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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.8 no.2 Juiz de Fora dez. 2014

https://doi.org/10.5327/Z1982-1247201400020002 

ARTIGOS
DOI: 10.5327/Z1982-1247201400020002

 

Teorias implícitas de professores sobre a natureza, origem e desenvolvimento da inteligência

 

Teacher's implicit theories about nature, origin and development of intelligence

 

 

Carolina Ruiz LongatoI; Sylvia Domingos BarreraI

IUniversidade de São Paulo (Ribeirão Preto), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Considerando que as crenças docentes podem influenciar as relações com alunos e as estratégias didáticas, esta pesquisa objetivou analisar as teorias implícitas de professoras sobre a natureza, origem e desenvolvimento da inteligência. Participaram 60 professoras de escolas de Ensino Fundamental, das redes pública e privada. Foi utilizado um questionário consistindo numa escala Likert de quatro níveis, elaborado com base em instrumentos da literatura. Os resultados foram analisados quantitativamente. De modo geral, as professoras tenderam a concordar com a maleabilidade e multidimensionalidade da inteligência, porém foram identificadas algumas diferenças entre as teorias implícitas das professoras segundo a rede, com as professoras da rede particular apresentando maior discordância de afirmações que concebem a inteligência como um traço fixo e de origem genética.

Palavras-chave: inteligência; professores; ensino fundamental.


ABSTRACT

Considering that teacher's beliefs can influence the relationships with students and teaching strategies, this study aimed to analyze teachers' implicit theories about the nature, origin and development of intelligence. Participants were 60 teachers, from public and private elementary schools. A questionnaire was used consisting of a Likert scale of four levels, based on instruments developed in the literature. The results were analyzed quantitatively. In general, the teachers tended to agree with the flexibility and multidimensionality of intelligence, however we identified some differences between implicit theories of teachers from public and private schools, with the latter showing greater disagreement of statements that conceive intelligence as a fixed trait and whose origin is genetic.

Keywords: intelligence; teachers; elementary education.


 

 

O conceito de inteligência tem originado inúmeras discussões no campo da psicologia, marcadas por controvérsias entre os pesquisadores. Pode-se dizer que muitas dessas discordâncias provêm da falta de consenso sobre a definição e conceituação da inteligência no que diz respeito à sua natureza, origem e desenvolvimento. De modo geral, as teorias inatistas da inteligência explicam as diferenças individuais pelas disposições genéticas dos indivíduos. Já as teorias ambientalistas consideram o meio em que os indivíduos se encontram como o principal fator determinante de seu nível de inteligência (Foulin & Mouchon, 2000).

Atualmente, as explicações mais aceitas no meio científico para a origem da inteligência são as teorias interacionistas, que consideram tanto a influência de fatores genéticos quanto de fatores ambientais e explicam o desenvolvimento cognitivo como resultado da interação entre o organismo e o meio (Foulin & Mouchon, 2000; Coll & Onrubia, 2004). Além disso, em oposição à Teoria do Fator G, que privilegia a existência de um fator unitário na composição da inteligência (Spearman, 1904, citado por Coll & Onrubia, 2004), têm ganhado destaque na psicologia teorias que postulam a existência de diferentes tipos de inteligência, como é o caso da Teoria das Inteligências Múltiplas (Gardner, 1994), da Teoria da Inteligência Emocional (Goleman, 2001) e da Teoria Triárquica da Inteligência (Sternberg, 2008).

Diferentemente das teorias científicas ou explícitas sobre a inteligência, as pessoas em geral, cientistas ou leigos, desenvolvem crenças pessoais sobre o que é inteligência e como ela se manifesta em termos de comportamento. Tais crenças podem ser chamadas de teorias implícitas (Sternberg, 1985) e exercem considerável influência nas atitudes e comportamentos individuais (García-Cepero & McCoach, 2009).

Estudos sobre o pensamento do professor, paradigma investigativo surgido na década de 1970 nos Estados Unidos (Braz, 2007; Sadalla et al., 2005) têm evidenciado que as crenças, os conhecimentos prévios e as ideias espontâneas dos professores não são conjuntos desordenados e justapostos de conhecimentos, mas organizam-se em "teorias implícitas". São chamadas de implícitas porque o professor não está consciente delas. Segundo García-Cepero e McCoach(2009), as teorias implícitas dos professores sobre a inteligência dos alunos podem exercer importante influência em sua prática pedagógica.

