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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.12 no.1 São João del-Rei jan./março 2017

 

Valores humanos, comportamentos antissociais e delitivos: evidências de um modelo explicativo

 

Human values, antisocial and criminal behavior: evidences for an explanatory model

 

Valores humanos, comportamiento antisocial y criminal: evidencias para un modelo explicativo

 

 

Emerson Diógenes MedeirosI; Elba Celestina do Nascimento SáII; Renan Pereira MonteiroIII; Walberto Silva SantosIV; Estefânea Élida da Silva GusmãoV

IProfessor Adjunto do curso de graduação em Psicologia da Universidade Federal do Piauí (Campus de Parnaíba), atuando na área de Avaliação Psicológica. Coordena o Laboratório de Avaliação Psicológica do Delta - Labap
IIMestranda em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Membro do Laboratório Cearense de Psicologia (Lacep). Graduada pela Universidade Federal do Piauí (UFPI)
IIIPossui formação em Psicologia pela Universidade Federal do Piauí (2011) e mestrado em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (2014). Atualmente é doutorando em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba
IVGraduação em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba (2002) e doutorado em Psicologia (Psicologia Social) pela Universidade Federal da Paraíba
VDoutorado em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (2009). Mestrado em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (2004). Licenciatura (2002) e Formação (2008) em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba

 

 


RESUMO

O presente artigo objetivou verificar em que medida os valores humanos predizem os comportamentos antissociais e estes, por sua vez, predizem os delitivos. Para tanto, contou-se com a participação de 207 universitários, com idades variando de 19 a 46 anos (M = 22,6; DP = 3,65). Os resultados indicaram que os valores das subfunções experimentação (+) e normativa (-) predisseram os comportamentos antissociais, e estes, as condutas delitivas. Tal modelo testado apresentou indicadores de ajuste adequados (χ2/g.l = 1,48, GFI = 0,99, TLI = 0,96, CFI = 0,98, RMSEA = 0,048). Os resultados indicam a importância dos valores na predição de condutas desviantes, sendo importante, sobretudo, a promoção de valores normativos, pois estes vêm se mostrando, consistentemente, como fatores de proteção para o envolvimento em comportamentos desviantes.

Palavras-chave: valores normativos, comportamentos desviantes, modelo explicativo.


ABSTRACT

This article aimed to verify the extent to which human values predict the antisocial behaviors and these, in turn, predict the criminal behavior. Participants were 207 undergraduated students, with ages ranging from 19 to 46 years (M = 22.6, SD = 3.65). The results indicated that values of the subfunction excitement (+) and normative (-) predicted the antisocial behaviors, and these, criminal behaviors. This tested model showed adequate fit indicators (χ2/g.l = 1.48, GFI = 0.99, TLI = 0.96, CFI = 0.98, RMSEA = 0.048). The results indicate the importance of values in the prediction of deviant behavior, it is important, especially, the promotion of normative values, as these has proven consistently as protective factors for involvement in deviant behavior.

Keywords: normative values, deviant behavior, explicative model.


RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo verificar el grado en que los valores humanos a predecir las conductas antisociales y éstos, a su vez, predicen los delictivos. Esta involucrado con la participación de 207 alumnos, con edades entre 19 a 46 años (M = 22,6, SD = 3,65). Los resultados indicaron que los valores sub ensayo (+) y normativos (-) predijo las conductas antisociales, y estos, conductas delictivas. Este modelo probado mostró indicadores de ajuste adecuados (c2 / gl = 1,48, GFI = 0,99, TLI = 0,96, CFI = 0.98, RMSEA = 0,048). Los resultados indican la importancia de los valores en la predicción de la conducta desviada, es importante, sobre todo, la promoción de los valores normativos, ya que ha demostrado consistentemente como factores de protección para la participación en la conducta desviada.

Palabras clave: valores normativos, conducta desviada, modelo explicativo.


 

 

Atualmente, os comportamentos socialmente desviantes se constituem como um dos problemas sociais mais relevantes (Burt, 2009; Formiga, Cavalcante, Araújo, Lima & Santana, 2007; Vasconcelos, Gouveia, Pimentel & Pessoa, 2008; Waiselfisz, 2013). Isso pode ser constatado tendo em conta a veiculação diária, em diversos meios de comunicação, de inúmeras notícias que se referem a comportamentos típicos desse construto, a exemplo de agressões, homicídios, assaltos, sequestros, estupros, entre outros.

