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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.8 n.1 Florianópolis jun. 2008

 

ARTIGOS

 

Redes sociais e mudança em um grupo de produtores rurais do planalto central

 

Social network and change in a rural brazilian producers group

 

 

Elaine Rabelo NeivaI; Maria Júlia Pantoja de BritoII

IProfessora. Dra. do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações da Universidade de Brasília e do Mestrado em Psicologia da Universidade Católica de Brasília. Temas de pesquisa: mudança organizacional e redes sociais. E-mail: elaine_neiva@uol.com.br
IIProfessora Dra. adjunta da Universidade de Brasília. Temas de pesquisa: aprendizagem nas organizações, redes sociais. E-mail: jpantoja@unb.br

 

 


RESUMO

Vários estudos que investigam mudança nas organizações se focam nas atitudes percebidas pelos indivíduos frente à mudança. Quando os indivíduos de uma organização são informados a respeito de uma mudança, eles formam crenças e idéias que questionarão como a mudança irá afetar as características do trabalho do indivíduo, se a organização é capaz de realizar a mudança de tal forma que os objetivos principais sejam alcançados, e se a mudança casa com os valores do indivíduo. As relações sociais em que cada indivíduo está inserido podem ser vistas como uma rede. Assim, dentro de um contexto específico organizacional, o estudo das redes se torna extremamente importante na investigação de processos que envolvem relações informais, pois estes muitas vezes consolidam a dinâmica organizacional e processos de tomada de decisão. O presente estudo tem por objetivo descrever e analisar a estrutura social e as reações dos indivíduos durante a implantação de uma associação de produtores rurais do Distrito Federal. Entrevistas semi-estruturadas e um questionário para investigar as redes sociais de amizade, informação, confiança e influência foram utilizados como metodologia do estudo. Participaram do estudo 15 produtores rurais e 5 profissionais de uma empresa de extensão rural do Distrito Federal As entrevistas ressaltaram a característica solitária do trabalho do produtor, vinculado a seu pequeno negócio. Os resultados indicaram que as reações à mudança foram de desconfiança e temor. O grau de confiança do grupo no indivíduo que propõe a introdução das mudanças e as experiências anteriores com outras associações foram determinantes para a participação do produtor. Os resultados das redes sociais indicaram ainda redes com pouca interação e possibilidade de crescimento. O estudo também indicou atores importantes para melhor estruturação das redes.

Palavras-chave: Mudança organizacional, reações à mudança, redes sociais.


ABSTRACT

The informal social network make a social base to consolidate the organizational change once the reactions of changes have effects that happen in the social network context. This current study describes and analyses the social network structure and the individual reactions during an implantation of a rural producers association of Distrito Federal. Structured interviews and a survey to investigate social network's content were used as methodology of study. Fifteen rural producers and five professional people of a rural company of Distrito Federal were part of the study. The interviews showed the producer lonely characteristic linked to his small business and family. The results showed that the reactions of changing were: distrust and fear. The group level of trust in the individual that suggest the introduction of changes and preceding experiences with other associations were important to the producer participation. The social network results also showed that there is few interaction and possibility of growth. The study indicated important actors that can make network structures even better.

Keywords: Organizational change, reactions toward change, social networks.


 

 

INTRODUÇÃO

Ao discorrer a respeito de mudanças organizacionais, os autores salientam a velocidade com que as mudanças ocorrem nas camadas tecnológica, social, política e econômica e como as organizações recebem e reagem a essas mudanças (Tienari & Tainio, 1999). Os estudos sobre mudanças em organizações possuem uma vasta literatura que compreende diversas implicações teóricas e taxonômicas a respeito das mudanças.

Um conceito de mudança organizacional, formulado por Neiva (2004, p. 23) e adaptado de Lima e Bressan (2003), pode ser o seguinte:

Qualquer alteração, planejada ou não, em componentes que caracterizam a organização como um todo - finalidade básica, pessoas, trabalho, estrutura formal, cultura, relação da organização com o ambiente -, decorrente de fatores internos e/ou externos à organização, que traz alguma conseqüência, positiva ou negativa, para os resultados organizacionais ou para sua sobrevivência.

