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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.10 no.2 Belém maio/ago. 2018

https://doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol10.n02artigo31 

Artigo

 

 

O manejo psicoterapêutico na experiência de intercâmbio cultural em gestalt-terapia

 

 

The Psychotherapeutic Management in the experience of Cultural Exchange in Gestalt-Therapy

 

El Manejo Psicoterapeutico en la experiencia de Intercambio Cultural en Gestalt- Terapia

 

 

Jurandir Monteiro de Sá

Instituto Figura-Fundo (Curitiba - PR)

 

 


RESUMO

Neste estudo, buscou-se refletir sobre as possibilidades de manejo clínico, a partir da abordagem gestáltica, em pessoas na experiência de intercâmbio cultural. A proposta iniciou como possibilidade de ampliar olhares sobre esse fenômeno que visa discuti-lo em todas as etapas desta experiência, desde a decisão para o deslocamento geográfico até o retorno ao país de origem. Utilizou-se a base de dados Scielo em publicações na área do Intercâmbio cultural, assim como, em produções de Gestalt-Terapia para que com a utilização de suas teorias e conceitos fossem ampliadas as possibilidades de atuação clinica e de compreensão da interação que se dá entre o organismo em seu novo ambiente que nesta modalidade realiza ajustamentos criativos, interrupções no contato, à busca pelo novo e crescimento pessoal.

Palavras-chave: Manejo Clinico; Intercâmbio Cultural; Gestalt-Terapia.


ABSTRACT

In this study, we sought to reflect on the possibilities of clinical management based on the gestalt approach in people during their experience of cultural exchange. This article is a possibility to broaden views on this phenomenon that aims to discuss culture exchange in all stages of this experience, from the decision to do the geographic displacement to the return to the country of it originate. The database was used with publications in the area of cultural exchange, as well in Gestalt-Therapy. Based on its theories, concepts and the possibilities of clinical performance this study try to understand the interaction between the organism in its new environment, as well as its cultural friction that reveal creative adjustments, interruptions of the contact, the search for the new experiences and personal growth.

Keywords: Clinical management; Cultural exchange; Gestalt-therapy.


RESUMEN

En este estudio, se buscó reflexionar sobre las posibilidades de manejo clínico a partir del abordaje gestáltico en personas en su experiencia de intercambiocultural. La propuesta inició como posibilidad de ampliar miradas sobre ese fenómeno com La intencion de discutirlo en todas las etapas de esta experiencia, desde la decisión para el desplazamiento geográfico hasta el retorno al país de origen. Se utilizó la base de datos Scielo en publicaciones en el área del Intercambio cultural, así como, en producciones de Gestalt-Terapia para que con la utilización de sus teorías y conceptos fueran ampliadas las posibilidades de actuación clínica y de comprensión de la interacción que se da entre el organismo en su nuevo ambiente que realiza en esta relacion intercultural ajustes creativos, interrupciones en el contacto, asi como la búsqueda por el nuevo y crecimiento persona

Palabras-clave: Manejo clínico; Intercambio Cultural; Gestalt-Terapia.


 

 

INTRODUÇÃO

A prática do deslocamento cultural está principalmente associada a melhorias de vida, sejam elas educacionais, profissionais e existenciais. Busca-se neste novo lugar o acesso a oportunidades e possibilidades de desenvolvimento que de alguma forma o intercambista não encontra em seu lugar de origem, tais como: aprender um novo idioma, desenvolver tecnologias e pesquisas em laboratórios específicos, ampliar os repertórios de vida ao desenvolver habilidades sociais e pessoas em um campo estimulante para isso (Dalmolin, Pereira, Silva, Gouveia & Sardinheiro, 2013).

Apesar de ganhar visibilidade nos últimos anos nas mídias e redes sociais e ser cada vez mais fácil conhecer pessoas que vivenciaram essa prática e que relatam sobre suas situações conflituosas, superações e crescimento neste processo. Nota-se que há pouca produção na psicologia e principalmente nesta abordagem para refletir esta temática.

Desenvolver pesquisas nesta área é fundamental visto que lidar com o novo e estar submetido em um campo diferenciado é desafiador para ajustamentos e pode vir a ser desorganizador no processo de autorregulação da pessoa. A experiência de vivenciar uma interação com pessoas e/ou grupos estrangeiros ao seu de origem, possibilita de alguma forma o contato com aquilo que não é familiar. Esse processo pode oportunizar ser crescimento pessoal, mas também pode ser percebido como invasivo e espantoso (Ferreira, 2015)

A Gestalt-terapia através de seu aporte epistemológico (Teoria de Campo, Teoria do Self, Teoria Organismica) e dos seus conceitos centrais, como por exemplo, Contato, Awareness, Autorregulação Organismica, Ajustamento criativo e Figura e fundo, possui um enorme campo teórico de contribuição para o manejo clinico no acompanhamento de pessoas que buscam viver essa imersão. Já que é para além de uma abordagem psicológica, seu arcabouço teórico facilita com que o terapeuta possa ir ao encontro desta experiência nos vários momentos em que esta se dá e em seus diferentes campos, dentre eles a clínica tradicional assim como a clínica ampliada.

Deste modo, compreendo que é importante ampliar as possibilidades de atuação do profissional para as novas formas e espaços possíveis de serem ocupados para o manejo clínico na atualidade. É configurando novos cenários e questionando as formas dadas que podemos encontrar essa pessoa em seu meio favorecendo a ela possibilidades de encontros criativos e mudanças em seu campo existencial (Pimentel, Vale, Andrade & Cardoso, 2016).