O modelo teórico proposto por Dweck e Leggett (1988) concebe basicamente dois tipos de teorias implícitas de inteligência: uma estática e outra incremental. A concepção estática de inteligência refere-se à crença de que a inteligência é um traço global e estável, limitado em quantidade e incontrolável. Pessoas que adotam essa concepção acreditam que possuem uma quantidade fixa de inteligência, demonstrável através do desempenho, e que os resultados obtidos permitem avaliá-la.

Já a concepção dinâmica ou incremental envolve a crença de que a inteligência é um conjunto maleável de competências e conhecimentos, suscetível de desenvolvimento através de esforços e investimentos pessoais, sendo, portanto, controlável. Além dessa dimensão sobre o desenvolvimento ou imutabilidade da inteligência, é possível supor que as pessoas elaborem teorias implícitas sobre a origem da mesma (herança genética inata ou decorrência das experiências propiciadas pelo ambiente), bem como sobre a natureza da inteligência (atributo unitário, global e unidimensional ou composta por diversos tipos de habilidades relativamente independentes).

Pesquisas têm sugerido que, em geral, os professores possuem pouco conhecimento de como a inteligência se expressa e desconhecem o alcance do contexto educacional para o desenvolvimento da mesma. Atualmente, estudos sugerem que a inteligência é altamente treinável e sensível à qualidade das intervenções educacionais. Entretanto, a principal concepção no âmbito educacional ainda parece ser a da determinação genética, uma vez que a inteligência é constantemente encarada como um fator imutável que dificulta ou limita o rendimento escolar dos alunos (Boruchovitch, 2001).

Jonsson e Beach (2010) observaram em seu estudo que teorias implícitas da inteligência como fixa e inata foram significativamente mais fortes quando os professores foram apresentados à teoria do fator g de Spearman durante sua formação. Essa teoria propõe que toda atividade intelectual é composta por um fator geral (g) comum a toda a atividade mental e fatores específicos para cada atividade individualizada. Desse modo, todos os testes poderiam medir o fator g (Coll & Onrubia, 2004).

No que se refere à origem da inteligência, Foulin e Mouchon (2000) afirmam que os professores geralmente privilegiam as teses inatistas a respeito da inteligência, em detrimento dos fatores ambientais, situando nos indivíduos a origem de seus desempenhos escolares e intelectuais. Assim, no meio educacional, ainda parece predominar a ideia de uma relação direta entre inteligência, capacidade de aprendizagem e rendimento escolar (Coll & Miras, 2004).

Já o estudo de Jonsson, Beach, Korp e Erlandson (2012) concluiu que, de modo geral, professores de linguagem, ciências sociais e disciplinas práticas têm uma preferência significativa pela teoria incremental da inteligência, enquanto os professores de matemática preferem uma teoria estática.

Moysés e Collares (1997), pesquisando as opiniões de profissionais da educação e da saúde acerca das causas do fracasso escolar, constataram que, independentemente da área de atuação ou da formação, esses profissionais centram as causas do fracasso escolar nas crianças e suas famílias. Já a instituição escolar é praticamente isenta de responsabilidades quando falam sobre o que consideram causas do fracasso escolar.

García-Cepero e McCoach (2009) analisaram a estrutura das teorias implícitas de professores sobre a inteligência e exploraram a relação das mesmas e as crenças sobre a identificação dos estudantes talentosos. Segundo as autoras, os professores que apontam a criatividade como atributo importante da inteligência tendem a favorecer múltiplos métodos para identificar os estudantes talentosos. Já os professores que apoiam o uso de provas de coeficiente intelectual como a base para a identificação do talento geralmente estão de acordo com as habilidades analíticas como parte da estrutura da inteligência.

Uma tendência atual nos estudos sobre a formação docente baseia-se na concepção que considera o professor (ideal) como prático reflexivo (Schön, 2000). Nessa abordagem, considera-se que as teorias e crenças docentes estão presentes nos vários momentos do pensamento do professor: antes, durante e após sua ação educativa. A concepção dos professores enquanto práticos reflexivos considera que estes são profissionais que refletem, emitem juízos, têm crenças e atitudes e tomam decisões baseados em seu conhecimento prático.