Percebe-se, na literatura, que há certa confusão conceitual quando se trata de comportamentos desviantes (Grangeiro, 2014; Santos, 2008), algo que demanda uma breve delimitação. Especificamente, é possível apontar que tais comportamentos, geralmente, são formados por duas dimensões: as condutas antissociais e as condutas delitivas (Formiga, 2003; Formiga & Gouveia, 2003). As primeiras incluem formas socialmente indesejáveis de comportar-se, entretanto, não se constituem como violações legais; a segunda dimensão, por sua vez, envolve ações que transgridem, além das normas sociais, o Código Penal (Scaramella, Conger, Spoth & Simons, 2002). Deste modo, estudos sugerem que as condutas antissociais podem configurar-se como estágio prévio para as delitivas (Moffitt, 1993; Santos, 2008; Vasconcelos et al., 2008).

Tendo em vista os potenciais efeitos negativos associados aos comportamentos desviantes, estima-se que a busca por seus preditores constitui-se como um dos tópicos mais estudados atualmente. Especificamente, é possível encontrar estudos que buscam as bases neurobiológicas dos comportamentos antissociais e delitivos (Baker, Bezdjian & Raine, 2006; Eme, 2013; Goldman, 2014; Tarantino et al., 2013), bem como identificar possíveis traços de personalidade que podem predizer tais padrões comportamentais (Heaven, 1996; Miller & Lynam, 2001; Vasconcelos et al., 2008). Não obstante, além de variáveis mais estáveis, é possível verificar estudos que utilizam variáveis mais contextuais para o entendimento de condutas que são transgressões às normas sociais e legais.

A propósito, quando se fala no papel de variáveis de base social, é comum associar a classe socioeconômica desfavorecida como uma predisposição para comportar-se de forma socialmente indesejável (Formiga, 2006; Toledo, 2006). Entretanto, resultados recentes, encontrados por O'Riordan e O'Connell (2014) demonstraram não haver relação entre tais variáveis, ou seja, em seu estudo o poder preditivo de indicadores socioeconômicos para o envolvimento em práticas criminosas não se mostrou significativo. Esse mesmo padrão relacional, entre classe social e comportamentos delitivos, já havia sido demonstrada, empiricamente, anteriormente (Letourneau, Duffett-Leger, Levac, Watson & Young-Morris, 2013; Tuvblad, Gran & Lichtenstein, 2006).

Outras variáveis demográficas que vêm sendo indicadas como importantes para o entendimento de comportamentos socialmente desviantes são o sexo e a idade (Giordano & Cernovich, 1997; Bartusch, Lynam, Moffitt & Silva, 2006). Autores, a exemplo de Van Lier, Vitaro, Wanner, Vuijk e Crijnen (2005), ao discutirem seus resultados, argumentam que homens tendem a ter mais comportamentos antissociais que mulheres pelo fato de elas buscarem, em menor medida, afiliação a pares antissociais.

Já a relação com a idade vem sendo considerada em alguns modelos teóricos, a exemplo do modelo de Coerção de Patterson (Patterson, DeBaryshe & Ramsey, 1989), ou ainda os de Frechette e LeBlanc (1987), além do de Moffitt (1993). Nestes indica-se que, com o avanço da idade e a exposição a determinados estímulos, os comportamentos antissociais vão se desenvolvendo. Alguns estudos apontam evidências da existência de correlações significativas entre idade e os comportamentos antissociais e delitivos (Letourneau et al., 2013; Mobarake, 2015). Deste modo, parece algo importante ter em conta seus antecedentes para o entendimento dos comportamentos socialmente desviantes.

