SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.4 número2Construção da coerência textual: um estudo preliminar sobre a causalidade e suas implicações neuropsicolinguísticasDesenvolvimento de instrumento de compreensão leitora a partir de reconto e questionário índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Neuropsicologia Latinoamericana

versão On-line ISSN 2075-9479

Neuropsicologia Latinoamericana vol.4 no.2 Calle  2012

https://doi.org/10.5579/rnl.2012.0089 

DOI:10.5579/rnl.2012.0089

 

Contribuições da Torre de Londres para o exame do planejamento em idosos com Comprometimento Cognitivo Leve

 

Contribuciones de la Torre de Londres a la evaluación de la planificación en ancianos con transtorno cognitivo leve

 

Contributions de la Tour de Londres pour l'examen de la planification chez les personnes âgées avec la déficience cognitive légère

 

Contributions of the Tower of London for the assessment of planning in elderly with Mild Cognitive Impairment

 

 

Jonas Jardim de Paula; Danielle de Souza Costa; Edgar Nunes de Moraes; Rodrigo Nicolato; Leandro Fernandes Malloy-Diniz

Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Torre de Londres (TOL) é uma tarefa utilizada para a avaliação das habilidades de planejamento, um componente das funções executivas. O presente estudo objetiva avaliar a contribuição da TOL na avaliação das habilidades de planejamento em pacientes com Comprometimento Cognitivo Leve (CCL). Visa, ainda, a avaliar dois métodos específicos da TOL (Krikorian x Portella) para esse fim. Noventa e seis participantes foram incluídos no estudo (53 mulheres, idade média de 75.18 + / - 7.31 anos) – 35 controles saudáveis, 30 com CCL Amnéstico e 35 com CCL Amnéstico de Múltiplos Domínios. Os resultados indicam que apenas os pacientes com CCL Amnéstico de Múltiplos Domínios apresentaram desempenho inferior aos controles. Além disso, a adição da TOL (considerando ambos os método, Krikorian e Portella) ao Mini-Exame do Estado Mental aumenta significativamente a classificação correta dos pacientes com base nos diagnósticos. Indicam, ainda, que os métodos Krikorian e Portella apresentam boas propriedades psicométricas no que tange à avaliação do comprometimento executivo em indivíduos idosos.

Palavras-chave: Idosos, Testes neuropsicológicos, Funções executivas, Planejamento, Torre de Londres.


RESUMEN

La Torre de Londres (TOL) es una tarea utilizada para evaluar las habilidades de planificación, un componente de las funciones ejecutivas. El presente estudio tiene como objetivo evaluar la contribución de la TOL en la evaluación de habilidades de planificación de pacientes con deterioro cognitivo leve (DCL). También nos propusimos evaluar dos métodos específicos de la TOL (Krikorian X Portella). Noventa y seis participantes fueron incluidos en el estudio (53 mujeres, edad media 75,18 + / - 7,31 años), 35 controles sanos, 30 amnésicos con DCL y 35 pacientes con DCL, amnésicos de múltiples dominios. Nuestros resultados indican que sólo los pacientes con DCL amnésicos de múltiples dominios plantean un rendimiento inferior a los controles. Por otra parte, la adición a la TOL (teniendo en cuenta ambos métodos, Krikorian y Portella) del Mini Mental State Examination aumenta significativamente la clasificación correcta de los pacientes sobre la base del diagnóstico. Nuestros resultados indican que los métodos Krikorian y Portella tienen buenas propiedades psicométricas en relación con la evaluación del deterioro ejecutivo en ancianos.

Palabras-clave: Ancianos, Evaluación neuropsicológica, Funciones ejecutivas, Planificación, Torre de Londres.


RÉSUMÉ

La Tour de Londres est une tâche utilisée pour évaluer les habiletés de planification, une composante des fonctions exécutives. Cette étude a pour but d'étudier la contribution de la Tour de Londres à l'évaluation d'habiletés de planification chez des patients TCL. Notre but est aussi d'évaluer deux méthodes de notation différentes de correction de la Tour de Londres (méthodes de notation de Krikorian et de Portela). 96 participants étaient inclus dans cette étude (53 femmes, moyenne d'âge 75.18 + / -7.31) - 35 sujets contrôles, 30 sujets TCL de type amnestique et 35 sujets TCL de type amnestique à domaines multiples. Nos résultats montrent que seuls les sujets de type amnestique domaines multiples ont des résultats inférieurs à ceux des sujets contrôles. De plus, l'ajout de la Tour de Londres (en considérant à la fois les méthodes de Krikorian et Portela) au « Mini-Mental State Exam » améliore de façon significative la classification correcte du sujet en fonction de son diagnostique. Nos résultats suggèrent que les méthodes de notation de Krikorian et Portella pour la Tour de Londres ont de bonnes propriétés psychométriques pour l'évaluation de déficit exécutif chez des personnes âgées.

