Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versão On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. v.8 n.2 Florianópolis dez. 2008
ARTIGOS
Implementação de estratégias cooperativas em redes de firmas
Cooperative strategy implementation in an interfirm network
Geovane Testa CorrêaI; Narbal SilvaII
IUniversidade Federal de Santa Catarina. E-mail: geovane211@yahoo.com.br
IIUniversidade Federal de Santa Catarina. e-mail: narbal@cfh.ufsc.br
RESUMO
De acordo com a literatura, transações cooperativas em redes de firmas deveriam resultar, para as firmas que implementam essa estratégia, menores custos de transação e melhor aproveitamento de oportunidades no mercado. Contudo, pesquisas indicam que há dificuldade em implementar tais estratégias, de modo a produzir resultados relevantes e necessários às firmas que cooperam entre si e à comunidade. O objetivo deste estudo foi identificar características de um processo de implementação de estratégias cooperativas, de forma a descobrir interações comportamentais existentes nesse processo. Essa caracterização pode ajudar pesquisadores e gestores a compreenderem, mais precisamente, algumas interações comportamentais relevantes em redes de firmas. Para realizar este estudo, foi selecionado um processo de implementação de estratégias cooperativas, ocorrido entre agosto de 2004 e maio de 2005, que envolvia quatro firmas de agronegócio. Os dados foram coletados de registros cursivos realizados durante reuniões, documentos e entrevistas semiestruturadas com onze gestores participantes do processo. Os resultados da pesquisa evidenciaram: produção de resultados insatisfatórios para a rede de firmas; predominância de objetivos vagos; processos de comunicação inadequados; e existência de poucos processos conjuntos de resolução de problemas.
Palavras-chave: implementação de estratégias cooperativas; economia dos custos de transação; aprendizagem interfirmas.
ABSTRACT
According to literature in the field of agro-industrial chain, cooperative transactions should result, to firms that transact this way, in less transaction costs and an increasing in market competitiveness. However, researches indicate that there are too many difficulties to implement such cooperative strategy, in order to achieve those results. The main objective of this study was to identify characteristics of a cooperative strategy implementation process, so as to discover relevant behavioral interactions among managers that have to carry out this process. In order to do this, it was selected and observed a particular cooperative strategy implementation process, which occurred at Santa Catarina state (Brazil) from August 2004 to May 2005, between four firms, one industry and three wholesalers. The data were collected from (a) descriptive notes, (b) documents, and, (c) semi-structured interviews with eleven managers. The results of this research points out to a poor interfirm cooperation process, which includes evidences about unsatisfactory consequences to the firm network, and, behavioral interactions mostly characterized by exchange of vague objectives, inadequate communication processes, and, existence of too few cooperative problem solving processes.
Keywords: cooperative strategy implementation; transaction costs economics; interfirm learning.
1. Introdução
Falhas na implementação de estratégias são responsáveis pela maior parte dos resultados insatisfatórios em firmas e redes de firmas (Booz-Allen & Hamilton, 2002; Oaks, Markham e Mehltretter, 2004; Hrebiniak, 2006; Doestler, 2008). Em relação a isso, Doestler (2008) afirma que 90% das organizações falham na implementação de estratégias, e Booz-Allen & Hamilton (2002) asseveram que o índice de falhas chega a 70%. Desconsiderando a amplitude de variação desses números, o fato é que gestores têm falhado na implementação de estratégias. E quais as decorrências de falhar nesse tipo de implementação para firmas e para a comunidade? O que pode ser feito para prevenir e (ou) atenuar falhas na implementação de estratégias, se esse tipo de implementação for efetivamente relevante para firmas e para a comunidade? Quando gestores decidem que o caminho para atingir metas estratégicas inclui especificamente a cooperação interfirmas, em qual grau a complexidade dessa implementação aumenta em relação à implementação de estratégias intrafirmas? O que gestores deveriam saber fazer para implementar estratégias em firmas e redes de firmas? Muito provavelmente não há respostas simples para essas perguntas, e nem mesmo conhecimento suficiente para respondê-las em todos os graus e ambientes necessários ao avanço de nossa sociedade. E, por esse motivo, há necessidade de iniciar o caminho para respondê-las, a começar por responder a seguinte pergunta, objeto deste estudo: que características constituem o processo de implementar estratégias cooperativas em rede de firmas?
1.1 A firma, o planejamento estratégico e a implementação de estratégias.
A firma, na teoria econômica, pode ser sinteticamente compreendida como um tipo de organização que transforma fatores de produção em produtos e (ou) serviços (Coase, 1990), por meio de uma estrutura de governança específica (Williamson & Masten, 1999), objetivando atender a determinadas demandas da sociedade e a auferir ganhos econômicos. Para tornar realidade esses objetivos, em alguns casos, gestores de firmas decidem efetivar a função da firma por meio de um processo chamado planejamento estratégico. Nesse processo, entre outras atividades, os gestores escolhem as estratégias (caminhos para atingir metas de interesse da firma) que melhor estiverem adequadas ao ambiente percebido no momento histórico do planejamento, com o objetivo de produzir os resultados necessários à sobrevivência e ao aumento de competitividade da firma. Contudo, escolher estratégias no âmbito do planejamento estratégico ainda não é produzir os resultados de interesse decididos por um gestor ou um grupo deles. Após o planejamento estratégico, deveria ocorrer a implementação de estratégias ou, em outras palavras, após o planejar deveria ter curso um processo cujo objetivo seria transformar o plano em realidade. Esse processo, designado pela expressão implementação de estratégias, refere-se a transformar conhecimento (aquele declarado em forma de plano estratégico e o que estiver relacionado a ele) em comportamentos e interações comportamentais significativas que influenciem a produção de resultados necessários, relevantes e suficientes para firmas, redes de firmas e para a comunidade.1
Mas, para transformar plano em realidade, isto é, para implementar estratégia, há necessidade de compreender estratégia como algo além de "um caminho a seguir". Entretanto, parece que a literatura tem limitado o significado de estratégia apenas ao processo de planejar (ou formular ou elaborar) esse "caminho". Por exemplo, em exame a respeito de falhas no planejamento estratégico e da incapacidade de gerar resultados satisfatórios para as organizações, Bliss (1994, p. 213) afirma que "a estratégia pode ser vista como uma série de intenções, muitas vezes expressas como um plano estratégico." Se estratégia significa "uma série de intenções", de que adianta gestores analisarem o ambiente, formularem metas estratégicas "perfeitas" e proporem caminhos para atingi-las (as intenções de como alcançar as intenções), se não há a implementação dessas "intenções"? Ou ainda, se os resultados obtidos com essa implementação não convergirem com as metas estratégicas? Também é possível encontrar, na literatura, certas características declaradas a respeito de estratégia que podem limitar e fragmentar a compreensão dos gestores quanto ao significado desse termo. Segundo Mintzberg, Lampel & Ahlstrand (2002, p. 13), "... é preciso ter em mente que cada estratégia, assim como cada teoria, é uma simplificação que distorce a realidade." Se a estratégia distorce a realidade, o que acontece com as pessoas que vão implementá-las, quando elas "chegam à realidade"? Confusão? Resistência? Conflitos? A estratégia, compreendida somente como planejamento (ou formulação), corresponde apenas às intenções (ou ilusões!) de um grupo de pessoas quanto ao futuro desejado para uma firma e (ou) rede de firmas. Se ao plano estratégico não seguir a implementação que o transforme em realidade, dificilmente haverá uma distinção entre os termos estratégia, intenção, delírio e ilusão.