Ademais, alguns estudos destacam o papel que assume a família nesse processo, podendo agir tanto como um fator de proteção como para as condutas antissociais e delitivas (Freitas, 2002). A centralidade da família para a predição de tais condutas se dá, sobretudo, por ser, o seio familiar, o ambiente no qual a criança irá se socializar e internalizar as primeiras regras e normas de sua cultura e sociedade (Hoeve et al., 2008, 2009; Laranjeira, 2007; Silvia & Hutz, 2002). Concretamente, estudos têm indicado que pais negligentes, agressivos e violentos (Bordin & Offord, 2000; Jouriles, Mueller, Rosenfield, McDonald & Dodson, 2012; Maas, Herrenkohl & Sousa, 2008), além de comportamentos antissociais na família e um ambiente social negativo (Frías-Armenta & Corral-Verdugo, 2013), podem contribuir para que a criança apresente, futuramente, comportamentos desviantes.

Percebe-se, portanto, que a identificação com pares socionormativos, a exemplo dos pais, escolas e igreja (Ary, Duncan & Hops, 1999; Flannery, Willians & Vazsonyi, 1999, Laranjeira, 2007), pode configurar-se como um fator de proteção para o envolvimento em comportamentos desviantes, viabilizando a internalização de valores, habilidades sociais adequadas e uma organização da personalidade pertinente aos comportamentos socialmente desejáveis (Formiga, Melo & Leme, 2013; Mrug et al., 2013). Cabe destacar que não está se falando sobre o engessamento de normas, mas sim sobre o desenvolvimento de ações que sejam positivas a si e à sociedade (Abrams, Palmer, Rutland, Cameron & Van de Vyver, 2014; Formiga, 2011; Monahan, Steinberg & Cauffman, 2009). Entretanto, mesmo reconhecendo a existência de fatores de proteção importantes como os supracitados, optou-se, neste trabalho, por focar na influência exercida pelos valores humanos nos comportamentos desviantes.

Logo, ainda no âmbito de antecedentes sociais, cabe destacar o papel dos valores humanos. Estes são desenvolvidos, sobretudo, durante o processo de socialização das pessoas; portanto, durante o desenvolvimento, os indivíduos podem priorizar valores que refletem o contexto em que foram socializados. Estudos têm sido consistentes ao se utilizar dos valores para a predição dos comportamentos socialmente indesejados, especificamente aqueles que denotam uma necessidade de seguir regras sociais, constituindo-se, pois, como fatores de proteção (Formiga, 2013; Pimentel, 2004; Santos, 2008; Vasconcelos, 2004). Nesta direção, é relevante um maior entendimento em torno dos valores, destacando, sobretudo, o modelo teórico que aporta este estudo, a Teoria Funcionalista dos Valores Humanos.

Na Psicologia Social, os valores se constituem como um construto central (Ros & Gouveia, 2003). Na literatura, é possível encontrar diversos modelos teóricos sobre os valores (e.g., Schwartz, 1992; Rokeach, 1973), no entanto, nesta ocasião optou-se por um mais recente, constituindo-se como uma alternativa integradora, parcimoniosa e teoricamente fundamentada, denominada Teoria Funcionalista dos Valores Humanos (Gouveia, 1998, 2003, 2013; Gouveia, Milfont & Guerra, 2014a).

Em sua teoria, Gouveia e colaboradores destacam o caráter funcional dos valores, concebendo-os como guias do comportamento humano (1ª função: tipo de orientação), além de expressarem cognitivamente as necessidades (2ª função: tipo de motivador). Os valores como critérios de orientação do comportamento são representados pelos valores sociais, centrais e pessoais. A priorização de valores sociais indica a importância de causas sociais (foco interpessoal). Os valores centrais representam uma interface entre a garantia de sobrevivência, mas também o comprometimento com os princípios sociais imprescindíveis a um bom convívio, representando o núcleo das necessidades, sem que exista um conflito com os outros tipos de valores. Por fim, os valores pessoais refletem indivíduos que são egocêntricos, pautados na busca de realizações e satisfação pessoal (Gouveia, 2003, 2013; Gouveia, Milfont & Guerra, 2014b; Medeiros, 2011; Medeiros et al., 2012).

Por outro lado, os valores como expressão das necessidades são divididos em materialistas e humanitários. Os primeiros fazem alusão a valores de ordem prática, de modo que caracterizam pessoas que possuem prioridades, metas visíveis e claras. Os valores humanitários, por sua vez, se constituem como aqueles mais abstratos, sem um foco muito bem delineado (Gouveia, 2003; Medeiros, 2011).