Entretanto, estudos têm demonstrado (Moreira & Monteiro, 2010; Sadalla et al., 2005) que os professores atuam, muitas vezes, sem ter suficiente reflexão sobre as crenças que determinam suas ações. Assim, torna-se importante formar professores capazes de refletir sobre sua prática e sobre as crenças que a determinam, buscando modificá-las com base em conhecimentos mais sólidos.

No dia a dia, os professores se deparam constantemente com situações novas que exigem posicionamento, julgamento ou decisão imediata, sem muito tempo para pensar sobre sua ação. Fatores de ordem interna como as características pessoais do professor, suas concepções sobre o conteúdo, seus valores e crenças pessoais, sua idade e tempo de experiência podem influenciar nessas decisões, bem como no planejamento do professor, determinando o que, quando e como ensinar (Braz, 2007). Coll e Miras (2004) também enfatizam a influência das representações que os professores constroem de seus alunos sobre os pensamentos e expectativas docentes, levando-os a interpretar de forma enviesada o que os alunos fazem e a reagir diferentemente frente aos progressos e dificuldades de cada um.

O estudo clássico de Rosenthal e Jacobson (1968/1993) já chamava a atenção para o fato de que as expectativas do professor sobre o desempenho dos alunos podem funcionar como profecias autorrealizadoras, influenciando nas interações estabelecidas em sala de aula e levando os alunos a conformarem-se às expectativas do professor, comportando-se de acordo com o que se espera deles. Desse modo, as expectativas que o professor tem sobre o desempenho dos alunos podem se converter em realidade. Assim, entende-se que as profecias autorrealizadoras são influenciadas pelas crenças que os professores constroem sobre os alunos e suas capacidades.

Professores com concepções mais dinâmicas de inteligência, que a concebem como um conjunto de competências suscetíveis de serem desenvolvidas, necessitam menos utilizar estratégias de defesa da sua imagem profissional e encontrar explicações externas a si mesmos para o insucesso dos alunos. Em vez disso, esforçam-se mais para ajudá-los a superar suas dificuldades, sendo que as concepções mais dinâmicas de inteligência promovem estratégias e práticas de interação com os alunos suscetíveis de promover o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais através de esforço e investimento (Faria, 2002; Jonsson & Beach, 2012). Assim, as teorias implícitas de inteligência dos professores parecem ter sérias implicações para os processos de ensino e aprendizagem (Coll & Onrubia, 2004; Jonsson & Beach, 2012).

De acordo com a literatura, é possível supor que os professores necessitam ampliar seus conhecimentos sobre a inteligência humana, bem como sobre a possibilidade da utilização de estratégias de ensino mais eficazes para desenvolvê-la. Além disso, parece importante criar condições para que eles se apropriem e reflitam sobre as próprias teorias implícitas de inteligência e sobre os efeitos dessas crenças em sua prática pedagógica.

Considera-se relevante, portanto, conhecer mais a respeito das teorias implícitas docentes sobre a inteligência, uma vez que tal conhecimento pode orientar práticas mais adequadas de formação inicial e continuada de professores. Assim, o presente estudo teve como objetivo geral analisar as teorias implícitas de professores do Ensino Fundamental sobre a "inteligência". Os objetivos específicos foram:

(1) identificar as teorias implícitas de professores sobre a natureza, a origem e o desenvolvimento da inteligência;

(2) realizar uma análise exploratória comparativa das teorias implícitas de professores da rede pública e privada e de acordo com o nível de formação.

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 60 professoras de 1ª a 4ª série (ou 5º ano) de 8 escolas de Ensino Fundamental, sendo 4 da rede pública estadual e 4 da rede privada do interior do Estado de São Paulo. Como critério de exclusão, não participaram da pesquisa docentes que atuavam simultaneamente nas redes pública e privada. A amostra final ficou assim constituída por 30 professoras da rede pública e 30 da rede privada. A Tabela 1 apresenta a caracterização da amostra estudada segundo a rede de ensino, idade e nível de formação.

É possível verificar, examinando a Tabela 1, que 40% da amostra pesquisada possui especialização e/ou pós-graduação, embora esse percentual seja superior nas professoras da rede privada, que conta com 50% de pós-graduadas, contra apenas 30% na rede pública. Quanto às áreas de especialização das professoras que possuem pós-graduação, encontram-se: psicopedagogia (14), educação especial (7), alfabetização (4), educação infantil (3), gestão escolar (2), administração (2), orientação educacional (1), matemática (1) e arteterapia (1). Ressalta-se que algumas delas possuem mais de uma especialização.

