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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versão On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. v.3 n.2 Florianópolis dez. 2003
ARTIGOS
O executivo pós-moderno: transformações no trabalho e subjetividade
The postmodern managers: changes in work and subjectivity
Jorge Castellá SarrieraI; Marli Appel da SilvaII
IDoutor em Psicologia Social e Coordenador do Grupo de Pesquisa em Psicologia Comunitária da PUCRS (sarriera@terra.com.br)
IIDoutoranda em Psicologia Social e da Personalidade pela PUCRS (mappel@uol.com.br)
RESUMO
Esta pesquisa busca compreender as vivências e os sentidos conferidos pelos gerentes da empresa privada de grande porte frente ao trabalho na pós-modernidade. Utilizamos entrevista individual não-estruturada e o método de Spink e outros para a análise das informações. Entrevistamos cinco pessoas: uma do gênero feminino e quatro do masculino, com idades de 43, 49, 46, 36, 28; dos setores bancário, indústria de transformação, serviços, comércio e hospitalar. Três são empresas multinacionais e duas nacionais. Todas implantaram o trabalho por processos. O sentido conferido ao trabalho por estes gerentes mostra-se atravessado por questões de gênero e idade, construído a partir de ideologias do fundamentalismo de mercado, por contradições e alienação, levando a superficialidade na interpretação do trabalho e das esferas com este interseccionadas (família, lazer, etc.). As formas de enfrentamento do cotidiano do trabalho por parte desses gerentes revelam-se adaptativas.
Palavras-chave: executivo; pós-modernidade; trabalho; subjetividade.
ABSTRACT
This research analyzes how life experiences and subjectivities of private organizations managers are built in face of Work in Postmodernity. We made use of non-structured individual interview and Spink's method for information analysis. Five people were interviewed: one female and four males, aged 43, 49, 46, 36 and 28 years old, from the banking sector, transformation industry, services, retail trade and medical sector. Three companies were multinational and two were national. All of them have established the Work by Process. The meaning attributed to work by these managers is permeated by gender and age issues, built from ideologies of Market Fundamentalism by contradictions and alienation, leading to superficiality in the interpretation of work and its intersecting spheres (family, leisure time, etc.). Furthermore, the forms of confronting daily work activities on the part of these managers reveal to be adaptable.
Keywords: executive; postmodernity; work; subjectivity.
1. Introdução
Com esta pesquisa buscamos compreender as vivências e os sentidos conferidos pelos gerentes da empresa privada de grande porte em relação ao trabalho no momento histórico atual, denominado de pós-modernidade.
De acordo com Anderson (1999), foi a partir da obra de Frederic Jameson que o termo pós-modernidade passou a ser empregado para referenciar as transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas após os anos 70 a 80 do século XX. Quando o capitalismo iniciou uma mudança em sua dinâmica, o sistema político tornou-se cada vez mais marcado em todo o mundo pelas idéias neoliberais; as artes e as ciências tiveram uma flexibilização dos limites outrora impostos, entre as várias modalidades que as constituíram e entre elas mesmas; as instituições sociais vieram sofrendo profundas alterações e a vida cotidiana apareceu para os seres humanos como mais instável e fugidia, devido à possibilidade de vivências descontinuadas (Eagleton, 1997).
Especificamente em relação ao capitalismo, este vem a ser denominado de capitalismo flexível (Harvey, 1996). Surgiu, de acordo com Sennett (2000), com base em três aspectos: reinvenção descontínua de instituições, especialização flexível de produção e concentração de poder sem centralização (Sennett, 2000).
A reinvenção descontinuada das instituições significou uma mudança nos ritmos de trabalho e na sua configuração através da adoção do trabalho em rede, que é a possibilidade do trabalho ser realizado em vários locais do mundo, normalmente pela conexão via on-line. Por causa do trabalho em rede, houve a divisão das empresas em pequenas unidades, as unidades de negócio. Estas funcionam como unidades autônomas, ganhando poder de decisão a fim de garantir agilidade no fechamento de negócios.
Na especialização flexível de produção ocorreu a colocação de mercadorias em variados mercados mundiais, surgindo as empresas transacionais - empresas que têm a possibilidade de atuar em várias partes do mundo. A produção passou a ser conduzida pela demanda e o foco dos negócios deteve-se no atendimento individualizado ao cliente.
Foi a inovação tecnológica que propiciou o surgimento da especialização flexível. Nos anos 80, a automação começou a monitorar o processo produtivo. Nos anos 90, teve início a integração flexível de sistemas que propiciou a coordenação do conjunto de todas as etapas do processo produtivo, desde a esfera estratégica do negócio até a colocação do produto no ponto de venda. (Ferrer, 1998).
A concentração de poder sem centralização veio a designar a descentralização de poder no capitalismo flexível para as bases, tanto para as células sociais (pequenos grupos) e políticas (municípios) quanto para as organizacionais (equipes). Os trabalhadores passaram a ter maior controle e responsabilidade sobre o próprio trabalho através do trabalho em equipe, ou seja, as lideranças grupais perderam autoridade e houve uma redistribuição de poder e responsabilidade para os integrantes da equipe.
Para que pudesse ocorrer o trabalho em equipe, e com uma equipe com o mínimo possível de pessoas, foi necessário transformar o trabalho parcelado (Taylorista-Fordista) em trabalho por processo, que é a realização por parte do trabalhador de todas as atividades referentes ao início-meio-fim de uma determinada cadeia produtiva. O trabalhador teve que se tornar multifuncional, capaz de combinar a execução de várias tarefas.
A sobrecarga de tarefas no trabalho em equipe tornou-se comum devido à multiplicidade de atividades e pelo fato das equipes tornarem-se enxutas (Sennett, 2000). Os trabalhadores passaram a realizar várias horas-extras e a serem, muitas vezes, contratados como temporários ou até subcontratados (Antunes, 2000).
Como conseqüência, ocorreu a redução do trabalhador industrial e fabril e um aumento do trabalho precário, subcontratado, temporário e terceirizado no setor de serviços, com a apropriação do trabalho feminino e a exclusão dos mais jovens e velhos (Antunes, 2000).
1.1 O trabalho gerencial na pós-modernidade
O trabalho gerencial na modernidade surgiu como uma variante complexa dos antigos supervisores de linha de montagem, com a incumbência de controlar os outros trabalhadores, tendo um componente de poder sobre o trabalho do outro, institucionalizado e legalizado.