O cruzamento das duas funções (guiar comportamentos e expressar necessidades) dá origem às subfunções valorativas, no total de seis, que são: experimentação, realização, existência, suprapessoal, interativa e normativa (Gouveia, 2013; Gouveia et al., 2014a). De uma forma sucinta, a seguir são expostas as subfunções, suas definições e seus valores específicos.

Subfunção experimentação (emoção, prazer e sexualidade): possui um motivador humanitário e orientação pessoal, representa indivíduos que não aderem categoricamente às normas convencionais e tampouco possuem objetivos precisos e urgentes.

Subfunção realização (poder, prestígio e êxito): possui orientação central e motivador pessoal, caracterizando pessoas que apresentam praticidade em suas ações e estruturação nas decisões.

Subfunção existência (saúde, sobrevivência e estabilidade): possui um motivador materialista com uma orientação central, representando valores de sobrevivência, refletindo as necessidades básicas dos indivíduos.

Subfunção suprapessoal (conhecimento, maturidade e beleza): possui um motivador humanitário com uma orientação central.

Subfunção interativa (afetividade, convivência e apoio social): essa subfunção tem um motivador idealista e é de orientação social, representando necessidades de amor, filiação e pertença.

Subfunção normativa (obediência, tradição e religiosidade): tem um motivador materialista, porém, com uma orientação social. Exigências sociais e institucionais são representadas por essa subfunção.

Destaca-se que esse modelo teórico vem recebendo apoio empírico, com evidências de adequação tanto em contexto brasileiro como internacional (Gouveia, 2013; Medeiros, 2011), justificando, portanto, o seu uso nesta ocasião. Neste sentido, estudos têm sido levados a cabo utilizando a Teoria Funcionalista dos Valores Humanos para a compreensão de comportamentos antissociais e delitivos (Formiga & Gouveia, 2005; Pimentel, 2004; Santos, 2008; Vasconcelos, 2004), cabendo descrever, alguns deles, a seguir.

Valores e comportamentos socialmente desviantes

Autores que vêm se dedicando ao estudo dos valores humanos e das condutas antissociais e delitivas atestam um padrão similar de que o compromisso convencional é um fator de proteção para o desenvolvimento de comportamentos socialmente desviantes (Chaves, 2006; Santos, 2008). Formiga (2013), por exemplo, observou o padrão correlacional dos valores humanos com as condutas antissociais e delitivas, verificando que valores de orientação social explicam negativamente comportamentos considerados desviantes; ademais, os de orientação pessoal o fazem positivamente.

Pimentel (2004), por sua vez, analisou a relação entre os valores humanos e o desenvolvimento de comportamentos desviantes, acrescentando, todavia, outras variáveis. Observou, por meio de uma análise de regressão múltipla, que a identificação com grupos alternativos e uma orientação proporcionada por valores de experimentação tornou maior a possibilidade de manifestação de comportamentos antissociais e delitivos. O padrão contrário também foi encontrado, pessoas que se identificaram com tais grupos e se guiam por valores normativos apresentaram menor possibilidade de manifestar condutas socialmente desviantes.

Não obstante, na amostra estudada por Pimentel (2004), a importância dada aos valores normativos não foi capaz de predizer negativamente os comportamentos delitivos, apenas os antissociais, algo que pode apontar para um modelo hierárquico, no qual os valores predizem os comportamentos antissociais que, por sua vez, predizem os delitivos, o que seria coerente com os achados de Vasconcelos et al. (2008).

Santos (2008), por sua vez, propôs um modelo explicativo dos comportamentos antissociais e delitivos. Para tanto, considerou os valores normativos como fator de proteção, além de se utilizar de variáveis outras, como o compromisso religioso, estilos parentais autoritativos e identificação com grupos sociais de referência, postulando um modelo nomeado como compromisso convencional e afiliação social. Tais variáveis se correlacionaram negativamente com os comportamentos antissociais que, por sua vez, predizem comportamentos delitivos, dando maior embasamento para se pensar nos comportamentos antissociais como um estágio prévio para ações delitivas.

