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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.8 n.2 Florianópolis dez. 2008

 

RESENHA

 

Resenha do livro Assédio Moral no Trabalho1

 

 

Sonia Maria Guedes Gondim

Universidade Federal da Bahia. Doutora, Instituto de Psicologia/NPGA/CIAGS/ UFBA

 

 

O livro em epígrade é parte integrante da Coleção Debates em Administração, organizada por Isabella F. Gouveia de Vasconcelos, Flávio Carvalho de Vasconcelos e André Ofenhejm Mascarenhas. O objetivo da coleção é Introduzir o leitor num tema específico da área de administração, fornecendo desde as primeiras indicações para a compreensão do assunto, até as fontes de pesquisa para aprofundamento (Freitas, Heloani & Barreto, 2008, p. VII). A coleção visa também a suprir um espaço no mercado editorial para atender a um público iniciante em pesquisa, oferecendo-lhe fontes confiáveis das principais referências sobre o tema de interesse.

Indiscutivelmente, o assédio moral é um dos temas de grande interesse na atualidade e, como tal, sujeito à influência de modismos. O livro, então, cumpre um papel importante de esclarecer dúvidas conceituais e oferecer informações relevantes para estudantes, trabalhadores, docentes e pesquisadores interessados no assunto.

O livro está organizado em seis capítulos, de modo que consegue oferecer uma visão ampla dos aspectos sociológicos, organizacionais, legais e psicológicos implicados nesse fenômeno. Essa amplitude de abordagem é bem sucedida pelo fato de os três autores advirem de áreas de conhecimento afins, mas diversificadas, o que dá riqueza e consistência ao texto.

O primeiro capítulo faz uma breve retrospectiva do século XX, ressaltando os avanços extraordinários alcançados em todos os campos do conhecimento. Destaca a disputa internacional entre dois sistemas de produção, sob a qual o mundo girou durante grande parte das décadas do século passado, a disponibilidade crescente de bens materiais, o início das privatizações e o enfraquecimento dos valores coletivos e vínculos sociais a favor do individualismo e da competitividade no mundo do trabalho. A tese central é de que o século XXI é marcado por uma violência que acompanha o progresso social e econômico. O trabalho entra em uma nova crise, pois o crescimento da produção não está mais atrelado à criação de empregos, o que contribui para sua degradação. Segundo os autores, a "... categoria de empregos que mais cresce nas sociedades atuais é a dos trabalhos temporários e em tempo parcial, o que fomenta o clima de ameaça do desemprego intermitente e prolongado." (p.7). "A falta de emprego decreta a morte social do sujeito, porque ele não encontra mais na sociedade um lugar no mundo do trabalho, um estatuto, uma identidade..." (p.11). Esse cenário de insegurança quanto à permanência no emprego favorece a violência generalizada, pois quem possui emprego passa a ser um privilegiado, e sóó não o mantém quem não se mostra competente. Uma faceta dessa competência é a concordância e a aceitação inquestionáveis das normas e regras organizacionais.

O segundo capítulo se dedica a qualificar o assédio moral no ambiente de trabalho, subdividido em duas subseções: estudos pioneiros sobre assédio moral e métodos de assédio moral. De modo didático, a primeira subseção faz um breve histórico dos estudos iniciais sobre o tema, apontando o alemão Leymann como o precursor. No início dos anos 1980, Leymann começou a investigar o sofrimento no trabalho com o objetivo de sensibilizar assalariados, sindicalistas, administradores, médicos do trabalho e juristas para a gravidade da situação. Outra autora destacada no capítulo é Marie France Hirigoyen, responsável por cunhar a expressão assédio moral como um processo de violência vivido no ambiente familiar e de trabalho. Para dirimir dúvidas conceituais que banalizam o conceito de assédio moral, os autores ressaltam que ele se caracteriza por ser um processo, ou seja, um ato deliberado, de uma pessoa em relação à outra, que se repete reiteradamente. Assim, não se confunde com um ato de violência aguda que, sem dúvida, é intrínseco a toda relação social. Para finalizar o capítulo, os autores apontam quatro formas mais comuns de assédio moral: deterioração proposital das condições de trabalho, isolamento e recusa de comunicação, atentado contra a dignidade e violência verbal, física e sexual.

O terceiro capítulo situa o assédio moral como um problema da organização, e não só das relações entre pessoas, visto que o reconhecimento de que o emprego está escasso e de que o mercado é altamente competitivo na esfera interorganizacional e interpessoal contribuem para a naturalização da violência. Em outros termos, se a competitividade é inerente ao processo de disputa por espaços no mercado que assegurem a continuidade organizacional, a violência é previsível e até mesmo tolerável. É nesse capítulo que os autores explicitam, de modo claro, a sua definição de assédio moral. Duas idéias centrais organizam os argumentos apresentados no capítulo. A primeira é de que as organizações podem coibir, eliminar ou estimular o assédio moral. A segunda é de que os prejuízos decorrentes do assédio moral não são apenas pessoais, mas atingem toda a sociedade e as organizações, o que justifica a mobilização de esforços para lidar com o problema.

O quarto capítulo discorre sobre os impactos do assédio moral nos indivíduos. No entanto, antes de tratar mais especificamente dos danos do assédio moral, os autores analisam as variáveis organizacionais que contribuem para a emergência da violência moral no trabalho e mostram o caráter sutil que a violência adquiriu, o que dificulta caracterizá-la como tal. Situam, então, o assédio moral como um tipo de violência que se caracteriza por intencionalidade, direcionalidade, repetitividade e habitualidade, territorialidade e degradação deliberada das condições de trabalho. Chamam a atenção ainda para o fato de que, muitas vezes, o assédio moral tem sido usado como uma estratégia para punir ou intimidar os trabalhadores que não se ajustam ao ritmo e às demandas de trabalho, não apresentando um desempenho compatível com as exigências do cargo.

A subseção que trata dos "sentidos e significados da política da afetividade" é a que deixa mais a desejar, pois trata de modo muito superficial e simplista um tpó ico de grande relevância na atualidade, que é o da psicologia positiva e do trabalho emocional ( Härtel, Ashkanasy, & Zerbe, 2005) . Ademais, a pressa em concluir sugere que as açeõ s de responsabilidade social são uma extensão do que chamam de receituário das emoções positivas. Os autores ignoram, todavia, os avanços que os estudos das estratégias de regulação emocional (Gross, 1998, 1999), trabalho emocional (Hochschild, 1979, 1983, Grandey, 2000), bem estar subjetivo e psicológico (Ryff, 1989, Siqueira & Padovam, in press, Zapf, 2002) e a psicologia positiva (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000) têm proporcionado para romper com uma literatura de saúde no trabalho que privilegiou, durante décadas, a doença e o sofrimento, e não os recursos psicológicos, cognitivos e emocionais que fazem com que se preserve, mesmo diante de condições desvantajosas, a saúde integral da pessoa.

O quinto capítulo oferece informações relevantes e detalhadas sobre a legislação do assédio moral em diversos países, incluindo o Brasil. Esses dados são de grande utilidade, porque permitem fazer comparaçõõ es da realidade nacional e de outros países que se encontram em posições mais vantajosas e servem de exemplo aos demais. Faz ainda uma boa diferenciação entre dano moral e assédio moral, o que permite ao leitor reconhecer situações que se enquadrariam nesse lútimo caso com mais propriedade. O capítulo também fornece detalhes sobre as penalidades a que estão sujeitos os infratores, além de comentar as ações do Ministério Público para coibir práticas dessa natureza. A última subseção do referido capítulo fornece ricos exemplos das práticas que podem ser adotadas por empresas nas fases pré-contratual, contratual e póscontratual que se caracterizariam como atos de violência moral: exigência de exames de Aids e de fertilidade, no caso de mulheres, antes da contratação, perguntas sobre religião e opção sexual em entrevistas de seleção, revistas íntimas com a finalidade de prevenir eventuais furtos, ações de desagrado ao empregado para forçar pedido de demissão, comentários sobre a vida pessoal do ex-empregado para o futuro empregador etc.

O capítulo seis fecha o livro, colocando destaque em questões de ordem prática: prevenção e combate ao assédio moral. Para a prevenção, os autores apostam na construção de uma nova mentalidade no ambiente de trabalho, a respeito do que seja violência moral e seus danos, de modo que todos fiquem vigilantes frente a atos que visem a denegrir a dignidade humana. Alertam para a necessidade de se criarem instrumentos e mecanismos de controle e punição dos responsáveis por essas práticas danosas. Com o intuito de manter a coerência com a abordagem plural adotada no livro, os autores advertem que a prevenção e o combate ao assédio moral devem ser fruto de políticas informativas, administrativas, jurídicas e (ou) psicológicas. Para se atingir essa abrangência, é necessário, além da vontade política dos dirigentes organizacionais, obter a ampla participação de todos os atores sociais.

Em suma, embora a violência moral esteja presente na sociedade ocidental atual, atingindo várias de suas esferas, inclusive a das organizações de trabalho, alimentada fortemente pela valorização crescente do individualismo, somos todos responsáveis pela perpetuação de atos de violência moral, o que requer de nós um compromisso com a produção de conhecimento sobre o assunto, e também o engajamento em ações concretas de prevenção e combate a tudo que desumaniza as relações sociais de trabalho.

Para finalizar, recomendo fortemente a leitura do livro, principalmente porque consegue atingir um objetivo que considero central: o de fornecer informações relevantes, atuais e sistematizadas sobre um tema de grande relevância na atualidade, conseguindo aliar o didatismo necessário para atingir todo tipo de público às exigências normativas da redação científica.

 

Referências

Grandey, Alicia A. (2000) Emotion regulation in the workplace: A new way to conceptualize emotional labor¨ in Journal of Occupational Health Psychology, 5, 95-110.         [ Links ]

Gross, James. (1998) ¨The emergent field of emotion regulation: An integrative review¨ in Review of General Psychology, 2, 271-299.         [ Links ]

Gross, James (1999) ¨Emotion regulation. Past, present, future¨ in Cognition and emotion, 13, 551-573.         [ Links ]

Härtel, Charmine E. J., Ashkanasy, Neal M. & Zerbe, Wilfred J. (2005). What an emotions perspective of organizational behavior offers in Charmine E.J. Härtel, Wilfred J. Zerbe y Neal M. Askanasy (Eds) Emotions in organizational behavior, 359-367.         [ Links ]

Hochschild, Arlie R. (1979) Emotion work, feeling rules, and social structure in American Journal of Sociology, 85, 551-575         [ Links ]

Hochschild, Arlie R. (1983). The managed heart. Commercialization of humanfeeling. Los Angeles, University of California Press.         [ Links ]

Ryff, Carol D. (1989) Happiness is everything, or is it? Explorations on the meaning of psychological wellbeing in Journal of Personality and Social Psychology, 57, 6, 1069-1081.         [ Links ]

Seligman M. E. P. & Csikszentmihalyi, M. (2000). Positive psychology: An introduction. American Psychologist, 55, 5-14.         [ Links ]

Siqueira, Mirlene M. M. & Padovam, Valquíria A. R. ¨Bases teóricas de bem-estar subjetivo, bem-estar psicológico e bem-estar no trabalho¨ in Psicologia: Teoria e Pesquisa (no prelo)         [ Links ]

Zapf, Dieter (2002) Emotion work and psychological well-being: a review of the literature and some conceptual considerations in Human Resource Management Review, 12,.237-268         [ Links ]

 

 

1 Freitas, M.E., Heloani, R. & Barreto, M. (2008). Assédio moral no trabalho. São Paulo: Cengage Learning.

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