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Pesquisas e Práticas Psicossociais
versão On-line ISSN 1809-8908
Pesqui. prát. psicossociais vol.10 no.1 São João del-Rei jun. 2015
ARTIGOS
Metodologia participativa, subjetividade individual e social: facilitação de reuniões de moradores em Residências Terapêuticas
Participatorymethodology, individual and socialsubjectivity: facilitating residents' meetings of Therapeutic Residences
Metodología participativa, subjectividad individual y social: facilitando encuentros de residentes en Residencias Terapeuticas
Adriana Gonçalves QueirozI; Ana Cláudia Porfírio CoutoII
ITerapeuta Ocupacional. Mestranda no Programa Interdisciplinar em Estudos do Lazer da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG. Pesquisadora do Gespel (Grupo de Estudos de Sociologia, Pedagogia do Esporte e do Lazer). Endereço: dricagq@yahoo.com
IIDoutora em Ciência do Desporto. Docente na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG. Docente e Orientadora no Programa Interdisciplinar em Estudos do Lazer da EEFFTO/UFMG. Coordenadora e pesquisadora do Gespel (Grupo de Estudos de Sociologia, Pedagogia do Esporte e do Lazer). Docente e Orientadora no Programa Interdisciplinar em Estudos do Lazer da EEFFTO/UFMG. Endereço: acpcouto@gmail.com
RESUMO
Este estudo tem como objetivo refletir sobre as reuniões de moradores de Residências Terapêuticas (RTs) do município de Belo Horizonte, sob a ótica da metodologia participativa, subjetividade individual e subjetividade social. Ao lançar um olhar sobre a experiência de uma das autoras na condução das reuniões de moradores e sublinhar os conceitos de metodologia participativa, subjetividade individual e social, o artigo disserta sobre as reuniões como espaço coletivo com potencial efeito individual e social, que influencia o morar e a convivência de todos na casa. Conclui-se que as reuniões de moradores como metodologia participativa são estratégias importantes que contribuem na construção da subjetividade individual e social dos moradores.
Palavras-chaves: Reuniões de moradores; Metodologia participativa; Subjetividade individual; Subjetividade social; Residência terapêutica.
ABSTRACT
This study aims to reflect on Therapeutic Residences (TRs) residents' meetings in the city of Belo Horizonte, from the perspective of participatory methodology, individual subjectivity and social subjectivity. Casting a glance at the experience of one of the authors in conducting the residents' meetings and emphasizing the concepts of participatory methodology, individual and social subjectivity, the article discusses the meetings as a collective space with individual and social potential effect, which influences the living and coexistence of everyone in the house. We conclude that the residents' meetings, as participatory methodology, are important strategies that contribute to the building of individual and social subjectivity of the residents.
Key words: Residents' meetings; Participatory methodology; Individual subjectivity; Social subjectivity; Therapeutic residence.
RESUMEN
Este estudio lleva como objetivo reflexionar sobre las reuniones de los residentes de Residencias Terapéuticas (RTs) en la ciudad de Belo Horizonte, desde la perspectiva de la metodología participativa, la subjetividad individual y la subjetividad social. Para echar un vistazo a la experiencia de una de las autoras en la realización de las reuniones de los residentes y hacer hincapié en los conceptos de la metodología participativa, individual y subjetividad social, el artículo analiza las reuniones como un espacio colectivo con efecto potencial individual y social, que influye en la vida y la convivencia de todos en la casa. Llegamos a la conclusión de que las reuniones de los residentes, como la metodología participativa, son estrategias importantes que contribuyen para la construcción de la subjetividad individual y social de los habitantes.
Palabrasclaves: Reuniones delos residentes; Metodología participativa; Subjetividad individual; Subjetividad social; Residencia terapéutica.
O Brasil tem se proposto a defender os direitos dos usuários de saúde mental desde meados dos anos de 1980 por meio da Reforma Psiquiátrica. A Lei nº 10.216 (Brasil, 2001) institui o tratamento em nível comunitário e começa a proposição de regulamentação do tratamento em saúde mental, com fiscalização dos Hospitais Psiquiátricos e o empoderamento1 do cuidado no território. No entanto, antes mesmo da lei citada, compreendendo que era importante e imprescindível que os parques manicomiais do País fossem extintos, que houvessem lugares de acolhida aos ex-pacientes de hospícios, que foram abandonados ou que os familiares não poderiam ou não desejavam receber, foram criados os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) ou Residências Terapêuticas (RTs). As RTs se constituem como casas inseridas na comunidade destinadas a acolher usuários longamente internados em hospitais psiquiátricos brasileiros, cujo apoio social é frágil ou inexistente (Portaria Ministerial nº 106, 2000).
