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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versão On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. v.3 n.2 Florianópolis dez. 2003
ARTIGOS
Perfil profissional, formação escolar e mercado de trabalho segundo a perspectiva de profissionais de Recursos Humanos
Professional profile, education and labor market from the perspective of HR's professionals
Sônia Maria Guedes GondimI; Fernanda BrainII; Marina ChavesIII
IDoutora em Psicologia. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (sggondim@terra.com.br)
IIBolsista de lniciação Científica - PIBIC/CNPq - 2001/2002 Universidade Federal da Bahia
IIIBolsista de Iniciação Científica - PIBIClCNPq - 2002/2003 Universidade Federal da Bahia
RESUMO
Neste artigo são apresentados alguns resultados de uma pesquisa qualitativa sobre as relações entre formação escolar, perfil profissional e mercado de trabalho, da perspectiva de profissionais de Recursos Humanos. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com 29 profissionais de recrutamento e seleção. O foco recaiu no perfil demandado pelo mercado, nas dificuldades de recrutar e selecionar profissionais habilitados, nas alternativas adotadas pela empresa diante do insucesso do processo seletivo e nas lacunas entre a formação escolar e o mercado de trabalho. Uma das conclusões foi a de que as habilidades interpessoais se apresentam como as mais demandadas pelo mercado, assim como são percebidas como as mais difíceis de serem avaliadas em processos seletivos. Outra conclusão foi a de que os processos seletivos ainda estão fortemente ancorados em recrutamentos por currículos. Concluiu-se também que as consultorias de recursos humanos desconhecem políticas de treinamento e de qualificação adotadas pelas empresas para as quais prestam serviços. Em hospitais e clínicas, por exemplo, onde há maior rotatividade de pessoas, evidenciou-se a preocupação com uma forma de seleção preventiva. Por último, constatou-se haver lacunas que evidenciam um distanciamento entre a formação básica, a formação técnica, a formação universitária e o mercado de trabalho, que deixa transparecer a não superação da dicotomia entre teoria e prática.
Palavras-chave: mercado de trabalho, perfil profissional; formação escolar.
ABSTRACT
This article presents some results of a qualitative research on the relationship between formal education, professional profile and labor market from the point of view of HR professionals. Semi-structured interviews were applied to 29 recruitment and selection professionals. They were focused on lhe profile required by the market, on the problems ofrecruiting and selecting qualified professionals, on the alternatives adopted by the company facing an unsuccessful selective process, and on the gaps between formal education and the labor market. One of the conclusions drawn was that interpersonal abilities are market's most requireq skills, and are perceived as the most difficult to be measured in selective processes as well. Another conclusion was that the selective processes are still strongly dependent on recruiting by curriculum. Also, human resource companies ignore the training and qualification politics adopted by their client companies. In hospitais and clinics, for example, where the turnover of people is higher, there was a concern with some form of preventive selection. Finally, the research found gaps that denounce a growing distance between elementary school education, technical education, college education, and the labor market, a problem which points to an impasse due to a dichotomy between theory and practice.
Keywords: labor market; professional profile; formal education
A partir de meados da década de 80, a economia brasileira passa por transformações estruturais e tecnológicas, o que vem contribuindo para que as empresas tenham de lidar com um ambiente cada vez mais competitivo. De acordo com Leite (1994), os esforços modernizadores para aumentar a competitividade estiveram concentrados inicialmente na aquisição de novos equipamentos - o que exigiu uma reorganização da produção - para se ajustar aos princípios de flexibilidade, qualidade e rapidez no processo produtivo. Mais recentemente se reconheceu que a modernização repercutia também na redefinição de cargos, nas novas modalidades de contrato de trabalho, na aprendizagem contínua e nas mudanças no perfil profissional (Davel e Vergara, 2001), o que abriu caminho para a discussão mais direta sobre a qualificação profissional.
O novo contexto de trabalho passava a exigir uma formação geral, capaz de habilitar o profissional para lidar simultaneamente com um grande número de fatores. Para isso, o trabalhador deveria reunir um conjunto de habilidades cognitivas, atitudinais e técnicas. As cognitivas são comumente obtidas ao longo da educação formal. As técnicas especializadas, tais como informática, língua estrangeira, operação de equipamentos e processos de trabalho, são desenvolvidas nos cursos profissionalizantes e em treinamentos. As habilidades comportamentais e as atitudes, entre as quais se destacam a cooperação, o empreendedorismo e o esforço permanente de aprender a aprender, são adquiridas no processo de socialização para o trabalho (Assis, 1994; Cílio, 2000; Silva Filho, 1994; Whitaker, 1997).
Manfredi (1998), ao adotar esta mesma perspectiva, afirma que o perfil ideal nas empresas inovadoras está pautado em três premissas básicas: o saber ser, o saber fazer e o saber agir. O saber ser está relacionado com as características pessoais que contribuem para a qualidade das interações humanas no trabalho e a formação de atitudes de autodesenvolvimento (Costa, 2001; Markert, 1998). O saber fazer se refere às habilidades motoras e aos conhecimentos dos métodos e das técnicas de trabalho. Por último, o saber agir se aproxima da noção de competência apresentada por Perrenoud (1996), que a define como a capacidade de mobilizar conhecimentos, habilidades e atitudes para dar apoio à ação e à intervenção, bem como para decidir e agir conforme as particularidades e as necessidades de cada situação.
A convicção de que o perfil profissional descrito acima é desenvolvido ao longo do processo de formação escolar básica contribuiu para que as empresas aumentassem a exigência em relação a este critério, sem que fossem levadas em consideração as reais necessidades de maior escolarização em cada tipo de cargo. Conforme adverte Almeida (1997), a exigência de elevada escolaridade não significa que efetivamente ocorra um melhor aproveitamento do potencial do trabalhador no processo produtivo, pois não há garantia de que os trabalhadores se dedicarão a atividades mais complexas que façam jus a este potencial - isto demandaria das empresas ações efetivas para redesenhar os seus cargos. Somado a isto, é preciso admitir que a cobrança por mais escolarização por parte do trabalhador parece não diminuir as dificuldades de se encontrar no mercado o profissional almejado, e tampouco é garantia de inserção no mercado de trabalho para aqueles que estendem a sua permanência nas instituições escolares, com a esperança de verem maximizadas as suas chances de empregabilidade (Leite e Rizek, 1997).