Considerando que o planejar e o implementar devem constituir a estratégia se o objetivo é transformar plano em realidade, os estudos na área deveriam integrar esses dois processos na estratégia. Contudo, não é isso que tem ocorrido na produção científica brasileira a respeito de estratégia. Bertero, Vasconcelos & Binder (2003) selecionaram um total de trezentos e três artigos identificados como de estratégia, publicados entre 1991 e 2002, em revistas científicas específicas e anais do ENANPAD e, nesses artigos, não houve menção a temas que abordassem, de forma direta, a implementação de estratégias. Além disso, pesquisadores (Clegg, Carter & Kornberger, 2004; Hrebiniak, 2006) têm alertado que a maior parte dos estudos em estratégia concentra-se no componente planejar desse fenômeno. Por exemplo, Clegg e col. (2004), em exame crítico a respeito dos estudos em gestão estratégica, alertam para sete falácias nesses estudos, e uma dessas falácias diz respeito ao planejamento estratégico. Para esses autores, a separação existente entre planejamento estratégico (o "planejar") e implementação (o "executar") tem criado tantos problemas quantos os que tenta resolver (Clegg e col., 2004). Por sua vez, Hrebniak (2006) alerta, em estudo a respeito dos obstáculos à implementação de estratégias, que "um problema básico é que gestores sabem mais sobre a formulação de estratégias que sua implementação" (Hrebiniak, 2006, p. 12, tradução nossa). Para esse autor, a educação, nas escolas de negócios, é realizada em "silos", de acordo com os departamentos e disciplinas a que os alunos e gestores estão submetidos, por exemplo: estratégia de marketing, estratégia financeira, estratégia de recursos humanos, estratégia logística e assim por diante. Dessa forma, há a desconsideração de uma realidade unitária e integrada que alunos e gestores encontram quando saem das universidades e, para Hrebiniak (2006, p. 13, tradução nossa), "... essa perspectiva é nociva à visão integradora que a execução [de estratégias] demanda. [...] o planejamento influencia a execução. A execução da estratégia, por sua vez, influencia mudanças na estratégia e no planejamento."
1.2 O agronegócio, a transação cooperativa e a cooperação interfirmas.
A estratégia nunca ocorre em um "vácuo" humano e ambiental. Onde há estratégia, há pessoas (desempenhando diversos papéis em organizações como gestores, pesquisadores, técnicos, juízes, deputados, generais, ministros e sindicalistas, por exemplo) e há um ambiente específico onde essas pessoas atuam (e.g. organizações no agronegócio, militares, industriais, comerciais e financeiras, entre outras). Um dos ambientes onde falhas e sucessos na implementação de estratégias têm especial impacto socioeconômico no Brasil é no agronegócio. Além da óbvia importância dos alimentos para a sobrevivência da espécie humana, segundo dados da Revista Balanço Anual (2005), referentes ao ano de 2004, 33% do Produto Interno Bruto brasileiro, 42% das exportações brasileiras e 37% dos empregos nacionais dependem desse setor. Exatamente pela importância do agronegócio para o Brasil, há uma vasta rede de pesquisadores que estudam diversos tipos de fenômenos nesse contexto. A partir de literatura científica brasileira (Zylbersztajn & Neves, 2000) com estudos focados no ambiente do agronegócio, é relevante destacar dois conceitos relevantes para a gestão estratégica nesse ambiente e que auxiliam na compreensão de motivos que influenciam a existência de estratégias cooperativas em redes de firmas: (a) transacionar e (b) sistema agroindustrial (daqui por diante SAG).
Uma das teorias utilizadas por pesquisadores para descrever, explicar e prever alguns fenômenos presentes no agronegócio é a teoria dos custos de transação. A unidade de análise dessa teoria é chamada de transação, que ocorre quando bens e (ou) serviços são transferidos e (ou) prestados entre agentes econômicos (Williamson, 1985; Zylbersztajn & Neves, 2000). Em síntese, a transação pode ser compreendida como um tipo específico de interação social, que ocorre quando vendedores (uma pessoa, um conjunto de pessoas ou pessoas componentes de firmas) ofertam produtos ou serviços de que compradores (uma pessoa, um conjunto de pessoas ou pessoas componentes de firmas) necessitam. É possível notar, na Figura 1, uma representação simplificada de uma transação interfirmas e alguns de seus fluxos, no encontro de uma pessoa pertencente à firma A(que pode ser vendedor) e uma pessoa pertencente à firma B(que pode ser comprador). Por meio da interação dessas pessoas, vendedor e comprador podem chegar a um acordo, e, caso decidam efetivá-lo, ocorreriam pelo menos mais dois fluxos por decorrência dessa transação, isto é, dessa interação social específica: (a) o fluxo de produtos ou serviços da firma Apara a firma Be (b) o fluxo financeiro da firma Bpara a firma A, como contrapartida monetária à firma "A", correspondente à entrega de produtos ou serviços dentro das especificações da firma "B".