Mots clefs: Personnes âgées, Tests neuropsychologiques, Fonctions exécutives, Planification, Tour de Londres


ABSTRACT

The Tower of London (TOL) is a task used for assessing planning skills, a component of the executive functions. The present study aimed to investigate the contribution of TOL for the assessment of planning skills of Mild Cognitive Impairment (MCI) patients. We also aimed to evaluate two specific scoring methods of the TOL's correction (Krikorian's x Portela's score method). Ninety six participants were included in this study (53 females; mean age 75.18 + / -7.31 years) - 35 healthy controls, 30 amnestic MCI and 35 multiple domain amnestic MCI. Our results show that only multiple domains amnestic MCI performed worse than the control group. Furthermore, adding the TOL (considering both Krikorian and Portela's method) to the Mini-Mental State Exam the correct classification of subjects according to its diagnostics improves significantly. Our finding suggests that both Krikorian's and Portella's score method for TOL have good psychometric properties considering the assessment of executive impairment in elderly subjects.

Keywords: Elderly, Neuropsychological tests, Executive functions, Planning, Tower of London.


 

 

As funções executivas consistem em um conjunto de processos mentais de alta complexidade que permitem o comportamento direcionado a metas. Estas funções estão relacionadas à seleção de objetivos, escolha de estratégias para alcançá-los, ao monitoramento da eficácia de tais estratégias e à identificação de novos objetivos concorrentes ou concomitantes (Lezak et al., 2004). Dada a sua complexidade, tais funções são de crucial importância para a adaptação do indivíduo ao meio, sendo determinantes de sua funcionalidade e qualidade de vida (Chaytor, Schimitter-Edgecombe, & Burr, 2006).

Tais processos cognitivos estão relacionados às atividades de circuitos neurais relacionados ao córtex pré-frontal, aos núcleos da base e o cerebelo (Diamond, 2000). Diferentes circuitos fronto-estriatais, envolvendo os córtices dorsolateral, orbitofrontal e o do cíngulo anterior, estão relacionados a aspectos específicos das funções executivas (Bradshaw, 2001; Fuster, 2008). O circuito dorsolateral, especificamente, está relacionado às funções executivas frias como planejamento e solução de problemas, fluência, abstração e categorização, memória operacional, flexibilidade cognitiva, auto-regulação, julgamento e insight (Lin, Chan, Zheng, Yang & Wang, 2007).

No ciclo vital, o desenvolvimento das funções executivas tem a forma de uma curva em "U" invertido, apresentando aumento funcional durante a infância e adolescência, estabilidade na idade adulta, e declínio na transição para a velhice (Zelazo, Craik & Booth, 2004). Por volta da quinta década de vida, com a perda de substância branca nos lobos frontais, pode ser observado decréscimo no desempenho em provas de velocidade de processamento, categorização e flexibilidade cognitiva (de Luca & Leventer, 2008). Tal declínio, embora possa ser observado ao longo do envelhecimento primário é pronunciado nas síndromes demenciais (Mendez, Shapira, McMurtray, Litch, & Miler, 2007).

Estudos recentes indicam que mesmo nos quadros de Comprometimento Cognitivo Leve Amnéstico há presença de disfunção executiva. Por exemplo, Nagata et al., (2010) sugerem que mesmo em quadros onde os achados neurológicos (como atrofia) se restringem às regiões hipocampais, onde é esperado um declínio da memória episódica com preservação de outras funções cognitivas, um grau discreto de comprometimento executivo pode estar presente. Os autores argumentam que a ocorrência de tal declínio se dá em função da interrupção de conexões córtico-subcorticais mediadas pela atrofia da região hipocampal. Em quadros definidos como Comprometimento Cognitivo Leve Não-Amnéstico ou Comprometimento Cognitivo Leve de Múltiplos Domínios, por sua vez, é possível observar maior comprometimento das funções executivas (Petersen et al., 2001), sendo este um dos fatores de risco para a conversão em síndromes demências (Balota et al., 2010).