Este cenário tem desencadeado discussões críticas sobre a qualificação e a requalificação profissional e de suas vantagens e desvantagens para a empregabilidade pessoal, organizacional e governamental (Bruno, 1996; Cattani, 1996; Fogaça, 1998; Hirata, 1994; Saviani, 1994). De acordo com Tanguy (1999), um dos problemas é o da crença de que há uma relação direta entre a formação escolar e o perfil profissional demandado pelas organizações. Cientes da exigência de um perfil multiprofissional para o trabalho, as instituições educacionais ·:investem na formação geral e na ampliação das possibilidades de experiência prática durante o curso, enquanto as organizações empresariais procuram amenizar as falhas do processo de formação investindo na qualificação e no treinamento dos trabalhadores (Gondim, 2002).
O que se constata é que embora o treinamento seja um instrumento eficaz na incorporação de valores e competências desejadas pela organização (Santos, 1999; Carvalho, 2000), não é uma prioridade para a maioria das empresas no Brasil. Dito de outro modo, as políticas de treinamento ainda não se encontram em consonância com o planejamento e os objetivos da empresa, criando estratégias que possibilitem aos empregados desenvolver formas de alcançar metas de realização profissional e pessoal. As empresas apostam na atração de profissionais escolarizados e qualificados que estejam disponíveis no mercado, mais do que na preparação e treinamento de sua própria mão-de-obra.
Em resumo, a transformação no mundo do trabalho evidencia a necessidade de profissionais melhor qualificados e instruídos, em termos de educação básica e profissionalizante. Este movimento tem contribuído para a valorização da educação e do reconhecimento de seu papel econômico (Gílio, 2000). Uma conseqüência disso é a crença de que elevar o nível de escolaridade dos trabalhadores é fundamental para o desempenho profissional e o ajustamento às crescentes mudanças nos processos produtivos, o que irá assegurar a competitividade organizacional (Shiroma e Campos, 1997). Há que se ter em conta, no entanto, que é visível o distanciamento entre o perfil demandado e o processo de formação escolar, o que fica evidenciado na dificuldade de encontrar disponível no mercado aquele profissional que se ajuste ao perfil definido pelas empresas.
A constatação desses problemas - o de que há lacunas entre a formação escolar e a demanda do mercado e o de que tais lacunas podem estar contribuindo para as dificuldades de recrutar profissionais habilitados - serviu de ponto de partida para o desenvolvimento de uma pesquisa cujo objetivo foi o de investigar as percepções de especialistas em recrutamento e seleção sobre o perfil profissional em termos de habilidades cognitivas, interpessoais, motoras, atitudinais e comportamentais. Além disto, foram exploradas as ações de treinamento e qualificação adotadas pela empresa diante do insucesso no recrutamento de pessoas, e ainda os principais fatores que estariam interferindo no distanciamento entre a formação educacional e a demanda no mercado de trabalho.
Neste artigo, o objetivo é o de apresentar uma parte dos resultados dessa pesquisa no que diz respeito ao perfil da mão-de-obra e à relação entre formação escolar e o mercado de trabalho.
1. Método
Tendo em vista o caráter exploratório e descritivo da pesquisa, optou-se pela abordagem qualitativa e pelo uso da técnica de entrevista semi-estruturada com profissionais que exercem atividades de recrutamento e seleção de pessoas. A seguir serão detalhados os procedimentos utilizados para a seleção dos participantes, a elaboração do roteiro semi-estruturado e a análise das entrevistas.
1.1 . Seleção dos Participantes
A seleção de participantes foi feita a partir de uma consulta à Lista de Empresas, veiculada pela Revista Desempenho das Empresas 2000, e por meio de buscas na Internet sobre empresas localizadas na cidade de Salvador. Além disso, foi realizada uma visita à ABRH Bahia (Associação Brasileira de Recursos Humanos), que gentilmente cedeu o cadastro de profissionais de Recursos H umanos associados. Estas buscas se deram com o objetivo de mapear e reunir um número de empresas que tivessem representatividade no mercado local e que, portanto, pudessem fornecer informações significativas sobre o problema da pesquisa.
A seqüência de procedimentos para selecionar profissionais a serem entrevistados foi a seguinte: a) contato telefônico com as empresas escolhidas para indagar do interesse em participar da pesquisa; b) envio por e-mail, fax ou correio do Projeto da Pesquisa, juntamente com uma Carta-Convite; c) confirmação da intenção de participação; d) envio por e-mail, fax ou correio do roteiro da entrevista para conhecimento prévio do entrevistado, e e) agendamento da entrevista.
A meta inicial era a de entrevistar 40 profissionais de recursos humanos responsáveis pelo recrutamento e pela seleção de candidatos a empregos. Houve, entretanto, algumas dificuldades, como o fato de alguns entrevistados não se mostrarem disponíveis e as datas das entrevistas coincidirem com as festas de final de ano, período bastante tumultuado em algumas empresas. Em razão desses fatores adversos, apenas 29 profissionais foram entrevistados no período entre 12 de novembro de 2001 e 29 de janeiro de 2002, dos quais 20 eram mulheres e 9 homens, com idades entre 25 e 45 anos. A formação superior e o período de experiência dos entrevistados também foram bastante diversificados, sendo grande parte de psicólogos com atuação na área há mais de um ano, com exceção de uma participante que havia ingressado na empresa há menos de seis meses.
1.2. Técnica e Procedimentos
A técnica de coleta de dados utilizada foi a entrevista semiestruturada, visto ser necessário abordar diretamente o problema da pesquisa, mas também permitir que o entrevistado discorresse sobre outros aspectos de sua experiência profissional que considerasse importantes de serem comentados. Em consistência com esta orientação, foi elaborado um roteiro de entrevista semi-estruturada que abordava cinco tópicos: i) periodicidade dos processos seletivos, número de vagas oferecidas no período de 1999 a 2001 e origem dessas vagas; ii) demandas dos cargos (jornada de trabalho, tipo de contrato, gênero, faixa salarial, nível de escolaridade, idade); iii) perfil da mão-de-obra (habilidades mais exigidas dos trabalhadores, aquelas mais dificeis de serem encontradas, proporção candidato/vaga e estratégias adotadas pelas empresas diante da dificuldade em encontrar profissionais habilitados); iv) política de qualificação nas empresas e nas organizações-cliente (programas de capacitação, periodicidade dos treinamentos) e v) política de qualificação nas organizações educacionais (formação escolar fundamental, técnica e universitária e sugestões para a aproximação entre as instituições formadoras e o mercado de trabalho).
