (2010). Individualismo e coletivismo na psicologia social: Uma questão paradigmática. In Campos, R. H. F.; Guareschi, P. A. (Orgs.). Paradigmas em psicologia social: a perspectiva latino-americana. (pp.118-165). Petrópolis, RJ: Vozes. [ Links ]
Kahhale, E. M. S. P. (2003). Orientação sexual na adolescência: uma experiência com jovens a escola pública. In Bock, A. M. B. (Org.). Psicologia e o compromisso social. (pp. 333-345). São Paulo: Cortez. [ Links ]
Maraschin, C. (2004). Pesquisar e intervir. Psicologia & Sociedade, Porto Alegre, 16(1), 98-107. [ Links ]
Martin-Baró, I. (1996). O papel do psicólogo. Estudos de Psicologia. 2(1), 7-27. [ Links ]
Minayo, M. C. D. S. (2011). Trabalho de campo: contexto de observação, interação e descoberta. In Minayo, M. C. S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. (pp. 61-77). Petrópolis: Vozes. [ Links ]
Ministério da saúde. (2011). Álcool e outras drogas. Adolescentes e jovens para a educação entre pares. Saúde e prevenção nas escolas. 1 ed. série manuais. n. 69. Brasília.
Moraes, M. (2010). Gênero e usos de drogas: porque é importante articular esses temas. In Moraes, M., Castro, R., & Petuco, D. Gênero e drogas: contribuições para uma atenção integral à saúde. (pp. 15-20). Pernambuco: Instituto PAPAI/Gema/UFPE. [ Links ]
Moreira, F. G., Silveira, D. X. D., & Andreoli, S. B. (2006). Redução de danos do uso indevido de drogas no contexto da escola promotora de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 11(3), 807-816. [ Links ]
Novaes, R. (2011). Juventude, drogas e democracia: relações delicadas. In Dossiê Juventude e Drogas. Revista Juventude.br. Ano 5, dez./2010. Centro de Estudos e Memória da Juventude - CEMJ.
Paulilo, M. A. S., & Jeolás, L. S. (2000). Jovens, drogas, risco e vulnerabilidade: aproximações teóricas. Serv. Soc. Rev, Londrina, 3(1), 39-60. [ Links ]
Prado, M. A. M., & Perucchi, J. (2011). Hierarquias, sujeitos políticos e juventudes: os chamados "movimentos" juvenis circunscrevem um sujeito político na contemporaneidade. In Dayrell, J., Moreira, M. I. C., & Stengel, M. (Orgs.). Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades. (pp. 347-359). Belo Horizonte: Editora PUC Minas. [ Links ]
Romo, N. (2003). Género y uso de drogas: la invisibilidad de las mujeres. Monografías Humanitas, 5, 69-84. [ Links ]
Schenker, M., & Minayo, M. D. S. (2005). Fatores de risco e de proteção para o uso de drogas na adolescência. Ciênc. Saúde Coletiva, 10(3), 707-117. [ Links ]
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad). (2010). Legislação e Políticas Públicas sobre Drogas. Brasília, DF: Presidência da República. [ Links ]
Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad). (2011). Drogas: cartilha sobre maconha, cocaína e inalantes. 2a ed. reimpressão. Brasília, DF: Presidência da República. [ Links ]
Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad). (2014). Prevenção dos problemas relacionados ao uso de drogas: capacitação para conselheiros e lideranças comunitárias. Brasília, DF: SENAD-MJ/NUTE-UFSC. [ Links ]
Silva, C. F. S., Bacellar, R. P., & Castro, R. L. (2012). A ação coletiva e os valores da vida escolar. In Mayorga, C., Castro, R. L., & Prado, M. A. (Orgs.). Juventude e a experiência da política no contemporâneo. (pp. 169-197). Rio de Janeiro:
Soares, C. B. (2007). Consumo contemporâneo de drogas e juventude: a construção do objeto na perspectiva da saúde coletiva. Tese de doutorado em Livre-Docência, Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, São Paulo. [ Links ]
Soares, C. B., & Jacobi, P. R. (2000). Adolescentes, drogas e Aids: avaliação de um programa de prevenção escolar. Cadernos de Pesquisa, (109), 213-37.