Pós anos 70 e 80 do século XX, a função gerencial da modernidade (administrar, prever, organizar, comandar, coordenar e controlar, segundo Fayol [1988]) foi considerada uma prática desatualizada. Surgiu a noção de novos papéis e perfis para os profissionais gerentes.
Segundo Crosby (1991), o novo executivo (gerente) deveria ser uma pessoa com um papel de estrategista: perceber o presente e ao mesmo tempo visualizar o futuro; proporcionar trabalho de qualidade exemplar através de observar a participação e a compreensão de todos; permitir a participação, a criatividade e o engajamento da equipe de trabalho metas e nos resultados a serem alcançados.
Surge, então, a idéia de que é necessário um novo perfil gerencial, aparecendo vários pontos de vista sobre o que e necessário mudar, além de várias promessas (ações de desenvolvimento) sobre como mudar.
Codo (1995) diz que a contradição é inerente à lógica capitalista. De um lado está o interesse de baratear o custo da mão-de-obra e aumentar as horas trabalhadas; de outra parte está o interesse em aumentar o salário ou diminuir as horas efetivamente trabalhadas. Os gerentes encontram-se também enfrentando esta contradição, entretanto, em uma situação diferenciada. Almejam o aumento de seus salários e a melhoria de suas condições de vida, que é mais que a simples diminuição das horas efetivamente trabalhadas; porém, têm de executar um trabalho que faça os outros trabalhadores representarem um custo menor e o máximo de produtividade.
"A função do executivo apresenta diversos aspectos atraentes ao profissional. Os altos salários, o status, a posição de respeito e o poder inerente ao cargo são algumas destas vantagens. Em contrapartida, estes benefícios estão associados a situações competitivas e conflituosas" (Rodrigues, 1994:64). Ha uma contradição histórica entre os interesse dos gerentes, dos empresários e dos trabalhadores, que coloca os gerentes sob contínua pressão entre hierarquias maiores e funcionários.
O poder é uma questão importante de ser abordada quanto ao trabalho gerencial. Lapierre (1994) aborda que o exercício do poder mobiliza no ser humano o que ele tem de mais arcaico na dimensão afetiva; por um lado, há o desejo de ser amado e admirado de ser excepcional, único, com uma competência distintiva; por outro lado, existe o medo do fracasso, a ansiedade motivada pela competição e a inveja associada às desigualdades.
Embora os cargos gerenciais contenham o poder legalizado, este está diminuindo pelo incentivo ao trabalho em equipe, fazendo "com que os gerentes das modernas organizações tenham menos autonomia e menos autoridade" (Rodrigues, 1994: 58). Implementa-se uma visão de supertécnicos e da responsabilização dos indivíduos pelos seus próprios resultados, tornando-se cada vez menos preciso a existência do controle direto sobre o trabalhador.
Como o trabalho gerencial vem alterando-se, considera se que a subjetividade desses trabalhadores também venha sofrendo mudanças, pois a subjetividade humana transforma-se a partir da cultura sócio-histórica (Vygotsky, 1999).
1.2 Modos de subjetivação e o trabalho gerencial
Segundo Fischer (2000), na pós-modernidade há grandes projetos e ações globalizantes nas práticas culturais e concomitantemente ocorre a afirmação das individualidades e das diferenças. Desse modo, esta autora diz que é necessário pensar a cultura "em seus interstícios, em seus "entre-lugares" (Fischer, 2000:80), ou seja, há uma relação dinâmica cultura-sujeito. Assim, em vez de utilizar o termo subjetividade, devido ter uma conotação descontextualizada, Fischer faz referência a modos de subjetivação, "práticas que constituem e mediam certas relações da pessoa consigo mesma" (p. 84).
Lane (1994), com base nos estudos de Vygostsky e Leontiev, além de outros autores, considera como constituintes da subjetividade humana a identidade, a consciência, a afetividade e a atividade. Essas instâncias não são estanques entre si, mas relacionais e dinâmicas. Para Vygotsky, as características básicas do sistema psicológico são as conexões e as relações interfuncionais (Lane e Camargo, 1994). Podemos considerar, portanto, que os "modos de subjetivação" são constituídos por "modos de identidade", "de consciência", "de afetividade" e "de atividade", que se processam de forma contigencial na interação sujeito-realidade.
Os múltiplos fatores constituintes da pós-modernidade incidem sobre os modos de subjetivação nas várias culturas. Em especial, no que se refere às novas formas de trabalho, pois o ser humano "só pode se definir por aquilo que produz" (Crochík, 1998:76). As formas de trabalho, portanto, atravessam os "modos de identidade", "de consciência", e "de afetividade" e "de atividade".
Como as empresas estão a exigir novos papéis e perfis profissionais, incluindo os cargos gerenciais, com base na idéia da crescente responsabilização dos trabalhadores pelos seus trabalhos, acreditamos que surgem novos modos de subjetivação dos trabalhadores.
Essas crescentes exigências em relação aos trabalhadores geram neles o sentimento de medo da possibilidade de desemprego e de exclusão social. Esse medo é utilizado na administração das empresas para que os trabalhadores apresentem melhorias na produção (Dejours, 2000).
Com a finalidade de evitar o sentimento de medo e de conferir sentido à pratica do trabalho, Dejours (2000) elucida que o trabalhador contemporâneo necessita de justificações para poder suportar e aceitar uma prática que é transpassada pela injustiça, violência e sofrimento. Para essas justificações, o trabalhador estabelece crenças (ideologias) sobre a necessidade de seu trabalho e, portanto, da importância de sua pessoa; ou sobre estar atuando em prol de uma "missão" significativa. "Assim, a dimensão da obrigatoriedade, de um lado, e a dimensão utilitarista, de outro, são inseparáveis da justificação" (Dejours, 2000:100).
Nesse processo de justificação, o trabalhador pode passar a ter vivências descontinuadas e conseqüentemente sentimentos contraditórios por causa dos momentos de euforia, por acreditar na importância de si próprio e de suas realizações, e dos momentos de vazio e até depressão, por não conseguir significar sua prática e sofrimentos. Lane (1994) diz que afetos contraditórios entre o que se sente e o que se "deveria sentir" levam a conflitos afetivos, que geram um obscurecimento da consciência e conseqüentemente da atividade, denominado de alienação social e mental.
Por alienação compreendemos o processo de embotamento que leva ao não-pensamento e à não-consciência frente aos aspectos da vida afetiva (Seligman-Silva, 1994), sendo que tanto a alienação mental quanto a social são lados diferentes de uma mesma moeda (Lane, 1994).
Sennett (2000), em suas pesquisas sobre o trabalho do capital flexível, não encontrou a alienação do trabalhador segundo o conceituado por Marx. Para este a consciência dissociada revelaria para as pessoas as próprias condições de trabalho, levando a uma consternação contra o trabalho espoliativo. Sennett (2000) encontrou uma forma de alienação baseada na pouca identificação com o trabalho, fazendo com que as pessoas o percebam como sem sentido e de inteira responsabilidade pessoal, individual. A alienação reproduz uma superficialidade na interpretação do mundo e do próprio "eu" por parte do trabalhador.
Antunes (2000), ao analisar as formas contemporâneas de alienação (este autor utiliza o termo estranhamento para fazer referência à alienação), afirma que o trabalho se baseia em uma prática realizada com o objetivo de satisfazer o cliente, embora haja uma aparência de que possa trazer maior liberdade e autonomia ao trabalhador. Assim, os objetivos da empresa devem ser incorporados como objetivos do trabalhador, embora estes não correspondam necessariamente aos desejos do trabalhador quanto à sua realização profissional.
Como o trabalho gerencial e o papel do gerente têm se transformado, acreditamos que os modos de subjetivação, da mesma forma, sofram alterações. Com base nessa idéia, as questões norteadoras deste estudo são: quais os sentidos1 produzidos pelos gerentes de empresa privada em relação ao seu trabalho?
Como se processa a consciência em relação ao trabalho gerencial em transformação, a partir das narrativas estabelecidas? Quais as formas de enfrentamento das dificuldades que vêm sendo utilizadas por estas pessoas?
2. Método
Esta pesquisa teve um cunho exploratório e qualitativo, devido aos pressupostos utilizados e seu objeto de estudo. Spink e outros (1999) declara que a metodologia qualitativa alinha-se a uma forma de enfocar a pesquisa como pesquisa edificante, que "é a hermenêutica que (..) cumpre o papel de abertura continuada ao novo e, dessa forma, possibilita manter a conversação fluindo em vez de fechar precocemente a discussão". (p. 75)
Os participantes foram gerentes de empresas privadas de grande porte de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Os critérios de escolha dos gerentes foram: ocuparem cargos gerenciais oficialmente instituídos há pelo menos dois anos; terem vínculos com uma hierarquia superior (uma diretoria ou mesmo uma outra gerência); terem uma equipe de trabalho subordinada; estarem atuando em empresas que tivessem implantado o trabalho por processo e em equipe.
Cinco gerentes participaram desta pesquisa: uma do gênero feminino, com 43 anos de idade, e quatro do masculino, com idades 49, 46, 36 e 28 anos. Os setores econômicos em que trabalhavam eram: bancário, indústria de transformação alimentícia, serviços, comércio e hospitalar, respectivamente. As empresas do setor bancário, da indústria de transformação alimentícia e do comércio eram multinacionais. As do setor de serviço e hospitalar eram nacionais. Excetuando-se a empresa do ramo hospitalar, que também contava com um número expressivo de funcionários, as outras quatro empresas eram grandes conglomerados (número de funcionários na cifra dos milhares).
Como instrumento de pesquisa, utilizamos a entrevista não-estruturada (Marconi e Lakatos, 1996), a partir da adaptação das etapas descritas por Chiozzotti (1991). Como tópicos do roteiro para o levantamento das informações utilizamos as categorias constituintes da subjetividade de acordo com Lane (1994): identidade, a consciência, a afetividade e a atividade. As entrevistas foram gravadas com a permissão dos sujeitos e, posteriormente, transcritas.
Para a análise das informações, utilizamos instrumentos elaborados por Spink e outros (1999), pois compreendemos a entrevista como uma das formas de interação dialógica, em que os enunciados se processam em uma conversação, remetendo a "momentos de ressignificação, de rupturas, de produção de sentidos, ou seja, correspondendo aos momentos ativos do uso da linguagem, nos quais convivem com a ordem e com a diversidade" (Spink e outros, 1999:45).
Os métodos foram utilizados na seguinte seqüência: (1) escuta minuciosa da entrevista, (2) transcrição, (3) leitura aprofundada para o estabelecimento das categorias, (4) elaboração dos Mapas de Associação de Idéias, (5) elaboração das Linhas Narrativas e (6) elaboração das Árvores de Associação.
As categorias estabelecidas com base na escuta e nas leituras das entrevistas foram: atividade no trabalho, relacionamento no trabalho, pensamento-posicionamento, relacionamentos extra-trabalho, sentimento-emoção e enfrentamento das dificuldades.
Com base nas categorias encontradas e nos instrumentos de análise, estabelecemos três níveis de informações: descrição dos sujeitos, análise das categorias e análise interpretativa. Utilizamos o termo "análise interpretativa" por considerarmos que uma pesquisa conta com a participação do pesquisador em todas as etapas, principalmente na parte da análise das informações.
Quanto às questões éticas, estas foram rigorosamente seguidas com base nas idéias de Spink e outros (1999). Esta autora coloca que a pesquisa ética adota alguns princípios que ela considera fundamentais e que transcendem qualquer discussão a respeito do rigor e da objetividade científica, tendo em foco que tanto a pesquisa quantitativa quanto à qualitativa são realizadas a partir da interação direta do pesquisador em todas as fases da pesquisa, além da interação com o pesquisado, principalmente nas pesquisas sociais.
As informações foram tratadas segundo a pretensão de que os leitores pudessem compreender todas as etapas da pesquisa, tentando mostrar as seqüências lógicas de análise e interpretação de dados coletados. A postura dialógica nas entrevistas foi considerada como um dos processos do conhecimento.
O anonimato das pessoas foi cuidado com a máxima observância, devido ao tipo de cargo. As entrevistas, portanto, foram realizadas fora do ambiente de trabalho, pois a arquitetura organizacional das empresas na atualidade é normalmente composta por salas semi-abertas e com divisórias. Todas elas foram efetuadas pela mesma pesquisadora e as informações gravadas em fita-cassete foram transcritas pela mesma. O material em sua íntegra esteve à disposição apenas da pesquisadora e de seu Orientador.
Um Termo de Compromisso foi elaborado em duas vias, assinado pelo pesquisador e pelo pesquisado.