As entrevistas foram realizadas nas empresas em que estavam alocados os participantes, e duraram, em média, quarenta minutos. A condução das entrevistas ficou a cargo da bolsista de iniciação científica e de uma outra estudante do curso de psicologia, que se revezavam nesta tarefa.
1.3. Análise dos resultados
As entrevistas foram gravadas com o consentimento dos participantes, e devidamente transcritas para serem submetidas às técnicas de análise de conteúdo (Bardin, 1980; Smith, 2000).
A análise das transcrições foi realizada em três etapas, conforme especificação a seguir:
1. As empresas foram distribuídas em cinco grupos (Tabela 1), com o objetivo de identificar especificidades.
2. Inicialmente, montou-se um quadro relacionando perguntas e respostas dos participantes de cada grupo de empresas entrevistadas, juntamente com a justificativa dessas respostas e alguns exemplos ilustrativos. Foi elaborado um segundo quadro no qual os núcleos centrais dos argumentos contidos nas respostas foram quantificados, visando identificar tendências de temas;
3. A partir desta nova análise, foi feito um terceiro quadro, no qual se agruparam esses núcleos centrais (temas) das respostas em categorias que possibilitaram um mapeamento dos conteúdos.
A elaboração dos quadros ocorreu em reuniões da equipe envolvida na pesquisa, nas quais se buscou obter consenso na análise e interpretação das respostas dos entrevistados. Quando havia dúvida com relação ao seu significado e às possibilidades de inferência interpretativa, recorria-se às transcrições, de modo que se compreendesse o contexto em que o motivo ou a razão apresentados pelo participante emergiu.
2. Apresentação e interpretação dos resultados
Esta seção tem o objetivo de discorrer apenas sobre os resultados da pesquisa que dizem respeito ao perfil da mão-de-obra e à relação entre formação escolar/acadêmica e o mercado de trabalho.
2.1 Perfil profissional
Este tópico analisou quais seriam as habilidades mais exigidas e as mais difíceis de serem encontradas entre os profissionais que concorrem no mercado. Além disso, procurou-se avaliar as ações tomadas pelas empresas diante do insucesso ao se tentar identificar, entre os candidatos, aqueles com as potencialidades requeridas.
2.1.1 Habilidades exigidas do trabalhador
As habilidades interpessoais foram mencionadas por todos os grupos como as mais valorizadas no perfil profissional, sendo que a diversidade das razões apresentadas pelos entrevistados permitiu que as respostas fossem agrupadas em três categorias: i) requisito genérico (que agrupava referências à importância das habilidades interpessoais para o exercício cotidiano de qualquer trabalho), ii) relações entre chefia e subordinado (que agrupava respostas que faziam referência à importância da habilidade especificamente nas relações entre chefia e subordinado), e iii) metodologia de trabalho (que reunia respostas que aventavam que as habilidades interpessoais se apresentavam como um requisito para as atuais metodologias de trabalho) (Quadro 1).
A primeira categoria de respostas reuniu referências às habilidades interpessoais como requisito necessário a qualquer cargo, visto que as organizações atuais têm a informação como um fator central de seus processos. Sendo assim, dispor de habilidades interpessoais poderia ajudar o profissional em suas relações no local de trabalho, especialmente nas negociações internas entre unidades e setores e os clientes da organização. Outro ponto destacado foi a habilidade em lidar com divergências, ao se levar em consideração que as organizações congregam pessoas com diferentes valores, fazendo-se necessário a disponibilidade para dar e receber feedbackpositivo e/ou negativo. Este é um fator diferenciador, visto que os argumentos apresentados sobre as habilidades interpessoais trazem à tona a compreensão de que a melhoria das interações humanas no trabalho não é uma questão apenas de atitude, passível de ser resolvida por meio de treinamento de relações humanas ou de grupos de trabalho, mas que tange à organização do próprio trabalho. Se não há mudança no desenho de cargo que facilite as trocas interpessoais, torna-se difícil atender a esta demanda de perfil.
Os entrevistados dos grupos 1 e 2 deram bastante destaque à importância das habilidades interpessoais na relação entre chefia e subordinado. Participantes do grupo 2 argumentaram sobre a utilidade de tais habilidades no gerenciamento de conflitos entre chefia e subordinado. Um participante do grupo 1 comentou que, diante da nova configuração do mercado, alguns empresários estão adotando a perspectiva do líder educador ao invés da do 'chefe', com o objetivo de transmitir os seus conhecimentos para os funcionários de forma "humilde e flexível" (participante do grupo 1). As respostas e os comentários dos entrevistados em relação a esta questão sugerem haver uma crença de que as mudanças no mundo do trabalho geram conflitos internos nas organizações, o que demandaria um chefe mais capacitado a lidar com estes problemas, ou seja, que tivesse habilidades interpessoais bem desenvolvidas.
A metodologia de trabalho foi classificada como uma categoria de resposta distinta da categoria "requisito genérico" e da categoria "relações chefia e subordinado", na medida em que os argumentos nela contidos fazem referência às exigências de habilidades interpessoais como inerentes ao exercício funcional, tal como está sendo estruturado atualmente nas organizações (trabalho em equipe e sistema de turnos, por exemplo), o que foi apontado por participantes de todos os grupos, exceto o da empresa de telemarketing. A ênfase recaiu no trabalho em grupo (que a rigor requer uma habilidade intragrupal, mais do que interpessoal), em que foi ressaltado que para se obter um bom resultado, em termos de eficiência e eficácia, não era suficiente que as pessoas estivessem alocadas em grupo, mas que as suas tarefas fossem organizadas de maneira interdependente (redesenho de cargos). A cooperação nas tarefas e a comunicação foram citadas como processos fundamentais para o desempenho de equipes. Os comentários eram relativos à necessidade de troca de informações no revezamento de turnos para que o colega que viesse a assumir o trabalho soubesse das reais condições dos equipamentos e das medidas preventivas de manuseio seguro das máquinas, minimizando, assim, as chances de acidentes ou de erros no processo de trabalho.
As habilidades cognitivas ocuparam o segundo lugar entre as mais exigidas no mercado. As respostas foram agrupadas em duas categorias: i) requisito genérico (que reuniu respostas que faziam referência a processos cognitivos) e ii) conhecimento técnico especializado (que reuniu respostas que faziam referência a conteúdos específicos adquiridos por meio de cursos ou treinamentos).