Sendo assim, compreende-se que esses elementos são relevantes, na medida em que refletem uma lógica comum: o afastamento de regras predispõe as pessoas a uma aproximação com comportamentos de risco que podem ser comprometedores socialmente (antissociais), inclusive no âmbito jurídico (delitivos).

Partindo desse pressuposto, e conhecendo as consequências de comportamentos antissociais e delitivos, neste artigo objetivou-se aumentar as evidências em torno do papel que os valores humanos têm em predizer comportamentos socialmente desviantes. Especificamente, com o apoio da literatura, buscou-se testar três hipóteses: 1. Os valores normativos irão predizer negativamente os comportamentos antissociais. Alguns achados endossam que a adoção de valores normativos pode ser considerada como um fator de proteção quando se trata de desvios de conduta (Pimentel, 2004; Santos, 2008; Formiga, 2013); 2. Os valores de experimentação irão predizer positivamente. Estudos recentes (Formiga, 2013; Santos, 2008) indicaram que os valores de experimentação possuem relação direta e positiva com os comportamentos antissociais e delitivos; e 3. Os comportamentos antissociais irão predizer os delitivos. Alguns autores sugerem que os comportamentos delitivos são precedidos por comportamentos antissociais, padrão teórico que tem ganhado respaldo empírico (Formiga, 2002, 2013; Santos, 2008).

 

Método

Participantes

Contou-se com uma amostra não probabilística (de conveniência), composta por 207 estudantes universitários de uma IES pública de uma cidade do Piauí. Estes apresentaram idades entre 19 e 46 anos (M = 22,6; DP = 3,65), em sua maioria mulheres (73%), pessoas solteiras (91%), católicas (67,6%) e que se autodeclararam de classe média (59%).

Instrumentos

Escala de Condutas Antissociais e Delitivas (CAD): proposta inicialmente por Seisdedos (1988), neste estudo utilizou-se a versão reduzida, composta por 20 itens (Gouveia, Santos, Pimentel, Diniz & Fonseca, 2009) divididos em dois fatores, condutas antissociais (referindo-se a comportamentos indesejáveis socialmente) e condutas delitivas (comportamentos passíveis de punição por lei) que apresentou parâmetros psicométricos aceitáveis em amostra brasileira (e.g. GFI = 0,92, CFI = 0,90 e RMSEA = 0,06; com alfas que variam de 0,82 a 0,84). Os itens são respondidos em uma escala tipo likert de 10 pontos, com extremos 1 = Nunca e 10 = Sempre.

Questionário dos Valores Básicos (QVB): instrumento composto por 18 itens que representam as seis subfunções valorativas, cada uma representada por três valores específicos. Os respondentes indicam o grau de importância que cada valor tem como um princípio guia em sua vida, em uma escala de resposta do tipo Likert com sete pontos, variando de 1- Totalmente não importante a 7- Extremamente importante. Essa medida vem apresentando indicadores que atestam sua adequação (e.g., GFI = 0,90; CFI = 0,90; RMSEA = 0,09; Gouveia et al., 2014a).

Por fim, solicitou-se aos participantes que respondessem um conjunto de questões demográficas (e.g., sexo, idade e classe social) com a finalidade de caracterizá-los.

Procedimento

Após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa de uma IES pública do estado do Piauí (protocolo nº 0444.0.045.000-11), foram realizadas as aplicações dos questionários, que ocorreram nas salas de aulas, entretanto respondidos individualmente. Desta forma, após concordar em participar do estudo, assinado o termo de consentimento livre e esclarecido e receber as devidas instruções acerca do preenchimento das escalas, os participantes foram convidados a respondê-los. A aplicação durou, em média, 15 minutos.

Análises de dados

Os dados foram analisados com os pacotes estatísticos PASW e AMOS, ambos em sua versão 18. Com o primeiro, realizaram-se estatísticas descritivas, análise de correlação r de Pearson e MANOVA. Com o segundo, objetivando testar um modelo explicativo, realizou-se uma path analysis, utilizando como parâmetros de um modelo ajustado os seguintes indicadores (Byrne, 2010; Hair, Black, Babin, Anderson & Tathan, 2009; Pilati & Laros, 2007):

χ2 (qui-quadrado). Esse indicador testa a probabilidade do modelo se ajustar aos dados, sendo preferíveis valores baixos. Entretanto, por ser sensível ao tamanho amostral e pelo número de variáveis no modelo, indica-se levar em conta a sua razão com os graus de liberdade (χ2/gl), em que valores entre dois e três indicam um bom ajuste, aceitando-se até cinco.