Neste artigo, serão utilizados os termos Residências Terapêuticas (RTs), casas ou moradias, em vez de Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs), como forma de ressaltar o papel de moradia desses dispositivos, os quais investem constantemente em seus moradores para que seus hábitos manicomiais2 sejam abandonados ou reinventados e novos hábitos sejam criados.
Para compreender o papel desinstitucionalizador das RTs e o processo de desinstitucionalização, no qual os ex-pacientes de hospitais psiquiátricos são convidados a vivenciar, é preciso compreender o que o termo propõe. De acordo com Saraceno (1996), desinstitucionalização é "um processo de reconstrução, um exercício pleno da cidadania, e, também de plena contratualidade" (p. 16) em três âmbitos propostos pela reabilitação psicossocial: habitat, rede social e trabalho com valor social.
Desinstitucionalização é diferente de desospitalização, embora a primeira possa começar antes ou durante a segunda, no processo de fechamento de um hospital psiquiátrico, por exemplo. Desospitalizar refere-se "ao movimento de retirada/saída dos pacientes para fora do hospital" (Aquino & Cavalcanti, 2004, p. 3). Enquanto desinstitucionalizar refere-se a uma mudança de lógica de cuidado, de investimento no desmonte da "subjetividade asilar" (Milagres, citado por Aquino & Cavalcanti, 2004, p. 3) marcada pela patologização do comportamento, pela cronificação e pela desvalorização da subjetividade individual. Desinstitucionalização é um processo que não inicia e nem acaba quando se sai do manicômio, mas que começa quando há uma escuta à subjetividade do outro e oportunidade de este desenvolver sua autonomia e independência em um contexto comunitário. Cabe ressaltar que a subjetividade é neste artigo compreendida a partir dos dizeres de França (2008, p. 130):
A noção de subjetividade no trabalho ressocializador em Saúde Mental está, portanto, intrinsecamente vinculada à de cidadania, posto que a tônica do atendimento está na articulação daquilo que é "existente no sujeito", "individual, pessoal, particular" ou "passado unicamente no espírito de uma pessoa" (definições do dicionário Aurélio sobre o que é subjetivo) com a garantia do direito a seu lugar em sociedade.
O ex-paciente em constante processo de se constituir morador de uma casa, de um bairro, de uma cidade, encontra no fazer cotidiano, desde as regras de convívio na casa às regras de convívio na padaria do bairro, desafios e avanços em seu caminho rumo a sua contínua desinstitucionalização psiquiátrica e sua descoberta como sujeito. A equipe das casas se coloca como facilitadora nesse processo.3
É no dia a dia, nas atividades de vida diária e nas de vida prática, que o ex-interno de um hospital psiquiátrico vai, subjetivamente, dando lugar ao surgimento do morador. Dentro das atividades que auxiliam esse processo, estão as reuniões de moradores.
Bontempo (2009) esclarece que, na Grécia antiga, havia convocações dos cidadãos para conversarem sobre a pólis(cidade), denominadas assembleias. Os indivíduos eram convidados a se encontrar no espaço público para conversarem sobre o que dizia respeito a todos. No contexto das RTs, os moradores são convidados a conversar no espaço coletivo, geralmente na sala de visitas ou na mesa da copa, sobre o cotidiano que perpassa a casa e o morar de todos. Como as assembleias, as reuniões de moradores são um espaço democrático em que todos têm o direito de expor suas questões. A proposta é que nas questões de convivência entre moradores, moradores e equipe e/ou moradores e território, as decisões sobre mudanças na casa (compra ou não de um sofá, por exemplo) e atividades de lazer que requerem maior organização, como uma viagem, sejam abordadas a partir da expressão dos moradores. Ainda que uma questão tenha sido trazida por um membro da equipe, essas são levadas aos "donos" da casa, aos moradores, para juntos pensarem em uma saída, tendo a equipe, geralmente a supervisora, como facilitadora da conversa. Participam das reuniões todos os moradores que desejarem, o(a) cuidador(a) que estiver de plantão, a estagiária e a supervisora. Cabe ressaltar que a reunião de moradores tem caráter deliberativo. Quando a deliberação alcança um nível que toca a política da cidade e/ou os convênios entre Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH) e a Organização não Governamental (OnG), as demandas são endereçadas à Coordenação de Saúde Mental do município. Há atas das reuniões com a posterior assinatura de todos os participantes. As reuniões são mensais, sendo que, diante da demanda dos moradores ou da equipe, pode ter sua frequência reduzida ou a ocorrência de reuniões extraordinárias. Estas duram cerca de 30 minutos, sendo o tempo que, normalmente, os moradores conseguem manter o foco nos assuntos.