Participantes dos grupos 1, 3 e 5 mencionaram a aprendizagem de conhecimentos técnicos especializados ao falar das habilidades cognitivas. Devido à globalização e às inovações tecnológicas, conhecimentos de língua estrangeira (destaque para língua inglesa) e informática se tornaram pré-requisitos do perfil do trabalhador atual. Outro aspecto bastante valorizado por todos os grupos foi o raciocínio lógico, assim como a facilidade de aprendizagem, que podem ajudar a pessoa a assumir trabalhos de maior complexidade na empresa. A atenção e a concentração foram apontadas pelos participantes pertencentes a empresas industriais como imprescindíveis para minimizar os erros na execução da tarefa e favorecer novas, aprendizagens, assim como para a construção de uma visão sistêmica da organização, expressa na frase de um entrevistado: "para ver onde o meu trabalho impacta no dos outros e ter uma visão de maior alcance de coisas que posso agregar a esse trabalho". Um participante do grupo 4 mencionou a objetividade e a capacidade de gerenciar o tempo como requisitos cognitivos importantes. Por último, a criatividade e a capacidade de resolver problemas frente a situações inusitadas foram referidas como habilidades essenciais para empresas de publicidade.
As habilidades motoras e as atitudinais foram pouco mencionadas pelos entrevistados e, em virtude disto, não foi possível visualizar com clareza categorias que reunissem grupos de respostas, procedimento adotado com as habilidades interpessoais e cognitivas (Quadro 1). Os participantes dos grupos 1, 2, 3 e 5 fizeram menções específicas sobre as habilidades motoras de acordo com o que parece ser exigido em seus respectivos setores (Quadro 2). Um entrevistado do grupo 1 (empresas de recrutamento) citou o trabalho braçal ao se referir às camareiras e aos ajudantes de cozinha. Alguns entrevistados do grupo 2, ou seja, do setor industrial, fizeram referência ao manuseio de ferramentas e ao acabamento de móveis sofisticados. Um participante do setor de turismo mencionou a rotina de checagem e tiragem de tarifas; e finalmente, um entrevistado de uma empresa de comunicação citou a capacidade física e técnica para operar o equipamento do cinegrafista.
As habilidades menos referidas pelos entrevistados desta pesquisa foram as atitudinais e comportamentais, citadas apenas pelos grupos 1, 3 e 4. Participantes do grupo 1 destacaram o quanto é importante o comprometimento e a dedicação de tempo do funcionário para a empresa, bem como a sua disponibilidade para exercer múltiplas tarefas, além das que lhes são atribuídas. Valorizaram também o potencial de autonomia e iniciativa da pessoa, assim como a sua capacidade de adaptação frente a acontecimentos inusitados. Entrevistados do grupo 3 relataram a importância de se estar preparado para as novidades que se apresentam na dinâmica do mercado, visto que setores como o de turismo e de hotelaria precisam aumentar sua capacidade de atrair turistas. Para um participante deste grupo, inclusive, o interesse em buscar conhecimento é uma atitude mais importante do que a experiência. O envolvimento emocionai com o trabalho foi citado por um participante do grupo 4, na medida em que no setor hospitalar as pessoas se sentem frágeis pelas doenças que as acometem, o que demanda maior compreensão e tolerância do profissional que exerce suas atividades neste tipo de organização.
Em resumo, pode-se afirmar que as respostas dos participantes vão ao encontro do perfil profissional que a literatura apresenta como significativo para o mercado de trabalho atual. Manfredi (1998) se refere aos três saberes: o saber ser (habilidades de interação humana e atitudes pró-ativas para o autodesenvolvimento), o saber fazer (habilidades técnicas e motoras) e o saber agir (competência) (Costa, 2001; Markert, 1998 e Perrenoud, 1996). Outros autores, tais como Assis (1994), Cílio (2000), Silva Filho (1994) e Whitaker (1997), elegem as habilidades cognitivas, comportamentais e atitudinais como centrais no delineamento do novo perfil profissional.
A novidade fica por conta da importância que os entrevistados desta pesquisa concederam às habilidades interpessoais, pondo em segundo plano as atitudes e o comportamento.
A competência em lidar com pessoas se apresenta não só como uma característica geral independente do cargo e uma necessidade gerencial para tratar as diversidades internas, como também uma característica fundamental dos processos de trabalho marcados pela interdependência funcional, que exige cada vez mais que as organizações invistam em novos arranjos e desenhos de cargos.
2.1.2 Habilidades mais difíceis de serem encontradas entre os candidatos
Além de apontar as habilidades mais demandadas no mercado de trabalho, procurou-se aprofundar a discussão acerca das habilidades mais dificeis de serem encontradas entre os candidatos. O quadro 3 apresenta de modo resumido as respostas dos entrevistados, com as suas justificativas a respeito das habilidades interpessoais se apresentarem coma dificeis de serem encontradas entre os candidatos a emprego.
As justificativas e os argumentos dos entrevistados em relação a esta questão permitem inferir que, embora eles afirmem que as habilidades interpessoais sejam as mais exigidas no perfil profissional atual, é grande a dificuldade em diagnosticar nos candidatos a emprego a presença de tais habilidades, por quatro razões: i) problemas de mensuração desta habilidade no processo de seleção, ii) mudança nos requisitos organizacionais atuais, iii) características disposicionais e iv) história do processo de socialização individual (Quadro 3).
Do ponto de vista dos entrevistados, o problema da mensuração aparece durante o processo seletivo, visto que as técnicas disponíveis não permitem antecipar de modo seguro como a pessoa irá desenvolver as suas relações interpessoais no cotidiano de trabalho. Ainda que os selecionadores utilizem técnicas de dinâmica de grupo e testes situacionais, os entrevistados acreditam ser limitado o poder de prognóstico futuro da qualidade das interações humanas no trabalho, visto ser uma situação um pouco distante do cotidiano organizacional. Além disto, os participantes dos grupos 1 e 2 apontaram dois grandes problemas: a timidez dos candidatos no processo seletivo, o que diminui as chances de inferências seguras do avaliador sobre o seu ajustamento futuro, e o entendimento de que as habilidades interpessoais são mais bem avaliadas ao longo do tempo. A título de ilustração, segue-se um trecho da fala do participante do grupo 1.