Goodness-of-Fit Index (GFI) e o Adjusted Goodness-of-Fit Index (AGFI) testam a proporção de variância-covariância nos dados explicada pelo modelo, em que valores acima de 0,90 são indicadores de um modelo ajustado.

Comparative Fit Index (CFI) é um índice que compara o modelo estimado com um nulo, em que valores mais próximos de um expressam melhor ajuste. Frequentemente, valores acima de 0,90 são referências de um modelo ajustado.

Tucker Lewis Index (TLI), a exemplo do CFI, é um índice comparativo, confrontando um modelo teórico com um nulo. Por não ser padronizado, seus valores podem ficar abaixo de zero ou acima de um, no entanto, sugere-se que aqueles que se aproximam de um possam se configurar como um bom indicador de ajuste do modelo aos dados.

Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA) e seu intervalo de confiança de 90% (IC90%) avaliam se o modelo testado se ajusta à população e não apenas à amostra utilizada; são considerados bons indicadores de ajuste valores próximos a zero, recomendando-se entre 0,05 e 0,08, admitindo-se até 0,10.

 

Resultados

Inicialmente, realizou-se uma análise de correlação de Pearson, objetivando conhecer o padrão de correlações entre as seis subfunções valorativas e os comportamentos antissociais e delitivos. Os resultados desta análise são especificados na Tabela 1, a seguir.

 


Tabela 1 - Clique para ampliar

 

Observa-se que os comportamentos antissociais apresentaram correlações estatisticamente significativas, de modo positivo, com a subfunção experimentação (r = 0,25; p < 0,001) e negativa com as subfunções existência (r = -0,14; p < 0,05), suprapessoal (r = -0,14; p < 0,05), interativa (r = -0,18; p < 0,01) e normativa (r = -0,24; p < 0,001). Posteriormente, verificou-se que os comportamentos delitivos se correlacionaram, inversamente, com a subfunção existência (r = -0,15; p < 0,05), e positivamente, com os comportamentos antissociais (r = 0,48; p < 0,001).

Não obstante, considerando o apoio da literatura, que indica que o sexo, a classe socioeconômica e a idade podem se constituir como importantes para o entendimento dos comportamentos socialmente desviantes, decidiu-se realizar uma MANOVA. Especificamente, entrou-se com os comportamentos antissociais e delitivos como variáveis dependentes e o sexo, classe socioeconômica e idade dos participantes como variáveis independentes.

Os resultados indicam que o sexo [Lambda de Wilks = 0,93; F(2,147) = 5,82, p > 0,01; ɳ2p = 0,073] teve efeitos significativos sobre os comportamentos socialmente desviantes, contudo, classe socioeconômica [Lambda de Wilks = 0,94; F(6,294) = 1,37, p > 0,05; ɳ2p = 0,027] e idade [Lambda de Wilks = 0,86; F(32,294) = 0,71, p > 0,05; ɳ2p = 0,072] não tiveram.

Posteriormente, decidiu-se testar um modelo explicativo no qual os valores predizem os comportamentos antissociais que, por sua vez, predizem os delitivos. Nesta direção, considerando critérios teóricos e empíricos, selecionaram-se os valores das subfunções experimentação e normativa, que vêm se mostrando consistentes na predição de tais condutas, além de serem os valores com correlação mais forte com as condutas antissociais.

O passo seguinte do estudo foi conhecer se as subfunções predizem diretamente as condutas delitivas, ou se os valores apresentam efeitos indiretos sobre tais condutas, cabendo aos comportamentos antissociais o papel de preditor direto. Neste sentido, inicialmente foram testados os efeitos diretos das subfunções valorativas sobre os comportamentos delitivos, no entanto, não se verificou predição estatisticamente significativa dos valores da subfunção normativa (λ = -0,03, IC (90%) = -0,15/0,08, p > 0,05) e experimentação (λ = 0,10, IC (90%) = -0,01/0,20, p > 0,05).