Cada reunião é diferente, com seus desafios de consenso e de escuta. Embora todos os moradores das RTs sejam pessoas com transtorno mental grave, há em cada um certa singularidade na manifestação da patologia e na manifestação de seu ser sujeito. Assim, a reunião é um espaço de encontro de singularidades, de (re)construção de subjetividades individuais e sociais a partir da experiência de cada um e do todo e das estratégias pessoais construídas de acordo com tais experiências (Bontempo, 2009).
Dessa forma, considerando a importância do exposto até o momento, este trabalho não tem por finalidade aprofundar em uma análise sobre as reuniões de moradores sob a ótica da metodologia participativa, subjetividade individual e social, mas de refletir sobre elas e as variáveis citadas, apontando uma interlocução e tendo como base a experiência de uma das autoras, nos últimos quatro anos, na supervisão e condução dessas reuniões em duas Residências Terapêuticas de Belo Horizonte, cujos moradores tinham, em média, 29,5 anos de internação psiquiátrica, sendo a maioria homens com faixa etária média de 58,35 anos.
Compreendendo um pouco sobre metodologia participativa
Neto (2008) reflete sobre o termo metodologia como algo "que possa orientar na perspectiva de recuperação da capacidade humana de pensar e de sentir. [...] Isso, sem qualquer tipo de aprisionamento, a perspectiva racional instrumental que reduz a dimensão sensitiva humana" (Neto, 2008, p. 3). No contexto das Residências Terapêuticas, as reuniões de moradores seguem os preceitos de uma metodologia participativa, ao se propor ser uma estratégia em que se cabe apreender e praticar, em todas as dimensões da vida e da cultura, a democracia e a autonomia pessoal (Neto, 2008).
As metodologias participativas, segundo Silva (2002, citado por Amorim, Vieira & Brancaleo, 2013, p. 3), pressupõem o emprego de métodos e técnicas que possibilitem aos integrantes de um grupo a vivência dos sentimentos e percepções sobre determinados fatos ou informações, a reflexão sobre eles e a ressignificação de seus conhecimentos e valores, percebendo, assim, as possibilidades de mudanças.
Na perspectiva das metodologias participativas, as reuniões de moradores privilegiam experiências de diálogo, em que novos sentidos são criados, por meio dos quais, no grupo, o sujeito se sinta empoderado a buscar sua cidadania e a transformação de sua realidade social. As reuniões se caracterizam, então, como espaços de promoção da emancipação do sujeito e do grupo.
Compreendendo um pouco sobre subjetividade individual e subjetividade social a partir das reflexões de Fernando Luis González Rey
Fernando Rey traz a defesa de uma noção de sujeito que pressupõe a da subjetividade. "O sujeito é constituído subjetivamente e suas ações são uma fonte constante de subjetivação que a ser constituinte dos próprios processos nos quais se constitui" (Rey, 2003, p. 225). A ideia de sujeito, então, traz a singularidade do homem, o seu ser social, assim como sua complexidade.
O sujeito é influenciado e influencia o seu meio social, sendo que "cada momento atual da vida do sujeito representa um momento produtor de sentido" (Rey, 2003, p. 223). Suas formas de organização subjetiva, sua história de vida, sua cultura, suas vivências únicas, tudo isso faz parte de sua subjetividade individual.
A subjetividade individual mostra os processos de subjetivação associados à experiência social do sujeito concreto, assim como as formas de organização dessa experiência por meio do curso da história do sujeito. A processualidade e a organização são dois momentos que se apresentam em constante relação dialética, o que vai caracterizar o desenvolvimento da subjetividade. O indivíduo se constitui dentro da subjetividade social e, por sua vez, representa um momento de diferenciação no desenvolvimento da mesma. (Rey, 2003, p. 241)
A subjetivação individual não ocorre isolada, no âmago do sujeito, desvinculada da subjetivação social; pelo contrário, ela se produz em espaços sociais, que abrigam certa história, assim como lugar e interação social.
De acordo com Fernando Rey (2003),
A subjetividade social não é uma abstração, é o resultado de processos de significação e sentido que caracterizam todos os cenários de constituição da vida social, e que delimitam e sustentam os espaços sociais em que vivem os indivíduos, por meio da própria perpetuação dos significados e sentidos que os caracterizam dentro do sistema de relações em que eles atuam e se desenvolvem. (pp. 205-206)
A relação entre subjetividade individual e subjetividade social é um sistema complexo, em que uma se constitui e se ressignifica na outra. De forma que é "a condição de integração e ruptura, de constituído e constituinte, que caracteriza a relação entre o sujeito individual e a subjetividade social, é um dos processos característicos do desenvolvimento humano" (Rey, 2003, p. 207).