O exame das funções executivas geralmente requer o uso de diferentes procedimentos de avaliação. A Torre de Londres (TOL) é um paradigma frequentemente utilizado na avaliação da habilidade de planejamento, um importante aspecto das funções executivas. O teste da TOL envolve o rearranjo de três esferas de forma a alcançar uma configuração específica, com o número mínimo de movimentos necessários para reproduzir o modelo. Para alcançar a solução correta é preciso visualizar mentalmente a sucessão de passos adequados para que se alcance a solução correta de forma eficiente, sendo que tal processo demanda a atividade dos circuitos pré-frontais (Levin et al., 1997).

Desde sua descrição inicial por Shallice (1982), diversas versões da TOL foram desenvolvidas sendo muitas delas usadas no exame neuropsicológico clínico. Dentre as versões mais utilizadas, está a desenvolvida por Krikorian, Bartok e Gay (1994) a qual foi posteriormente modificada por Portella et al. (2003) visando aumentar a eficiência do teste na identificação de déficits no planejamento. A despeito das evidências de a TOL é útil na identificação de dificuldades de planejamento em diversos grupos clínicos (Sullivan, Riccio & Castillo, 2009) existem poucos estudos que investigaram a validade de critério do instrumento, principalmente em se tratando da diferenciação entre o envelhecimento cognitivo normal e patológico (Mendez et al., 2007; Marchegiani, Gianneli, & Odetti, 2010).

O presente estudo teve como objetivo avaliar a validade de critério dos sistemas de correção para a TOL propostos pro Krikorian et al. (1994) e Portella et al. (2003) na discriminação entre indivíduos com Comprometimento Cognitivo Leve Amnéstico (CCL-A), Comprometimento Cognitivo Leve Amnéstico de Múltiplos Domínios (CCL-AM) e controles saudáveis. Foi testada a hipótese de que o grupo CCL-AM apresenta desempenho inferior aos outros dois grupos em ambos os sistemas de correção da TOL.

 

Método

Participantes

Foram avaliados 96 idosos divididos em três grupos, um composto por participantes saudáveis (N=35) (média etária de 75.01 +/- 6.2 anos), 30 pacientes diagnosticados com CCL-A (média etária de 72.63 +/- 9.04 anos) e 31 com CCL-AM (média etária de 74.30 +/- 7.48 anos). Os critérios de inclusão para os participantes do grupo controle foram: idade igual ou superior a 60 anos, resultado normal no Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) considerando-se as normas brasileiras ponderadas por idade para o instrumento (Brucki et al., 2003), ausência de comprometimento funcional estimada pelos inventários de atividades de vida diária Katz (Katz, 1970) e Lawton-Brody (Lawton & Brody, 1969), pontuação inferior a seis na Escala de Depressão Geriátrica – GDS-15 - (Sheik & Yeasavage, 1986) e histórico negativo de sintomas neuropsiquiátricos ou comprometimentos neurológicos e escore total igual a 0 na Escala de Avaliação Clínica das Demências (Montaño & Ramos, 2005).

O diagnóstico dos pacientes com Comprometimento Cognitivo Leve (CCL-A e CCL-AM) foi realizado através de uma avaliação multidimensional conduzida por um geriatra e um neuropsicólogo clínico, com consenso em todos os diagnósticos. Os diagnósticos foram realizados de acordo com os critérios propostos por Petersen et al. (2001). Todos os sujeitos desse grupo foram avaliados no Centro de Referência ao Idoso Prof. Caio Benjamin, vinculado ao Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, um centro de atendimento público a pacientes idosos com equipe especializada para o diagnóstico e tratamento de pacientes dessa faixa etária. Os pacientes foram convidados a participar da pesquisa ao realizar suas consultas de rotina no serviço de geriatria nesta instituição. Os participantes do grupo controle foram convidados através de anúncios locais, rede social dos pesquisadores ou eram parentes (em geral esposos, irmãos ou irmãs) dos pacientes avaliados. Os participantes preencheram o termo de consentimento livre e esclarecido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (334/06).