É comum, em análises do setor agronegócio, haver a necessidade de enxergar todo um sistema de transações, de forma que clientes e consumidores recebam produtos ou serviços com as especificações de qualidade e quantidade requeridas por esses e por órgãos de regulação privados e públicos, nacionais e internacionais. Por vezes, para a elaboração e implementação de bons programas públicos e privados, relacionados ao agronegócio, é necessário que gestores, pesquisadores e técnicos observem o sistema de transações como um todo. Quando essas pessoas decidem observar as transações no agronegócio dessa forma específica, há a observação do Sistema Agroindustrial (SAG), que inclui a observação de fenômenos desde firmas produtoras de insumos para o agronegócio até o consumidor final e, ainda, de instituições e organizações que influenciam cada uma das transações existentes no SAG (Zylbersztajn, 2000). É possível observar, na Figura 2, uma representação esquemática simplificada de um SAG. Nele estão destacados cinco setores econômicos e os consumidores dos produtos ou serviços oferecidos pelas firmas componentes desse sistema, o ambiente institucional, outras organizações existentes que dão suporte às firmas presentes no SAG, além de cinco transações possíveis nesse SAG específico, que efetivarão e movimentarão esse particular sistema econômico do agronegócio.
A importância específica de transações e SAGs para gestores e pesquisadores aparece em dois momentos da gestão estratégica: no momento de planejar e no momento de implementar. No momento de planejar, gestores necessitam decidir entre três estratégias de governança específicas de uma transação, objetivando efetivar a função da firma, chamadas na literatura (Williamson, 1996) de (a) hierarquia, (b) mercado e (c) híbrida. Por exemplo, gestores de uma firma industrial, com planta produtiva localizada em Campo Grande (MS) e atuante no mercado nacional, podem decidir construir uma ou mais filiais de vendas de seus produtos no estado de São Paulo, com o objetivo de vender sua produção nesse estado. Em outras palavras, gestores podem decidir por transacionar com ênfase em uma única hierarquia, desde a produção até a distribuição. Já no estado do Rio Grande do Sul, os mesmos gestores decidem vender sua produção para a firma que pagar o melhor preço no mercado. Em outras palavras, podem decidir por transacionar com ênfase na variável preço. E, no estado da Bahia, os gestores podem decidir estabelecer parcerias com firmas distribuidoras locais, outorgando exclusividade na venda de seus produtos em sub-regiões desse estado. Em outras palavras, podem estabelecer alianças com outras firmas, ou seja, podem decidir transacionar com ênfase na cooperação interfirmas.
Essas três estratégias possíveis de serem escolhidas por gestores no momento do planejamento estratégico, relacionadas à governança de uma ou mais transações, são projetos que deverão ser implementados para produzir resultados de interesse. No momento de implementar, situações inesperadas ou não antecipadas podem ocorrer, as quais, inclusive, podem inviabilizar a implementação de qualquer uma das três estratégias para governar transações. Mas, entre a implementação dessas três estratégias, por que interessa observar e examinar mais detalhadamente a transação cooperativa interfirmas? O que caracteriza esse tipo específico de transação, também chamado de cooperação interfirmas? Que problemas ainda existentes na implementação de estratégias cooperativas interfirmas determinam a necessidade de descobrir mais características a respeito desse fenômeno?
1.3 Desafios em implementar estratégias cooperativas em redes de firmas.
Sinteticamente, a estratégia de cooperação interfirmas2 refere-se àquele caminho em que gestor-vendedor e gestor-comprador, pertencentes a diferente firmas, decidem transacionar, com ênfase e por meio da ajuda mútua, para a construção de processos de trabalho integrados, o compartilhamento de informações completas, o desenvolvimento de subculturas comuns às firmas, a criação de fóruns adequados à solução de conflitos entre as firmas e outras interações sociais necessárias à efetivação da função de cada uma das firmas participantes desse tipo de arranjo, de uma forma melhor que outras estratégias possíveis. Na cooperação interfirmas, temas como preços e estrutura de poder continuam relevantes, embora tenham um papel secundário na construção de soluções para a produção de resultados significativos para as firmas participantes da rede e para a comunidade. Na literatura, é possível observar que pesquisadores (Downey, 1996; Farina, 1999; Zylbersztajn, 1999; Teixeira & Guerra, 2002; Bertero e col., 2003; Bialoskorski Neto, 2004; Chaddad, 2004; Claro & Claro, 2004; Teixeira, 2005; Franco, 2007) afirmam que transacionar de forma cooperativa em redes de firmas pode resultar, para as firmas que transacionam dessa forma: menores custos de transação, maiores oportunidades de vendas no mercado, reação mais rápida em relação às mudanças no ambiente, melhoria de capacidade competitiva e aproveitamento mais efetivo de oportunidades de lucro. Portanto, a cooperação interfirmas seria um tipo de estratégia que, em síntese, traria resultados significativos às firmas que dela participassem. Exatamente pelos resultados que esse tipo de estratégia promete, gestores têm tentado implementar estratégias cooperativas interfirmas para atingi-los.
Contudo estudos realizados em redes de firmas no agronegócio (Nadalini, 2002; Souza & Kliemann Neto, 2002; Bialoskorski Neto, 2004), em sistemas complexos de produção (Teixeira & Guerra, 2002) e na implementação de processos de trabalho conjunto em redes de firmas (Carneiro, Araújo & Cardoso, 2003; Vieira, Ferreira Junior & Yoshizaki, 2003; Oaks e col., 2004) têm mostrado que há dificuldades em implementar estratégias baseadas em transações cooperativas. Em investigação a respeito das quebras contratuais nas relações entre tomaticultores e a indústria processadora de tomates no Brasil, Nadalini (2002) concluiu que a transação de compra e venda de tomates para processamento industrial tem se mostrado uma das transações mais conflituosas nesse SAG. Por sua vez, Bialoskorski Neto (2004) mostrou que, entre 1992 e 2000, houve significativa diminuição de cooperação entre firmas cooperativas e de firmas cooperativas com outros tipos de firmas, no estado de São Paulo. De acordo com esse autor, o envolvimento emocional do gestor-cooperado com a cooperativa dificulta o estabelecimento de estratégias de fusão, de organização de cooperativas centrais e, ainda, de redes de firmas.