A definição acima compreende um conceito abrangente de mudança organizacional, seus antecedentes - como fatores internos ou externos - e suas conseqüências para o grupo, primordial para que a mudança seja significativa e ofereça respaldos para ser estudada. No presente texto, todos esses componentes serão devidamente descritos, compondo, de certa forma, a natureza da mudança estudada.

Armenakis, Burckley e Bedeian (1999) dividem as pesquisas sobre mudança organizacional em quatro grandes temas: conteúdo, contexto, processos e resultados. As pesquisas que envolvem o tema conteúdo abordam os alvos do processo da mudança ou o que será objeto da intervenção, ou seja, conteúdo da mudança. No tema contexto, encontram-se as pesquisas sobre as alterações nos ambientes interno e externo da organização e o efeito delas no grau em que a organização responde a tais demandas. O estudo dos processos de mudança, suas etapas e características é abordado pelo tema processo. E, por último, as pesquisas de resultado abordam os efeitos colaterais das mudanças organizacionais, como resistência, stress, comprometimento, etc.

Nos estudos sobre resultados da mudança organizacional, há a preocupação com a resistência e o bem-estar dos empregados na organização. A resistência tem sido apontada como um dos fatores responsáveis pelo fracasso dos processos de mudança organizacional.

Armenakis, Burckley e Bedeian (1999) afirmam que implementar mudanças inevitavelmente requer encorajamento dos indivíduos para desempenharem novos comportamentos, para que as mudanças desejadas possam ser realizadas. As ações requeridas para a implementação de mudanças podem provocar respostas não intencionais, como recusa, resistência, estresse, cinismo, redução do comprometimento. Essas respostas podem servir de critérios ou marcos para rastrear a probabilidade de os empregados desempenharem novos comportamentos necessários à realização das mudanças desejadas. Essas reações são medidas complementares para o acesso ao êxito de mudanças de conteúdo ou contexto. Como sistemas abertos, as organizações dependem da direção humana para ter sucesso.

Como parte desse vendaval de especulações está a confusão entre os conceitos de resistência, atitudes, crenças e cognições. Schieman (1995) sugere que o termo resistência à mudança é muito genérico e pode ser subdividido em áreas mais específicas, como:

• perda de controle dos padrões de trabalho que são conhecidos e provavelmente confortáveis;

• incerteza sobre novos processos e resultados esperados com a mudança;

• perda de poder percebida e real, ocasionada pelas demandas de mudança;

• aumento das demandas do trabalho geradas pela mudança;

• mal-entendidos e demandas não claras desencadeados pelo processo de mudança.

Piderit (2000) também ressalta a ambigüidade do termo resistência à mudança e propõe que as respostas dos indivíduos à mudança sejam analisadas sob o conceito de atitudes da Psicologia Social. Nesse caso, o conceito compreende três dimensões, como a cognitiva - que envolve crenças que expressam julgamentos positivos ou negativos sobre um objeto -, a dimensão afetiva - que envolve sentimentos e emoções sobre o objeto -, e a dimensão comportamental, baseada em comportamentos passados ou intenções futuras de agir em relação ao objeto (mudança). Como citado anteriormente, as atitudes predispõem os indivíduos a agir de determinada forma em relação a um objeto (Grube, Mayton & Ball-Rokeach, 1994; Waller, 1994), o que torna o conceito mais aplicável para analisar as respostas individuais aos processos de mudança.

Segundo Rodrigues, Assnar e Jablonsky (1999), as atitudes são uma organização duradoura de crenças e cognições em geral, dotadas de carga afetiva pró ou contra um objeto social definido, que predispõe a uma ação coerente com as cognições e afetos relativos a esse objeto.

Valley e Thompson (1998), em um estudo empírico, afirmam que a resistência é fortalecida quando as atitudes em relação à mudança são negativas, ou a competência e segurança dos indivíduos estão sob ameaça. Para os autores, a resistência é entendida como resposta comportamental. Sarnoff, Katz e McClintock (1965, apud Valley & Thompson, 1998) afirmam que atitudes moldam sentimentos das pessoas e suas percepções em relação à mudança ou ao objeto novo, bem como moldam o comportamento em direção à mudança ou ao objeto novo. As atitudes ajudam as pessoas a tomarem consciência das novas faces do ambiente, ligando cada novo item a um conjunto de crenças que transmitem valor e dirigem o comportamento. Em momentos de mudança, se os membros da organização abraçam a mudança ou acreditam que ela traz benefícios, eles provavelmente se adaptarão rapidamente ao novo sistema de trabalho. Atitudes negativas em direção à mudança podem ter o efeito oposto, diminuir a probabilidade de que a nova estrutura social será adaptada como foi prescrita.