Procedimento

A versão da TOL utilizada no estudo foi a descrita por Krikorian et al. (1994). O teste consiste em três esferas coloridas (verde, vermelha e azul) arranjadas em três hastes verticais de comprimento descendente dispostas em uma base de madeira. A primeira haste pode sustentar três esferas, a segunda duas e a terceira apenas uma. Em cada um dos 12 problemas apresentados, um de cada vez, o participante é instruído a transpor as esferas de acordo com uma figura-alvo. Em todos os problemas, as esferas estão posicionadas da mesma forma (a esfera vermelha em cima da verde, na primeira haste, e a esfera azul, na segunda haste). O sujeito deverá realizar cada problema com a menor quantidade de movimentos das esferas entre as hastes. Apenas uma esfera deve ser transposta a cada vez.

Na versão descrita por Krikorian (1994), o participante tem três tentativas para resolver cada um dos 12 problemas. Ele ganha 3 pontos sempre que resolve o problema com o mínimo de ações na primeira tentativa, dois pontos na segunda tentativa e apenas 1 ponto na terceira tentativa. O escore total é igual à soma dos pontos obtidos em cada problema, variando entre 0 e 36 pontos. Os dois problemas iniciais podem ser resolvidos com 2 movimentos, o terceiro e quarto com 3 movimentos. Do quinto ao oitavo problema a solução pode ser encontrada com o mínimo de 4 movimentos e os quatro últimos problemas são resolvidos com 5 movimentos.

O sistema de correção descrito por Portella et al. (2003), mesmo utilizando os 12 problemas da versão descrita por Krikorian et al. (1994) não adota as três tentativas para cada problema. Nesse sistema, a solução deve ser alcançada com o número mínimo de movimentos em uma única tentativa. A pontuação de cada problema é equivalente ao mínimo de ações possíveis para sua solução (ex.: 2 pontos para a solução correta no primeiro problema, 3 pontos para a solução correta no segundo problema, 4 pontos para a solução correta no quinto problema e 5 pontos para a solução do nono problema). O escore total nesse sistema de correção pode variar de 0 a 46 pontos.

Análise Estatística

A análise descritiva (média, desvio-padrão e amplitude) foi utilizada para a caracterização dos três grupos. As comparações entre o grupo controle e os participantes diagnosticados com CCL-A e CCL-AM foram realizadas por meio de Análise de Variância simples (One-Way ANOVA). Para esta estatística, o teste de Levene foi utilizado para avaliação da homogeneidade das variâncias e na ausência de resultado significativo o teste post hoc escolhido foi o de Sidak. O tamanho do efeito das comparações foi estimado através do η2 para a ANOVA e pelo d de Cohen para as comparações específicas entre os grupos. Variáveis categóricas foram comparadas pelo teste qui-quadrado, com magnitude de efeito estimada pelo teste "V" de Kramer.

Por fim, modelos de análise de Regressão Multivariada Logística Multinomial foram utilizados para a avaliação da capacidade das duas versões da TOL classificarem corretamente os três grupos. Primeiramente, utilizou-se apenas o MEEM, como medida de classificação, visto que é teste mais utilizado para a avaliação cognitiva de idosos no contexto brasileiro (Vasconcelos, Brucki & Bueno, 2007), oferecendo uma avaliação cognitiva mais global. Posteriormente, dois novos modelos foram criados, um considerando o MMEM e a TOL versão Krikorian e outro com o MEEM e a TOL versão Portella. Foi então avaliado se a adição dos testes de planejamento melhora a capacidade classificatória do modelo.

 

Resultados

A Tabela 1 descreve três grupos de participantes assim como o resultado no exame cognitivo. Os participantes não diferiram quanto à idade, escolaridade e gênero. No entanto, diferenças significativas com tamanho de efeito moderado foram encontradas com relação à intensidade de sintomas depressivos medidos pela GDS-15, GDS (F(2,95)=7.229, p<0.001, η2= 0.16). A análise Post Hoc indicou que tais diferenças ocorreram entre o grupo controle (M=1.20, DP=1.18) e os grupos CCL-A (M=3.47, DP=3.33) e CCL-AM (M=2.84, DP=2.60). A diferença entre os três grupos no MEEM foi significativa (F(2,95)=4.020, p=0.021, η2=0.079), porém, nas comparações grupo a grupo, apenas os controles (M=28.74, DP=3.68) e pacientes com CCL-AM (M=24.45, DP=6.92) apresentaram diferenças de desempenho (p=0.017).