A implementação de estratégias cooperativas está relacionada com o processo de transformar conhecimento em comportamentos e interações comportamentais significativas, que influenciem a produção de resultados necessários, relevantes e suficientes para uma determinada rede de firmas e comunidade. A aparente simplicidade desse conceito oculta um conjunto de pressupostos que devem ser explicitados, para que seja possível se obter uma perspectiva mais exata possível da realidade. E um desses pressupostos a explicitar refere-se a compreender o comportamento humano como uma relação entre aquilo que uma pessoa faz e a situação na qual ela o faz (Botomé, 2001), pois, a partir dessa compreensão, há possibilidade de tornar mais visível o grau de complexidade do fenômeno implementar estratégias cooperativas interfirmas. Por exemplo, é possível observar, na Figura 3, uma representação, ainda simplificada e incompleta de componentes constituintes desse tipo de implementação. É relevante destacar que essa figura representa somente duas pessoas (Ae B), pertencentes a somente duas firmas (A e B), em uma interação cujo objetivo seria implementar estratégias cooperativas em redes de firmas, ou seja, efetivar uma transação cooperativa entre pessoas componentes de diferentes firmas. Diversas características constituem essa interação social e, entre essas, é possível citar: características gerais das pessoas Ae B(condições físicas, emocionais, repertório, interesses e expectativas); características gerais das firmas A e B (condições financeiras, instalações físicas, equipamentos, estrutura organizacional, cultura e rotinas especificas); características das estratégias comuns à rede de firmas (objetivos e planos estratégicos comuns às firmas que compõem a rede); resultados produzidos pelas pessoas Ae Bem relação às estratégias comuns (quantidade de objetivos atingidos, quantidade de objetivos não atingidos e objetivos atrasados); outras decorrências das ações de Ae Bque facilitam outras pessoas a obterem resultados de interesse para a rede; e os custos para a comunidade e integrantes das firmas para obterem os resultados desejados (tempo, desgaste, experiência, acidentes de trabalho e poluição).
É necessário ressaltar que várias transações cooperativas não são somente diádicas (como a do exemplo da Figura 3) e ocorrem em grupos de três ou mais pessoas, o que acaba por aumentar ainda mais a complexidade da implementação de estratégias cooperativas em redes de firmas. Na Figura 4, é possível observar uma representação simplificada de algumas interações sociais presentes em ambiente interfirmas que, se adequadamente geridas, podem viabilizar a produção de resultados satisfatórios desde a indústria até o consumidor final e, ainda, promover a adaptação das firmas às modificações ambientais de forma mais efetiva. Em um contexto como esse, é relevante notar que o ambiente onde as transações ocorrem é constituído também (ou seja, além do ambiente institucional e das organizações que suportam as transações como as destacadas na Figura 2) por características específicas do ambiente interfirmas e do ambiente social. O ambiente interfirmas pode incluir variáveis como as subculturas de cada uma das firmas, as competências específicas de cada firma que participa da rede, os ativos econômicos específicos que cada firma dispõe na relação, os objetivos específicos de cada firma e as estratégias comuns de atuação. Já o ambiente social apresenta variáveis na situação específica de interação, como as ações que as pessoas apresentam nas interações, as emoções de cada pessoa na interação, as capacidades cognitivas individuais, a forma como informações são trocadas e os objetivos individuais, dentre outras possibilidades.
Parte da dificuldade em implementar estratégias cooperativas interfirmas parece estar justamente na compreensão insuficiente das características desse tipo de implementar, em seus diversos graus. O implementar estratégias cooperativas pressupõe que dezenas, centenas ou milhares de pessoas mudem de comportamento na direção necessária à consecução de metas estratégicas. Em redes de firmas, além das mudanças de comportamentos que devem ocorrer dentro de uma firma - o que, por si só, já é um desafio à aprendizagem (Argyris, 1992), há necessidade de mudanças nos comportamentos de pessoas que trabalham em outras firmas. Muitas vezes, nesse encontro de pessoas pertencentes a diferentes firmas, ocorrem choques entre pessoas com valores, técnicas, linguagens e objetivos distintos que, se não forem adequadamente geridos, podem influenciar a probabilidade de obtenção de resultados satisfatórios para uma rede de firmas. Portanto, gestores teriam de saber lidar com mais uma variedade de situações, além daquelas que ocorrem em contexto interfirmas, para que, então, estratégias cooperativas fossem implementadas. Além disso, pesquisa e desenvolvimento deveriam seguir juntos e em auxílio aos problemas vivenciados por gestores, de forma a avançar o conhecimento a respeito da implementação de estratégias cooperativas, pois ainda há muito que ser descoberto a respeito desse fenômeno.
2. Método
De forma a descobrir características de implementação de estratégias cooperativas interfirmas, foi escolhido um ambiente onde esse processo ocorreu e, ainda, onde fosse possível coletar informações por meio de percepções de gestores que tivessem participado desse processo. Em agosto de 2004, teve início um processo de implementação de estratégias cooperativas em uma rede específica de firmas (também conhecida como subsistema agroindustrial, subSAG). Essa rede era composta por quatro firmas (os nomes foram preservados, de forma a manter o sigilo requerido), e o objetivo era implementar atividades propostas em um plano estratégico de mercado e vendas, elaborado por gestores da firma A. Na Figura 5, onde é possível observar a interação específica (transação "T3") da firma industrial A com as firmas de distribuição B, C e D, há uma representação esquemática dessas quatro firmas da rede.
A firma industrial A possuía contratos de fornecimento exclusivo dos seus produtos com as três firmas de distribuição, e essas deveriam distribuir os produtos da firma A, com exclusividade, para firmas clientes de varejo e food service, em regiões geográficas previamente acordadas. A implementação do plano estratégico de mercado e vendas era uma tentativa de coordenar esforços com as firmas B, C e D, com o objetivo de que a rede de firmas obtivesse maior fatia do mercado e maior eficiência nas operações conjuntas, ao tentar promover a diminuição de custos de transação.