Vários estudos que investigam mudança nas organizações se focam nas atitudes percebidas pelos indivíduos frente à mudança. Quando os indivíduos de uma organização são informados a respeito de uma mudança, eles formam crenças a respeito dela (Lines, 2005). Segundo Armenakis, Harris, Mossholder & Isabella (apud Lines, 2005). Tais crenças questionarão como a mudança irá afetar as características do trabalho do indivíduo, se a organização é capaz de realizar a mudança de tal forma que os objetivos principais sejam alcançados e se a mudança casa com os valores do indivíduo.

As emoções dos indivíduos também são eliciadas a partir dos primeiros contatos com a idéia de mudança. Sentimentos como frustrações, medo ou entusiasmo e crenças formadas com relação à mudança configuram a atitude frente a ela e, por conseqüência, influenciam emoções, comportamentos e o processamento de informações ligados à situação (Lines, 2005). As atitudes predispõem o indivíduo a agir de certa forma frente a um objeto, que, nesse contexto, é caracterizado pela mudança significativa na organização. Segundo Neiva (2004), as atitudes dos indivíduos frente à mudança desempenham um papel fundamental na relação entre indivíduos e mudança organizacional.

As atitudes podem ser facilitadoras de sucesso nos processos de mudança, e Damanpour (1991) aponta que atitudes dos gerentes determinaram a participação dos funcionários e decorrente sucesso na implantação da mudança. Por outro lado, fracassos no processo de mudança por vezes são atribuídos às resistências dos indivíduos (Bovey & Hede, 2001). Em situações de mudança, quando os indivíduos crêem positivamente nas melhoras a serem obtidas nas alterações implementadas, provavelmente se adequarão à nova forma de trabalho. Em contrapartida, atitudes negativas frente à mudança podem dificultar a adaptação dos indivíduos à estrutura social a ser modificada (Neiva, Ros & Paz, 2004).

As configurações das diversas dinâmicas sociais no ambiente organizacional não necessariamente acompanham as estruturas formais que configuram as funções, cargos e equipes na organização. A teoria de Redes Sociais postula que as relações entre as pessoas são fenômenos elementares, processos que geram formas sociais sujeitas à regeneração contínua e à adaptação a circunstâncias mutantes. "Uma rede social não é algo estruturalmente fixo, não problematiza os padrões das relações observadas e não atribui propósito a elas." (Wolfe, 1978, p.56, apud Silva, 2003). As relações sociais em que cada indivíduo está inserido podem ser vistas como uma rede. Assim, dentro de um contexto específico organizacional, o estudo das redes se torna extremamente importante na investigação de processos que envolvem relações informais, que, muitas vezes, consolidam a dinâmica organizacional e os processos de tomada de decisão.

A análise das redes sociais ocorre em três níveis: características estruturais da rede, características relacionais da rede e identificação dos atores críticos. As características estruturais envolvem os conceitos de diâmetro, distância geodésica, densidade, etc. As características relacionais envolvem a identificação de subgrupos nas redes, como cliques e clãs. A identificação dos atores críticos explicita os principais atores e seus papéis nas redes analisadas.

Ao se tratar de Redes Sociais, torna-se indispensável definir certos conceitos para o estudo e análise dos resultados. Um conceito básico é o de ator, que constitui uma pessoa ou um representante do grupo de pessoas estudado. As ligações ocorrem quando um ator se liga a outro, e o subgrupo são os subconjuntos de atores juntamente com suas ligações. O conjunto de ligações de mesma natureza entre os membros de um grupo constitui a relação (Silva, 2003). Sobre a natureza daquilo a que os atores são ligados, ou seja, o que eles trocam em uma relação particular, se define como conteúdo transacional, que pode ser um elemento material ou não-material, a depender de como o papel é desempenhado pelos atores (Silva, 2003). Exemplos de conteúdos transacionais compreendem amizade, confiança, informação ou influência. Nos trabalhos recorrentes (Silva, 2003), os conteúdos transacionais comumente analisados são amizade, confiança e informação. Neste trabalho, foi incluída a influência percebida sobre o ator como conteúdo transacional de uma rede social.