Quando comparados na versão de pontuação Krikorian da TOL, os grupos apresentaram diferença significativa e com tamanho de efeito moderado (F(94)=5.659, p=0.005, η2=0.10). A análise post hoc não indica diferenças significativas (p=0.218) entre controles (M=28.74, DP=4.37) e pacientes com CCL-A (M=27.03, DP=3.79). No entanto houve diferenças significativas (p=0.003) entre controles e pacientes com CCL-AM (M=24.45, DP=6.92). Os dois grupos clínicos não apresentaram diferença significativa entre si considerando-se esse critério de correção (p=0.176).

Considerando o sistema de correção de Portella, diferenças significativas (F(2,94)=8.072, p<0.001, η2=0.14) foram encontradas entre os grupos. Os participantes do grupo controle apresentaram desempenho superior (p=0.001, d=0.90) ao de pacientes com CCL-AM, mas não ao do grupo CCL-A (p=0.770). Houve diferença significativa na comparação entre o grupo com CCL-A e CCL-AM (p=0.014, d=0.85), sendo que este último apresentou pior desempenho.

Nas análises de regressão, o grupo controle correspondeu a 36% da amostra estudada, o grupo de CCL-A a 31% e o de CCL-AM 32%. O modelo contando apenas com o MEEM foi significativo (χ2=46.01, p=0.042) classificando de forma correta 57% do grupo controle, 70% dos pacientes com CCL-A e 58% dos pacientes com CCL-AM. A eficiência na classificação geral dos participantes foi de 61%. A adição do sistema de correção da TOL descrito por Krikorian ao modelo inicial gerou um resultado significativo (χ2=131.63, p<0.001) aumentando a classificação dos grupos para, respectivamente, 86%, 77% e 84%, com uma eficiência geral de 82%. Ao adicionar-se o escore total da TOL considerando-se o sistema de correção de Portella ao MEEM obtém-se o melhor modelo para classificação dos pacientes (χ2=147.51, p<0.001), com 91% dos controles classificados corretamente, 77% dos pacientes com CCL-A e 87% dos pacientes com CCL-AM. A eficiência da classificação geral dos participantes com este modelo foi de 85%. As Figuras 1 e 2 ilustram a classificação dos grupos utilizando-se o método Krikorian e Portella para a correção da TOL, respectivamente.

 

Discussão

O presente estudo comparou o desempenho de três grupos de idosos em duas versões da TOL (Krikorian et al., 1994 e Portella et al., 2003), sendo dois grupos clínicos com diagnóstico de CCL-A e CCL-AM e um grupo composto por idosos saudáveis. Também verificou a eficiência dos dois sistemas de correção da TOL para classificar corretamente tais grupos. Apesar da ampla utilização dos paradigmas de torre na avaliação neuropsicológica das habilidades de planejamento (Levin et al., 1991; Sullivan et al., 2007) há uma escassez de estudos avaliando a eficiência desse procedimento na avaliação em questões o comprometimento executivo de pacientes com Comprometimento Cognitivo Leve. Contudo, estudos recentes tem se dedicado a tal questão. O trabalho de Rainville, Lepage, Gauthier, Kergoat e Belleville (2012) avaliaram pacientes com CCL através da TOL, encontrando diferenças significativas de desempenho entre esse grupo e idosos saudáveis. Outro estudo (de Paula et al., 2012) indica que embora a versão Portela seja melhor na distinção entre os idosos com CCL (sem distinção de subtipos) de idosos normais, a versão Krikorian é mais adequada para distinguir tais pacientes de indivíduos diagnosticados com Demência de Alzheimer.

Os resultados apresentados da análise comparativa corroboram a hipótese inicialmente levantada na medida em que apenas pacientes com CCL-AM apresentaram desempenho inferior ao grupo controle em ambas as versões da Torre de Londres utilizadas. Tal resultado indica a validade de critério e construto para tal instrumento. Pacientes com CCL-A apresentaram desempenho similar ao de idosos saudáveis, sugerindo que nesta população o componente de planejamento das funções executivas encontra-se relativamente preservado. Quando usada em conjunto com o MEEM, ambas as versões da TOL melhoram significativamente o poder diagnóstico para as três condições avaliadas, indicando potencial uso do instrumento na triagem de déficits cognitivos de pacientes idosos.