2.1 Algumas características das firmas componentes do subSAG.
A firma A pertence ao setor de atividade econômica chamado indústria, e tem sede localizada na cidade de Chapecó, estado de Santa Catarina, vendendo seus produtos para todo o Brasil e para o mercado internacional. A atividade desempenhada por essa firma envolve, predominantemente, o abate e o processamento de aves e suínos, com o objetivo de produzir derivados congelados, resfriados e secos dessas carnes. As firmas B, C e D atuam no setor de atividade econômica chamado distribuição, e distribuem os produtos da firma industrial A em todo o litoral de Santa Catarina e parte do interior desse estado. A atividade distribuição desempenhada por essas firmas é caracterizada, essencialmente, pela produção de serviços específicos associados aos produtos fornecidos pela firma industrial A, como, por exemplo, a programação de compra dos produtos, o recebimento deles em armazéns apropriados, estocagem, vendas no mercado em que atuam e o transporte até os clientes. Além dessas características, é possível observar, na Tabela 1, outras características das firmas que integram o subSAG onde houve o processo de implementação de atividades do plano estratégico.
2.2 Algumas características do processo de implementaçãode atividades do plano estratégico de mercado e vendas elaborado pelos gestores da firma "A".
O processo de implementação de parte do plano estratégico teve início em 12 de agosto de 2004, em reunião entre integrantes dessa firma e das firmas de distribuição. Algumas características gerais do processo de implementação podem ser observadas no Quadro 1. É relevante notar, nesse Quadro, que as etapas 1 e 2 correspondem às situações que antecederam a execução de duas atividades propostas no plano estratégico (introduzir novos produtos e abrir novos clientes) e estavam relacionadas à preparação para a mudança e à disseminação de informações aos gestores das firmas de distribuição. As etapas 3a e 3b correspondem às ações dos participantes da firma industrial A e das firmas de distribuição B, C e D na execução das duas atividades propostas no plano estratégico e, finalmente, a etapa 4 corresponde à avaliação parcial dos resultados das ações dos participantes durante as etapas 3a e 3b.
2.3 Algumas características dos participantes do processo de implementação de atividades do plano estratégico.
Quanto aos participantes, é possível observar, na Tabela 2, algumas de suas características em relação à firma em que trabalhavam à época.
2.4 Coleta de dados
2.4.1 Entrevistas
As percepções dos participantes do processo de implementação do plano estratégico foram coletadas por meio de entrevista semiestruturada, baseada em um roteiro elaborado após revisão de literatura. Ele incluiu a observação de aspectos relacionados a objetivos, problemas, informação, comunicação, feedback e decisão em cada uma das etapas do processo de implementação de atividades propostas no plano estratégico de mercado e vendas. É possível notar, no Quadro 2, um conjunto de sete aspectos comuns, observados nas etapas 1, 2 e 4, e um conjunto de cinco aspectos comuns, observados nas etapas 3a e 3b, a partir das percepções dos gestores, que foram coletadas por meio da entrevista.
2.4.2 Documentos
Foram consultados os seguintes documentos: apresentações das reuniões nas etapas 1, 2 e 4 e o Plano estratégico de mercado e vendas: análise e implementação, elaborado por integrantes da firma industrial A em conjunto com uma firma de consultoria (versão datada de 13/10/2004).
2.4.3 Registros em reuniões das etapas 1, 2 e 4
Foram realizados registros cursivos por um dos pesquisadores, em três observações participantes não-estruturadas, realizadas nas reuniões que ocorreram na etapa 1 (12/08/2004), na etapa 2 (26/10/2004) e na etapa 4 (09/05/2005).
2.5 O processo de tratamento e análise dos dados.
Foram feitas transcrições de cada uma das entrevistas e inseridos trechos dessas transcrições em documentos chamados de Quadro para Análise de Transcrições. A partir desses Quadros, foram realizadas as análises dos trechos selecionados e estabelecidas as categorias e subcategorias necessárias para responder a pergunta de pesquisa. Tais categorias e subcategorias foram registradas e arquivadas em documentos chamados de Quadro com Dados Tratados e Analisados.
3. Resultados
A partir da análise de dados, foi possível identificar características que constituíram a implementação de estratégias cooperativas nessa rede específica de firmas, cuja atuação geográfica limitava-se a parte do estado de Santa Catarina. Os resultados da pesquisa estão apresentados em duas categorias principais: 3.1 - as descobertas relacionadas ao processo de implementação de atividades do plano, e 3.2 - as descobertas relacionadas às consequências da cooperação interfirmas, para cada uma das firmas, após a implementação de atividades do plano estratégico.
3.1 Características do processo de implementação de atividades do plano estratégico de mercado e vendas.
3.1.1 Características predominantes dos objetivos apresentados durante as etapas 1 e 2.
Pesquisadores (Teixeira & Guerra, 2002; Hrebiniak, 2006) argumentam que objetivos vagos restringem a implementação de estratégias em firmas ou redes de firmas. E foi exatamente o que ocorreu no processo de implementação observado. A apresentação de objetivos vagos predominou durante as etapas 1 e 2 do processo de implementação. Apresença de expressões como "correndo atrás de objetivos, com diálogos e harmonia", "trabalhando com sinergia" e "espírito de equipe", associadas a expressões como "mudança tem que ser para melhor", "sucesso total", "maximizar resultados", "gerar mais resultados", "colher resultados" e "geração de maior valor" declaravam muito pouco a respeito do que os participantes da indústria queriam especificamente dos distribuidores ou quais seriam os objetivos comuns da rede de firmas. Talvez não seja coincidência o fato de 73% dos participantes da pesquisa terem afirmado que tiveram dúvidas ou acharam que os objetivos das etapas 1 e 2 não foram atingidos. Portanto, a presença de objetivos vagos parece ser algo que dificulta a implementação de estratégias cooperativas interfirmas.
3.1.2 Características predominantes de comunicação e feedback nas etapas 1, 2, 3 e 4.
A partir da quantidade de percepções verbalizadas pelos participantes a respeito dos fatores que facilitaram e dos fatores que dificultaram a comunicação nas etapas 1, 2, 3 e 4, é relevante destacar que houve 103 percepções de fatores que dificultaram e 45 percepções de fatores que facilitaram a comunicação. Além disso, a percepção dos participantes foi de que predominou a presença de "feedbacks negativos" e "feedbacks impositivos" na comunicação entre os participantes da indústria e os participantes da distribuição. É importante notar que, para alguns participantes de firmas de distribuição, o dar feedback estava associado somente a informar problemas nas ações realizadas inadequadamente por pessoas da indústria.
As evidências do predomínio de fatores que dificultaram a comunicação entre os participantes da rede de firmas parece confirmar as afirmações de alguns autores (Argyris, 1992; Isaacs, 1993; Schein, 1993) a respeito de haver mais problemas com a comunicação nas organizações que comunicação efetiva ou "válida" (como denomina Schein, 1993). Para esses autores, uma comunicação "válida" nas organizações poderia promover ou facilitar a mudança organizacional.
Todas as evidências de que houve insuficiente "troca de percepções" entre os participantes das diversas firmas a respeito do que ocorria ou ocorreu também pode indicar que houve pouca cooperação interfirmas. De acordo com Cohen & Fink (2003), a quantidade de percepções compartilhadas nos grupos e o debate a respeito dessas percepções parecem ser indicadores do grau de cooperação que há nos grupos.
3.1.3 Características relacionadas aos motivos quefacilitaram a comunicação durante as etapas 1, 2, 3 e 4.
Também foi possível verificar, no estudo, que os participantes da indústria perceberam com maior ênfase os fatores que facilitaram a comunicação. Esses participantes perceberam a maior quantidade de fatores que facilitaram a comunicação (vinte e dois fatores de um total de quarenta e cinco) e a menor quantidade de fatores que dificultaram a comunicação (cinco fatores de um total de cento e três) durante as quatro etapas do processo de aprendizagem. Essa constatação, de que os participantes da indústria perceberam insuficientemente fatores que dificultaram a comunicação nas quatro etapas pode indicar que os participantes: (a) buscaram insuficientemente informações a respeito de problemas na comunicação interfirmas; (b) verbalizaram somente fatores positivos de forma a "livrar a cara"; ou, simplesmente, (c) não perceberam problemas na comunicação. Independentemente de qual tenha sido a condição antecedente, há pesquisas (Janis, 1982; Argyris, 1992; Schein, 1993; Kubo & Botomé, 2001; Souza, Depresbiteris & Machado, 2004) nas quais é possível constatar que a presença de pelo menos uma dessas três condições já é suficiente para influenciar a baixa probabilidade de produção de resultados satisfatórios.
3.1.4 Características relacionadas a problemas e soluçãoconjunta de problemas existentes durante as etapas 3a e 3b
Dos cento e nove problemas identificados pelos participantes na execução das etapas 3a e 3b, o gerente de vendas da indústria para região sul (G4) percebeu e verbalizou nove problemas ou 8,3% do total. Mesmo se for considerada a quantidade média de problemas percebidos e verbalizados por participantes, G4 percebeu aproximadamente 28% menos problemas que a média dos participantes das firmas de distribuição. Considerando esses dados e ainda que G4 foi o responsável pela coordenação da implementação das atividades propostas no plano estratégico na região sul, é possível afirmar que esse participante identificou poucos problemas durante as etapas 3a e 3b. E perceber insuficientemente aspectos relevantes da realidade pode trazer como decorrência baixa probabilidade de produção de resultados bem sucedidos (Janis, 1982; Kubo & Botomé, 2001; Souza e col., 2004).
Mesmo quando os participantes da indústria e da distribuição perceberam problemas em comum, das quatorze sínteses das percepções verbalizadas a respeito da avaliação das ações e decisões conjuntas para corrigir os principais problemas identificados nas etapas 3a e 3b, (a) sete verbalizações referiram-se à ausência de ações conjuntas para solucionar problemas; (b) duas verbalizações referiram-se às ações interrompidas prematuramente; e (c) cinco verbalizações referiram-se às ações conjuntas com o objetivo de solucionar problemas. Portanto, parece possível afirmar que essa quantidade de verbalizações (35% do total) a respeito de ações conjuntas para solucionar problemas é baixa, quando relacionada ao total das quatorze percepções verbalizadas pelos participantes das diferentes firmas. E isso, de acordo com Cohen & Fink (2003), pode indicar insuficiente cooperação interfirmas.
3.1.5 Aconfiança entre comprador e fornecedor não determinou a "troca de informações pertinentes, compreensivas, precisas e oportunas".
É necessário ressaltar uma relação entre um dos resultados deste estudo e um dos pressupostos considerados verdadeiros por Claro & Claro (2004), no estudo de elementos motivadores da colaboração em redes de firmas do setor de flores e plantas em vasos da Holanda. Para esses pesquisadores, há uma relação de causa e efeito entre confiança (causa) e boa capacidade de comunicação (efeito), como é possível observar nesta afirmação destacada desse estudo: "O comprador que confia em seu fornecedor troca informações pertinentes, compreensivas, precisas e oportunas, contribuindo para o planejamento e a resolução de problemas." (Claro & Claro, 2004, p. 70). Contudo, o que pôde ser observado na rede de firmas do setor de alimentos localizada no Brasil foi que a "confiança" pouco influenciou a troca de informações pertinentes, compreensivas, precisas e oportunas. Essa conclusão, inclusive, confirma um dos pressupostos da teoria dos custos de transação, relacionado à existência de assimetria informacional entre os diversos atores econômicos, que frequentemente agem com informações incompletas e processam a informação que recebem por meio de construtos mentais que podem resultar na escolha de caminhos ineficientes (North, 1990). Portanto, não parece ser coincidência o fato de resultados insatisfatórios relacionados à troca de informações terem tido mais relação com a inabilidade dos participantes em estabelecer uma comunicação efetiva, do que com a "confiança" entre comprador e fornecedor.
3.2 Características de conseqüências relacionadas ao processo de implementação de atividades do plano estratégico de mercado e vendas.
Os dados evidenciaram que as consequências do processo de implementação não foram satisfatórias para as firmas componentes da rede. É possível observar, no Quadro 3, um total de dezoito consequências produzidas pelos gestores da indústria e das firmas de distribuição no período de agosto de 2004 até novembro de 2007, às quais o pesquisador teve acesso e que pôde confirmar. Vale ressaltar que, nesse período, os custos de transação aumentaram para todas as firmas de distribuição. Como não foi possível acessar informações que demonstrassem a variação dos custos de transação da firma industrial A em relação às firmas de distribuição, o pesquisador não pôde avaliar se esses custos aumentaram ou permaneceram semelhantes para essa firma.