Não obstante, ao se incluir os comportamentos antissociais no modelo, percebe-se que os valores passam a ter efeitos indiretos nos comportamentos delitivos - experimentação [λ = 0,13, IC (90%) = 0,08/0,20, p < 0,001] e normativa [λ = -0,13, IC (90%) = -0,19/-0,08, p < 0,001]. O modelo testado é apresentado na Figura 1.

 

 

Ademais, é possível observar que o modelo testado apresentou todos os lambdas estatisticamente significativos e diferentes de zero (z > 1,96, p < 0,05). Especificamente, observa-se que a subfunção normativa prediz negativamente os comportamentos antissociais (λ = -0,27), enquanto os valores da subfunção experimentação o fazem positivamente (λ = 0,28) e os comportamentos antissociais, por sua vez, predizem os delitivos (λ = 0,48). Além disso, os indicadores de ajuste desse modelo atestam sua pertinência: χ2/g.l = 1,48, GFI = 0,99, CFI = 0,98, TLI = 0,96; RMSEA = 0,05 (LI = 0,00/ LS = 0,15).

 

Discussão

O presente estudo objetivou verificar a adequação de um modelo explicativo em que os valores humanos, especificamente os normativos e de experimentação, predizem comportamentos antissociais que, por sua vez, predizem os delitivos. Os resultados encontrados recebem apoio da literatura (Formiga, 2013; Formiga & Gouveia, 2005; Santos, 2008; Pimentel, 2004; Vasconcelos, 2004).

Baseando-se nos resultados, é possível pensar que pessoas pautadas por valores de experimentação, que buscam a satisfação imediata, são menos propensas a se conformarem com normas sociais e estão mais predispostos a se envolver em comportamentos antissociais (Chaves, 2006; Formiga, 2002, 2013; Formiga & Gouveia, 2005; Santos, 2008). Especificamente, considerando a essência do valor emoção, que caracteriza pessoas orientadas pela busca de experiências perigosas e excitabilidade, é possível verificar as relações entre a subfunção experimentação e condutas antissociais.

A esse respeito, Simó e Pérez (1991) citam que muitas formas de comportamento antissocial envolvem risco, podendo configurar-se como uma forma de satisfazer necessidades de estimulação, algo característico dos buscadores de sensações. No entanto, a priorização dos valores de experimentação não se constitui como um determinante para práticas desviantes, mas sim um componente que, em associação com outras variáveis, pode configurar-se como uma predisposição à violação de normas sociais e legais (Rodríguez, 2009).

Por outro lado, as relações negativas com os valores normativos que caracterizam pessoas pautadas na obediência e respeito às normas sociais podem configurar-se como um fator de proteção (Pimentel, 2004; Santos, 2008). Nesta direção, Chaves (2006) propõe que pessoas que se pautam na estabilidade grupal, no respeito pelos padrões culturais, podem ter tais comportamentos desviantes inibidos.

Portanto, os resultados indicam que é plausível se pensar que pessoas orientadas por valores de experimentação e que se distanciam daqueles normativos estarão mais propensas a se envolver em comportamentos antissociais. Neste caso, ressalta-se que se teve em conta estudantes universitários, com idade média de 22 anos que, de acordo com Gouveia, Vione, Milfont e Fischer (2015) estão em fase de endossar valores da subfunção experimentação e comportamentos de riscos, como podem ser os antissociais e delitivos, e o fazer de modo contrário aos valores normativos.

Consequentemente, esta pesquisa fornece mais evidências em torno da adequação do uso da Teoria Funcionalista dos Valores Humanos para o entendimento das condutas antissociais. Tais conclusões são respaldadas tanto pela literatura (Gouveia et al., 2015; Santos, 2008) quanto pelos indicadores de ajuste do modelo testado, dando suporte teórico e empírico às hipóteses previamente elaboradas (Byrne, 2010; Hair et al., 2009; Pilati & Laros, 2007).