Reunião de moradores: Subjetividade Individual, Subjetividade Social e Metodologia Participativa
O intercâmbio entre a ação cotidiana e a subjetividade ao mesmo tempo elaborada resulta em sentidos construídos nas interações sociais dos indivíduos. Tal processo requer desse indivíduo uma busca constante na tentativa de firmar-se como sujeito e de desenvolver sua autonomia no espaço de ação social (Souza, Gallert, Loureiro & Silva, 2012, s.p.).
A reunião de moradores se constitui numa ação cotidiana na vida dos moradores e equipe das casas. Nesse espaço, os moradores colocam questões de sua própria história, tais como sua primeira internação, sua dificuldade em aceitar aquela casa como sua, seu desejo de ir morar com os familiares, seu desejo de não sair daquela moradia, seu histórico ocupacional, suas vivências antes de ficarem longos anos internados, sua vivência no hospício e sua vivência na casa. Ao compartilhar no espaço social a própria história particular, o sujeito já a está expressando; e os respectivos elementos da subjetividade, gerados. Portanto, a "subjetividade individual será atravessada de forma permanente pela subjetividade social" (Rey, 2003, p. 215).
Durante as reuniões de moradores, é apresentada a possibilidade da construção de uma nova representação social, a partir do momento em que a realidade, com todas as suas contradições, se apresenta como algo que pode ser mudado. Assim, cada morador com suas marcas de longas internações, ao dialogar, pode abrir zonas de sentido que façam movimentos nos sentidos e significados anteriores (Rey, 2003), como o de louco perigoso; o conceito de fuga que se diferencia de "perder-se" e de uma saída longa, o do "seu" e "meu"; o de cuidadora e não mais enfermeira; o de incapaz; o de "minha casa" e não o de clínica. Assim, considerando que "na subjetividade, qualquer momento da história do sujeito pode aparecer como um elemento de sentido da configuração subjetiva atual de sua experiência" (Rey, 2003, p. 220), portanto as reuniões de moradores são importantes nesse processo.
Dessa forma, se as reuniões se propõem a ser uma estratégia que ajude a efetivar o papel de desinstitucionalização das RTs e a ser uma metodologia que incentive a participação do sujeito, cada encontro é significativo, pois "cada momento atual da vida do sujeito representa um momento produtor de sentido" (Rey, 2003, p. 223). Nos dispositivos substitutivos do manicômio, e a RT é um deles, ainda que soe romântico, a busca é sempre de um sentido de mais vida. Um sentido de mais vida dialoga com a ideia de emancipação, autonomia, de um sujeito criativo que lute contra a cronicidade imposta pelos anos de internação. Mas esse sentido não lhe pode ser imposto! Ora, se assim fosse, do que diferenciaria, nessa lógica, as RTs de um hospital psiquiátrico com suas regras e pensamento rígidos? O ponto de partida deve ser a subjetividade do indivíduo. Resume Fernando Rey:
O social atua como elemento produtor de sentido partindo do lugar do sujeito em seu sistema de relações e história desse próprio sujeito, que também não representa uma estrutura interna passiva, definitiva de seus comportamentos atuais, e sim uma configuração geradora de sentidos que não podem isolar-se dos sentidos produzidos da experiência do sujeito. (2003, p. 224)
As reuniões de moradores devem buscar oferecer, aos seus participantes, um lugar seguro, em que haja a oportunidade de lidar com os momentos de tensão, mudança, questionamento, construção de conceitos pertinentes ao morar e à convivência dos que daquele espaço compartilham. Situações que pedem sujeitos críticos, que revitalizam o espaço social, a subjetividade social e individual. Tal uso desse espaço é um aprendizado para esses sujeitos "por anos postos como passivos frente ao desafio de produção de outra subjetivação" (Barros, 2003, citado por Dimenstein, 2006, p. 72). Faz-se importante considerar o sentido que esse encontro tem para cada um e para o grupo em sua trajetória de vida. Ressaltando que, embora o ser sujeito esteja vinculado ao ser participativo, cada morador tem seu tempo. Respeitar esse tempo é fundamental, pois "a emoção é uma condição permanente na definição do sujeito" (Rey, 2003, p. 236). Assim, cada morador terá uma emoção relacionada ao momento da reunião, o que facilitará ou não sua participação como sujeito.