Alterações nas funções executivas são relatadas em pacientes com CCL. Kramer et al. (2006) analisaram o desempenho destes pacientes em um protocolo de exame neuropsicológico com diversas tarefas destinadas a avaliação das funções executivas e seus resultados indicaram déficits em uma série de testes comumente associados para o exame de da fluência, flexibilidade cognitiva e controle inibitório. Resultados semelhantes foram encontrados por Traykov et al. (2007) e Economou, Sokratis, Karageorgiou e Vassilopoulos (2007). Contudo, nenhum destes trabalhos utilizou medidas mais específicas para planejamento, como a TOL. Frente a tais resultados o presente estudo indica que déficits no subdomínio de planejamento das funções executivas também podem se manifestas nesses pacientes.

Em relação à capacidade de discriminar corretamente os participantes dos três grupos a TOL elevou significativamente o poder de classificação geral dos participantes de 61% em modelos de regressão contando apenas com o MEEM, para 82% (com a adição da correção Krikorian) e 85% (adição da correção Portella). Este resultado é uma evidência de validade simultânea da TOL, uma vez que, além de mensurar o grau de comprometimento das habilidades de planejamento e funções executivas o teste também foi capaz de auxiliar na acurada classificação dos indivíduos deste estudo. Quanto aos sistemas de correção, as diferenças na eficácia da classificação dos sujeitos encontradas entre os dois critérios foi relativamente baixa, embora, ainda assim significativa. Uma possível explicação para tal fenômeno é que na versão Krikorian o fato do indivíduo dispor de mais de uma tentativa para a realização de cada um dos problemas pode reduzir a especificidade do construto avaliado (planejamento) ao permitir que outros processos executivos (como o monitoramento das estratégias utilizadas, a flexibilização da resolução de problemas e a aprendizagem com o desempenho anterior) facilitem o desempenho no teste. Tal hipótese encontra respaldo em um estudo recente (Rainville, Lepage, Gauthier, Kergoat, & Belleville, 2012) onde uma classificação pormenorizada do padrão de erros desses pacientes sugere o envolvimento de outros processos executivos que não o planejamento. O déficit executivo encontrado em pacientes com CCL-A é possivelmente mais restrito que nos pacientes com CCL-AM, dado que apresentam espera-se um comprometimento mais acentuado da memória episódica com relativa preservação dos demais domínios. Eles se beneficiariam, portanto das novas tentativas para a realização dos problemas da TOL propiciadas pela versão Krikorian, enquanto os pacientes com CCL-MD, que apresentam déficits em outros componentes da cognição que não a memória episódica, não se beneficiariam tanto das novas tentativas, demonstrando eficácia reduzida em usar os erros cometidos no planejamento das novas tentativas. Tal hipótese é corroborada por outro estudo envolvendo essas duas formas de correção da TOL (de Paula et al., 2012), onde os pacientes com Demência de Alzheimer, que apresentam comprometimento das funções executivas mais pronunciado que os de pacientes com CCL também demonstraram tal efeito, sendo menos eficientes em se beneficiar das novas tentativas possibilitadas pela versão Krikorian quando comparados a pacientes com CCL e idosos saudáveis

O presente estudo mostra-se relevante para a prática clínica em neuropsicologia do idoso. Ao investigar a capacidade de duas versões da TOL em caracterizar o comprometimento das habilidades de planejamento e atestar sua validade para o diagnóstico diferencial entre o CCL-A, CCL-AM e o envelhecimento saudável o estudo oferece subsídios à tomada de decisão clínica nos exame neuropsicológico. Cabe ressaltar que a versão Portella requer um tempo de administração consideravelmente menor (entre 5 e 10 minutos) quando comparada à versão Krikorian (entre 10 e 25 minutos), com redução relativamente discreta do potencial para a classificação dos casos. Em contextos onde o tempo para avaliação é um limitante (como nos serviços públicos de atenção ao idosos) a versão Portella pode mostrar-se mais adequada.