Ademais, os resultados indicam ser possível pensar em uma hierarquia em que os valores não predizem diretamente os comportamentos delitivos, mas sim exercem efeitos indiretos sobre tais, cabendo-lhe o papel de preditor direto dos comportamentos antissociais (Vasconcelos et al., 2008). Tais evidências vão de encontro ao que foi verificado na literatura (Bartusch et al., 2006; Formiga, 2013; Moffitt, 1993; Vasconcelos et al., 2008).

Considerando o aspecto central dos valores, formados durante o processo de socialização dos indivíduos, é possível pensar a família como chave para a transmissão dos valores. Nesta direção, pode ser traçado um paralelo com o modelo de coerção de Patterson, que propõe um modelo para o desenvolvimento de condutas antissociais, no qual a ineficácia de práticas parentais (e.g., falha ao transmitir valores sociais) pode gerar comportamentos antissociais, culminando com o envolvimento em comportamentos delinquentes (Patterson, DeBaryshe, & Ramsey, 1990). Parece, portanto, que os valores transmitidos de pais para filhos podem ser um componente importante para a compreensão do surgimento e desenvolvimento dos comportamentos antissociais (Gouveia, Santos, Pimentel, Medeiros & Gouveia, 2011; Pimentel, 2004; Santos, 2008).

Quanto ao papel de variáveis demográficas, não foi possível verificar predições estatisticamente significativas. Especificamente, assim como no estudo de O'Riordan e O'Connell (2014), a classe socioeconômica não obteve poder preditivo, havendo outras variáveis no modelo que explicaram a variabilidade dos dados. Quanto ao papel do sexo, verificou-se que as maiores médias de comportamentos desviantes foram dos homens, algo que pode indicar que esse grupo está mais predisposto ao envolvimento com pares desviantes e, consequentemente, adotar tais condutas (Giordano & Cernovich, 1997; Van Lier et al., 2005). Já com a variável idade, indica-se que os estudos que a utilizam são essencialmente longitudinais, possibilitando estimar de forma precisa a contribuição dessa variável nos comportamentos desviantes (Bartusch et al., 2006), objetivo que fugia ao escopo deste estudo.

Apesar dos resultados encontrados, cabe ressaltar que estes devem ser analisados com ressalvas. Entre as limitações desta pesquisa, é importante indicar o tipo de amostragem utilizada (por conveniência), o que constitui como uma restrição à generalização dos achados para além da amostra utilizada. Outra potencial limitação refere-se à desejabilidade social que afeta, principalmente, temas polêmicos, como parece ser a prática de comportamentos antissociais e delitivos, algo que pode ter levado os participantes a mascarar suas respostas, de modo a enfatizar seus aspectos mais positivos. Neste sentido, em oportunidades futuras, pode-se pensar em controlar esses vieses.

Além do que antes foi comentado sobre possibilidades futuras, pode-se pensar em outros preditores, ou mesmo na elaboração de um modelo mais complexo, incluindo traços de personalidade e estilos parentais (Laranjeira, 2007). Neste sentido, avalia-se que os objetivos foram alcançados, comprovando-se a inter-relação entre valores e condutas antissociais e delitivas. Especificamente, foi verificado que os valores humanos não predizem diretamente os comportamentos delitivos, no entanto, possuem efeitos indiretos sobre tais condutas ao se incluir, no modelo, os comportamentos antissociais. Possivelmente, a maior contribuição do estudo será indicar a possibilidade de se pensar em um modelo hierárquico de predição de condutas delinquentes em que os valores têm efeito indireto, cabendo aos comportamentos antissociais o papel de predizer diretamente.

Tais achados podem embasar programas psicossociais direcionados a famílias e escolas, já que são as células que funcionam como os primeiros espaços de socialização e, portanto, de formação dos valores. Logo, torna-se importante a promoção de valores sociais, especificamente os normativos, tendo em vista as relações negativas que estabelecem com os comportamentos antissociais. Assim, a função básica de tais achados vem sendo a de oferecer uma orientação válida à importância da manutenção e/ou estímulo a um melhor comprometimento social, além de um fundamento teórico que possa permear intervenções eficazes e coerentes com o fenômeno.

 

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Recebido em 28/04/2015
Aprovado em 02/12/2016

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