Para alguns moradores, a reunião é um espaço de denúncia (quem brigou com quem, qual cuidadora dá mais café para um ou para outro); para outros, é um momento de maior apropriação da casa e do ser morador, ao colocarem sugestões para a casa e as tarefas (quem comprará o pão, que dia, que horas; quem será o responsável pela vaquinha da toalha da mesa; qual o cardápio da semana, por exemplo). Nem sempre há consenso, mas o diálogo e a escuta são incentivados.
Na construção dessa experiência promissora de sentidos, o papel da condução das reuniões é importante. Esta deve auxiliar o sujeito a construir o espaço da reunião como lugar de diálogo e seguro para cada morador se expressar. Deve-se considerar que o sujeito depende da subjetividade para existir como tal e que ela está constantemente expressa em suas ações. Portanto, cabe compreender a forma de cada um participar, seja levantando várias vezes para fumar ou mesmo não presente na roda, mas estar no cômodo ao lado e depois da reunião comentar as decisões e, quando não concordar, gritar de longe, fazendo-se presente eficazmente da sua maneira. Ao reconhecer e incentivar um sujeito ativo a seu modo, reconhecerá a "capacidade de construção consciente como momento de seus processos atuais de subjetivação" (Rey, 2003, p. 226).
Muitas vezes, as rupturas criadas a partir do pensamento iniciam-se nas reuniões, em que é dada a oportunidade de todos pensarem e se expressarem, mas se faz crucial que essas rupturas tenham acolhimento, escuta, depois das reuniões, no fazer diário, pois novos sentidos vão surgindo ao longo das conversas e pensamentos nos espaços não formais de diálogo, como ao assistir televisão, no almoço ou em uma atividade de lazer, reafirmando que, ao dar sentido por meio do pensamento, o sujeito cria rupturas, firmando o pensamento como elemento central de caráter processual da subjetividade.
Considerações finais
Ao se refletir sobre as reuniões de moradores de Residências Terapêuticas, sob a ótica da metodologia participativa, subjetividade individual e subjetividade social, alguns termos são importantes, como empoderamento e autonomia. O efeito dos longos anos sem escuta e com grande desvalorização do que diziam traz uma marca no corpo, no seu lugar no mundo como sujeito. No papel que cabe às Residências Terapêuticas, de incentivar a desinstitucionalização psiquiátrica, no tempo de cada morador, respeitando a sua trajetória de vida e o seu constituir-se morador de uma casa, as reuniões de moradores, como metodologias participativas, fóruns deliberativos ao que concerne os que ali residem, apresentam-se como pontos importantes de encontro entre a subjetividade individual e social dos moradores e equipe, proporcionando momentos de criação de novas zonas de sentido para os participantes. As reuniões de moradores, portanto, devem se configurar como lugares seguros, de construção e de escuta significativa das angústias e expectativas de vida de cada um, em que as questões da casa e do morar apareçam sem que os participantes sintam que terão qualquer dolo, incentivando assim o sujeito ativo e transformador de sua realidade.
Referências
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Recebido em: 28/06/2014
Reformulado em: 31/01/2015
Aprovado em: 06/04/2015
1 O conceito de empoderamento assume significações que envolvem: tomar suas próprias decisões diante de informações, o desenvolvimento de potencialidades e a participação real que possibilite a democracia. É ter "o aumento do poder pessoal e coletivo de indivíduos e grupos sociais nas relações interpessoais e institucionais, principalmente daqueles submetidos a relações de opressão e dominação social" Vasconcelos (2003, p. 20, citado por Alves, Oliveira & Vasconcelos, 2013, p. 52).
2 Como hábitos manicomiais entende-se o comer de cócoras, passar muito tempo deitado no chão, regular-se pela rotina das refeições ou da hora do cigarro, guardar roupas em sacolas e esconder alimentos, por exemplo.
3 As RTs podem ser do tipo I ou do tipo II, sendo a primeira com moradores mais independentes, e a segunda com moradores dependentes, especialmente no que concerne a suas limitações físicas. Assim, nas RTs tipo I, haverá um cuidador por turno de 12 por 36 horas, enquanto nas RTs tipo II haverá dois cuidadores por turno também de 12 por 36 horas. Nos dois tipos, a equipe será enriquecida com a presença de estagiário(a) por 20 horas semanais e uma supervisora. O(a) estagiário(a), geralmente, é da mesma formação que a supervisora. Em Belo Horizonte, de onde este trabalho éproveniente, cada supervisora, geralmente, supervisiona duas casas em carga horaria de 20 horas semanais.