Assim, objetiva-se refletir possibilidades de manejo clínico com base na Gestaltterapia que possa dialogar com a prática do Intercâmbio cultural facilitar discussões sobre a ampliação da prática clínica enquanto Psicólogos e Gestalt- terapeutas como profissionais da área da saúde junto aos novos lugares em que somos convidados a ocupar na contemporaneidade, como o deslocamento geográfico humano e suas implicações. Para tal, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, através do levantamento das produções de artigos científicos publicados no período entre 2007 a 2018, no portal de periódicos SCIELO (Scientifc Electronic Library Online) com os descritores: Gestalt- Terapia, Intercâmbio Cultural, Imigração e Migrações.

Objetiva-se promover com este artigo reflexões iniciais sobre a possibilidade de intervenção clinica na modalidade de Intercâmbio cultural assim como contribuir para a prática de Gestalt-terapeutas que atuam neste segmento em agências de intercâmbio, empresas de turismo e clínica particular e incentivar pesquisas científicas para a ampliação de saberes sobre este fenômeno.

 

METODOLOGIA

Para a formulação deste artigo foram realizadas pesquisas na base de dados Scielo com os descritores: Gestalt-terapia, Intercâmbio cultural e Psicologia Intercultural, entretanto, constatou-se que não existem publicações nesta área em uma compreensão gestáltica. Desta forma, realizou-se um estudo teórico através de publicações sobre intercâmbio cultural, bem como materiais relacionados a antropologia, relações internacionais, pesquisas relacionadas sobre migração e a experiência intercultural do autor com intervenções clinicas em Gestalt-terapia.

Na utilização dos descritores: psicologia; migração foram possíveis encontrar quatorze (14) trabalhos, entretanto, suas temáticas abordam as políticas publicas, saúde mental em processos de imigração involuntária e vulnerabilidade dos imigrantes em seu deslocamento geográfico. Apesar de reconhecer que a leitura deste material contribui com este trabalho ao discutir relatos de experiências e explanar sobre as políticas migratórias, ressalto aqui a importância de dialogar sobre um processo de migração voluntária de curto período que é o intercâmbio cultural.

Entende-se que tal prática possui alguns diferenciais, dentre eles: planejamento para o deslocamento geográfico onde é escolhido o país, a forma de visto, a acomodação e a atividade a ser realizada. A pessoa que pratica esta modalidade voluntariamente se lança em busca da experiência compreendendo em algum aspecto que haverá choques culturais e necessidade de adaptação. A proposta deste artigo é possibilitar discussões e reflexões acerca do trabalho com este publico em todas as suas etapas: inicio, desenvolvimento e retorno ao Brasil.

Com base, também, na experiência pessoal em intercâmbio cultural vivida pelo autor na Argentina, Canadá, Colômbia e Inglaterra e nos atendimentos clínicos aportados na teoria e conceitos da Gestalt-Terapia realizados a brasileiros na cidade de Curitiba- PR buscou-se investigar e aprofundar maiores estudos dentro desta temática sob o olhar da abordagem gestáltica.

Os conceitos e teorias de base foram utilizados como referencial da prática dos atendimentos prestados para compreender os ajustamentos e suas possibilidades de experiência na dinâmica de interação do organismo com o seu novo meio no processo de imigração. Buscaram-se também publicações de outras abordagens psicológicas que possuem produções na área para compreender principalmente a sua metodologia de intervenção tecnológica em atendimentos pela internet e no modelo de psicoterapia de curta duração em Gestalt-terapia para a interlocução com o manejo clinico a ser realizado.

 

O INTERCÂMBIO CULTURAL

O intercâmbio cultural pode ser definido quando há uma troca de culturas e representações sociais entre duas realidades diferentes em historicidade, antropologia e etnografia que dialogam e trocam suas características entre si (Gusmão, 2008).

Atualmente a prática do deslocamento cultural está principalmente associada a melhorias de vida. Busca-se em um novo lugar inserir-se educacionalmente através de programas de aprendizagem e profissionalização, para obter melhor acesso a oportunidades e possibilidades de desenvolvimento que de alguma forma a pessoa não encontra em seu lugar de origem. O universo de opções de aprendizagem que o intercambista vive pode ser: aprender um novo idioma, desenvolver tecnologias e pesquisas em laboratórios específicos, ampliar os repertórios de vida ao desenvolver habilidades sociais e pessoas em um campo estimulante para isso (Oliveira & Pagliuca, 2012). Em "Representações Sociais, Saúde Mental e Imigração Internacional" os autores frisam que:

 

Desde os tempos mais antigos, os deslocamentos das pessoas apresentam-se como um processo humano e natural, mas foi a partir do desenvolvimento das relações capitalistas de produção, do desenvolvimento tecnológico, dos transportes e da globalização, somado às oportunidades econômicas tão desigualmente distribuídas em termos geográficos, que homens e mulheres passaram a deslocar-se de forma generalizada em busca de melhores salários e condições de vida. (Franken, Coutinho, Ramos, 2012, p. 203).

A vivência e imersão desta troca de culturas proporcionam uma experiência que impreterivelmente ultrapassam os limites das fronteiras estaduais, nacionais, internacionais e de demarcações geopolíticas. A mudança geográfica altera percepções subjetivas sobre si e sobre o que já é conhecido e vivenciado pelo intercambista tornando-o junto aos novos cenários e configurações culturais em um sujeito hibrido composto por características de sua essência social e de novas possibilidades de ser e estar no mundo em um fluxo de continuidade e passagem (Etcheverrey Burgueno, 2007; Gusmão, 2008).

O movimento de reinventar-se como protagonista desta nova história, convida para uma adequação da subjetividade neste novo ambiente que reconfigura suas expressividades, bem como as maneiras em que as pessoas lidam e vivenciam suas experiências e interações. Dentre essas possibilidades, podemos citar: o seu lazer e o prazer; suas religiosidades; ritos, mitos e medos; localização com novas características arquitetônicas; contato com memórias populares; e de como esse lugar que acolhe o intercambista o percebe.

A maneira em que se dá a relação entre culturas determinará muito sobre como se dará esta experiência, variando caso se dê pela troca e flexibilidade ou se é marcada pela resistência. Em "Cidade dos Outros" é possível reconhecer que

 

Cada um de nós tem uma ideia própria da cidade e, em particular, da cidade onde vive; é uma ideia feita de coisas vividas e de lugares da memória. Nossos percursos habituais seguem uma lógica de conexões e relações. Segundo o nosso nível social, existem redes de comunicação que estruturam ou reafirmam nossa identidade. Existem lugares institucionalmente "deputados" para a troca: a praça, o mercado, o bar, o ponto de encontro desportivo ou cultural, onde confluem os percursos dos indivíduos. Existem lugares da alma, onde se desenrola a história da nossa vida (Venturini, 2009, p. 204).

Expandindo as reflexões sobre os processos de imigração, vale ressaltar que existem inúmeras variáveis desta modalidade que reverberam na forma em que esta é vivenciada. Até agora falamos sobre uma perspectiva a partir da pessoa, entretanto, o país de destino também compõe um importante fator na forma como se dará a realidade do processo. O intercâmbio cultural para acontecer também precisa estar embasado na legislação migratória, retirada de vistos, mudanças econômicas nas moedas estrangeiras, as políticas migratórias do país que recebe o imigrante, a percepção social local sobre esta temática e a acessibilidade aos produtos e bens de consumo visto que o destino do intercâmbio denota também para a pessoa o lugar de importância que pode refletir em seu processo de saúde, suporte e na percepção do local.

 

O MANEJO CLÍNICO EM GESTALT-TERAPIA

A Gestalt-Terapia é uma abordagem psicoterapêutica, que surge a partir de síntese de diversas correntes filosóficas, metodológicas e terapêuticas com o objetivo de ir ao encontro da realidade da pessoa em seu tempo e espaço e poder facilitar nos seus processos de fluidez e saúde. Para Pinto (2009) a atitude clínica desta abordagem se aplica a pessoas reais, com problemas reais em um ambiente real e que buscam o crescimento e a integração de todos os seus aspectos.

O cliente quando solicita o trabalho do terapeuta geralmente busca por compreensão e atualização deste novo campo de interação entre organismo e ambiente, assim como resignificação de aspectos de sua vida que possam estar difusos e comprometendo suas formas de estar no mundo. O Intercambista ao se propor a jornada da imigração, se encontra impreterivelmente com o novo, com aquilo que precisa ser assimilado ou rejeitado e que, por não estar em um lugar de familiaridade pode vir a enfrentar angústias e sofrimentos ao fazê-lo.

Ao relacionar o que é conhecido e automático no sujeito com a realidade singular deste novo espaço vital, surgem fenômenos inéditos que demandam do sujeito um ajustamento criativo. Para Cardella (2014, p. 113) "ajustar-se criativamente implica imprimir sua marca nos acontecimentos da vida, "pessoalizando-a", tornando-a própria, atualizando as potencialidades singulares, presentificando-as na interação com o mundo". Ajustar criativamente é sempre uma busca humana, entretanto a falta de referências oriundas do deslocamento geográfico pode gerar conflitos na percepção totalizadora do imigrante, ordenando-se como uma má formação perceptiva que conflita entre o que é conhecido no seu país de origem, mas que de alguma forma não responde coerentemente neste cenário atual.

A inquietude com a má forma na totalidade da percepção é um dos principais motivadores de busca para a psicoterapia. O homem precisa da clareza nas experiências vividas e de coerência a nível perceptivo e sensorial para viver a Boa Forma. Quando o campo perceptual encontra-se anacrônico ou incoerente à situação vivida no aqui e agora do sujeito, este buscará novas formas de aprendizagem, compreensão e mecanismos de resolução de problemas na tentativa de dar melhores fechamentos para as figuras que possam emergir em sua fronteira de contato (Ribeiro, 1985; Ginger & Ginger, 1995).

É na busca pela apreensão e integração dos fenômenos da experiência de troca cultural, no acompanhamento dos processos de busca do sujeito, assim como na tentativa de retomada da fluidez em possíveis interrupções de contato característicos desta jornada que estará focada a intencionalidade deste trabalho. O manejo clínico neste contexto prioriza o acompanhamento da experiência de intercâmbio cultural em sua singularidade, reconhecendo fenomenologicamente as expressões e experimentações do sujeito como reveladoras deste campo composto de imigrante e país estrangeiro, tendo esta interação como foco e objetivo de atuação profissional.

O modelo utilizado para pensar essa atuação em Gestalt-terapia é o de uma psicoterapia de curta duração presencial e a distância. Para Pinto (2009) é cada vez maior a demanda, nos dias de hoje, por trabalhos terapêuticos que sejam úteis em um tempo relativamente curto. A clínica de curta duração adéqua-se a estas intervenções por se tratar de uma proposta de trabalho atuante aos fenômenos característicos do deslocamento cultural que é uma demanda da contemporaneidade.

Durante a estadia do cliente em uma geografia diferente ao clínico, a utilização de comunicação digital se torna uma possibilidade de encontro. A rede digital é tida como uma forma de ampliação da prática da terapia tradicional e se coloca a serviço do cliente através de recursos como videochamadas, emails, mensagens instantâneas e outras formas de comunicação imediata. As terapias online e intervenções baseadas na Internet facilitam o trabalho com psicologia intercultural para imigrantes e refugiados justamente pela aproximação de mundos em tempo real que esta proporciona (Dantas, 2016).

Ressalta-se aqui a importância de verificar a disponibilidade de atendimento em meio virtual no caráter de orientação psicológica conforme previsto na Resolução 011/2012 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e instrumentalização do profissional para realização deste serviço até que haja possibilidade de continuidade das atividades ou encaminhamento para atendimento psicoterapêutico no país de intercâmbio.

Busca-se a partir de agora fazer um panorama geral da pessoa que estará imigrando por um período estabelecido em seu planejamento inicial, vivência interacional em outro país e o retorno a casa. Esta opção foi tomada como forma de clarificar as etapas do processo de deslocamento para melhor atrelar a teoria e prática junto a cada contexto, entretanto, ressalta-se que os exemplos possíveis e intervenções sugeridas podem ocorrer em qualquer momento desta experiência.

 

INICIANDO A JORNADA

A possibilidade e razões para pensar o intercâmbio são diversas e singulares para cada um, entretanto, é possível perceber alguma familiaridade com as escolhas e com a forma em que essa oportunidade se apresenta. Atualmente, as melhorias de currículo profissional, a necessidade de aprender outro idioma, a curiosidade de vivenciar pessoalmente a cultura de um país estrangeiro e até mesmo a tentativa de afastamento de seu estado e cidade de origem podem ser considerados motivos comuns para a viagem.

Antes mesmo da mudança geográfica propriamente dita, o intercâmbio cultural inicia-se a partir do interesse da pessoa por essa experiência e nas buscas por opções para concretizá-la. O fundo de sua existência é mobilizado e o anseio por viajar e a busca por novas formas de crescimento começam a ir tomando uma forma mais nítida. A clareza de que embarcar neste projeto é uma possibilidade interessante direciona a pessoa para uma percepção mais apurada sobre esta realidade.

A intencionalidade da consciência mobilizada então pelo excitamento da migração e as fantasias de todas as possibilidades que trazem essa dinâmica começam a favorecer a percepção do sujeito em seu espaço vital para a configuração desta possibilidade. Características comuns do Intercâmbio cultural passam a serem notados na rotina da pessoa como, por exemplo: nas séries e programas de televisão que ela assiste, nas imagens de propaganda das agências de turismo que estão pelas ruas, nas fotos e vídeos de seus contatos nas redes sociais e nos diálogos em que este tem com pessoas próximas e que falam de sua estadia no exterior.

É possível perceber que o excitamento dado ao imaginário de como se dará o deslocamento estimula o futuro intercambista a idealizar sua rotina, comportamentos e relações, projetando neste novo lugar este desejo. Para Schillings (2014, p. 199) "é pela projeção que a pessoa pode criar perspectivas daquilo que faz sentido para si, visando uma maneira melhor de lidar com o meio". Apesar de ser uma excelente forma de planejar e antecipar uma postura de estar no mundo, essas análises tem base em suposições que precisam estar claras para o sujeito. A fixação nas perspectivas do que virá a ser vivido, podem vir a causar uma extrema frustração e consequentemente gerar ansiedade e medo ao lidar com as situações reais desse campo.

O processo de tomada de consciência sobre as características singulares do processo de migração também podem ser pensados na forma em que o planejamento da viagem se dá. Após compreender as projeções que possam vir a existir sobre este fenômeno, alguns outros fatores devem ser pensados, tais como: As Introjeções; Escolhas e responsabilizações; Heterossuporte e Autossuporte.

A Introjeção é caracterizada pelo processo de assimilação de um pensamento ou realidade de forma indiscriminada. O sujeito obedece e aceita opiniões arbitrárias, normas e valores que pertencem a outros, "engolindo" o que acontece sem conseguir ouvir a si próprio, defender seus direitos e desenvolver o que lhe faz sentido. Na sua versão saudável a prática deste ajustamento será muito positiva ao aprender o idioma local e os conhecimentos buscados neste lugar que terá um novo universo de possibilidades a oferecer, entretanto, em sua versão não saudável pode vir a não estimular o senso critico e a filtragem do que deve permanecer no organismo. (Ribeiro, 1997)

Os Introjetos são constantemente revelados no começo do trabalho terapêutico como formas norteadoras que estimulam a busca pela mudança geográfica. Os relatos de experiência de pessoas submetidas a esta prática e compartilhadas de forma subjetiva em interações com o futuro intercambista, assim como as informações passadas pelos agentes de viagem ou em pesquisas na Internet, podem vir a ser percebidas como uma meta a ser vivida. O sujeito ao iniciar a sua organização para a viagem neste caso "compra" o vivido pelo outro como sendo uma possibilidade única, atrofiando em si a responsabilidade de sua interação e desqualificando a singularidade de sua escolha por essa modalidade.

O Ser humano é responsável pelo o que ele é e deve ser considerado responsável por como ele próprio significa e se recria com base nas escolhas que este toma perante os desafios e circunstâncias da vida. O Ser humano é um projeto inacabado que vai se construindo mediante as suas relações, atos e implicações do seu existir e não deveria se eximir de sua responsabilidade para consigo e com os outros (Boris, Melo & Moreira, 2017). Integrar a importância de escolher, a responsabilização pelo o que é escolhido e filtrar as informações sobre as formas em que podem se dar o intercâmbio cultural é uma

forma de favorecer o desenvolvimento do Autossuporte. O autossuporte é uma importante parte no todo que é a moradia no exterior. Ter suporte é entendido como possuir aquilo que dá sustentação e referencial para a troca e para a autonomia. Ser autônomo é segundo (Andrade, 2014, p. 150) "conhecer a si mesmo, acreditar em seu potencial e se apossar do que é seu nunca esquecendo de que também existem recursos externos e de que pode usá-los, desde que necessário e/ou desejado". O apoio ambiental seria então o Heterossuporte do sujeito em intercâmbio, que buscará neste cenário auxilio e reconhecimento de possibilidades, porém, sem necessariamente o colocar como determinante para a sua satisfação.

A presença do clínico é uma excelente oportunidade para a clarificação do lugar em que este sujeito se encontra enquanto organizador dos seus processos de Intercâmbio, pois se acredita que as tomadas de consciência neste estágio podem contribuir para decisões coerentes com as necessidades do sujeito nesse deslocamento para o novo rumo. Destacaríamos algumas possibilidades de intervenção:

• Compreender junto ao cliente o sentido da viagem de intercâmbio, e consequentemente, discriminar quais as necessidades e desejos que são autênticas do sujeito e quais são introjetos.

• Ampliar a conscientização de que cada realidade é única, e a experiência deverá ser construída no Aqui e Agora, evitando que haja projeções limitadoras que limitem as trocas necessárias.

• Explorar a percepção de si do cliente com o intuito de confirmação de seu autossuporte para a realização de ajustamentos criativos, e que, sabendo de seu próprio tamanho, consiga fazer escolhas de destinos geográficos e culturais atrelados ao que lhe é possível naquele momento.

• Validar a sua liberdade de escolhas e responsabilizações que são integradas a partir destas tomadas de consciência.

 

O LUGAR DA EXPERIÊNCIA: A INTERAÇÃO ENTRE IMIGRANTE E PAÍS ESTRANGEIRO

Após desembarcar no destino escolhido para ser o cenário de troca cultural, o individuo irá configurar junto a esta mudança um novo espaço vital onde se dará propriamente dita as relações étnicas, suas assimilações e rejeições. O espaço vital é composto da inter-relação do organismo e suas emoções, sensações, lembranças e características recorrentes da personalidade com um meio externo que é caracterizado pelo espaço físico e geográfico em que o sujeito estará inserido. O encontro dos meios é onde os fenômenos acontecem e seu lugar se dá nas fronteiras de contato (Yontef, 1998).

Em Gestalt Terapia chamamos de Contato a relação de diferenciação entre "eumundo" e "eu-no-mundo" que se dá em uma fronteira que une o imigrante com o ambiente promovendo trocas entre si e gerando crescimento pessoal, ampliação de percepção e mudança ambiental. A Fronteira de contato é o que delimita o sujeito e tem como função estabelecer uma interlocução entre as intencionalidades e necessidades do sujeito e de reconhecimento do meio como o lugar aonde poderão ser realizadas as nutrições, afastamentos e satisfações. É necessário para o bom funcionamento da interação com o meio que haja abertura para o diferente, mas filtros para rejeitar os elementos que não fazem parte do organismo. É na fronteira que os perigos são identificados e podem ser rejeitados, os obstáculos são superados e o assimilável pode ser selecionado e apropriado (Perls, Hefferline & Goodman, 1997).

O Imigrante irá se deparar com o novo constantemente, pois além da busca natural do organismo pela novidade e crescimento, nada neste novo país lhe é genuinamente conhecido. A diferenciação marcada entre o conhecido e o desconhecido pode promover uma série de fenômenos que vão desde ajustamentos criativos quanto a interrupções de contato. A forma em que se dá a percepção e os recursos disponíveis no meio conduzirá a pessoa para a ação que deverá ser adotada para a manutenção da relação e postura diante do que emergir.

O Intercambista realiza ajustamentos criativos quando ao ser demandado para uma atitude pelo meio responde com recursos próprios, vive a novidade como novidade e indaga formas autênticas de integrar o vivido como parte de sua história. A crença de que haverá recursos disponíveis e de que é possível criar novas formas geram esperança, conforto e inteireza para alma humana. Nos desafios da imigração, algumas posturas conhecidas podem exemplificar a realidade deste ajustamento, tais como: a utilização de mímica para a expressão de si quando não há domínio do idioma local, a adaptação de vestimentas para lidar com mudanças climáticas e a mudança de hábitos alimentares para adequar-se a disponibilidade da região. Como terapeuta, estimular a flexibilidade e a abertura para o novo, assim como a criação de novas metodologias é fundamental para a manutenção de saúde e da aprendizagem do cliente que precisará destes recursos em sua vida no exterior (Cardella, 2014).

A experiência com a pluralidade intercultural também pode representar fatores nocivos ao sujeito, impactando a sua forma de perceber e estar no mundo. Esses fatores são compreendidos como realidades negativas, características tidas como confusas ou assustadoras. Algumas dessas realidades são: a distância de casa que gera nostalgia e saudade de forma acentuada, assim como, quando há dificuldade de interação e estabelecimento de relações com o povo local, limitações idiomáticas e de dificuldade de acessibilidade a bens e serviços, dentre outras. A forma em que se dará a percepção do sujeito pode estabelecer o surgimento de ajustamentos criativos disfuncionais na tentativa de enfrentamento desta nova realidade, o que interrompe os processos contínuos do contato. As possibilidades de interrupção são diversas, entretanto, ilustraremos a seguir alguns exemplos comuns vivenciados pelos intercambistas em ajustamentos neuróticos.

A confluência é marcada pelo apego a situação antiga que gerava segurança e pela não diferenciação de si na interação. A interrupção nesta etapa do ciclo do contato impede que novas figuras se formem, pois há uma negação do novo e uma manutenção do que se é conhecido por quem conflui. É possível perceber a confluência em indivíduos que ao imigrar sentem falta acentuada da família de origem no seu pais natal, realizando ligações e chamadas de vídeo diariamente pendido-lhes direcionamentos e conselhos sobre o que fazer e como agir. Em casos mais acentuados, o intercâmbio cultural é cancelado e há um retorno prematuro a casa.

A Introjeção acontece quando o sujeito absorve em si mesmo comportamentos, modos de agir, pensamentos, normas e valores que não são genuinamente seus. Ao vivenciar a relação com o ambiente dessa forma, o Intercambista adota a realidade local como sua para não entrar em conflito com ela. É possível perceber a introjeção quando são adotados fatores culturais do lugar do intercâmbio sem discriminação se aquilo realmente faz sentido, ou não. Os atos da pessoa nesta realidade são justificados com a expressão "é que aqui se faz assim" logo, eu devo fazer o mesmo de forma indiscriminada. É possível notar introjetos nos discursos dos clientes quando a serem indagados sobre como se deu a construção desses novos valores a resposta ser vazia de significados ou um discurso estereotipado, como: "ah, é assim porque é assim". Esses fatores podem ser desde novas ideologias políticas, tratos nas relações sociais, mudanças de religião até na desqualificação de sua cultura de origem, pois, segundo essas pessoas, seu novo país é superior.

A Projeção como dita anteriormente é o deslocamento daquilo que é originalmente meu, no mundo. Em casos de conflito com o meio e na tentativa de aplacar a ansiedade, o sujeito direciona para o mundo uma responsabilidade de ação e criação que deveria ser autônoma. É particularmente uma das formas mais frequentes de ajustamentos neuróticos em intercâmbio cultural. São atribuídos ao meio a culpabilização pelo o que é reconhecido pelo intercambista como um desafio a ser vencido por ele mesmo. São exemplos típicos da projeção neste caso: "Não fiz amigos porque aqui ninguém gosta de mim", " O cidadão desse país não tem interesse para falar de coisas da minha cultura", " Não aprendi o idioma local porque os brasileiros com quem escolhi conviver só falavam em português", " Nunca fui a uma programação cultural deste país porque nunca me convidaram", " O povo daqui só falam na língua deles, fica difícil para conversarem comigo no meu idioma".

Na Retroflexão a energia que na verdade deveria ser direcionada ao outro ou algo é direcionada a própria pessoa. Existe uma apreensão para a expressão genuína e uma insegurança em dar respostas que possam ser percebidas como negativas no campo, sendo assim, apesar de fazer contato com a necessidade, esta não encontra seu fluxo espontâneo no meio, retendo-se a pessoa. A energia voltada a si exige um processo intenso de reviver e repassar a situação para descobrir alternativas que não a exposição (Schillings, 2014). É possível notar o comparecimento desta forma quando o imigrante "rumina" atitudes, comportamentos e respostas idiomáticas que deveriam ter sido usadas em suas interações com as pessoas locais no momento em que se deu a relação, mas que poderiam estar erradas ou inapropriadas. É como se fosse preciso "ensaiar" o que fazer e como fazer quando a situação se apresentar, o que denota uma quebra na temporalidade vivida pelo sujeito e pouco contato com a sua realidade no aqui e agora.

No Egotismo há um reforço deliberado nas fronteiras de contato, devido a um reinvestimento de energia no ego. É um processo pelo qual o sujeito se coloca em qualquer situação como o centro de tudo, exercendo um domínio rígido e demasiado no mundo fora de si, pensando em todas as possibilidades para prevenir futuros fracassos ou possíveis surpresas. Esse sujeito tende a impor sua vontade e desejos que acaba deixando de prestar atenção a sua volta, usufruindo pouco o resultado de suas manipulações. Sendo assim, apresenta muita dificuldade em dar e receber. Ao apropriar-se desse ajustamento, o imigrante pode utilizar-se de desqualificação deliberada do que não lhe faz sentido ao não lhe é familiar neste lugar. Sua biografia é marcada através da resistência com esta nova cultura como forma de aplacar a sua ansiedade sentindo-se em controle e evitando surpresas inevitáveis na modalidade de mudanças geográficas. A dificuldade de lidar com o novo e surpreendente pode mobilizar o intercambista neste contexto a buscar conhecimentos e relações pessoas que possam lhe dar vantagens sobre este ambiente (Ribeiro, 1997).

A busca do cliente pelo heterossuporte fornecido pelo clínico quando este se encontra na experiência de fricção étnica e interação em outro país favorece com que suas possibilidades de troca e de integração dos fenômenos aumentem exponencialmente. Algumas atitudes possíveis a serem tomadas clinicamente com base nos principais exemplos de realidades que acontecem nessa modalidade são:

• Trabalhar a diferenciação do sujeito e o ambiente na tentativa de facilitar as formas de contato dele.

• Confirmar e validar os ajustamentos criativos tomados por ele em um mundo de possibilidades onde apenas ele esta vivendo e fazendo o melhor possível com os recursos próprios e disponíveis no seu espaço vital.

• Apoiá-lo para que este resgate o protagonismo de sua experiência em intercâmbio cultural, sem precisar exageradamente de conselhos e instruções de como ele próprio deve viver esta rica experiência.

• Provocá-lo a se dar conta de que não necessariamente o que funciona e é tido positivo no país ao qual migrou lhe faz sentido. É importante escolher e decidir sobre o que quer que seja apropriado e o que deve ser rejeitado, sendo o terapeuta uma possibilidade de lembrança deste filtro. A sensação de que a pessoa decide por si torna a experiência de troca cultural muito mais rica, dando-lhe em certa forma o auto suporte necessário neste lugar diferente.

• Implicá-lo nas ações e no autocuidado que é necessário neste momento. A jornada vivida, as nutrições, as realizações e a busca por crescimento precisam ser conquistadas neste novo ambiente. Dificilmente acontecerão de forma voluntária em um país com intencionalidades e formas diferentes ao intercambista.

• Estimular a expressividade genuína do cliente e que possam encontrar seu fluxo no ambiente as suas opiniões, expressões e formas de ser no mundo, oxigenando a fluidez de troca de possibilidades e culturais entre este organismo e este ambiente.

• Resgatar a ideia de singularidades na pessoa, mas também no meio geográfico em que este se encontra, na tentativa de introduzir outras formas como possibilidades de fazer algo diferente. Estimulando o dar e o receber que é o próprio propósito de um intercâmbio cultural.

Ao pensar uma prática em Gestalt-terapia que valida à primazia do momento presente como fundamental para o trabalho terapêutico, ressalta-se a importância de ir ao encontro do intercambista no momento em que ele vivencia o seu intercâmbio cultural. É no presente que há possibilidades de ação e Awereness. O Agora engloba tudo o que existe, pois o passado já foi e o futuro ainda não é. O estar no Agora inclui o equilíbrio de estar aqui, é o envolvimento com o fenômeno experienciado com consciência.

A atuação do psicólogo junto ao cliente durante o momento em que se dá sua vivência internacional proporciona no sujeito a possibilidade de pôr em prática em tempo real os seus recursos humanos de criação de novas formas, ampliação de conhecimentos e na produção de novos sentidos e significados.

A intenção com esse trabalho nesta etapa do processo é de transformar e se implicar nos fenômenos vivos que se dão nesse contexto e não apenas tratando-os quando o imigrante retornar ao seu lugar de origem de forma obsoleta ou memorável, pois, ao retornar a casa novos fenômenos e novas gestalten pediram atenção e fechamento.

 

O FIM DA JORNADA E O RETORNO A CASA

Após protagonizar uma série de aprendizados, superação de desafios e criação de novas histórias, a experiência de imigração começa a caminhar para o fechamento de seu ciclo. É possível perceber que este momento geralmente é vivenciado de forma complexa pelos intercambistas. Depois do planejamento e idealizações sobre o que seria sua viagem e posteriormente com a troca cultural e as atitudes tomadas durante sua estadia, o intercambista inicia o movimento de somar as expectativas do retorno começando a configurar uma unidade a ser integrada. A forma em que esta etapa é marcada é subjetiva e diferente para cada um e são tidas como um feedback próprio sobre os balanços acerca do que foi possível ser vivido e sobre o que poderia ser feito diferentemente. É aqui o lugar dos arrependimentos, das confirmações, da compreensão dos aprendizados e da sistematização dos sentidos e significados. A integração saudável destes fenômenos é o que proporcionará ampliação na percepção global do sujeito assim como contribuir para o seu crescimento pessoal. Entretanto, o ciclo da viagem ainda não estará terminado.

A expectativa de rever a família e as antigas amizades, degustar da sua própria culinária, poder se expressar em seu idioma local e retornar aos hábitos conhecidos geram excitamento e expectativas. Fantasias sobre como o antigo mundo do imigrante mudou com a sua ausência e o que o espera são situações comuns na preparação para o retorno.

Apesar do planejamento em regressar para a casa depois de um período, o retorno ao lugar de nacionalidade representa um novo processo de adaptação, pois, apesar de uma historicidade vivida e de uma compreensão da sociedade local serem familiares ao sujeito, existem mudanças tanto na pessoa quanto neste meio que podem gerar um novo choque cultural. O intercambista que por algum tempo pode viver a liberdade de escolhas, teve acesso a bens de consumo e serviços que não possuía em seu lugar de origem e estava sendo convidado diariamente a realidades completamente novas, agora retorna a uma rotina percebida como menos excitante e talvez menos expansiva.

O choque cultural do retorno da imigração é geralmente tomado por surpresa pelo sujeito que a vivencia, pois, é difícil compreender a priori que a pessoa que partiu rumo ao intercâmbio não é necessariamente a mesma que retorna independente do tempo cronológico que se deu a experiência. A temporalidade psicológica que é a que nos interessa ao pensar o intercâmbio reconhece o tempo subjetivo de cada um e acredita que todo momento possui seus enunciados próprios e discorrem na flexibilização, mutação e imprevisibilidade das marcas do que foi vivido.

Os processos de aprendizagem de novos recursos e a sensação de autonomia e confirmação de suas atitudes oriundas de uma modalidade desafiadora agora se encontram com um velho-mundo-novo. Nesse momento é muito comum perceber na expressão destas pessoas comparações entre as realidades nacionais e internacionais, a rememoração das histórias vividas no exterior e uma nostalgia a rotina que era estabelecida lá fora.

Os ajustamentos possíveis nesta etapa pedem constante atualização do campo que está sendo vivido para o reconhecimento de suas características próprias e de interação. É comum que quem retorna demore certo tempo para reconhecer a complexidade deste retorno e pode ser angustiante e solitário o processo de ressignificação de tudo o que lhe é familiar. A expressão ambígua de felicidade por estar próximo de pessoas que representam um lugar especial em sua afetividade também é marcada por um desejo de retorno ao que estava sendo vivido anteriormente. Esta complexa e paradoxal forma de estar no mundo pode ser percebida de muitas maneiras no espaço vital que agora o sujeito voltou a ocupar, e a desconexão do que não foi vivido em conjunto tanto no país de origem com quem ficou, quanto na experiência internacional vivida pela pessoa pode dificultar os laços sociais e familiares de quem regressa. Busca-se uma atitude clínica que prioriza a saúde e as possibilidades criativas do cliente, seria interessante realizar um trabalho de resgate do seu potencial de criação e enfrentamento de dificuldades. É intrínseco ao sujeito a busca por equilíbrio e realização de novas formas para se adequar ao mesmo, neste caso, fortificadas com a imigração, portanto, o foco de trabalho é baseado nestes recursos. Algumas propostas para esse momento são:

• Acolher a confusão na percepção do intercambista causada pelo retorno, reconhecendo que apesar de ser seu lugar de origem há mudanças existenciais e sociais que podem entrar em conflito.

• Compreender que a comparação entre as duas realidades pode vir a ser uma forma de ajustamento organizador para a atualização de sua presença neste campo.

• Resgatar com base na descrição dada pelo sujeito sobre sua experiência o seu potencial de enfrentamento no meio de forma criativa para novas criações para lidar com este regresso.

• Dialogar sobre a diferenciação de que as experiências vividas por esta pessoa foram únicas e singulares para ela e que talvez os seus laços sociais e familiares não a sintam da mesma forma. Estimulando formas de criações para o diálogo sobre isso.

• Confirmar as mudanças existenciais na pessoa atualizando-a que ainda que o cenário geográfico não seja o mesmo que tais fenômenos se deram, a ampliação de sua forma de ser no mundo pode ser levada consigo para a vida e isso inclui o retorno a casa.

Deste modo, este artigo buscou contribuir para o pensamento e atuação do Gestaltterapeuta na prática da modalidade de deslocamento intercultural. Acredita-se que a Gestalt-Terapia por se tratar de uma abordagem pautada em uma epistemologia fenomenológica e existencial possui em si inúmeras possibilidades de acompanhamento terapêutico que precisam ser exploradas e este trabalho pretende contribuir para a ampliação de possibilidades neste contexto.

Realizou-se uma breve contextualização sobre o que é intercâmbio cultural, manejo clínico nesta abordagem dialogando possibilidades de compreensão das etapas vividas desde o planejamento da viagem até o retorno ao local de origem com o intuito de ilustrar o processo como um todo. Conclui-se, portanto que refletir os processos facilitadores de tomada de consciência e incentivar a autonomia e ajustamentos criativos do individuo nas fricções culturais a serem

vivenciadas nos processos migratórios faz-se necessário para pensar seus processos de saúde e interrupções. Ampliar conhecimentos sobre as dinâmicas interacionais em um campo geográfico exterior e compreender as dificuldades deste processo pode favorecer uma prática coerente com a demanda do intercambista, acolhendo-o em sua totalidade neste momento de sua vida.

Tal temática vem ganhado notoriedade e visibilidade nos últimos anos e o número de pessoas que ingressam, nesta modalidade é crescente. Neste sentido, é importante pensar em produções cientificas que tentem aproximar-se desse fenômeno e acompanha-lo em sua singularidade e complexidade.

 

 

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Notas sobre o autor:

Jurandir Monteiro de Sá. Psicólogo clínico, Gestalt terapeuta e especialista em Psicologia da Saúde. Atualmente se dedica à pesquisa de temas relacionados à Saúde e Clínica, Fenomenologia e Relações Humanas, Cultura e Intercâmbio Cultural. E-mail: jurandirdesa@gmail.com.

 

 

Recebido: 24/04/2018
Aprovado: 21/09/2018

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