Também é relevante destacar que as firmas B e C deixaram a rede de firmas e passaram a vender produtos de outras indústrias. A firma industrial A, por sua vez, redirecionou as áreas de vendas dessas firmas de distribuição para a firma de distribuição D. Mesmo com o redirecionamento das áreas geográficas de vendas para essa firma, a firma industrial A deixou de vender aproximadamente três mil toneladas de produtos alimentícios, entre dezembro de 2006 e novembro de 2007, na área geográfica antes atendida pelas firmas de distribuição B e C.
4. Implicações para a gestão estratégica em redes de firmas, sugestões para futuras pesquisas e limitações desta pesquisa.
O fato de os resultados produzidos pelos gestores da firma industrial e das firmas de distribuição terem sido insatisfatórios para as firmas que compõem a rede em foco pode estar relacionado ao pouco conhecimento de gestores e pesquisadores quanto aos comportamentos (ou suas características) que podem efetivamente influenciar a produção de resultados significativos em redes de firmas. Portanto, ainda há necessidade de avançar a produção de conhecimento científico a respeito das características constituintes das interações comportamentais chamadas de cooperar e transacionar cooperativamente, de forma que esses estudos possam influenciar a gestão e produção de resultados necessários, relevantes e suficientes para pessoas, firmas e comunidade. Perguntas a respeito de cooperação interfirmas ainda necessitam de respostas precisas e confiáveis. Que características de interações comportamentais influenciam a efetivação de estratégias cooperativas interfirmas? Que características de comportamentos de gestores promovem e (ou) facilitam a implementação de cooperação interfirmas? Que características de comportamentos de gestores, por outro lado, impedem e (ou) dificultam a efetivação de estratégias cooperativas? Quais condições presentes em uma implementação de estratégias cooperativas indicam a necessidade de reformulação no plano estratégico estipulado pelos gestores? Que resultados, com a implementação de estratégias cooperativas interfirmas, evidenciam sucesso para as firmas componentes de uma rede desse tipo? Que condições interfirmas indicam a necessidade de interromper temporariamente (ou definitivamente) a implementação de estratégias cooperativas interfirmas? Que condições interfirmas indicam a necessidade de ampliar o movimento de implementação de estratégias cooperativas, integrando agências do executivo, legislativo e judiciário, de forma que haja o máximo benefício às firmas componentes de uma rede e à comunidade onde essas firmas estão localizadas?
Gestores e consultores devem considerar que nem sempre a cooperação interfirmas resulta em menores custos de transação para as firmas que dela participam, pelo menos no período inicial de estabelecimento desse tipo de estratégia. Por isso, há necessidade de uma avaliação cuidadosa de benefícios e custos de transacionar cooperativamente antes da efetivação de alianças estratégicas.
Por decorrência de características das interações comportamentais dos gestores da rede de firmas, durante o processo de implementação das estratégias cooperativas, há necessidade de estudos adicionais a respeito de aspectos do processo de comunicação e de aprendizagem entre integrantes de diferentes firmas que precisam implementar planos estratégicos.
Os resultados desta pesquisa estão limitados às três firmas de distribuição e à firma industrial onde os dados foram coletados. A região onde os distribuidores selecionados atuam está limitada ao litoral do estado de Santa Catarina, embora a implementação do plano estratégico da firma industrial tivesse ocorrido com outros distribuidores em todo o Brasil. Por isso, resultados muito diferentes podem ter ocorrido tanto na região sul quanto no resto do país. Além disso, os resultados não são definitivos, visto que o recorte temporal para coleta de dados foi de dezessete meses, e a implementação das estratégias continuou após o término da coleta de dados. E, ainda: como a implementação de planos estratégicos demanda mudanças organizacionais que podem ocorrer lentamente em firmas grandes, há possibilidade de que os resultados melhorem (ou piorem) em decorrência dos aprendizados dos integrantes da indústria e (ou) dos integrantes das firmas de distribuição, à medida que o processo de implementação evolui.
Referencias
Argyris, C. (1992). Enfrentando defesas empresariais: facilitando o aprendizado organizacional. Rio de Janeiro: Campus. [ Links ]
Balanço Anual. (2005, agosto). Gazeta Mercantil. Edição especial. [ Links ]
Bertero, C.O., Vasconcelos, F.C. & Binder, M.P. (2003). Estratégia empresarial: a produção científica brasileira entre 1991 e 2002. Revista de Administração de Empresas, 43, 4, 48-62. [ Links ]
Bialoskorski Neto, S. (2004). Intercooperação e estratégias de alianças: o caso das cooperativas do estado de São Paulo. Em Anais do IV Workshop Internacional de Tendências do Cooperativismo Agropecuário, Trabalhos completos do Workshop [CD]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo. [ Links ]
Bliss, D.R. (1994). Escolha estratégica: levar a equipe executiva ao planejamento estratégico colaborativo. Em D.A. Nadler, M.S. Gerstein & R.B. Shaw (Orgs.), Arquitetura organizacional: a chave para a mudança empresarial. (pp. 211-229). Rio de Janeiro: Campus. [ Links ]
Booz-Allen & Hamilton. (2002). Um novo modelo para implementar a estratégia. Em C.A. Júlio & J. Salibi Neto (Orgs.), Estratégia e planejamento: autores e conceitos imprescindíveis (pp. 135-142). São Paulo: Publifolha. [ Links ]
Botomé, S.P. (2001). A noção de comportamento. Em H.P.M. Feltes & U. Zilles (Orgs.), Filosofia: diálogo de horizontes (pp. 687-708). Caxias do Sul: EDUCS. [ Links ]
Carneiro, T.C.J., Araujo, C.A.F.S. & Cardoso, P.A. (2003). Processo de Implantação do Supply Chain Management: A Experiência de Duas Empresas Atuantes no Brasil. Em Anais do Encontro Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração, Trabalhos completos do Encontro [CD]. Rio de Janeiro: ANPAD. [ Links ]
