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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.13 no.3 Belém set./dez. 2021

 

RELATO DE PESQUISA BIBLIOGRÁFICA

 

Cuidado Multiprofissional online em Saúde Mental na pandemia da COVID-19

 

Online Multiprofessional Care in Mental Health in the COVID-19 pandemic

 

Atención multiprofesional en línea en salud mental en la pandemia COVID-19

 

 

Karine Santana de Azevedo Zago1; Fabíola Alves Gomes2; Ricardo Wagner Machado da Silveira3; Marciana Gonçalves Farinha4

Universidade Federal de Uberlândia, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A pandemia da COVID-19 tem impacto direto na saúde mental das pessoas. Este artigo tem como objetivo refletir sobre o cuidado multiprofissional on-line em Saúde Mental na pandemia do novo coronavírus a partir da Teoria da Relação de Ajuda de Rogers. Trata-se de um trabalho teórico-reflexivo a partir da pesquisa bibliográfica. O atual panorama da saúde mental requer estratégias de cuidado que sejam efetivas. A Teoria de Relação de Ajuda, proposta por Rogers desempenha papel central na resposta às necessidades concretas de cada pessoa, independentemente da sua situação/problema ou contexto em que se desenvolve a ação. Se propõe a oferecer acolhimento e escuta por diferentes profissionais de saúde.

Palavras-chave: Saúde Mental; Terapia Centrada no Cliente; Acolhimento; Impacto Psicossocial.


ABSTRACT

The Covid-19 pandemic has a direct impact on people's mental health. This article aims to reflect on the multidisciplinary online care in Mental Health in the new pandemic coronavirus based on Rogers' Helping Relationship Theory. This is a theoretical-reflective work based on national and international literature. The current landscape of mental health requires effective care strategies. The Helping Relationship Theory, proposed by Rogers, plays an important role in responding to the concrete needs of each person in different contexts of life. It proposes to offer embracement and qualified listening by different health professionals.

Keywords: Mental Health; Client centered Therapy; Embracement; Psychosocial Impact.


RESUMEN

La pandemia de Covid-19 tiene un impacto directo en la salud mental de las personas. Este artículo tiene como objetivo reflexionar sobre la atención multidisciplinaria en línea en Salud Mental en la nueva pandemia de coronavirus basado en la teoría de la relación de ayuda de Rogers. Es un trabajo teórico-reflexivo basado en la literatura nacional e internacional. El panorama actual de la salud mental requiere una atención eficaz. La teoría de la relación de ayuda, propuesta por Rogers, juega un papel central en la respuesta a las necesidades concretas de cada persona, independientemente de su contexto de vida. Es una herramienta que ofrecer una recepción y escucha calificada que puede ser realizada por diferentes profesionales de la salud.

Palabras clave: Salud Mental; Terapia no Dirigida; Acogimento; Impacto Psicosocial.


 

 

1. Introdução

A pandemia de COVID-19, declarada oficialmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 30 de janeiro de 2020 (WHO, 2020a), tem transformado o cenário mundial e atingindo aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais. Há um impacto direto na saúde física e mental das pessoas. A medida que o novo coronavírus se espalhava rapidamente pelos países, centenas de estratégias foram tomadas buscando a mitigação da doença e de seus impactos (Croda & Garcia, 2020). Destaca-se nessas estratégias os aspectos psicossocias, que de acordo com Li et al (2020) são sintomas ligados tanto ao confronto com a pandemia por parte de profissionais e população como também à situação de distanciamento social (confinamento), sendo os sintomas mais comuns insônia, medo, ansiedade, pânico, depressão e solidão e experiências sociais negativas geradoras de sofrimento como a sensação de rejeição social, de discriminação e de perdas financeiras.