Material

Para a coleta de dados, foi utilizado um questionário autoaplicado, elaborado pelas pesquisadoras, a partir de instrumentos propostos na literatura por Amaral (1997), Faria e Fontaine (1993)1 e García-Cepero e McCoach (2009). O instrumento elaborado se propõe a acessar as teorias implícitas de docentes a respeito da natureza (estrutura e composição), origem (genética ou ambiental) e desenvolvimento (fixa ou mutável) da inteligência. Possui 48 itens fechados, aos quais as participantes deveriam indicar seu grau de concordância com as afirmações propostas sobre o conceito de inteligência, com base numa escala Likert de quatro níveis, indo desde "discordo completamente" até "concordo completamente". A escala foi propositalmente elaborada com número par de níveis de concordância, a fim de favorecer o posicionamento das participantes.

O Quadro 1 apresenta exemplos de itens do questionário, representativos de cada dimensão da inteligência analisada, bem como os resultados do α de Cronbach, medida estatística que reflete o grau de confiabilidade do instrumento, calculado com base nos itens elaborados para cada uma das variáveis ou dimensões pesquisadas. É importante salientar que valores do α de Cronbach superiores a 0,60 podem ser considerados aceitáveis (Maroco & Garcia-Marques, 2006).

Procedimento

Após a autorização das escolas para a realização da pesquisa, as professoras do Ensino Fundamental foram informadas sobre os objetivos da mesma e convidadas a participar do estudo. Àquelas que aceitaram o convite foram entregues os questionários para serem respondidos, marcando-se uma data para a devolução destes.

Antes da coleta de dados, houve uma fase-piloto com aplicação preliminar do questionário a seis professoras para avaliação e possíveis ajustes do mesmo, em termos de clareza das instruções e itens propostos. Esses dados não foram computados na pesquisa. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição à qual as pesquisadoras são vinculadas (processo número 516/2010 - 2010.1.1460.59.7).

Os dados obtidos com a aplicação dos questionários foram analisados quantitativamente, sendo que foram calculadas as modas a partir dos pontos atribuídos às respostas da escala Likert (1=discordo totalmente, 2=discordo em parte, 3=concordo em parte e 4=concordo totalmente). Dessa forma, modas menores (entre 1 e 2) indicam discordância das afirmações que se referem à determinada variável, enquanto modas maiores (entre 3 e 4) indicam a concordância com as afirmações e, portanto, a importância ou peso dado a determinada variável.

 

Resultados

Inicialmente, foram analisadas as respostas das professoras referentes às oito variáveis dependentes relacionadas às três dimensões da inteligência estudadas, a saber: origem ("genética" e "ambiental"); desenvolvimento ("fixa" e "maleável") e natureza ("abstrata", "prática", "criativa" e "emocional").

Os dados foram analisados utilizando-se técnicas estatísticas descritivas e inferenciais, a partir da aplicação do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). A Tabela 2 apresenta os resultados obtidos na análise descritiva — valores de moda e média para a amostra total de professoras e para os grupos compostos pelas participantes da rede pública e rede privada — e na análise inferencial — resultados do teste não paramétrico de Mann-Whitney para comparação de duas amostras independentes e respectivos níveis de significância.

Os resultados apresentados na Tabela 2 indicam que as professoras tendem a concordar com a maleabilidade da inteligência (valores de moda iguais ou superiores a 3,0), não tendo sido encontrada diferença significativa quando se compararam as respostas das participantes de acordo com a rede de ensino à qual pertencem. Coerentemente a esse resultado, observa-se que a amostra estudada discorda das afirmações que consideram a inteligência como um traço fixo (com valores de moda próximos a 1,0). Entretanto, com relação a essa concepção da inteligência, foi encontrada diferença significativa entre os grupos de professoras segundo a rede (p=0,000), com as participantes da rede privada apresentando discordância mais sistemática e radical com as afirmações que descrevem a inteligência como uma característica imutável.