Além disso, ao se analisar uma Rede Social formada, torna-se imprescindível observar seu tamanho (total de ligações efetivas ou potenciais), sua densidade (razão entre ligações efetivas e ligações potencias), sua distância geodésica (caminho mais curto entre dois atores de uma rede), seu diâmetro (maior distância geodésica entre quaisquer atores de uma rede) e sua coesão (grau de afinidade entre atores do grupo ou subgrupo) (Silva, 2003). Todos esses são critérios estruturais importantes para a classificação e a compreensão de um processo que envolve Redes Sociais.

O estudo das Redes Sociais possibilita a identificação de papéis críticos assumidos pelos atores. Os estudos geralmente têm se focado em quatro papéis críticos de ligação: (1) o conector central, que liga a maior parte das pessoas de uma rede social umas com as outras; (2) o expansor de fronteiras, que conecta uma determinada rede social com outras partes de uma organização ou com outras organizações, (3) o corretor de conteúdo transacional, que mantém a comunicação entre os diferentes subgrupos de uma rede social, unindo-os e impedindo que a rede se fragmente em subunidades menores e menos eficientes e (4) o especialista periférico, a quem todos de uma rede social podem recorrer sempre que algum conhecimento específico é necessário (Silva, 2003).

O presente estudo tem como objetivo investigar as reações e atitudes frente a uma mudança organizacional, apresentadas pelos produtores rurais, em uma associação de produtores rurais do Distrito Federal. Além disso, o estudo visa a identificar as características estruturais, relacionais e identificar atores críticos na composição das redes sociais compostas pelos produtores que participam da associação, adotando estratégias metodológicas da teoria das Redes Sociais. Os dados foram obtidos durante o processo de consolidação da formalização da associação dos produtores. A associação, já formada há um ano, estava sendo apoiada pela EMATER - Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural para melhor se organizar, adquirir autonomia e, em momento futuro, formar uma cooperativa.

 

Contexto de mudança

O estudo foi desenvolvido durante o período em que a associação de produtores rurais estava em processo de criação. Os produtores estavam agregados em torno da idéia de criação da associação e se encontravam em fase de estruturação do negócio. A idéia da associação foi apresentada e apoiada pela EMATER-DF. Anteriormente, os produtores vendiam individualmente seus produtos, e a EMATER fazia o trabalho de orientação e extensão rural. A idéia foi apresentada e, dos 100 produtores, 15 concretizaram a idéia da associação. No momento da coleta de dados, a EMATER desempenhava papéis de estruturação das funções, intermediação da venda e controle financeiro da associação, além das funções de orientação dos produtores. As mudanças apresentadas foram no sentido de criação da associação e passagem do controle para os membros do grupo de produtores. O processo final de mudança culminaria na fundação de uma cooperativa de produtores. Considerando o conceito de mudança organizacional adotado, tratase de uma alteração no funcionamento dos pequenos negócios familiares dos produtores e introdução de uma associação com o objetivo de profissionalizar a produção. O objetivo final do plano de alterações proposto era fundar uma cooperativa de produtores. A associação estava se concretizando e estruturando seu modo de operar com apóio da EMATER-DF.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram do estudo 15 produtores rurais pertencentes a uma associação de produtores rurais vinculada a EMATER, além de 5 profissionais de uma empresa de extensão rural do Distrito Federal.

Instrumentos

Foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas para identificar a percepção e a reação dos produtores com alguma situação de mudança ocorrida no núcleo rural. As questões levantadas na entrevista procuraram buscar elementos relativos ao trabalho do produtor, como eles estão organizados, que mudanças eles perceberam nos últimos anos e a relevância da mais importante, a reação das pessoas frente ao evento e a percepção do entrevistado sobre a mudança. Para estudo das Redes Sociais, foram aplicados questionários para investigar os conteúdos transacionais de amizade, informação, confiança e influência.