O presente estudo apresenta limitações importantes a serem consideradas. A amostra, embora bem caracterizada, é pequena. Estudos futuros com amostras maiores poderão fornecer mais evidências sobre as propriedades psicométricas da TOL além de parâmetros normativos para a sua interpretação. Outra limitação é a falta de medidas de controle para outros componentes das funções executivas, como o controle inibitório e a memória de trabalho, além da ausência de um instrumento para a avaliação da inteligência. Como a TOL requer um envolvimento significativo de tais componentes cognitivos para sua execução (Gilhooly, Wynn, Phillips, Logie, & Della Sala, 2002; Berg, Bird, McNamara & Case, 2010) recomenda-se que, no contexto clínico, ela não seja utilizada como único recurso à avaliação das funções executivas, mas sim em conjunto com outros testes mais específicos na avaliação de seus componentes. O uso de diferentes instrumentos permite um julgamento clínico mais apropriado da integridade das funções executivas e dos déficits mais específicos na habilidade de planejamento.

 

Referências

Balota, D.A, Chi-Shing, T., Hutchinson, K.A., Spieler, D.H., Duchek, J.M., & Morris, J.C. (2010). Predicting conversion to dementia of the Alzheimer's type in a healthy control sample: the power of errors in stroop color naming. Psychology and Aging, 25 (1), 208-128.         [ Links ]

Berg, W.K., Byrd, D.L., McNamara, J.P.H., & Case, K. (2010). Desconstructing the tower: Parameters and predictors of problem difficulty on the Tower of London Task. Brain and Cognition, 72, 472-482.         [ Links ]

Bradshaw, J.L. (2001). Developmental disorders of the frontostriatal system: Neuropsychological, neuropsychiatric, and evolutionary perspectives. Philadelphia: Psychology Press.         [ Links ]

Brucki S.M.D, Nitrini R., Caramelli P., Bertolluci P.H.F., & Okamoto I.H. (2003). Sugestões para o uso do Mini-Exame do estado mental no Brasil. Arquivos de Neuro-Psiquiatria; 61 (3B): 777-781.         [ Links ]

Chaytor, N., Schimitter-Edgecombe, M., & Burr, R. (2006). Improving the ecological validity of executive functioning assessment. Archives of Clinical Neuropsychology, 21, 217-227.         [ Links ]

De Luca, C.R., & Leventer, R.L. (2008). Developmental trajectories of executive function across the lifespan. In V. Anderson, R. Jacobs, & P. Anderson (Eds.), Executive functions and the frontal lobes: A lifespan perspective. London: Psychology Press. de Paula, J.J., Moreira, L., Nicolato, R., de Marco, L.A., Côrrea, H., Romano-Silva, M.A., Moraes, E.N., Bicalho, M.A.C., & Malloy-Diniz, L.F. (2012). The Tower of London Test: Different scoring criteria for diagnosing Alzheimer's disease and Mild Cognitive Impairment. Psychological Reports, 110 (2), 477-488.         [ Links ]

Diamond, A. (2000). Close interrelation of motor development and cognitive development and of the cerebellum and prefrontal cortex. Child Developmental; 71, 44-56.         [ Links ]

Fuster, J. M. (2008). The prefrontal cortex. London: Academic Press/Elsevier        [ Links ]

Gilhooly, K. J., Wynn, V., Phillips, L. H., Logie, R. H., & Della Sala, S. (2002). Visuo-spatial and verbal working memory in the five-disc Tower of London task: An individual differences approach. Thinking and Reasoning, 8 (3), 165-173.         [ Links ]

Katz, S., Downs, T. D., Cash, H. R., Grotz, R. C. (1970). Progress in the development of the index of ADL. Gerontologist, 10, 20-30.         [ Links ]

Krikorian, R., Bartok, J., & Gay, N. (1994). Tower of London procedure: a standard method and developmental data. Journal of Clinical and Experimental Neuropsychology, 16 (6), 840-850.         [ Links ]

Lawton, M.P., & Brody, E.M. (1969). Assessment of older people: selfmonitoring and instrumental activities of daily living. Gerontologist, 9: 179-186        [ Links ]

Levin, H. S., Culhane, K. A., Hartmann, J., Evankovich, K., Mattson, J., Harward, J., Ringholz, G., Ewing-Cobbs, L., & Fletcher, J. M. (1991). Developmental changes in performance on tests of purported frontal lobe functioning. Developmental Neuropsychology, 7, 377–395.