Chaddad, F.R. (2004). Cooperative netchains in the U.S.: federations, marketing agencies in common and strategic alliances. Em Anais do IV Workshop Internacional de Tendências do Cooperativismo Agropecuário, Trabalhos completos do Workshop [CD]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo. [ Links ]
Claro, D.P. & Claro, P.B.O. (2004). Gerenciando relacionamentos colaborativos com fornecedores. Revista de Administração de Empresas, 44, 4, 68-79. [ Links ]
Clegg, S., Carter, C. & Kornberger, M. A (2004). "Máquina estratégica": fundamentos epistemológicos e desenvolvimentos em curso. Revista de Administração de Empresas, 44, 4, 21-31. [ Links ]
Coase, R.H. (1990). The firm, the market, and the law. Chicago: The University of Chicago Press. [ Links ]
Cohen, A.R. & Fink, S.L. (2003). Comportamento organizacional: conceitos e estudos de caso. (7ª ed.). Rio de Janeiro: Campus. [ Links ]
Corrêa, G.T. (2006). Percepções de gestores a respeito de aspectos do processo de aprendizagem da implementação de atividades propostas em um plano estratégico de mercado e vendas. Dissertação de Mestrado não-publicada. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina. [ Links ]
Doestler, P.M. (2008). Inovação e competitividade. Em Encontro SEEB (Sistema de Excelência no Exército Brasileiro) sobre Inovação e Competitividade no Serviço Público. Brasília. Retirado em 29/07/2008, no World Wide Web: http://www.portalpeg.eb.mil.br/index.php?option=com_content&task=view&id=83&Itemid=199 [ Links ]
Downey, W.D. (1996). The challenge of food and agri products supply chains. Em Proceedings of the 2 nd conference on chain management in agrifood business. The Netherlands: Wageningen Agricultural University. [ Links ]
Farina, E.M.M.Q. (1999). Competitividade e coordenação dos sistemas agroindustriais: a base conceitual. Em M.S. Jank, E.M.M.Q. Farina & V.B. Galan, O agribusiness do leite no Brasil (pp. 20 -38). São Paulo: PENSA/Milkbizz. [ Links ]
Franco, M.J.B. (2007). Tipologia de processos de cooperação empresarial: uma investigação empírica sobre o caso português. Revista de Administração Contemporânea, 11, 3, 149-176. [ Links ]
Hrebiniak, L.G. (2006). Obstacles to effective strategy implementation. Organizational Dynamics, 35 (1), 12-31. [ Links ]
Isaacs, W.N. (1993). Taking flight: Dialogue, collective thinking, and organizational learning. Organizational Dynamics, 22, 2, 24-39. [ Links ]
Janis, I.L. (1982). Groupthink: psychological studies of policydecisions and fiascoes. (2nd ed.). Boston: Houghton Mifflin Company. [ Links ]
Kubo, O.M. & Botomé, S.P. (2001). Ensino-aprendizagem: uma interação entre dois processos comportamentais. Revista Interação, 5, 133-171. [ Links ]
Loiola, E. & Bastos, A.V.B. (2003). A produção acadêmica sobre aprendizagem organizacional no Brasil. Revista de Administração Contemporânea, 7 3, 181-201. [ Links ]
Mintzberg, H., Lampel, J. & Ahlstrand, B. (2002). Todas as partes do elefante. Em C.A. Júlio & J. Salibi Neto (Orgs.). Estratégia e planejamento: autores e conceitos imprescindíveis (pp. 9-20). São Paulo: Publifolha. [ Links ]
Nadalini, L.B. (2002). Eficiência das relações contratuais de suprimento: caso do processamento de tomate no Brasil. Dissertação de mestrado não-publicada. Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP. [ Links ]
North, D.C. (1990). Institutions, institutional change and economic performance. Cambridge, UK: Cambridge University Press. [ Links ]
Oaks, S., Markham, B. & Mehltretter, S. (2004). Os segredos da supply chain. HSM Management, 4, 46, 128-136. [ Links ]
Schein, E.H. (1993). On dialogue, culture, and organizational learning. Organizational Dynamics, 22, 2, 40-51. [ Links ]
Souza, A.M.M., Depresbiteris, L. & Machado, O.T.M. (2004). A mediação como princípio educacional: bases teóricas das abordagens de Reuven Feuerstein. São Paulo: Editora SENAC. [ Links ]
Souza, S.O. & Kliemann Neto, F.J. (2002). Desenho e Análise da Cadeia Produtiva de Vinhos Finos Gaúchos. Em Anais do Encontro Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração, Trabalhos completos do Encontro [CD]. Rio de Janeiro: ANPAD. [ Links ]
Teixeira, F. (Org.) (2005). Gestão de redes de cooperação interempresariais: em busca de novos espaços para o aprendizado e a inovação. Salvador, BA: Casa da Qualidade. [ Links ]
Teixeira, F. & Guerra, O. (2002). Redes de aprendizado em sistemas complexos de produção. Revista de Administração de Empresas, 42 4, 93-105. [ Links ]
Vieira, J.G.V, Fereira Junior, S.C. & Yoshizaki, H.T.Y. (2004). Collaborative planning, forecasting and replenishment: state of art in Brazil. VICS . Retirado em 03/10/2004, no World Wide Web: http://www.cpfr.org/documents/pdf/CPFR_in_Brazil.pdf [ Links ]
Williamson, O.E. (1996). The mechanisms of governance. New York: Oxford University Press. [ Links ]
Williamson, O.E. & Masten, S.E. (Orgs.) (1999). The economics of transactions costs. Cheltenham, UK: Edward Elgar Publishing. [ Links ]
Zylbersztajn, D. (1999). Gerenciamento de sistemas agroindustriais. Em VII curso Pensa de Agribusiness. São Paulo: PENSA-FIA-FEA-USP. [ Links ]
Zylbersztajn, D. (2000). Conceitos gerais, evolução e apresentação do sistema agroindustrial. Em D. Zylbersztajn & M.F. Neves (Orgs.). Economia e Gestão dos Negócios Agroalimentares (pp. 1-21). São Paulo: Pioneira. [ Links ]
Notas
1 O termo comunidade refere-se tanto à esfera municipal, quanto estadual ou nacional ou supranacional. A definição parte do pressuposto de que as firmas também devem beneficiar as comunidades que são influenciadas por sua operação. Isso decorre da compreensão da firma como um sistema, portanto, parte de ecossistemas (sistemas maiores) e que, por isso, só pode sobreviver se o sistema maior também sobreviver.
2 É possível encontrar na literatura outras formas de nomear transações cooperativas ou tipos de transações cooperativas como, por exemplo, joint venture, alianças estratégicas, redes estratégicas, colaboração interorganizacional, rede de cooperação, parceria, intercooperação, colaboração empreendedora, netchain e, ainda, diversas outras variantes em diferentes línguas.