"No geral, medir sobre o relacionamento interpessoal é complicado, a gente tem bateria de testes de personalidade, de aptidão específicas, mas naquele momento eles avaliam o candidato como um todo e é só no cotidiano mesmo, então eu acho difícil no dia do recrutamento, o relacionamento interpessoal. Os testes ajudam como instrumento, mas eu acho que só o dia a dia vai dizer pra gente o que de fato acontece, porque às vezes a gente se surpreende, às vezes a gente ouve dizer assim: 'olhe, fulano não tá bem aqui' E você vai olhar os testes e vê que ele teve um bom desempenho, uma boa estrutura de personalidade e que não tá se dando bem".
Um outro argumento a ser considerado é o de que as habilidades interpessoais são difíceis de serem encontradas porque o processo de socialização para o trabalho não as valorizava da forma como o faz hoje em dia. A organização do trabalho e o desenho de cargos limitavam os contatos interpessoais e, somados à forte competitividade, favoreciam a desconfiança ao invés da cooperação entre colegas. Participantes dos grupos 1 e 2, assim como a empresa de telemarketing verbalizaram a seguinte justificativa.
"Eu acho que essas pessoas terminaram se acostumando dentro de um processo que existia antes nas organizações, onde assim, era ela, a máquina, dentro de um contexto que você não podia ter muita comunicação, você não podia passar pro outro muita informação porque senão daqui a pouco você ia ser demitido, e isso eles verbalizam mesmo, esse tipo de preocupação" (Participante do grupo 1).
A comunicação interpessoal no âmbito da organização também foi apontada como necessária ao líder, que deve conduzir de forma harmoniosa as negociações com sua equipe, para desta forma obter a produção desejada. Um participante do grupo 1 ressaltou que atualmente um dos grandes problemas é a falta de profissionais hábeis para lidar com conflitos interpessoais; "25% dos lucros da empresa são desperdiçados por essas questões", visto que tais divergências internas desviam as organizações de seus objetivos e comprometem a sua eficiência e a sua eficácia.
O participante da empresa de telemarketing mencionou a dificuldade dos candidatos para lidar com o público, constatada na realização de um teste prático utilizado por esta empresa, que simula uma ligação de atendimento ao cliente.
"Com certeza as habilidades interpessoais são as mais dificeis de serem encontradas, porque nem todo mundo sabe lidar com o público. A gente tem um teste prático, que faz parte do processo de seleção da gente, e a gente observa que muitas pessoas que se saíram bem nas outras etapas do processo acabam escorregando neste teste prático; não conseguem ter o jogo de cintura necessário na hora do contato com o público. As outras habilidades, querendo ou não são mais fáceis de serem treinadas, já as interpessoais não, e são elas que vão facilitar até mesmo o seu relacionamento com as pessoas que constituem a empresa, vão possibilitar [que você trabalhe] em grupo, e isso é muito valorizado hoje em dia".
As habilidades interpessoais também foram avaliadas como atributos intrínsecos à pessoa e! ou decorrentes do processo de socialização. Para um entrevistado do grupo 5, as habilidades interpessoais estão relacionadas com aspectos da personalidade do indivíduo ("Não passa só por uma questão de você desejar ter..."), o que dificulta a visualização de ações que tenham como objetivo treinar e desenvolver tais habilidades.
Um participante do grupo 4 mencionou que em hospitais e clínicas a dificuldade da pessoa em se relacionar com os outros pode ser decorrente da situação ansiogênica de lidar cotidianamente com o sofrimento e a morte, e tal 'retraimento interpessoal' é muitas vezes usado em defesa própria.
"Eu acho que as interpessoais continuam sendo as mais dificeis de serem encontradas entre os candidatos porque acredito que como a atividade da gente é saúde, é lidar com doenças, com tristezas, com depressões, as pessoas começam a se tornar distantes do outro, então para proteger ela mesma se torna distante ... Os cursos não preparam para este tipo de coisa".
Participantes dos grupos 1 e 2 destacaram a falta de interrelação entre as habilidades técnicas e interpessoais. Uma pessoa pode ser competente tecnicamente, mas não se sair bem em suas interações humanas. O argumento é o de que as pessoas parecem ser mais bem preparadas para o exercício técnico do que para construir boas relações com os outros.
As habilidades cognitivas também foram mencionadas como difíceis de serem visualizadas entre os candidatos, principalmente no que se refere ao conhecimento técnico especializado e à formação escolar. Os entrevistados dos grupos 1, 3 e 4 relataram encontrar dificuldade de recrutar pessoas com domínio de língua estrangeira, visto que cursos nesta área são relativamente caros, não sendo acessíveis a boa parte da população. Um participante do grupo 3 comentou a dificuldade de recrutar mão-de-obra especializada em hotelaria, tais como confeiteiros e garçons, devido à pouca oferta de cursos para este público. Um entrevistado do grupo 4 também fez menção à má qualificação dos auxiliares de enfermagem, em termos técnicos e cognitivos, devido à atual deficiência dos cursos nesta área.
A formação escolar foi citada por participantes dos grupos 1, 2, 3 e 4, que relataram ser comum encontrar candidatos com o diploma de conclusão do segundo grau que cometem muitos erros na escrita e em simples operações matemáticas exigidas nos testes de aptidão. Outro ponto abordado foi a lacuna entre a formação escolar e a prática, pois os candidatos, ao se depararem com a realidade do mercado, apresentam uma visão fragmentada, o que compromete a qualidade de seu desempenho na organização. Um participante de uma empresa de publicidade citou a aprendizagem e a memorização como habilidades cognitivas importantes para acompanhar as tendências de mercado, embora não facilmente detectadas entre os candidatos.
Por fim, a dificuldade de encontrar habilidades motoras foi mencionada apenas por um entrevistado do grupo 2, cuja realidade requer coordenação motora fina para garantir a qualidade no acabamento de seus produtos.
Em síntese, as habilidades interpessoais são tão requeridas quanto dificeis de serem encontradas entre os candidatos a empregos. O "saber ser" descrito por Manfredi (1998) ressalta a importância da qualidade das interações humanas e das atitudes de autodesenvolvimento (Costa, 2001; Markert, 1998) para o profissi~nal atual. Os argumentos dos entrevistados apontam na direção da dificuldade de desenvolver esta dimensão do ser humano, particularmente quando se crê que é uma característica pessoal e conseqüência do processo de socialização, o que torna mais dificil pensar em mudanças substanciais por meio de treinamentos.
Cabe destacar, no entanto, que o problema não está restrito ao fato de que se trate de habilidades intrínsecas à pessoa e, portanto, mais dificeis de serem treinadas, pois os entrevistados alegaram também que os processos seletivos parecem não dispor de recursos técnicos suficientes para fazer inferências seguras sobre as interações humanas futuras no trabalho. Apesar dos teóricos de seleção (por exemplo, Carvalho, 2000) afirmarem que o profissional de RH deve planejar o processo e eleger técnicas que permitam atrair e avaliar os candidatos potenciais, as práticas no setor ainda estão apoiadas em procedimentos pouco eficazes para avaliar as demandas do novo perfil profissional. É possível admitir, então, que testes psicológicos, técnicas de dinâmica de grupo e testes situacionais, hoje bastante utilizados, não são suficientes para garantir bons prognósticos futuros de desempenho no trabalho.
2.1.3 Seleção ou treinamento: alternativas de ação
A entrevista de pesquisa também explorou as ações das empresas diante de dificuldades em encontrar, no mercado, profissionais habilitados para o preenchimento de suas vagas disponíveis. O mapa 1 ilustra as duas ações que são foco da análise: insistência no processo seletivo ou qualificação pelo treinamento.
Entre os 29 participantes, 23 deles mencionaram que insistem no processo de seleção, ao contrário de seis que fizeram referência à ação de treinamento. A insistência no processo seletivo é uma opção por três razões: i) perfil mal delineado, ii) rede de informações cadastrais e iii) política da empresa.
No caso do perfil mal delineado, citado por participantes do grupo 1, o que parece ocorrer é que as empresas, ao contratarem os serviços de terceiros para fins de recrutamento, fazem exigências para o preenchimento do cargo que vão bem além do que efetivamente será requerido nas atividades funcionais cotidianas. Somente ao ser constatada a dificuldade de encontrar o profissional desejado é que os representantes de tais empresas se sensibilizam para reavaliar e renegociar o perfil do trabalhador junto à empresa de recrutamento e seleção contratada.
Cerca de três entrevistados alegaram que insistem no processo
de seleção por manterem uma rede de informações
cadastrais compartilhada, inclusive com outros estados, o que
aumenta as chances de encontrar candidatos potenciais.
"Nós temos um link muito grande com diversas empresas do Brasil... A gente tem conhecimento de ... 'onde as cobras dormem', nós vamos lá naquele local" (Participante do grupo 1).
Ao se levar em consideração que boa parte das empresas do grupo 1 concentram as suas atividades predominantemente no recrutamento e na seleção, esperava-se que boa parte dos entrevistados que pertencem a este grupo mencionasse a rede de informações cadastrais, cujo uso adequado pode servir como ferramenta estratégica para as organizações. Não foi isso o que ocorreu, visto que a rede de informações parece ser preocupação das empresas que concentram suas atividades na seleção de cargos gerenciais e outros mais qualificados, em que se faz necessária a utilização de diversas fontes de recrutamento para aumentar as chances de encontrar o profissional com o perfil solicitado pela empresa.
Outros fatores contribuem para que as organizações insistam no processo de seleção: i) a abertura de novas vagas, ii) a realocação interna, iii) as demandas emergentes e iv) os custos elevados do treinamento.
A abertura de novas vagas foi destacada pelos participantes dos grupos 2 e 4. No primeiro caso, um entrevistado mencionou que diante de um aumento de vagas destinadas a cargos operacionais prefere insistir no processo seletivo, já que o investimento em treinamento só se justificaria em casos de exigência de qualificação especializada. Por outro lado, um membro do grupo 4 (hospital) relatou que a política da empresa é a de preencher as novas vagas por meio de realocação interna e contratação de profissionais externos. Cabe ressaltar que o setor hospitalar enfrenta problemas com a alta rotatividade de pessoas, o que torna compreensível investir no aproveitamento daqueles que se encontram ajustados, motivando-os a permanecer na instituição.
Participantes do grupo 2 também se referiram à realocação interna, embora os dois entrevistados que a mencionaram tenham apresentado argumentos contrários. Um deles relatou que quando há uma vaga disponível a preferência é pelo recrutamento externo, deixando como segunda opção a realocação interna. Já o outro entrevistado alegou que opta pela promoção interna, considerando-a útil para motivar os funcionários. O trecho a seguir ilustra este último caso, também defendido por alguns participantes do grupo 3.
"Primeiro, antes de fazer um recrutamento externo, tenta-se deslocar alguém aqui dentro. Se surge uma vaga é avaliado na área se a empresa tem algum profissional com qualificação para o preenchimento do posto. E se, felizmente, nós conseguimos identificar este empregado internamente, faz-se essa promoção. Porque se você tem aqui, é uma forma de dar oportunidade a um empregado, você estimula os empregados. E se a pessoa tem qualificação, não tem por que a gente buscar lá fora... Se não é possível achar internamente aí nós vamos buscar externamente".
Por ser comum o surgimento de demandas emergentes, as empresas dos grupos 1 e 4 insistem no processo seletivo em detrimento do treinamento. Na área hospitalar isto acontece pela impossibilidade de certos setores ficarem desfalcados: "uma UTI não pode ficar com uma enfermeira amenos". Os entrevistados das empresas terceirizadas de RH (grupo 1), por outro lado, alegaram que as organizações-cliente não fazem um recrutamento preventivo e estão habituadas a solicitar profissionais em um curtíssimo prazo, o que inviabiliza um treinamento prévio.
O treinamento foi avaliado como oneroso para alguns participantes dos grupos 1 e 3. Um entrevistado vinculado a uma empresa de aviação argumentou que os treinamentos nesta área costumam ser longos, e por isso prefere insistir no processo seletivo à procura de um profissional capacitado. Alguns participantes do grupo 1 argumentaram que os contratos de prestação de serviços são em sua maioria para seleção e não para treinamento, o que restringe a sua autonomia decisória.
Participantes dos grupos 2, 3, 4 e 5 vêem no treinamento uma alternativa possível diante do insucesso em encontrar profissionais aptos a ocuparem as vagas. Este é realizado em função de dois aspectos da política vigente nestas organizações: i) ajustar o profissional ao perfil da empresa, tanto tecnicamente quanto em termos do desenvolvimento de atitudes e comportamentos compatíveis com as expectativas organizacionais (grupo 3) e ii) capacitar o trabalhador para o exercício técnico funcional de programas específicos das empresas (grupos 2, 4 e 5), que dificilmente são transmitidos no processo de formação escolar básico.