Levin, H. S., Song, J., Scheibel, R. S., Fletcher, J. M., Harward, H., Lilly, M., & Goldstein, F. (1997). Concept formation and problem-solving following closed head injury in children. Journal of the International Neuropsychological Society, 3, 598–607.

Lezak, M. D., Howieson, D. B., & Loring, D. W. (2004). Neuropsychological Assessment (4ed). Oxford: Oxford University Press.         [ Links ]

Lin, H., Chan, R.C.K., Zheng, L., Yang, T., & Wang, Y. (2007). Executive functioning in healthy elderly Chinese people. Arquives of Clinical Neuropsychology, 22, 501-511.         [ Links ]

Marchegiani, A., Giannelli, M.V., & Odetti, P.R. (2010). The Tower of London test: A test for dementia. Aging & Mental Health, 14 (2), 155-158.         [ Links ]

Mendez, M.F., Shapira, J.S., McMurtray, A., Licht, E., Miller, B.L. (2007). Accuracy of the Clinical Evaluation for Frontotemporal Dementia. Archives of Neurology, 64, 830-833.         [ Links ]

Montaño, M.B.M.M., & Ramos, L.R. (2005). Validade da versão em português da Clinical Dementia Rating. Ver. Saúde Pública, 39 (6), 912-917.         [ Links ]

Nagata T., Shinagawa S., Ochiai Y., Aoki R., Kasahara H., Nukariya K., & Nakayama K. (2010). Association between executive dysfunction and hippocampal volume in Alzheimer's Disease. International Psychogeriatrics, 25, 1-8.         [ Links ]

Petersen, R., Doody, R., Kurz, A. et al. (2001). Current concepts in mild cognitive impairment. Arquives of Neurology, 58, 1985-1992.         [ Links ]

Portella, M. J., Marcos-Bars, T., Rami-González, L., Navarro-Odriozola, V., Gastó-Ferrer, C., & Samalero, M. (2003). 'Torre de Londres': planificación mental, validez y efecto techo. Revista de Neurología, 37 (3), 2010 – 2313.

Ranville, C., Lepage, R., Gauthier, S., Kergoat, M.J., & Belleville, S. (2012). Executive function déficits in persons with mild cognitive impa: a study with the Tower of London task. J Clin Exp Neuropsychol, 34 (3), 306-324.         [ Links ]

Shalice T. (1982). Specific impairment of planning. Philosophical Transactions of Royal Society of London, 298, 199 - 209.         [ Links ]

Sheikh, J.I., & Yesavage, .JA. (1986). Geriatric Depression Scale (GDS): recent evidence and development of a shorter version. The Journal of Aging and Mental Health, 5 (1-2), 165-173.         [ Links ]

Sullivan, J. R., Riccio, C. A., & Castillo, C. L. (2009). Concurrent validity of the tower tasks as measures of executive function in adults: A meta-analysis. Applied Neuropsychology, 16, 62-75.         [ Links ]

Vasconcelos, L.G., Brucki, S.M.D., & Bueno, O.F.A. (2007). Cognitive and functional dementia assessment tools: review of Brazilian literature. Dementia & Neuropsychologia, 1, 18-23.         [ Links ]

Zelazo, P.D., Craik, F.I.M., & Booth, L. (2004). Executive function across the life span. Acta Psychologica, 115, 167 – 184.

 

 

Endereço para correspondência
Jonas Jardim de Paula
Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Medicina
Avenida Alfredo Bale, número 190
CEP: 31270-901, Belo Horizonte, Brasil
E-mail: jonasjardim@gmail.com

Artigo recebido: 02/02/2012
Artigo revisado: 26/04/2012
Artigo aceito: 30/04/2012

 

 

Jonas Jardim de Paula, Laboratório de Investigações Neuropsicológicas (LIN) - Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Medicina Molecular, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.
Danielle de Souza Costa, Laboratório de Investigações Neuropsicológicas (LIN) - Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Medicina Molecular, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.
Edgar Nunes de Moraes, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.
Rodrigo Nicolato, Departamento de Saúde Mental, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.
Leandro Fernandes Malloy-Diniz, Departamento de Saúde Mental, Faculdade de Medicina, Laboratório de Investigações Neuropsicológicas (LIN) - Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Medicina Molecular, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons