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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.3 n.2 Florianópolis dez. 2003

 

RESENHA

 

A inserção e a ação do psicólogo em diversos contextos sociais1

 

 

Patrícia C. Silveira TosiI; Silvio Paulo BotoméII

IPsicóloga. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade do Oeste de Santa Catarina (pat.silv@unoescjba.edu.br)
IIDoutor em Psicologia. Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. (botome@cfh.ufsc.br)

 

 

Qual o alcance ou limites que as práticas profissionais do psicólogo têm tido diante do mercado de trabalho? Esse é um, dentre alguns aspectos, que vem sendo estudados pelos psicólogos por meio das agências formadoras e órgãos representativos da categoria, com o objetivo de ampliar o campo profissional, ofertar serviços de qualidade à população e de adequar as intervenções de acordo com as demandas sociais. O "Psicólogo Brasileiro: construção de novos espaços" é resultado da evolução dos estudos sobre formação e exercício do psicólogo (Conselho Federal de Psicologia, 1992), sendo prova da maturidade alcançada pelos Conselhos de Psicologia como órgãos responsáveis por avaliar a atuação. Lançado há doze anos, o livro ainda traz contribuições essenciais principalmente para a nova geração de profissionais, que poderão examinar a evolução da identidade profissional segundo os campos de atuação, como também poderão obter informações a respeito da formação e do exercício profissional do psicólogo, instigando a reflexões e a repensar a atuação do psicólogo, elevando assim, a importância desta obra. Utilizando o levantamento bibliográfico de publicações científicas, a obra apresenta as novas ações dos psicólogos em diversos contextos sociais - por meio da análise de especialistas das áreas clínica, organizacional, escolar e social - e problematiza a formação acadêmica do psicólogo quanto a sua adequação ao campo de trabalho de acordo com os currículos vigentes à época nas agências formadoras.

Preocupações referentes à formação e à necessidade de ampliação do campo profissional do psicólogo no Brasil têm sido uma constante desde 1975, com o trabalho de Sylvia Leser de Mello: "Psicologia e profissão em São Paulo". Desde então, estudos organizados pelos Conselhos Regionais, Conselho Federal de Psicologia e Sindicato dos Psicólogos de São Paulo têm manifestado a necessidade de avaliar a profissão, principalmente no que diz respeito aos projetos dos cursos de Psicologia, ao preparo teórico e técnico, à criação de novos cursos, aos estágios, à formação generalista, ao surgimento de novos campos de atuação e, conseqüentemente, à qualificação para o exercício do trabalho nesses campos.

Sete capítulos articulam-se para analisar as intervenções dos psicólogos e a realidade social que demanda a atuação desse profissional. A preocupação dos trabalhos está centrada nas possibilidades de intervenção que surgem a partir das necessidades sociais.

O levantamento de publicações sobre a atuação do psicólogo clínico revelou que esse profissional vinha rompendo com os modelos tradicionais de atuação, onde o consultório era o principal local de atendimento e a intervenção era voltada para o indivíduo. A Psicologia Clínica estava passando a compreender o indivíduo em seu contexto familiar e social, avançando para atendimentos fora dos consultórios e atingindo um maior número de pessoas. Era constatada a inserção do profissional em instituições públicas, o que possibilitaria às camadas populares um maior acesso aos serviços da Psicologia.

É possível observar que o exercício profissional no campo clínico vinha sofrendo novos direcionamentos quanto à adequação dos seus serviços à realidade sócio-econômica em que estavam inseridos. O desenvolvimento de atividades voltadas para atender um maior número de pessoas em função das suas necessidades, permitia inferir que os psicólogos clínicos estavam aumentando a sua percepção sobre a realidade social e com isso direcionando a sua atuação para a solução de problemas socialmente relevantes.

Quanto aos estudos sobre o trabalho do psicólogo no campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho foi identificada uma ampliação das intervenções, nas quais o psicólogo vinha desempenhando novas atividades junto à equipe de recursos humanos, porém constava nas publicações o predomínio de realização de atividades tradicionais e técnicas (seleção, recrutamento e treinamento). Para Zanelli e Bastos (2004), as atividades implicam em diferentes níveis de intervenção, sendo considerado, como primeiro nível, o técnico (o profissional intervém em processos a partir de instrumentos e procedimentos conhecidos ou disponíveis). O segundo nível é denominado estratégico (incorpora a possibilidade do profissional participar do planejamento de estratégias). E o terceiro nível permite uma intervenção no plano da formulação de políticas globais, havendo um desdobramento das ações estratégicas e técnicas. Malvezzi (1979), Bastos (1987) e Zanelli (1992), já sinalizavam que o psicólogo organizacional não conhecia suficientemente os processos organizacionais e limitava-se a intervenções superficiais e fragmentadas, reduzindo, dessa forma, a amplitude e a eficácia de sua atuação.

Ainda no campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho, os estudos revelavam que, em conseqüência de uma formação deficiente, o profissional não apresentava preparo para lidar com as demandas que surgem decorrentes das mudanças no trabalho, comprometendo principalmente a ampliação do campo profissional e a qualidade dos serviços prestados. Nesse sentido, constatava-se a necessidade do psicólogo desenvolver competência, tanto técnica quanto política, para poder ampliar as possibilidades de atuação.

Nos contextos escolar e educacional, as pesquisas evidenciavam que a atuação do psicólogo estava baseada no modelo médico de intervenção, com um predomínio de atividades clínicas, nás quais eram realizados diagnósticos e tratamentos das dificuldades de aprendizagem apresentadas pelos alunos No entanto, estava presente em alguns estudos o direcionamento das intervenções para o sistema escolar (fatores pedagógicos, institucionais) e fatores sociais, o que levava a supor que a atuação do psicólogo poderia estar tendendo a uma atuação mais crítica e começando a romper com o modelo clínico de atuação no âmbito das situações escolares e educacionais.

Estava visível na literatura referente à área da Psicologia Social a preocupação com a análise e com a intervenção nas relações sociais, como também nas relações específicas vividas no cotidiano, levando à consolidação de atividades como a Psicologia Comunitária (ou na Comunidade) ou Saúde Pública e coletiva, assim como práticas emergentes (Psicologia Ambiental/Ecologia Humana, Trabalho e Saúde, Movimentos Sociais e Práticas Psicossociais com Mulheres, com Meninos de Rua e com a Terceira Idade) e, também, o desenvolvimento de práticas ditas convencionais (práticas de ensino, pesquisa, extensão universitária e práticas com grupos e instituições). Os estudos sobre a Psicologia Social evidenciavam ampliação do campo de exercício profissional do psicólogo, em decorrência dos movimentos sociais, das políticas governamentais em saúde pública e pelo próprio aumento de profissionais atuando na área. Esses estudos mostravam uma significativa mudança no perfil do profissional e uma busca para ampliar e responder às necessidades da população, de maneira a prestar um serviço socialmente significativo à sociedade.

De acordo com essas produções, os campos de atuação do psicólogo sofriam ampliações, dando indícios de uma consciência social. No entanto, tal ampliação requeria uma nova formação qualificada, no sentido de acompanhar e desenvolver o conhecimento científico. Sendo assim, o processo de formação passava a desempenhar um papel importante, pois além de ser responsável pela formação científica, cabia-lhe o desenvolvimento de competências para o exercício dessas novas práticas, demandando um currículo ajustado à realidade de atuação e à evolução da Psicologia como ciência e como profissão.

O exercício profissional de novas práticas requeria novos procedimentos e exigia novas aprendizagens dos psicólogos, para formar profissionais capazes de articular ciência e exercício profissional de uma maneira profunda. Assim, era preciso articular a geração de conhecimento, o processo de formação e o exercício do trabalho profissional em Psicologia e construir o desenvolvimento do campo de atuação em Psicologia.

É possível, por meio da análise de produções científicas, como a obra aqui resenhada, identificar redirecionamentos para a atuação do psicólogo nas diversas atividades profissionais.

Revela-se a importância da formação no processo de desenvolvimento da prática profissional evidencia a necessidade de preparo científico, onde a postura crítica é fator primordial para a geração de conhecimento e para o surgimento de novas perspectivas de atuação. A obra oferece significativa contribuição aos alunos, professores e profissionais de Psicologia, principalmente àqueles que respondem junto aos órgãos responsáveis pela formação e representação da categoria, pois fornece subsídios para repensar a formação do psicólogo, como também retrata o avanço do conhecimento sobre a prática profissional nas áreas tradicionais e emergentes, levando a uma reflexão acerca do fazer psicológico. Mesmo sendo um texto publicado pela primeira vez há doze anos, sua leitura é importante para retomar aspectos importantes a respeito do campo de atuação profissional da Psicologia, especialmente para quem, nos anos próximos à publicação dessa obra, estavam ainda distantes da preocupação com análise e avaliação da atuação do psicólogo na sociedade no País. Há uma marcante atualidade na obra.

Para estudantes de Psicologia, especialmente nos anos iniciais dos cursos, quando ainda está em elaboração um possível projeto de vida profissional, a obra é importante para avaliar e ampliar o que pode constituir o campo de atuação profissional dos psicólogos no Brasil. Vale a leitura. Mais ainda, para os que o leram, vale uma releitura para retomar alguns problemas que permanecem existindo e que parecem esquecidos ou desgastados pelo tempo e pelo desgaste dos debates, que não concretizam possibilidades de amadurecimento e ampliação do que constitui o campo de atuação profissional dos psicólogos.

As medidas governamentais recentes, as proposições de parlamentares que interferem na profissão, as diretrizes curriculares e as possibilidades de renovação do projeto (currículo de formação) da profissão convidam e criam uma excelente oportunidade para retomar o exame que essa obra propicia. N o caso da Psicologia Organizacional e do Trabalho, especialmente pelas possibilidades de ser comparado com um livro lançado em abril de 2004 (Zanelli, Borges-Andrade e Bastos, 2004), que coloca em pauta esse segmento da profissão no Brasil.

 

Referências

BASTOS, A. Y.B. O psicólogo organizacional características do seu exercício profissional. Anais da VXII Reunião de Psicologia da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, 1987.         [ Links ]

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Psicólogo Brasileiro: construção de novos espaços.Campinas: Átomo, 1992.         [ Links ]

MALVEZZI, S. O papel dos psicólogos profissionais de recursos humanos- um estudo na grande São Paulo. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade Católica de São Paulo, 1979.         [ Links ]

MELLO, S. L. Psicologia e profissão em São Paulo. São Paulo: Ática, 1975.         [ Links ]

ZANELLI, J. C. Formação profissional e atividade de trabalho: análise das necessidades por psicólogos organizacionais. Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Educação da UNICAMP. Campinas, São Paulo, 1992.         [ Links ]

ZANELLI, J. C.; BASTOS, A. Y. B. Inserção profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. In: ZANELLI, J. C.; BASTOS, A. V. B. e BORGES-ANDRADE, J. E. (Orgs.) Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil.Porto Alegre: ARTMED, 2004.         [ Links ]

 

 

1 Resenha do livro Psicólogo Brasileiro: construção de novos espaços, Publicado em 1992 pela Editora Átomo, com 227 páginas.

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