3. Análise das informações
3.1 Descrição dos participantes
Participante 1 - Marta: Gerente de Área Administrativa no Setor Bancário, gênero feminino, 43 anos, 3º grau completo, casada, 23 anos de experiência profissional, 12 anos em cargo gerencial. Apresenta uma carga intensa de trabalho, com longas jornadas diárias. Seu trabalho consiste na criação e manutenção de sistemas de informação informatizados para todo o complexo bancário.
Participante 2 - Mário: Gerente de Filial em uma indústria alimentícia multinacional, gênero masculino, 49 anos, casado, 3º grau completo, 32 anos de experiência profissional, 11 anos em cargos gerenciais O objetivo principal de seu, trabalho consiste em vender os produtos da empresa aos distribuidores, na região sul, de acordo com metas mensais baseadas em um histórico da região estipuladas pela Diretoria da empresa. Para o cumprimento das metas ele orienta gerentes de vendas, realiza negociações e visitas periódicas a grandes clientes.
Participante 3 - Renato: Gerente de Logística de um grande complexo empresarial. Este complexo está em processo de fusão entre duas empresas, ou seja, ele está gerenciando a Junção de duas áreas de logística provindas cada uma de uma empresa. Renato é do gênero masculino, 43 anos, casado, 3º grau completo, 30 anos de experiência profissional, 17 anos em cargos gerenciais. Seu trabalho consiste em administrar os processos de compra, transportes, telefonia, recepção, patrimônio, manutenção, cadastro e seguros. Além do mais, presta assessoramento aos diretores quanto a informações gerenciais. Afirma que precisa observar critérios rigorosos de trabalho, pois nem todos os processos das empresas foram fusionados, por causa da acentuada complexidade e diferença entre eles, existindo normas específicas para cada empresa.
Sujeito 4 - Alberto: Gerente Nacional de uma empresa multinacional de distribuição (rede de supermercados), gênero masculino, 36 anos, casado, 3º grau completo, 19 anos de experiência profissional, 11 anos em cargos gerenciais. Seu trabalho consiste em administrar um orçamento médio anual de meio milhão de reais. Compondo esse orçamento há diversas linhas de orçamento a serem gerenciadas e metas a serem atingidas. Além disso, é responsável pela comercialização cadastramento de produtos e fornecedores, contratos nacionais, definição do custo dos produtos, encargos de pagamentos, promoções e mídia, entre outros serviços.
Participante 5 - Antônio: Diretor Administrativo de um grande hospital, gênero masculino, 28 anos, casado, 3º grau completo, 10 anos de experiência profissional, seis anos em cargos gerenciais. Está vinculado hierarquicamente a um Conselho Diretivo e é responsável por uma equipe de mais de 100 pessoas. Gerencia múltiplas áreas, tais como manutenção, lavanderia, recepção, farmácia, compras, financeira, contábil, faturamento e estoques, sendo que cada área possui um gerente responsável. As atividades básicas que possui são: planejar as ações anuais da empresa com o Conselho Diretivo; conseqüentemente, definir as metas setoriais com os gerentes de cada área e, finalmente, acompanhar e cobrar os resultados respectivos às metas estipuladas.
3.2 Análise das Categorias
As categorias de análise encontradas foram: atividade no trabalho, relacionamento no trabalho, pensamento-posicionamento, relacionamentos extra-trabalho, sentimento-emoção, identidade: percepção de si e enfrentamento das dificuldades. Essas categorias foram pós-fixadas, ou seja, foram determinadas após a escuta e transcrição minuciosa das entrevistas.
3.2.1 Atividade no trabalho
Quanto à categoria atividade no trabalho, podemos considerar que todos os gerentes participantes desta pesquisa têm atividades intensas e complexas, com metas e resultados a serem alcançados de acordo com a natureza de suas atividades. Marta, Mário, Renato e Alberto possuem sobrecarga de trabalho e um nível acentuado de pressão por parte das Diretorias de cada empresa.
Antônio, que ocupa um cargo de diretoria, não vivencia a sobrecarga e a pressão por parte das hierarquias superiores de forma tão dramática. Embora seu trabalho também seja complexo, Antônio relata que suas atividades como diretor são mais fáceis de serem executadas do que quando possuía cargos gerenciais com níveis inferiores. Ele tem basicamente o papel de planejar as metas esperadas e depois cobrar das hierarquias vinculadas a ele o cumprimento destas e os conseqüentes resultados conseguidos setorialmente.
De acordo com os cinco gerentes, o vínculo empregatício que possuem com as empresas é frágil, a qualquer momento ou circunstância pode ocorrer o processo de demissão, ou por não terem alcançado os resultados esperados, ou por decisão organizacional, não há critérios claros e estabelecidos para justificar uma demissão. Como exemplo, podemos citar Mário. A multinacional na qual trabalha efetuou a substituição de todas as pessoas em cargos executivos com a finalidade de colocar pessoas mais jovens e de modificar os processos de trabalho. Essas substituições iniciaram-se matriz, nos Estados Unidos, e chegaram aos outros países dois anos depois, incluindo o Brasil. Mário é o único gerente que ingressou na empresa há anos atrás.
Observamos que ele foi demitido dias após a realização da entrevista para esta pesquisa. A partir das entrevistas com os cinco gerentes, percebemos que a exigência realizada por parte das empresas de mudar o perfil gerencial de "controlador" para "pró-ativo" não faz muito sentido para eles. Eles não se percebem como gerentes "controladores", percebem-se como gerentes que sempre prezaram pelo desenvolvimento profissional dos subordinados e mantêm bons relacionamentos com eles. Julgam que de alguma maneira são admirados e até amados por eles.
Marta, Mário, Renato e Alberto percebem a liderança participativa como a permissão concedida por eles para que os funcionários possam expressar-se: falar a respeito dos pensamentos e sentimentos. Permitir o que não era permitido dentro do trabalho taylorista-fordista.
Antônio percebe a questão da participação com a conotação que tem no trabalho flexível. Participar é a possibilidade de administrar o próprio processo de trabalho, desenvolvendo todas as atividades pertinentes a este, ganhando compreensão de como este funciona e, portanto, controle sobre ele. Logo, na visão de Antônio, todos os funcionários participam da execução de seu trabalho, pois a empresa implantou o trabalho flexível em suas áreas.
Diferente da compreensão a respeito da participação da equipe no trabalho, estes Gerentes percebem a própria participação como a possibilidade de escolhas para obter os resultados necessários, ou melhor, a oportunidade de tomarem algumas decisões. Alberto, por exemplo, julga-se com liberdade porque pode escolher algumas ações. Diz que para a empresa o importante é alcançar os resultados estipulados e que ele tem liberdade para tanto.