Um questionário foi elaborado a partir do questionário piloto usado por Silva (2003) em seu estudo. O questionário trazia questões que buscavam medir características qualitativas das ligações das redes, como freqüência de interações, duração de ligações, percepção do grau de intensidade do conteúdo transacional pelos próprios autores, etc. O questionário foi elaborado dentro de um quadro de respostas que direcionava a pergunta aos nomes gerados pelos atores da rede social.

Também foram utilizados gravadores para armazenamento das entrevistas e papéis para anotação dos dados.

Procedimento

Após a realização das entrevistas, com gravação, foi necessário realizar uma transcrição das falas dos participantes para que os dados pudessem ser analisados e trabalhados. As entrevistas foram submetidas à análise de conteúdo categorialtemática e as respostas aos questionários de redes sociais foram analisadas pelo software UCINET 6.0 de mapeamento de redes sociais. As entrevistas foram analisadas também pelo software ALCESTE. As entrevistas foram realizadas na sede da associação de produtores rurais localizada em um núcleo rural da cidade satélite de Brazlândia-DF. As entrevistas foram realizadas por alunos de graduação da Universidade de Brasília, participantes de um grupo de pesquisas sobre redes sociais, e orientados pelas autoras deste artigo.

 

RESULTADOS

Resultados sobre mudança extraídos das entrevistas

Após a análise de conteúdo categorial-temática e a recorrente análise pelo software Alceste, foram encontradas, nas duas situações, sete categorias. As entrevistas enfatizaram o papel da EMATER como detentora da idéia da associação de produtores e como principal fornecedora de informações técnicas. As entrevistas ressaltaram a característica solitária do trabalho do produtor, vinculado a seu pequeno negócio, o que dificulta a alteração necessária no processo de trabalho para concretização da associação e cooperativa de produtores. Os resultados indicaram que as reações à mudança foram de desconfiança e temor. Posição ambígua dos produtores: "se der certo, eu fico, se ocorrer alguma coisa, eu saio." Muitas retiradas de produtores durante o processo de implantação da associação rural. O grau de confiança do grupo no indivíduo que propõe a introdução das mudanças e as experiências anteriores com outras associações foram determinantes para a participação do produtor. Os benefícios da associação foram determinantes na redução de perdas com intermediadores e insegurança na negociação individual.

O trabalho do produtor

As atividades do produtor (plantar, colher, irrigar, etc.); hortaliças como produtos principais; tempo como produtor no núcleo; trabalho do produtor como trabalho solitário; características do plantio de hortaliças; altos custos do plantio para o produtor; necessidade de selecionar produtos para vender; dificuldades do produtor para angariar recursos junto aos bancos e vender seu produto por um preço justo; preocupação com a qualidade do produto. Tradição familiar de trabalho no campo; a associação como uma continuidade do trabalho já realizado pelo produtor; toda a família trabalha no campo; dificuldades no trabalho anterior e opção por trabalhar na roça; trabalhava como extensionista rural e quis fazer laboratório trabalhando na roça; necessidade de uma vida mais saudável; expectativa de ganhar mais com o trabalho na roça; desconhecimento sobre o trabalho como produtor.

A EMATER

Responsável pela assistência técnica ao produtor; realiza fiscalização das áreas rurais; análise do solo e prescrição de formas de tratamento; grande aceitação por parte dos produtores dos benefícios do trabalho com a EMATER; planejamento do plantio e intermediação da comercialização dos produtos na associação; a idéia da associação foi da EMATER; introdução de tecnologia de produção pela EMATER como responsável pela melhoria da qualidade dos produtos.

Aassociação

Formação da associação há um ano com agrupamento de vários produtores; organização do grupo; realização de atividades de discussão e visitas em grupo; benefícios com a associação como troca de experiências em relação ao plantio e ao mercado, retirar o produto do atravessador; diminuição dos riscos financeiros na venda, maior nivelamento atual de conhecimento entre produtores, integração e cooperação no grupo; abertura do grupo para novas pessoas; perda de vários membros do grupo durante o processo de criação da associação; intenção da EMATER de passar o comando e gerenciamento da associação para o grupo de produtores; objetivo do núcleo com a associação era atingir o nível dos produtores de cooperativa modelo, interesses divergentes entre associação de produtores e associação de moradores do núcleo rural.

Reações à mudança e a associação

Aceitação e adesão parcial da associação por parte dos produtores; resistência à associação; motivos para a não aceitação e resistência; frustração anterior com associações no núcleo; reclamação inicial antes dos benefícios aparecerem; desconfiança do produtor; ameaça de sair da associação; 30 produtores iniciais que foram desistindo; adesão instrumental de alguns; tentativa de convencimento outros pelo grupo de produtores; a imagem (confiabilidade) daqueles que estão na direção como fator de influência no comportamento de outros; expectativa positiva com o sucesso futuro da associação e da cooperativa influenciando a adesão; alguns que sempre acreditaram na associação.

Resultados referentes a redes sociais

Características estruturais da rede social

Foram investigados quatro tipos de redes sociais: amizade, confiança, informação e influência. A densidade da rede indica o grau de aproveitamento das relações sociais nela existentes. Trata-se da razão entre os laços existentes (quem indicou quem) e os laços possíveis. No caso da rede de amizade, 7% do potencial da rede está sendo aproveitado. Os indicadores de densidade das redes sociais foram os seguintes:

• Amizade - 0,0784 = 120 relações efetivas de uma possibilidade de 1520 relações potenciais;

• Confiança - 0,1000 = 145 relações efetivas de uma possibilidade de 1450 relações potenciais;

• Informação -0,0758 = 120 relações efetivas de uma possibilidade de 1610 relações potenciais;

• Influência - 0,0643 = 120 relações efetivas de uma possibilidade de 1850 relações potenciais.

As redes de informação e influência são aquelas que possuem maior número de relações potenciais, com um conjunto menor de relações efetivas. O maior aproveitamento ocorre na rede de confiança, em que 10% da rede está efetivamente sendo usado.

Os elos recíprocos informam a reciprocidade nos relacionamentos estabelecidos na rede. Os percentuais de elos recíprocos nas redes analisadas foram pequenos, sendo que o menor foi o da rede de amizade (4,35%), seguida pela rede de informação (5,67%), pela rede de influência (12,50%) e pela rede de confiança (16,67%).

A distância geodésica é definida como o caminho mais curto entre dois atores de uma rede. Existem distâncias geodésicas calculadas para qualquer par de atores, mas o cálculo costuma ser pautado na média entre essas distâncias por pares de atores. O diâmetro da rede é a maior distância geodésica entre quaisquer pares de atores desta rede. Em outras palavras, é o número de intermediações entre dois atores. Numa rede de amizade, seriam os amigos de amigos.

Adistância geodésica média esteve em torno de dois indivíduos. No caso da rede de influência, é necessário um pouco mais que duas pessoas (2,455) para que cada ator tenha acesso a outros atores. Na rede de confiança, a distância geodésica média ficou em 2,190. Na de amizade foi de 2,364 e na rede de informação foi de 1,619.

Para as três primeiras redes, o diâmetro ficou em 4 pontos; somente para a rede de informação o diâmetro ficou em 2 pontos. O diâmetro informa o número máximo de pessoas que precisam ser contatadas para que os atores mais distantes possam estabelecer contato.

Características relacionais das redes informais

Os subgrupos de uma rede são retirados pelo número de elos recíprocos (dois atores se indicam simultaneamente), formando um clique. Um clique demonstra a reciprocidade entre os atores. Foram extraídos os cliques de cada rede, considerando-se o mínimo de 3 atores com indicações recíprocas para formação dos cliques. A rede de amizade apresentou quatro cliques compostos pelos seguintes atores:

1: CAC GGP SDS - Tito

2: Mário Hélio Blaiton 3: Mário Hélio JA

4: CAC SDS - Tito F

Apesar da importância dos subgrupos em redes sociais, a rede de informação não apresentou cliques ou subgrupos que pudessem ser identificados pelos cálculos do programa Ucinet.

A rede de confiança, por sua vez, apresentou dois cliques, formados pelos seguintes atores:

1: JACAC SDS - Tito

2: Blaiton CAC Mário

A rede de influência foi aquela que apresentou o maior número de subgrupos. Foram oito cliques formados pelos seguintes atores:

1: GSLGGPJA

2: GGPJASDS - Tito

3: CAC GGPSDS - Tito

4: CAC Mário Blaiton

5: Hélio Blaiton JA

6: GSLHélio JA

7: GSLF JA

8: F JASDS - Tito

É importante notar que, em todas as redes sociais que apresentaram subgrupos, existem separadamente subgrupos vinculados à EMATER e subgrupos vinculados aos produtores. Em alguns casos, como na rede de influência e na rede de confiança, existem indivíduos como JA, CAC e GSL que desempenham papéis de ligação entre os dois tipos de subgrupos, o que demonstra a importância desses indivíduos para as redes.

 

Rede de amizade

 

 

Rede de confiança

 

 

Rede de informação

 

 

Rede de influência

 

 

Identificação dos atores Críticos

Apartir das análises do software UCINET 6.0, foram identificados os atores críticos das quatro redes sociais investigadas. A análise posicional dos atores é pautada na indicação da centralidade dos atores. A centralidade é a medida do quão acessível um determinado ator está para os demais atores de uma rede. A centralidade é avaliada pelos graus em que um ator é indicado e pela proximidade desse ator com outros atores e pelo grau de intermediação de relações. Os graus de centralidade de entrada (quantas indicações um ator recebe), centralidade de saída (quantas indicações um ator emite), de proximidade e intermediação são a base para o cálculo das posições de conector central e corretor de informação. O grau de intermediação é a base para a identificação dos corretores de informação.

Para extração dos expansores de fronteira foram realizados cálculos que extraem as figuras que separam blocos de pessoas. A seguir, é apresentado um quadro com os atores críticos das redes sociais.

 

Quadro 1

 

Dos atores identificados pelos cálculos das redes sociais, muitos desempenham mais de um papel na rede social, o que reforça uma baixa densidade nas relações sociais. Os funcionários da EMATER desempenham vários papéis, principalmente Hélio e Blaiton, que atuam como corretores de informação, conectores centrais e expansores de fronteiras. Comparando os resultados dos dados com a ilustração da rede de amizade, os atores GGP, Hélio, GSL, Mário e F funcionam como expansores de fronteira, mas no caso do Hélio, Mário e GSL, essas conexões são relacionadas a grupos externos ao núcleo rural, como no caso dos parentes. O GGP possui uma conexão importante com vários membros de subgrupos da própria rede, o que o torna personagem importante para o grupo. Os conectores centrais dessa rede são JÁ, Hélio*, GGP, Mário*, Blaiton* e SDS - Tito. Blaiton realmente se configura um conector central na rede de amizade. Oriundo da EMATER, ele conseguiu estabelecer vínculos com os produtores e virar uma figura próxima do "paizão". O JÁ e o GGP funcionam como conectores centrais para o grupo de produtores rurais, repassando as informações.

Na rede social de confiança, os atores JÁ, GSL, CFA- Cleison, GGP, Hélio* e SDS - Tito foram indicados como expansores de fronteiras. Novamente o fenômeno se repete nessa rede social: somente JÁ, GSL e SDS - Tito são expansores de fronteiras que envolvem outros grupos de produtores. Os demais conectam atores que são parentes ou colegas de outro trabalho. Os atores CAC, JÁ, Blaiton*, SDS - Tito, Mário* e GSL foram indicados como conectores centrais. Comparando com o desenho da rede, os atores CAC, JÁ, GSL e Blaiton funcionam como conectores centrais, pois recebem o maior número de conexões. Aqui novamente a figura do Blaiton é ressaltada como central.

A rede social de informação não apresenta expansores de fronteira, enquanto que os atores GSL, GGP, Hélio* e Blaiton* foram indicados como conectores centrais.

A rede social de influência possui o aspecto mais vascularizado. Como expansores de fronteiras, foram destacados os seguintes atores: GSL, CAC, GGP, Mário, Hélio e SDS. Desses, somente GSL, CAC, GGP e SDS fazem conexões entre membros de subgrupos de produtores. Como conectores centrais, os atores GGP, GSL, JÁ, SDS - Tito, He*, CAC, Mário* e Blaiton* foram destacados. A figura do Blaiton* novamente é indicada como conector central dessa rede. Dos atores considerados importantes para as redes sociais, somente o JA não respondeu ao questionário de redes.

 

Discussão e conclusões

As entrevistas evidenciaram que a demanda para introdução da associação de produtores no núcleo rural foi patrocinada e idealizada pela EMATER, não compondo assim uma necessidade do grupo. Além disso, todo o processo de convencimento do grupo foi precário, pois os produtores apresentavam atitudes de oposição, de desconfiança e de temor à mudança proposta. Em muitos casos, também foi detectada uma posição ambígua dos produtores: "se der certo, eu fico, se ocorrer alguma coisa, eu saio." Essas atitudes tiveram como conseqüência comportamentos de resistência, desistência e baixa adesão às propostas. Além disso, houve muitas retiradas de produtores durante o processo de implantação da associação rural.

O trabalho do produtor é ressaltado como algo muito solitário, o que dificulta o estabelecimento de vínculos que viabilizem a construção de grupos sólidos de trabalho no núcleo rural, necessários à ampliação e consolidação da associação. Os motivos para o trabalho como produtor vão desde tradição familiar até um empreendedorismo ingênuo por parte de alguns que não possuem repertório para realizar tal empreitada.

Outro fator importante no estudo da mudança é a credibilidade de alguns produtores como fator de adesão ao projeto da associação. As experiências anteriores com associação também determinam as atitudes que serão desenvolvidas a partir de uma proposta de mudança.

Essas características apresentadas se refletem nas características das redes sociais investigadas. A densidade é baixa, com pouco aproveitamento das relações sociais na rede. Os elos recíprocos também são poucos, o que indica que as pessoas não fazem alusão umas as outras no momento de identificar suas redes sociais no trabalho. Apesar de as perguntas reforçarem a indicação de amigos, pessoas de confiança, repassadores de informação e pessoas que o influenciaram, os produtores indicavam pessoas da sua família e parentes que trabalhavam no núcleo, mas não faziam parte da associação. Alguns diziam que não existiam amigos e pessoas de confiança no grupo. Esse dado reforça a natureza solitária e familiar do trabalho dos pequenos produtores investigados.

Além da baixa densidade, a distância geodésica indica o quanto as pessoas se distanciam na rede. Em um agrupamento de, no máximo, 15 pessoas, uma distância que envolve de dois a três indivíduos ainda é considerável. Somente a rede de informação apresenta um diâmetro e uma distância geodésica menor, o que indica que a rede consegue disseminar a informação com alguma agilidade.

A rede de informação é bastante peculiar. Ela não apresenta atores que funcionem como expansores de fronteiras. Também não apresenta subgrupos internos. As pessoas estão conectadas na rede de informação, mas ela apresenta dificuldade de se ampliar e manter em virtude da baixa conexão com o mundo exterior.

A rede de amizade apresenta três subgrupos informais, e a rede de influência é a mais capilarizada, com oito subgrupos. A influência é bastante sentida nos subgrupos informais da rede, no caso daqueles indivíduos a quem os outros atribuem a possibilidade de influenciá-los na situação de trabalho.

A diferenciação entre EMATER e produtores aparece nos dados de subgrupos. Nesse sentido, os indivíduos que fazem intermediação entre os subgrupos de produtores e o subgrupo EMATER funcionam como importantes interlocutores para essas redes sociais.

O ator Blaiton aparece como conector central em todas as redes sociais investigadas, o que reforça seu papel de "paizão" do grupo, tomando medidas que viabilizam a associação local de produtoresl. Esse também é um impedimento para a expansão da rede, na medida em que os produtores se acomodam com a atuação do Blaiton e não conseguem ampliar suas responsabilidades sobre o empreendimento. Alguns atores também aparecem repetidamente como conectores centrais ou expansores de fronteira das redes investigadas. GGP, GSL e JÁ desempenham importantes papéis nas redes sociais investigadas. Seriam indivíduos que devem ser acionados em medidas que visem à ampliação e à consistência da rede social. Dos atores identificados pelos cálculos das redes sociais, muitos desempenham mais de um papel na rede social, o que reforça a necessidade de ampliação do potencial das redes para sustentação dos planos da associação.

Um dos aspectos de relevância desse estudo reside na ênfase dos vínculos sociais para implantação de uma proposta de mudança. Numa cultura coletivista como a brasileira, os vínculos sociais são básicos para o sucesso de um empreendimento como a associação de produtores.

 

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