Soldera, M., Dalgalarrondo, P., Corrêa Filho, H. R., & Silva, C. A. (2004). Uso de drogas psicotrópicas por estudantes: prevalência e fatores sociais associados. Rev. Saúde Pública, São Paulo, 38(2), 277-83. [ Links ]
Sposito, M. P., & Carrano, P. C. R. (2003). Juventude e políticas públicas no Brasil. Brasileira de Educação, (24), 16-39.
Traverso-Yépez, M. A., & Pinheiro, V. D. S. (2002). Adolescência, saúde e contexto social: esclarecendo práticas. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, 14(2), 133-147. [ Links ]
Recebido em: 26/06/2014
Reformulado em: 06/04/2015
Aprovado em: 30/05/2015
1 Esses modos singulares de relação com as drogas são formados por meio da interação de diversos fatores subjetivos, relacionais e contextuais, pois, ao mesmo tempo em que o homem possui uma identidade e história de vida que o torna único, está também inserido em contextos mais amplos, tais como: família, comunidade e outros espaços sociais que perpassam sua vida e o constituem como sujeito (Jumberg, Campos & Guareschi, 2010). Dessa forma, para compreender a relação entre indivíduo - aqui enfatizando o jovem - e o uso de drogas, deve-se levar em consideração que essa relação representa uma questão complexa que envolve tanto elementos macroestruturais (como aspectos políticos, ideológicos, culturais e históricos) quanto os aspectos microestruturais, que se referem às características e recursos do próprio indivíduo (Moraes, 2010). Assim, baseadas nas diversas formas de relação sujeito-droga-contexto, torna-se possível construir estratégias de cuidado para que a experimentação e/ou o uso eventual de drogas lícitas e/ou ilícitas, ocorra sem prejuízos físicos e/ou sociais para os sujeitos (Caldeira, 1999)
2 A vulnerabilidade individual compreende aspectos e comportamentos relativos ao modo de vida das pessoas. A social é caracterizada por aspectos contextuais que atravessam a vida dos indivíduos, tais como: aspectos culturais, sociais, políticos, econômicos, gênero e raça/etnia. A vulnerabilidade programática refere-se à disponibilidade e funcionamento efetivo ou não de recursos sociais e institucionais. Os autores citados adotam tais conceitos inseridos no contexto de enfrentamento à Aids, no entanto, o presente estudo amplia o entendimento desses conceitos para a temática das drogas, por acreditar que estes são constituintes das discussões de políticas públicas em saúde (Ayres et al., 2006).
3 Algumas atividades desenvolvidas foram adaptadas da série de fascículos "Adolescentes e Jovens para a Educação entre Pares", do Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas, principalmente da cartilha de "Saúde e Prevenção nas escolas, Álcool e outras Drogas: adolescentes e jovens para educação entre pares", produzido pelo Ministério da Saúde (2011).
4 Entende-se por fatores de vulnerabilidade um conjunto de aspectos individuais, sociais e programáticos que podem aumentar os riscos a um adoecimento ou agravo da saúde a que cada indivíduo está exposto. E por fatores de proteção aqueles que podem diminuir tais riscos (Senad, 2014).
5 http://www.youtube.com/watch?v=ZQ63toY4tQ4 http://www.youtube.com/watch?v=q2FmsmaDoCY http://www.youtube.com/watch?v=uvKNrmKmv3Y http://www.youtube.com/watch?v=WUVPwoYgFAA http://www.youtube.com/watch?v=RZx4aLCZTQg
6 http://www.youtube.com/watch?v=5OBh_17rfd4
7 http://www.youtube.com/watch?v=3QPsrXQlGjc
8 http://www.youtube.com/watch?v=LHy7RXJ7W8Y