Marta e Mário percebem que a necessidade de alcançar resultados ou mesmo de executar projetas em prazos estipulados e exíguos impossibilita-os de terem maior participação no trabalho. Utilizam-se de estratégias variadas para conseguirem dar conta de suas atividades a contento das empresas. Percebem, então, que perderam parte da possibilidade de tomarem decisões. Mas não observam que esta perda faz parte da própria estrutura do trabalho contemporâneo, pela perda de poder por parte das gerências nos moldes anteriores. Para eles, são os Diretores quem os tolhem.
3.2.2 Relacionamento no trabalho
Quanto ao relacionamento com as hierarquias superiores, Marta, Mário, Renato e Alberto falam da pressão que recebem por parte da Diretoria para que alcancem metas e apresentem resultados nos seus trabalhos. Comentam sobre situações eventuais de agressões verbais com ameaças de demissão, entre outras situações conflituosas. Antônio, por outro lado, afirma que o Conselho Diretivo dispensa um tratamento digno aos Diretores.
Quando ao relacionamento com os subordinados, os gerentes estudados perpetuam os modelos administrativos de gerenciamento que vivenciaram ao longo de suas histórias de trabalho. Marta, Mário, Renato e Alberto apresentam um gerenciamento mais próximo do estilo paternalista-hierárquico, adotado no trabalho da modernidade (taylorista/fordista). Mário, que tem 49 anos, é o gerente que mais se aproxima do modelo paternalista-hierárquico. Para ele, a hierarquia, a disciplina, o exemplo do líder e o apoio aos subordinados são questões de grande importância.
Antônio, que tem 28 anos e é o mais jovem dos cinco entrevistados, apresenta um estilo de gerenciamento mais próximo do preconizado e exigido como ideal dentro das premissas do trabalho flexível (toyotista). Para ele a disciplina e a hierarquia não têm sentido em si, bem como um comportamento apoiador não se faz necessário, pois cada pessoa deve ser responsável por administrar seu processo de trabalho, a partir das metas e resultados que devem alcançar.
3.2.3 Pensamento - posicionamento
Os cinco gerentes entrevistados acreditam que as mudanças do trabalho que ocorreram ao longo do tempo são sempre boas, ou seja, todas elas representam melhorias e progresso tecnológico. Não relacionam necessariamente tais mudanças com qualquer dificuldade que possam ter nas atividades. Marta e Mário, como estão em risco iminente de desemprego, atribuem às diretorias - as pessoas dos diretores - a responsabilidade por esse risco. Mário, inclusive, vivencia um conflito entre atribuir a "culpa" aos diretores ou a sua pessoa, como falha profissional de sua parte.
Por dois motivos, Renato sente-se estável no emprego: um deles é o bom relacionamento que tem com o novo presidente; o outro, é que Renato possui uma religião espiritualista, que o faz crer estar mais protegido do que outras pessoas não espiritualizadas.
Devido a crenças espiritualistas, Alberto também crê estar mais protegido da possibilidade de demissão. Além do mais, ele acredita que se dedicando ao trabalho a diretoria irá perceber sua importância nos resultados da empresa.
Antônio comenta que nunca refletiu mais profundamente sobre a questão de uma possível demissão e acredita que terá sempre oportunidades profissionais ao longo de sua vida. Ele participa de várias atividades extratrabalho, como ministrar cursos, como exemplo, e tem alguns planos futuros de possuir um negócio próprio. Considera que em poucos anos conseguirá colocar em prática um de seus planos.
Em relação às demissões de outras pessoas próximas, tanto Marta quanto Mário sofrem com essa situação, criam vínculos de amizade com os colegas de trabalho. Além do mais, Mário sente-se relativamente culpado por ainda estar na empresa enquanto todos os seus colegas foram dispensados. Ele diz não saber se possui um valor a mais que os antigos colegas ou se simplesmente é o último a ser demitido.
Renato e Alberto não sofrem com as demissões alheias. As pessoas são demitidas principalmente por responsabilidade própria. São dispensadas quando não realizam suas atividades com competência ou quando se tornaram desatualizadas. Portanto, se não cumpriram seus papéis profissionais adequadamente, merecem ser demitidas.
Antônio também não sofre com as demissões alheias. Considera que as pessoas são contratadas quando a empresa possui uma problemática a ser resolvida. Ao não existir mais essa problemática, não haverá mais necessidade daquela pessoa. Segundo ele, o contrato trabalhista é comparável a um contrato de casamento, caso uma das partes não tenha mais interesse em continuar com o casamento, o contrato deve ser rompido.
3.2.4 Relacionamentos extratrabalho
Os cinco gerentes possuem famílias com modelos tradicionais (pai, mãe e filhos). Em três famílias, de Mário, Renato e Alberto, as esposas não trabalham. Duas famílias, de Marta e de Antônio, são de dupla-carreira, ou seja, os cônjuges têm igualmente uma carreira profissional.
Tanto para Mário quanto para Alberto, o incentivo aos bons valores familiares é importante na formação dos filhos. Para Mário, o pai deve ser um modelo na família.
Mário, Renato, Alberto e Antônio comentam terem criado mecanismos psicológicos que os possibilita separar trabalho e família, quando estão no trabalho, não pensam nas questões relativas à família; quando estão com a família, não pensam no trabalho. Para Mário, Renato e Alberto o fato das esposas não trabalharem é importante para que possam não se preocupar com as questões familiares. No caso de Antônio, a esposa atua em um turno reduzido e é a principal responsável pelas questões familiares.
Marta, por sua vez, está constantemente preocupada com as questões familiares. Monitora com freqüência as atividades dos filhos e quaisquer acontecimentos através do telefone. Chora algumas vezes durante a entrevista e diz que é "mãe por telefone". Está perdendo a possibilidade de participar diretamente da criação dos filhos.
3.2.5 Sentimento - emoção
Marta e Mário relatam sentir angústia, confusão, falta de vontade de enfrentar o dia e terem momentos de desespero, Sentem-se impotentes e sem saída frente às vivências no trabalho. Ambos referenciam a idade como um fator que contribui para intensificar esses sentimentos. Para Marta, a questão da idade a afeta pelo fato de considerar-se excluída do mercado de trabalho, caso seja demitida. Para Mário, é a juventude que passou e a velhice que se aproxima que o faz sofrer.