Com relação à dimensão que trata da origem da inteligência, os resultados mostram um padrão aparentemente ambíguo, sobretudo no que se refere ao grupo de professoras da rede pública, que tendem a concordar tanto com as afirmações sobre a origem genética da inteligência quanto com as sentenças que afirmam sua origem ambiental. Já as professoras da rede particular demonstraram um padrão mais consistente de respostas, discordando das afirmações sobre a origem genética da inteligência e apresentando leve tendência a concordar com a origem ambiental do constructo. Assim, embora não tenham sido observadas diferenças significativas entre as concepções das professoras da rede pública e privada quanto ao grau de concordância com a origem ambiental da inteligência, foi possível observar diferença significativa entre as redes no que se refere à visão inatista da inteligência (p=0,000), sendo que as professoras da rede pública tenderam a manifestar concordância com a origem genética da inteligência, enquanto as da rede privada tenderam a discordar dessa concepção, privilegiando, portanto, apenas sua determinação ambiental. 

Quanto à composição ou natureza da inteligência, percebe-se uma concordância da amostra como um todo em que a mesma pode se expressar em habilidades de pensamento abstrato, criatividade e solução de problemas práticos. Além disso, as professoras da rede pública tendem a concordar também com a existência de uma dimensão emocional na inteligência, enquanto as professoras da rede privada tendem a discordar desse tipo de inteligência, diferença essa que se mostrou estatisticamente significativa (p=0,010). Outro resultado interessante é que as professoras da rede particular tendem a discordar de afirmações que identificam a inteligência com habilidades cognitivas relacionadas basicamente ao pensamento abstrato, diferença essa que se mostrou estatisticamente significativa entre as redes (p=0,001). Deve-se salientar ainda que foram observadas também diferenças significativas entre as redes quanto às variáveis "prática" (p=0,036) e "criativa" (p=0,001), as quais apresentaram valores significativamente superiores para a rede pública, o que indica maior concordância das professoras da rede pública com essas concepções de inteligência.

Outra análise realizada foi a partir da aplicação do teste de Mann-Whitney para comparar as respostas do grupo de professoras com e sem cursos de especialização e/ou pós-graduação, porém não foram encontradas diferenças significativas entre as professoras desses dois grupos para qualquer das variáveis consideradas: "genética" (p=0,826), "ambiente" (p=0,443), "fixa" (p=0,692), "maleável" (p=0,933), "abstrata" (p=0,315), "prática" (p= 0,649), "criativa" (0,662) e "emocional" (p=0,301).

Mesmo não tendo sido identificadas diferenças entre os grupos considerando a formação adicional de parte da amostra, foi realizada uma análise para verificar se haveria associação entre as variáveis independentes "rede" e "especialização". Para essa análise, utilizou-se o teste do χ2, não sendo identificada associação significativa entre as variáveis pesquisadas, o que sugere independência entre as mesmas (χ2=2,4; graus de liberdade - gl=1; p=0,121).

 

Discussão

No dia a dia, os professores se deparam constantemente com situações complexas e com as diferenças de rendimento entre os alunos, o que exige constante posicionamento e julgamento, baseados nas suas concepções, muitas vezes implícitas, sobre os fatores aos quais são atribuídas essas diferenças, entre os quais se destaca a inteligência. Desse modo, é possível supor que as teorias implícitas dos professores acerca da inteligência influenciam diretamente suas relações com os alunos e as estratégias didáticas adotadas, podendo interferir também, indiretamente, sobre o desempenho destes últimos.

A pesquisa realizada visou identificar as teorias implícitas de uma amostra de professoras do Ensino Fundamental das redes pública e privada a respeito da origem, natureza e desenvolvimento da inteligência. Quanto à primeira dimensão analisada, os resultados apontaram para uma tendência das professoras, sobretudo as da rede pública, de concordar tanto com as afirmações que priorizam os fatores ambientais quanto com aquelas que enfatizam os fatores genéticos na origem da inteligência.

Isso pode indicar que elas tendem a considerar ambos os tipos de influência na explicação da origem das capacidades intelectuais, o que estaria de acordo com uma abordagem interacionista da inteligência, abordagem essa que é predominante na ciência psicológica atual. De fato, as teorias interacionistas explicam o desenvolvimento cognitivo como resultado da interação entre o indivíduo e o meio onde ele vive, ou seja, consideram a importância do papel desempenhado pelos fatores ambientais, em interação com os aspectos biológicos, na determinação da inteligência (Foulin, & Mouchon, 2000).