Enfim, apesar de 10 entrevistados atuarem em empresas de prestação de serviços de RH (grupo 1) com foco no recrutamento e seleção para empresas, fica bem evidente, até mesmo pela escassez de informações prestadas por este grupo sobre o tema, que o treinamento ainda não se apresenta como uma prioridade organizacional estratégica quando não se encontram com facilidade os profissionais habilitados (Santos, 1999; Carvalho, 2000), seja porque exige investimento financeiro, seja porque não há planejamento na realocação e alocação de pessoas que permita despender tempo com a preparação e o treinamento do profissional a ser contratado.
2.2. Relação entre formação educacional e o perfil profissional
De acordo com quase todos os profissionais entrevistados, há um distanciamento entre a formação escolar fundamental, técnica e universitária e o perfil profissional delineado no mercado atual, principalmente por dois fatores: inadequação curricular e inovações tecnológicas. O mapa 2 permite a visualização das respostas e argumentos apresentados pelos entrevistados.
Os entrevistados acreditam que os currículos são ultrapassados e inflexíveis, tanto no ensino fundamental quanto no terceiro grau. No ensino fundamental, os participantes dos grupos 1, 2, 3 e 5 fizeram críticas à formação básica, que não proporciona o desenvolvimento de habilidades essenciais, tais como ler, escrever e realizar simples operações matemáticas.
"A gente tem casos aqui em que a pessoa chega com segundo grau completo e mal faz a entrevista. Isso é muito presente no dia a dia... as pessoas não sabem escrever direito, falar direito e têm o segundo grau completo. Pra gente que faz seleção isso é muito complicado, fica até difícil para o próprio cliente entender isso, como é que a gente viu 100,80 pessoas e ainda tá com dificuldade de encontrar aquele profissional [que muitas vezes deverá desenvolver um trabalho] simples, que não precisa de experiência, pode ter entre 21 e 40 anos e você mal consegue oito pessoas, por causa desses casos de não falar corretamente, de não escrever o mínimo, ou o mínimo que seja compreensível" (Participante do grupo 1).
A formação técnica também foi criticada. Participantes do grupo 2 comentaram que a sua duração é insuficiente. Um entrevistado do grupo 3 mencionou a falta de escolas especializadas para qualificar adequadamente a mão-de-obra de que precisam, pois atualmente quem fornece tal capacitação são consultorias, que cobram por estes cursos, o que restlinge o seu público. Para um entrevistado do grupo 4, o profissional é preparado para ter um conhecimento básico técnico especializado, mas sem visão de conjunto. Acrescenta ainda que os cursos técnicos não estão adotando uma diretriz conciliatória, o que repercute na formação de pessoas "especialistas demais ou generalistas demais". Apesar destas críticas, um participante do grupo 2 e o entrevistado da empresa de telemarketing defenderam que os cursos técnicos ainda atendem às necessidades do mercado, quando comparados aos de formação básica geral, e citaram como exemplo o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial).
A inadequação curricular também atinge o terceiro grau. A estrutura das universidades foi considerada arcaica pelos entrevistados, que alegaram que a elevada qualificação de professores (mestres e doutores) não é garantia de melhor preparação. "Não se tem uma visão de mercado futuro, as universidades não estudam o cenário nacional; aí, quando a pessoa se forma o mercado não precisa mais dela".
Todos os entrevistados, exceto os participantes do grupo 2, consideraram haver uma grande lacuna entre a formação oferecida rio terceiro grau e o mercado de trabalho atual, por causa da ênfase teórica, que negligencia a prática. Esta lacuna tem implicações nas esferas pessoal e organizacional. Entrevistados do grupo 1 afirmaram que as empresas se baseiam na crença de que as instituições formadoras não preparam adequadamente para então exigirem maior nível de escolaridade, principalmente para os cargos gerenciais.
Embora a instituição educacional apresente falhas, os entrevistados parecem reconhecer que as mudanças organizacionais demandam conhecimentos amplos, só passíveis de serem obtidos por aqueles que estão vinculados a atividades de pesquisa e disponham de níveis mais avançados de escolarização. Ja no ambito pessoal, a crença de que a formação acadêmica não qualifica para o mercado, pois não consegue acompanhar as mudanças que ocorrem continuamente, faz com que o objetivo de cursar a universidade fique restrito à obtenção de um diploma para o exercício profissional legalizado (Leite e Rizek, 1997).
"Não que eu ache que a educação é falida, não é isso, eu acho é que por mais que você reformule o sistema educacional, o que é arcaico é a estrutura política, estrutura governamental. Eu sempre defendi, na universidade, que toda matéria tivesse aula prática ... O mercado é uma coisa muito ágil, muito dinâmica, muda de um dia para o outro e a pessoa fica na sala de aula lendo livros e autores e só isso não dá pra ninguém. Quando eu comecei a estagiar percebi que a escola é um meio de obter legalização da minha atuação profissional, só, porque o meu conhecimento eu vou conseguir fora" (Participante do grupo 1).
As inovações tecnológicas também são apontadas pelos membros dos grupos 2 e 3 como responsáveis pelo distanciamento entre a formação educacional e o mercado. O volume de informações desencadeado por estas transformações é inversamente proporcional às possibilidades concretas de processamento e aplicação das mesmas por parte das pessoas. Uma entrevistada do grupo 2 relatou que isto ocorre pela falta de experiência e maturidade dos jovens que ingressam no mercado. Outro aspecto mencionado foi que as inovações tecnológicas não fazem parte do cotidiano das escolas públicas (ao contrário das particulares), deixando em desvantagem as pessoas advindas destas instituições.
"Tanta coisa informatizada dentro da cozinha e eles não entendem. Nós temos um sistema de postos de vendas onde tudo é informatizado e, para treinar, eles ficavam com medo do computador, quando a gente foi treinar, o treinamento levou muito mais tempo do que a gente imaginava, porque eles olhavam, e não têm acesso, as escolas não assumem essa parte, vêm com uma deficiência que a gente tem que suprir" (Participante do grupo 3).
Apenas uma empresa de publicidade manifestou satisfação com a formação educacional atual, justificada pelo argumento de ser um setor especializado em criação, que por necessitar de pessoas altamente qualificadas seleciona seus profissionais por indicação de terceiros que já tenham avaliado a sua referida competência.
Os argumentos apresentados permitem concluir que há uma insatisfação com todos os níveis da formação escolar. As duas principais razões apontadas foram a inadequação dos currículos das instituições educacionais e as inovações tecnológicas utilizadas no mercado atual. Estas críticas fazem sentido na medida em que as empresas começaram a aumentar as suas exigências de escolaridade na esperança de verem atendidas as demandas decorrentes das mudanças tecnológicas e administrativas pelas quais estão passando. Com isto, tornaram-se mais evidentes as falhas do processo educacional no desenvolvimento de habilidades e competências gerais. A pesquisa também deixou transparecer que o aumento da exigência do nível de escolaridade não garante a qualidade do profissional contratado, em grande parte porque a escolarização é superestimada, não levando em conta que o desenho do cargo não passou por mudanças significativas que permitam o melhor aproveitamento do profissional contratado (Tanguy, 1999; Saviani, 1994; Shiroma e Campos, 1997). Dito de outro modo, a escolarização é admitida acriticamente como um critério fundamental sem que se leve em conta que quanto maior a qualificação do trabalhador mais a organização se verá compelida a rever seus processos internos relativos à distribuição de trabalho, sistemas hierárquicos e formas de remuneração.
3. Conclusões
As habilidades interpessoais foram identificadas como as mais valorizadas pelo mercado, independentemente do setor a que pertencia o entrevistado e se centraram, principalmente, no exercício da liderança para gerenciar conflitos, dar feedbacksa equipes de trabalhos e coordenar processos, assim como na capacidade de comunicação persuasiva diante do cliente interno e externo.
Uma novidade trazida pela pesquisa foi a de que os entrevistados apontaram igualmente as habilidades interpessoais como as mais demandadas e as mais difíceis de serem encontradas entre os candidatos a emprego, quer seja porque acreditam que tais habilidades são difíceis de serem avaliadas em processos seletivos,
visto que os instrumentos e técnicas comumente aplicados não permitem fazer prognósticos seguros acerca da qualidade das interações futuras no trabalho, quer seja pelo fato de que as características individuais e particularidades do processo de socialização influenciam decisivamente na qualidade das relações humanas, o que contribui para que o retorno do investimento em treinamento nesta área fique aquém das expectativas.
No que tange às alternativas adotadas pelas empresas diante das dificuldades de encontrar no mercado profissionais habilitados, a conclusão foi a de que a insistência no processo seletivo e não em ações de treinamento se deve, em grande parte, ao seu baixo custo, à não complexidade do cargo a ser preenchido e à ausência de uma visão do treinamento como estratégico para a organização (Davel e Vergara, 2001; Carvalho, 2000). No caso das consultorias de recursos humanos, ressaltase que elas desconhecem políticas de treinamento e qualificação das empresas para as quais prestam serviços, visto serem muitas vezes contratadas apenas para selecionar. No caso de hospitais e clínicas, onde há maior rotatividade de pessoas, evidenciou-se a preocupação com a seleção preventiva como alternativa para amenizar as dificuldades de selecionar profissionais em casos de demanda emergencial.
A pesquisa pôs em evidência um aspecto discutido na literatura sobre qualificação profissional, qual seja, o de que as empresas, na expectaiíva de reunirem profissionais em seus quadros capazes de se ajustarem às novas demandas do processo de trabalho, aumentam as exigências de escolaridade sem levar em conta as especificidades de cada cargo, o que muitas vezes contribui para o insucesso do processo seletivo, obrigando a uma redefinição do perfil previamente traçado para ficar mais ajustado à realidade da função a ser exercida.
Um último aspecto a ser considerado neste item relativo às ações diante do não preenchimento da vaga é o de que boa parte dos processos seletivos ainda está baseada na triagem dos candidatos a emprego por meio de análise curricular. Ainda que esta fonte de recrutamento seja comum, visto que inúmeros currículos são enviados diariamente a empresas e organizações de prestação de serviços na área, não é por meio deles que se consegue avaliar as habilidades interpessoais, cognitivas e as atitudes dos candidatos. O risco que se corre é o de excluir do processo candidatos com potencial a ser desenvolvido.
Para finalizar, a pesquisa constatou haver um reconhecimento tácito do distanciamento entre a formação básica (insuficiência no desenvolvimento de habilidades gerais: ler, escrever e interpretar), a formação técnica (precariedade de cursos técnicos de qualidade no mercado), a formação universitária (despreparo do profissional para o mercado) e o mercado de trabalho, que deixa transparecer a difícil conciliação entre a educação e o trabalho, ou melhor, entre a escolarização e o aprendizado para o trabalho.
Apesar desta pesquisa ter trazido à tona algumas pistas que ajudam na ampliação da compreensão das relações entre formação escolar, perfil profissional e mercado de trabalho, seu escopo ficou bastante restrito às opiniões de alguns profissionais de recursos humanos que atuam na cidade de Salvador. Ainda que o objetivo de uma pesquisa qualitativa não seja o de generalizar seus resultados, mas sim compreender o fenômeno em sua particularidade, não se pode negar que o risco que se tem ao apoiar as conclusões de uma pesquisa apenas na percepção de alguns especialistas, não confrontando com dados objetivos, é o de enfraquecer as inferências interpretativas daí advindas.
Foi a partir do reconhecimento das limitações dos resultados da investigação empírica aqui relatada que foi elaborado um outro projeto de pesquisa para aprofundar o conhecimento sobre o tema, a partir tanto da análise das atuais exigências de qualificação profissional, quanto da percepção de alguns segmentos sociais. Para isto, foram analisados semanalmente os anúncios de emprego e de cursos profissionalizantes em um jornal local, assim como foram realizados 10 grupos focais com várias categorias sociais diretamente implicadas nesta questão: profissionais de recursos humanos, professores de ensino superior, trabalhadores formais e informais e, por último, profissionais de instituições públicas, privadas e do terceiro setor que atuam em programas de qualificação do trabalhador ou em programas de geração de renda. A referida pesquisa está em fase de conclusão, e os resultados serão posteriormente publicados.
O que se pode adiantar é que ao invés das habilidades interpessoais terem emergido como as mais importantes, tal como concluído neste artigo, pelo menos no que diz respeito aos anúncios de emprego de jornal, as atitudes aparecem como requisitos mais destacados.
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Recebido: 12/11/02
Revisado: 01/07/03
Aceito: 05/07/03