Renato está satisfeito com seu desempenho na empresa e com o reconhecimento que está conseguindo junto à diretoria e à equipe. Através da espiritualidade apazigua raivas que surgem, por exemplo, em relação à competição desleal de outros gerentes, acreditando que há uma solução para todas as questões no futuro. Tenta manter-se calmo e ponderado, pois crê que o pensamento positivo pode, de fato, transformar as situações.
Antônio e Alberto apresentam um otimismo geral. Alberto devido à sobrecarga de trabalho e pressão criou uma forma específica de lidar com seus sentimentos e emoções: considera apenas os aspectos positivos e despreza os negativos das situações. Cultiva o pensamento positivo e acredita que é a própria pessoa que precisa mudar a forma de encarar o mundo, pois ela não pode mudar outras pessoas nem as situações, apenas ela mesma.
Alberto diz simplesmente que nunca parou para pensar em muitas questões, pois está sempre preocupado em abarcar novas oportunidades, detém-se só na resolução das problemáticas imediatas, vai se adaptando e se acomodando às novas situações. O "estresse" (termo do sujeito) que as situações podem causar é desanuviado posteriormente com o envolvimento em outras atividades ou com sua família. Percebe que é o corpo que traduz esse "estresse", pois tem momentos que se sente lento, cansado, sem vontade de fazer as coisas e surgem espinhas no rosto, embora tenha muitos projetos "na cabeça". Referencia sentir "um vazio" que o faz estar em contínua busca de algo que dê mais sentido à sua vida.
Em maior ou menor grau, esses gerentes querem ser amados e admirados pela equipe e reconhecidos pela diretoria. Almejam ser únicos, exclusivos e excepcionais através de uma competência considerada distintiva. Marta, Mário, Renato e Alberto acreditam que não recebem o devido reconhecimento pelas diretorias em vista de seus esforços e dedicação ao trabalho. As diretorias os pressionam por resultados, os sobrecarregam de trabalho e os tratam, eventualmente, de forma agressiva com ameaças de demissão. Esses fatores geram nesses gerentes sentimentos de revolta, ansiedade, medo do fracasso e da perda do status,de acordo com os relatos deles. Observamos a existência de sentimentos contraditórios: desejo de reconhecimento versus revolta, ansiedade, medo do fracasso e da perda do status.
Alberto sente-se reconhecido pelo Conselho Consultivo da empresa.
3.2.6 Identidade: percepção de si
Marta apresenta uma visão "sofrida" sobre sua condição de mulher. Quando concorreu para o cargo de gerente, não esperava ser promovida por estar concorrendo com um homem. Percebe, ao menos no Banco, que raramente as mulheres foram escolhidas para cargos gerenciais. Sua promoção foi uma surpresa para ela. Essa visão alia-se ao fato de estar com mais de 40 anos. Quando questionada se ao ser demitida vai procurar outro emprego, afirma: "Ah, imagina, mulher, com 43 anos, eu não arrumo outro emprego, não!!!
Essas percepções acentuam o medo frente ao risco da demissão, pois seu salário é significativo para a manutenção familiar e vê perspectivas profissionais pouco claras para seu futuro. Comenta: "Depois de tantos anos, de tudo o que eu me dediquei, estar passando por um momento como esse...", revelando os sentimentos de pouca valia frente às situações que vivencia.
Para Mário o processo de substituição de pessoas, tanto de sua equipe quanto de seus colegas, tem sido muito sofrido para ele. Revela: "Nesse momento, no último ano, um ano e pouco, foi muito machucado para mim."
Quanto ao relacionamento com a nova Diretoria, Mário declara que são pessoas que não têm uma história comum com ele, não existindo laços afetivos em alguma medida. É um relacionamento inteiramente profissional. Ele pergunta: "Quem é Mário do Sul?" Trazendo um sentimento de pouca valia de si diante do momento vivido, acrescenta: "Como foi feito, se foi feito, se eu estou sofrendo, se estou passando mal, nada disso interessa."
A ambigüidade que vivencia revela-se em outras partes de sua narrativa. Diz que o seu trabalho tem uma contribuição social importante, representando o sustento de toda a cadeia de pessoas ligadas direta ou indiretamente à empresa, além de sua própria família. Em outros momentos, questiona quem é ele nesse processo, concluindo que é mais um, "um do Rio Grande do Sul", que vende x tonelagens, mostrando que a crença em seu valor profissional está prejudicada.
Conta que essas situações estão deixando sua "cabeça muito complicada". Está sensível, emotivo e com uma disposição menor para enfrentar seu dia. "Tem horas que eu estou no carro escutando uma música, uma coisa assim mais melodiosa e.... as lágrimas vêm. Eu não era assim." Referencia momentos de angústia profunda e de encontrar-se quase em desespero. Revela à pesquisadora, com pesar na voz: "Estou vivendo uma situação muito dificil."
Para Renato, o que mais o incomoda no trabalho,é a falta de confiança em sua pessoa. Quando assumiu a Area de Logística, as pessoas da empresa em que ele já trabalhava confiavam no seu trabalho por conhecê-lo, mas os diretores das outras empresas não. Relata que, inicialmente, foi um processo dificil, pois os diretores checavam cada nota de compras, cada documento em detalhes e não lhe davam liberdade para decisões. Dessa forma, ele teve que ir conquistando a confiança deles. Refere-se ao que passou como "desgastante", pois tais situações geravam uma série de preocupações. Ele comenta: "Você começa a pensar... acaba criando tensão."
Outra dificuldade que possui na empresa é a competição entre os gerentes, que parece ser acirrada. Normalmente, tenta resolver as situações "tirando a limpo" o comentado. Algumas vezes solicita à presidência que a pessoa seja chamada, mas nem sempre consegue resolver bem todos os casos, por ter "pessoas que mentem muito bem." Diz que não suporta esse tipo de coisas e que ele não entra nesse jogo, pois procura ser colaborativo e ter bom relacionamento com todos. Acredita que sempre chegará à hora de poder dar uma resposta satisfatória para as pessoas que tentam prejudicá-lo.
Renato diz que é calmo e ponderado. Ele comenta: "Eu tenho muita fé." Lê livros de auto-ajuda e tenta colocá-los em prática em sua vida. Conta que se tem que enfrentar alguma situação dificil, desde a primeira hora do trabalho começa a mentalizar como quer que as situações ocorram nesta reunião. Afirma que é impressionante como esta ação dá certo e ele consegue sair-se bem nas situações. Assim, crê que o pensamento positivo é muito importante para vencer o seu dia-a-dia de trabalho.
Alberto acredita ter um papel social importante através de seu trabalho ao contribuir para gerar empregos para múltiplas pessoas e poder também transmitir às pessoas a sua volta uma visão espiritualista, melhorando a qualidade de vida delas, além de estar disponível para ouvi-las e dar-lhes atenção.
Percebe-se como uma pessoa de sucesso e isto se deve a: ser humilde, querer primeiro aprender para depois ensinar; estar sempre pronto a ajudar as pessoas e ser cordato com elas, criando uma imagem positiva dele. "Setenta por cento do sucesso de onde eu estou, é pelo carisma que você adquire ao ajudar os outros." As pessoas que não tiveram tanto sucesso como ele e tiveram as mesmas condições, não tiveram tal habilidade.
Antônio, referente às decisões que tem de tomar no trabalho, eventualmente sente-se preocupado sobre se está certo ou não e até que ponto está interferindo na vida pessoal dos funcionários. Mas fala também que poucas situações ficam em sua memória e lhe causam algum tipo de culpa. De forma geral, vai resolvendo as coisas à medida que elas vão surgindo e, depois da decisão tomada, não pensa mais nela. Para ele, o passado é meramente passado: "O que passou, passou, não fica martelando, mesmo que seja errado, não pode ficar martelando."
A maior dificuldade que possui no trabalho é uma relativa falta de maturidade, por causa da falta de experiência. Os fatos aconteceram para ele antes do ocorrido para a maioria das pessoas, foi aprendendo a lidar com eles à medida que foram surgindo. É necessário, então, uma maior dedicação da parte dele (ler mais, pesquisar mais, etc) para que a falta de experiência o atrapalhe o menos possível. Mesmo assim, comenta que eventualmente não consegue compreender o significado dos acontecimentos, quando estes lhe pareceram totalmente novos, por não ter vivido situações similares.
Sente-se identificado com a área da saúde e com os aspectos constitutivos da administração desta, embora diga que não fez uma escolha consciente pela área. As oportunidades foram surgindo nesta direção e ele as foi seguindo.
Gosta muito de trabalhar neste hospital por uma série de motivos. Um deles é porque o Conselho Diretivo tem preocupação com a qualidade de vida de seus diretores e com a vida familiar destes. Outro, deriva do papel social que seu trabalho tem por causa da própria missão (saúde) da empresa e, por conseqüência, ele pode desenvolver projetos diferenciados. Assim, se por um lado o trabalho é "estressante" (termo utilizado pelo sujeito), por haver sempre problemas a serem resolvidos, por outro, ele é prazeroso. Percebe essa dualidade como uma situação de equilíbrio no trabalho.
3.2.7 Enfrentamento das dificuldades
Esses dois gerentes empreendem pequenas ações cotidianas como tentativa de "aliviar" os sentimentos que possuem. Mário chega a dizer que as caminhadas são um "descarrego". Eles, na verdade, sentem-se impotentes frente às contingências que os acometem. Precisam do trabalho para a manutenção familiar, pois são responsáveis pelo sustento das famílias. Por outro lado estão sendo colocados em situações em que o valor pessoal está sendo colocado em risco. Assim, a noção de uma vida plena e o sentido de merecer respeito (dignidade), conceitos que fazem parte da identidade contemporânea, para Marta e Mário estão prejudicados.
As ações de Marta e Mário efetuadas como formas de enfrentamento das problemáticas do trabalho são tentativas adaptativas que acabam não melhorando a situação do trabalho nem sequer os próprios sentimentos.
Renato e Alberto buscaram saídas espiritualistas frente ao risco de perder a dignidade e o valor pessoal. Julgam estar na direção de uma vida plena. Para esses gerentes, tal forma de enfrentamento mostra-se adaptativa ao trabalho, buscam a manutenção do emprego e do que este representa.
Antônio busca envolver-se com a família e com outras atividades extra-trabalho e não pensa nesses momentos nas problemáticas que vivencia profissionalmente.
3.3 Análise interpretativa
Observamos, através dos discursos dos Gerentes estudados, cinco modos de subjetivação que se configuram na processualidade com o trabalho flexível. Comum a esses gerentes é o não-pensamento ou a não-consciência de aspectos da vida afetiva relacionados ao trabalho, o que denominamos de alienação. Uma alienação que se estrutura através da cisão de aspectos conflituosos e a concomitante negação de partes significativas da realidade, com a finalidade de minimizar os sentimentos de ansiedade e angústia que estes causam.
A maneira como a alienação estrutura-se nesses gerentes gera neles uma certa superficialidade na análise e na compreensão de suas condições de trabalho e de vida. Não conseguem, por exemplo, relacionar os aspectos macro do capitalismo flexível com suas vivências pessoais no contexto profissional. Julgam, por exemplo, que são os cargos hierarquicamente superiores os responsáveis pela sobrecarga de trabalho, pela pressão por resultados, pelo enxugamento funcional.
Marta comenta: o "roldão do trabalho é enlouquecedor" e a cabeça já não consegue mais pensar. Ela vai a uma igreja, mas não é para rezar, é para poder "escutar" o silêncio e tentar "colocar a cabeça em ordem." O tempo e a vida passam entre as múltiplas atividades.
Se Marta não consegue mais pensar pelo cansaço e pelo tempo que se consome entre o trabalho do Banco e no lar, Mário, por sua vez, diz que sua cabeça está "complicada." Ele não sabe bem o que acontece com ele, não compreende porque as lágrimas teimam em surgir em um homem que beira os 50 anos e porque acorda sem vontade de enfrentar o dia. Diz que sente uma revolta por tudo o que está passando, mas não consegue denominar e classificar com clareza tais aspectos. Cita uma sensação de estranhamento, de despersonalização: não é mais ele, não é mais a empresa "dele", não são mais os colegas "dele", não é a forma de administrar que conheceu.
Alberto referencia uma forma de trabalho que nega a construção subjetiva histórica: "trabalho é sem fim, é sem fim". Essa dinâmica de trabalho que não tem término parece fazer as pessoas trabalharem "que nem loucas", nas palavras de Marta. Os cinco gerentes, em alguma medida, dizem que eles têm momentos de profundo cansaço, confusão, revolta, sofrimento.
O que vem a possibilitar que esses gerentes trabalhem muitas horas, com uma alta produtividade, a ponto de aceitarem a vivência do não-espaço e do não-tempo é o sentimento de medo. Esse sentimento apareceu com freqüência ao longo das entrevistas, mesmo que de forma mais implícita. O desemprego traz a essas pessoas o risco de exclusão profissional e até social, maior pobreza, a perda do status profissional e pessoal.