Entretanto, foram observadas também diferenças significativas entre as professoras da rede pública e da rede particular no que se refere a esse aspecto, com as professoras da rede particular apresentando discordância das afirmações que enfatizam a predominância da influência genética na origem da inteligência. Tal diferença é digna de nota, uma vez que concepções mais inatistas sobre a inteligência tendem a favorecer a atribuição dos resultados escolares exclusivamente aos alunos, limitando o envolvimento do professor na busca de mudanças no ambiente escolar e/ou em suas práticas pedagógicas.

No que se refere ao desenvolvimento da inteligência, os dados gerais sugerem uma concepção de inteligência como um traço maleável e sujeito a desenvolvimento através de esforços e investimentos pessoais. De acordo com Faria (2002), concepções mais dinâmicas de inteligência possibilitam ao professor estratégias e práticas de interação com os alunos mais suscetíveis de promover o desenvolvimento das suas capacidades intelectuais. Segundo a autora, professoras que apresentam esse tipo de crença sobre a inteligência teriam menos necessidade de encontrar explicações externas para o insucesso dos alunos e, em vez disso, esforçar-se-iam mais para ajudá-los a superar suas dificuldades. Esse resultado é, portanto, a princípio, positivo, embora deva salientar-se que a variável "maleabilidade" foi a que obteve o menor valor de α de Cronbach na avaliação do instrumento utilizado, valor esse levemente inferior ao considerado satisfatório, o que sugere cautela com relação à confiabilidade da mensuração dessa variável.

Além disso, também no aspecto do desenvolvimento da inteligência, foram observadas diferenças significativas entre as redes de ensino, com as professoras da rede particular discordando, em maior grau do que as da rede pública, das afirmações que concebem a inteligência como um traço fixo, que não pode ser desenvolvido.

Tomando como base as diferenças encontradas entre as redes, no que diz respeito à variável "fixa" ser mais fortemente rejeitada pelas professoras da rede particular, e à variável "genética" ter obtido maior concordância das professoras da rede pública, é possível considerar que os resultados obtidos com as professoras da rede pública guardam alguma semelhança com aqueles citados por Boruchovitch (2001), Coll e Miras (2004) e Foulin e Mouchon (2000), os quais consideram que a concepção de inteligência predominante no âmbito educacional seria a da determinação genética, predominando a ideia da relação entre inteligência, capacidade de aprendizagem e rendimento escolar. Entretanto, é preciso relativizar essa conclusão, uma vez que as professoras pesquisadas, mesmo aquelas da rede pública, demonstraram também sua concordância com a influência dos fatores ambientais na determinação da inteligência, bem como com o caráter maleável da mesma, discordando, embora em menor grau, da concepção da inteligência como um traço fixo e imutável.

 Finalmente, sobre a natureza da inteligência, foi encontrado que as professoras de ambas as redes concordam que a inteligência pode ser decomposta em vários fatores ou habilidades, em especial as habilidades de pensamento abstrato, solução de problemas práticos e também na criatividade. Também nesse caso foram observadas diferenças significativas entre as redes, com as professoras das escolas públicas tendendo a concordar em maior grau com esses diversos tipos de inteligência.

Com relação à dimensão emocional da inteligência, a amostra como um todo tendeu a discordar dessa concepção, embora na comparação por redes tenha havido diferenças significativas entre os grupos, com as professoras da rede particular tendendo a manifestar discordância da existência de uma "inteligência emocional", enquanto as da rede pública tenderam a concordar com essa dimensão. Tais dados mostram que a dimensão emocional da inteligência é a menos aceita por parte das professoras, em especial daquelas da rede particular, o que pode indicar a manutenção de concepções que consideram a clássica cisão entre aspectos intelectuais e emocionais.

Surpreendentemente, não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos de professoras, quando considerada a formação complementar (com ou sem pós-graduação e/ou especialização). Esses resultados parecem indicar que possíveis mudanças e mesmo aprimoramentos na formação docente não tiveram impacto significativo nas teorias implícitas das professoras sobre um conceito psicológico bastante presente no discurso escolar. Tal fato mereceria ser mais bem explorado em futuras pesquisas sobre o tema, mas, a princípio, nos permite questionar a qualidade dessa formação suplementar ou, pelo menos, a influência da mesma, sobre as teorias implícitas dos professores.

Por fim, seria importante tentar explicar as diferenças obtidas entre as respostas das professoras das redes pública e privada, uma vez que as diferenças com relação à formação não se mostraram significativas. O que pode ter influenciado no maior grau de concordância das professoras da rede pública com uma concepção da inteligência como um traço determinado geneticamente? É possível pensar que as condições de trabalho das professoras da rede pública, lidando com maiores dificuldades relacionadas a classes mais numerosas e heterogêneas, favoreça, nestas últimas, concepções de inteligência que possibilitem atribuir ao aluno a responsabilidade por suas dificuldades, até mesmo como uma forma de proteção da sua autoimagem profissional. Por outro lado, é preciso interpretar com cautela a concordância das professoras com a origem ambiental da inteligência, a qual, embora a princípio positiva, também pode estar associada a crenças negativas das mesmas com relação às condições socioculturais dos alunos das classes menos favorecidas, conforme as ideias constitutivas da "teoria" da carência cultural, que serviram durante muito tempo para oferecer uma explicação para o fracasso escolar dos alunos da escola pública, como bem demonstrado pelos estudos e análises críticas elaborados por Patto (1990). 

Apesar de a formação não ter se mostrado uma variável associada às concepções docentes na presente pesquisa, alguns resultados, como aqueles obtidos por Jonsson e Beach (2010), sugerem que as teorias científicas sobre a inteligência com as quais os professores entram em contato durante sua formação exercem efeitos significativos na construção de suas teorias implícitas sobre as capacidades intelectuais de seus alunos. Tais teorias implícitas, por sua vez, parecem estar relacionadas também à forma como os professores interagem com os alunos e ao modo como incentivam ou oferecem elogios (Jonsson & Beach, 2012), interferindo, assim, na construção das teorias implícitas dos alunos sobre a própria inteligência.

 Nesse sentido, uma possível decorrência da presente pesquisa diz respeito à necessidade de que as teorias científicas sobre a inteligência que enfatizam seus aspectos incrementais sejam mais divulgadas nos cursos de formação de professores, de modo a favorecer a construção de teorias implícitas docentes mais favoráveis a uma prática pedagógica comprometida com a aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo de todos os alunos.

 

Considerações Finais

O estudo sugere, a partir da análise da amostra geral de professoras, um quadro aparentemente favorável que se aproxima de teorias implícitas docentes mais interacionistas, incrementais e multidimensionais de inteligência, o que permite certo otimismo sobre a forma como os professores vêm concebendo esse constructo e sobre as implicações positivas que isso pode ter em sua prática pedagógica, determinando interações mais suscetíveis de promover o desenvolvimento das capacidades intelectuais dos alunos.

Entretanto, as diferenças obtidas entre as professoras da rede pública e privada, sugerindo que a origem genética da inteligência está presente de forma mais consistente nas professoras da rede pública, chamam atenção e merecem ser mais bem investigadas, já que os resultados da presente pesquisa constituem um dado inicial de caráter exploratório, em função de a pesquisa ter sido realizada com uma amostra "de ocasião" e relativamente pequena e, portanto, não necessariamente representativa das populações estudadas.

Deve-se levar em consideração ainda que, neste estudo, as teorias implícitas das professoras sobre a inteligência foram acessadas por meio de um questionário fechado, instrumento esse que apresenta algumas limitações, sendo a principal delas a dificuldade de saber o que realmente pensam as professoras quando atribuem um grau de concordância a determinada afirmação, como é o caso do peso atribuído às afirmações a respeito das influências ambientais sobre a inteligência, conforme discutido anteriormente. Nesse sentido, acredita-se que, por meio de entrevistas, seja possível explorar em maior profundidade o significado pessoal que os professores atribuem à inteligência, sugerindo-se, portanto, a realização de novas pesquisas sobre o tema, a partir de diferentes abordagens metodológicas, que possam complementar e aprofundar os resultados obtidos.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Sylvia Domingos Barrera
Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras
Departamento de Psicologia 
Avenida dos Bandeirantes, 3.900
CEP: 14040-901 – Ribeirão Preto/SP
E-mail: sdbarrera@ffclrp.usp.br

Recebido em 02/06/2013
Revisto em 16/09/2013
Aceito em 27/09/2013

 

 

1 As referidas autoras fizeram uma adaptação do questionário originalmente elaborado por Mugny, G., & Carugati, F. (1989). Social representations of intelligence. Cambridge: Cambridge University Press.