Sinteticamente, podemos dizer que Marta e Mário trazem o sentimento de medo de forma mais explicitada, a partir da percepção das incertezas e dos riscos a que estão submetidos e buscam saídas individualizantes, tais como: exercícios físicos e algum tipo de lazer. Renato e Alberto escolheram formas espiritualistas para enfrentar a insegurança sentida, mudaram a maneira de ver suas vidas e acreditam que, devido às escolhas que fizeram, estão mais protegidos. Antônio, por sua vez, não considera a possibilidade de desemprego, para ele o mundo está repleto de oportunidades que irão, em algum momento, alcançá-lo. Dessa maneira, Antônio não precisa angustiar-se com os riscos que possa estar correndo.
Para a manutenção do cargo gerencial, os gerentes estudados adotaram como valores próprios os empresariais, tendo em vista que estão colocados em uma posição que os tornam representantes da empresa junto aos outros trabalhadores, embora sejam eles próprios trabalhadores.
Sobre eles recai a responsabilização sobre o trabalho da equipe e sobre parte dos resultados do negócio da empresa. Como no trabalho flexível as pessoas são avaliadas pelos resultados que alcançam, esses gerentes dizem "valerem" o resultado de seus trabalhos, gerando neles certo sentimento de "pouca valia".
Marta, Mário, Renato e Alberto comentam que as metas são cada vez mais de difícil consecução, a sobrecarga de trabalho se amplia, é preciso trabalhar muito mais, quase que incessantemente para alcançar os resultados necessários. Além do mais, as equipes de trabalho são enxutas e mínimas. Muitas horas extras são necessárias para ser possível concluir em parte as tarefas, que são intermináveis.
Esses gerentes vivenciam um contexto que dita tempos, prazos, ritmos de trabalho, produtos/serviços a serem executados unicamente em prol de metas previamente estipuladas. Porém, esse contexto tem uma roupagem de "autonomia" e "liberdade". Eles possuem a possibilidade de gerenciarem o próprio processo de trabalho. Ninguém diz como é que eles devem conseguir os resultados, eles apenas têm de conseguir e para isso possuem plena liberdade.
Há a liberdade de realizar o trabalho da maneira como se quer e quando se quer, porém com um orçamento pré-definido para os gastos (normalmente econômico), contando com recursos materiais controlados e uma equipe com poucos funcionários. Existe, portanto, a "liberdade" de se ter resultados. O horário de trabalho até pode ser mais flexível, mas são necessárias de 10 a 12 horas diárias de trabalho para cumprir as metas, pois são cada vez mais exigentes.
Apesar de toda a carga de trabalho, os resultados nunca serão atingidos definitivamente, já que existirão sempre novas e mais ambiciosas metas, novos projetos, novas atividades. Há um recomeço indefinido, sempre se começa do zero, cada meta é uma nova meta.
Essa vivência que gera sofrimento é contraditória em relação aos ideários que almejam: serem reconhecidos. Em um trabalho que se inicia ciclicamente, existe um reconhecimento a ser frequentemente conquistado. Uma nova meta é uma nova busca de reconhecimento. Ou sobra o não alcançar a meta, o não reconhecimento, a ameaça de demissão.
Podemos considerar que a alienação vivenciada por esses gerentes serve como forma de "obscurecer" os sentimentos de medo, ansiedade e até desespero. Percebemos que para esses gerentes as idéias de poder e statusque o cargo oferece intensificam as contradições, conseqüentemente, as cisões e negações.
4. Considerações Finais
A partir das informações prestadas por estes gerentes, permitimo-nos fazer as seguintes considerações.
O controle imposto externamente através da pressão por resultados gera uma tentativa de adaptação por parte desses gerentes ao contexto de trabalho, reforçada pela idéia de que possuem autonomia e liberdade no trabalho e pelas vantagens que o cargo oferece.
A tentativa de adaptação ao contexto versus o desejo de terem de fato liberdade e autonomia, bem como, de conseguirem aceitação e reconhecimento gera contradições internas, conflitos e sofrimentos.
Por causa desses conflitos e sofrimentos, partes significativas do conhecimento sobre a realidade são cindidas e negadas, ocasionando a alienação.
A alienação vivenciada faz com que avaliem a própria condição de trabalho e de vida através do não-pensamento ou não-consciência.
A sobrecarga de trabalho, a fragmentação dos tempos e ritmos, as incessantes metas dificultam a possibilidade de um espaço interno e externo necessários para a reflexão e a elaboração do pensamento e, portanto, da construção de uma narrativa histórica coerente sobre si mesmos que proporcione sentido a vida. Dessa forma, o tempo se esvai e a vida cotidiana torna-se tarefeira.
Os gerentes estudados apresentam justificações em busca de conferir um sentido aceitável ao trabalho e a vida. Acreditam possuírem um trabalho com uma contribuição social importante ao ajudar a gerar empregos. Consideram que a responsabilidade das problemáticas que vivenciam ou é das diretorias, ou é falha própria. Encontramos, também, idéias sobre a necessidade de adaptação e aceitação por parte das pessoas - em uma visão de que o "mundo é assim mesmo" (palavras de Alberto). São as pessoas que devem modificar sua maneira de avaliar a realidade.
Portanto, o sentido dado ao trabalho flexível por parte dos gerentes estudados é produzido a partir de ideários baseados no mercado econômico, atravessado por contradições, alienação e por uma superficialidade na forma de interpretação das próprias vivências. Além do mais, as formas de enfrentamento da realidade do trabalho são adaptativas e não buscam de fato melhorias e mudanças em suas condições de trabalho. Visam a manutenção de seus empregos por causa do sentimento de medo - de perder o emprego e as vantagens que o cargo possa oferecer.
Finalizando, gostaríamos de sugerir pesquisas que aprofundem a vivência gerencial frente ao trabalho na pós-modernidade. Esses cargos têm funções estratégicas dentro das organizações à medida que participam de decisões que envolvem a vida de parcelas significativas de trabalhadores.
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Recebido: 15/07/02
Revisado: 20/08/03
Aceito: 25/04/04
1 O termo sentido é compreendido neste estudo como "uma construção social, um empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas - na dinâmica das relações sociais historicamente datadas e culturalmente localizadas - constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos a sua volta" (Spink e outros, 1999:41).