A experiência chinesa, que foram as primeiras descritas na pandemia de COVID-19, classificou as intervenções de emergência de saúde pública por níveis de importância e considerou as ações de mitigação de situações de crises psicossociais como nível 1 de resposta (ou seja, o nível mais alto de alertas e respostas de emergência da gestão nacional de saúde pública), principalmente quando voltadas aos pacientes e equipe de saúde (Xiang et al, 2020, Wang, 2020, Zhou, 2020). Desde então, cientistas de todo o mundo tem detido atenção especial aos impactos psicossociais individuais e coletivos e a necessidade de cuidados em saúde mental da comunidade geral e também um grupo específico de pessoas que estão na linha de frente do combate ao COVID-19, como profissionais e estudantes da área de saúde, uma vez que os fatores psicológicos desempenham um papel vital no sucesso das estratégias de saúde pública usadas para gerenciar epidemias e pandemias e também considerando que esses podem perdurar no período pós-pandêmico (Asmundson & Taylor, 2020, Sullivan & Chalkidou, 2020; Afonso, 2020, Duan & Zhu, 2020, Greenberg et al, 2020). As alternativas de mitigação consideradas eficientes foram informações específicas de saúde atualizadas e precisas sobre vários aspectos da pandemia da COVID-19; manuais de autocuidado e orientações psicológicas e canais de atendimento psicossociais por via telefônica ou internet para que as pessoas cuidassem das suas emoções negativas (Xiang et al, 2020, Wang, 2020, Zhou, 2020). O atendimento online torna-se importante neste momento, uma vez que a transmissão rápida do vírus entre as pessoas dificulta intervenções psicológicas face a face tradicionais embora existam limitações, como por exemplo no que diz respeito à confiança do atendido no sigilo, consequentemente afetando o vínculo paciente- profissional e a disponibilidade para expor-se ao mesmo tempo em que existem benefícios e resultados perceptíveis, tratando-se de um meio comum à conectividade e agilidade de atenção nos tempos atuais (Siegmund & Lisboa, 2015). De acordo com Pieta & Gomes (2014) em pesquisas realizadas sobre a modalidade online de atendimento constataram similaridades entre a relação terapêutica online e a presencial, concluindo que o atendimento psicoterápico pela internet é efetivo em várias modalidades e abordagens, os autores ressaltam ainda que questões legais e éticas podem ser atendidas desde que haja correto treinamento dos profissionais da modalidade e clareza de diretrizes.

Outro fator preponderante no bojo da pandemia da COVID-19 é pensar que o cuidado terapêutico em saúde mental deve ser um saber-fazer de todos os profissionais da saúde, uma vez que esse panorama perpassa por diversas áreas da saúde, assim, todos profissionais devem estar preparados para o cuidado e acolhimento de questões relacionadas à saúde mental.

Assim, pensar possibilidades de manejo por diferentes profissionais da saúde, revela grandes possibilidades de ampliação e pluralidade da clínica e convoca os trabalhadores para diversificação do seu repertório e aumentam possibilidades terapêuticas potentes (Onocko-Campos et al, 2019). Portanto, possibilidades de refletir sobre esse cuidado devem surgir e neste estudo o cuidado terapêutico multiprofissional online aqui é discutido na perspectiva que aventa a teoria da relação de Ajuda que enfatiza a importância da terapia com base sobretudo da atitude do terapeuta e na relação permeada de humanidades e empatia que promove vínculos de confiança (Rogers, 1977).

Diversas experiências mundiais mostraram a importância de estabelecer coalizões comunitárias para mobilizar recursos de maneira eficiente e eficaz e responder com sucesso às necessidades de saúde mental dos indivíduos afetados. Autores como Li et al (2020) categorizou quatro grupos em relação a urgência de atenção e vulnerabilidade: 1- inclui aqueles que são mais vulneráveis ao vírus, devido à comorbidades ou à exposição social; 2- inclui pacientes isolados com sintomas de infecção atípicos e pacientes com sintomas de febre. A população de nível 3 inclui os indivíduos com contatos próximos nos níveis 1 e 2, ou seja, familiares, colegas, aos amigos e equipes de resgate que participaram da resposta à epidemia do COVID-19. A população de nível 4 inclui pessoas afetadas pelas medidas de prevenção e controle de epidemias, pessoas suscetíveis e o público.

Diante do exposto, fica claro a preocupação de diversas entidades em torno do mundo em desenvolver, investir, organizar e sistematizar o cuidado psicossocial a fim de prevenir e/ou reduzir os impactos na saúde mental da população neste cenário emergente. É de vital importância que profissionais da área da saúde desenvolvam estratégias de cuidado em saúde mental específicos e relacionados ao acolhimento e escuta qualificada. Portanto, refletir sobre a prática terapêutica multiprofissional e online é imprescindível para que as possibilidades de sustentação emergentes por meio do atendimento remoto e de profissionais de diversas formações sejam eficazes e eficientes. Assim, o presente artigo tem como objetivo refletir sobre o cuidado psicossocial multiprofissional online em Saúde Mental na pandemia do novo coronavírus na perspectiva da teoria da relação de Ajuda de Rogers.

 

2. Método

Trata-se de um estudo teórico-reflexivo a partir da pesquisa bibliográfica. A pesquisa bibliográfica objetiva colocar o pesquisador frente ao que já foi pesquisado sobre um tema delimitado ampliando o campo da investigação (Lakatos & Marconi, 2011; Lima & Mioto, 2007). Buscou-se refletir a partir de autores que tratam da temática ações e intervenções de acolhimento e suporte em saúde mental e encaminhamento para a Rede de Assistência em tempos de pandemia. Na construção reflexiva desse material têm-se pesquisa em literatura nacional e internacional que aborda os temas da pandemia, impactos na saúde mental, atendimentos on-line e a Relação de Ajuda de proposta por Carl Rogers com seu trabalho de acolhimento multiprofissional em situações de crise. Para se chegar ao objetivo proposto deve-se ter clareza do objetivo que se pretende e o método a ser utilizado, leitura e re-leitura do material pesquisado, os dados colhidos e a análise deles para por último a síntese do processo de investigação e as reflexões dele decorrente (Lima & Mioto, 2007).

 

3. Resultados e Discussão

A pandemia da COVID-19 e os impactos na saúde mental

A epidemia está instalada, bem perto de você existem pessoas que são extremamente otimistas e outras nem tanto. Uma infinidade de infodemics (infodemias) ou seja, uma avalanche de informações fakenews que não garante nem informações nem a ação adequada da população. Algo que eleva a ansiedade a níveis críticos, gera medo, pânico e a nítida sensação de que tudo está perdido (Ho, Chee, & Ho., 2019; Hua & Shaw, 2020).

O distanciamento/isolamento social leva a uma mudança na dinâmica familiar, pessoal e profissional das pessoas, aulas escolares suspensas, pais e crianças aprendendo sobre como lidar com as aulas online e trabalho a distância do tipo home office. Tarefas domésticas acumuladas, profissionais de serviços essenciais com medo de ir trabalhar e mais medo ainda de voltar para casa, profissionais de saúde sofrendo preconceito por serem considerados risco potencial para o COVID-19. Aumento das taxas de desemprego, violência doméstica, conflitos familiares, entre outros (Li et al, 2020; Wang, 2020; Zhai, & Du, 2020).

É previsto que a pessoa refira seu sofrimento psicossocial relacionado a questões diretas e circundantes da pandemia, como por exemplo, dúvidas a respeito do vírus (Ex: meu pai é do grupo de risco. Tenho medo que ele pegue esse vírus e morra.); sobre protocolos de isolamento (Ex: Sou técnica em enfermagem e estou trabalhando no atendimento a pacientes infectados com COVID-19 e não quero correr o risco de contaminar minha família); direitos civis (Ex: Eu estou desempregada desde antes da pandemia, agora meu marido também foi dispensado, tenho direito a algum benefício?); resolução de problemas circunstanciais a temática (Ex: Meus filhos estão sem escola, eu tenho que trabalhar remoto e não consigo nem cuidar deles e nem trabalhar, eu estou a ponto de enlouquecer!); mediação de conflitos (Ex: dispensei a ajudante doméstica e ninguém aqui em casa me ajuda, me sinto desvalorizada e sobrecarregada, choro o dia todo. Isso parece que não vai acabar nunca!) (Li et al, 2020; Wang, 2020).

Os autores Almondes e Teodoro (2020) citam as reações 3D`s: Desespero, desamparo e desesperança. As autoras correlacionam sintomas ansiosos como comportamento de aflição, descontrole, angústia, irritação, furor nomeada como desespero. Já o sentimento de abandono e a sensação de vulnerabilidade, solidão, tristeza e medo como sintomas advindos do desamparo e o sentimento e o pensamento de ruína onde não há saída possível como sentimento de desesperança.

O estresse é a reação normal do organismo que ocorre frente a situações de perigo ou ameaça para nos colocar em estado de alerta, nos preparando para vivenciar situações de tensão. A evolução do estresse se dá em três fases: alerta, resistência e exaustão. A primeira fase nos prepara para batalha, é o chamado estresse saudável, mas se os sintomas iniciais do estresses não forem mediados nossos organismos físico e psíquico pode sofrer séria consequências ou entrar em colapso (BVS, 2015).

Por isso, que na vigência da pandemia se faz importante o controle do estresse e da ansiedade porque o esgotamento emocional refletirá na condição física e mental das pessoas fazendo com que as leva à sérios transtornos psíquicos e a dificuldades de cumprir o plano de enfrentamento do COVID-19. Em especial os trabalhadores da área de saúde, caso não recebam atenção em saúde mental, reduzirá o seu potencial de cuidado, aumentarão as chances de afastamentos, sofrimento, mortes e consequências posteriores a crise da pandemia (Li et al, 2020).

Logo, o cuidado psicossocial quanto mais precoce melhor as chances das pessoas se adaptarem a esse momento emergente, ou seja, no pico da curva pandêmica ascendente. A literatura científica relata estudos sobre reações psicológicas e impactos emocionais em epidemias e pandemias anteriores como intolerância a incerteza, maior propensão a doenças e ansiedade (Taylor, 2019), falta de informação e desinformação devido a Fake News, definidas como informações produzidas, mas não totalmente verdadeiras (Lazer et al., 2018) foram considerados como fatores de aumento de medos, fobias e sofrimento existencial (Singer & Brooking, 2018). Esses impactos emocionais podem manifestar sintomas físicos que se assemelham aos do COVID-19 e sobrecarregar os serviços de saúde ou ainda trazer um falso senso de urgência de produtos e serviços o que gera transtornos e impactos para além do necessário (Asmundson & Taylor, 2020).

Estudos realizados na China alertam que a saúde mental da população geral tem sofrido diversas consequências do surto de coronavírus como sintomas depressivos, de ansiedade e níveis exacerbados de estresse advindas do isolamento social (Brooks et al., 2020, Li et al., 2020, Wang, 2020), preocupação com familiares contraírem o COVID- 19 (Wang, 2020) e, também, temor pela exposição ao contágio, pelo medo do adoecimento e risco de morte, e pelas situações de isolamento social. Há ainda impacto nos padrões irregulares de sono-vigília, da prática de exercícios físicos e alimentação menos saudável o que contribui para diminuição da imunidade (Brooks et al, 2020). Na china o maior impacto psicológico foi encontrado entre sexo feminino, estudantes e indivíduos com sintomas de resfriado (Wang, 2020).

Com relação aos profissionais de saúde que estão na linha de frente do cuidado às pessoas com COVID 19 o cenário tem sido longas horas de trabalho; muitas vezes em ambientes com escassez de equipamentos de proteção individual (EPIs) (Assari & Habibzadeh, 2020). Ressalta-se ainda que há evidências de que muitos profissionais de saúde, que trabalham em hospitais e unidades de isolamento, não recebe treinamento para prestar assistência em saúde mental (Xiang et al (2020). Uma pesquisa identificou que juntar os dois parágrafos os profissionais da linha frente em Wuhan, especialmente, reportaram isolamento, excessiva carga de trabalho e sentiram-se discriminados, ficando assim vulneráveis a exaustão física e psíquica (Lin, et al, 2020).

Independentemente das manifestações que possam ocorrer, a intervenção neste momento de crise, deve ser baseada no acolhimento do sujeito e de suas emoções, de forma sensível, empática, por meio da escuta ativa e qualificada que é a base da comunicação terapêutica. As intervenções devem ter foco no enfrentamento eficaz, na resolução de problemas, na esperança e pensamentos positivos a fim de provocar respostas psicoemocionais adaptativas e saudáveis (OPAS, 2020).

Mas como tudo isso pode ser colocado em prática de forma consciente, técnica e responsável por profissionais de diversas profissões? Como isso pode ser viabilizado de forma online? Quais teorias e técnicas podem constituir-se em um arcabouço teórico-prático de uso multiprofissional?

Para responder a esses questionamentos, apresentamos a seguir conceitos- chave da teoria da relação de ajuda de Rogers a fim de trazer questões importantes para o trabalho multiprofissional terapêutico no contexto da Pandemia da COVID-19, além de algumas técnicas básicas do relacionamento interpessoal e intervenções possíveis relacionado a esse momento de crise a partir do atendimento online.

Rogers e a Relação de ajuda

Pensar cuidados em Saúde Mental em tempos de COVID-19 requer estratégias de cuidado que sejam efetivas. Uma ferramenta que pode cumprir tal intento é a relação de ajuda, proposta por Carl Rogers. A relação de ajuda, tal como proposta, se insere na Abordagem Centrada na Pessoa.

Rogers introduz a importância da relação terapeuta-cliente como uma experiência de crescimento pessoal e o caráter processual da mudança desfocando o valor no resultado final aliado à importância do indivíduo em seu processo em detrimento do holofote estar no terapeuta como agente de mudança. Após a Segunda Guerra Mundial, com muitas pessoas precisando de atendimento e apoio emocional, Rogers propõe a Relação de ajuda como uma terapêutica que visa o acolhimento do indivíduo em sofrimento no momento mais próximo de sua dor, estendendo esse atendimento para profissionais de saúde e não somente terapeutas. É um método que se caracteriza como intervenção autónoma e desempenha papel central na resposta às necessidades concretas de cada pessoa, independentemente da sua situação/problema ou contexto em que se desenvolve a ação. Traremos a seguir alguns pontos que alicerçam a relação de ajuda pela perspectiva de Rogers.

Nas premissas da teoria de Rogers está o conceito da Tendência Atualizante, que para este autor, todo ser humano tem em si recursos para auto compreensão que favorece mudanças e adaptações, por exemplo, em seu autoconceito. Essas modificações podem ocorrer em suas atitudes e comportamentos quando toma consciência que não estão lhe fazendo bem (Rogers, 1985). Rogers defende que todo organismo humano busca a realização de suas possibilidades. A tendência Atualizante proposta foca no crescimento, ampliação, evolução do indivíduo enquanto atualização refere-se à criação de soluções novas, invenção frente ao novo e imprevisível da vida. É um processo constante de criação e está alicerçada nos pilares da individualidade, universalidade, ubíqua e constante, holística, um processo direcional, produtor de tensão crescente que visa a autonomia do indivíduo, mas que sofre as ações das circunstâncias ambientais.

Os seres humanos possuem uma natureza social e a tendência atualizante dirige-se para o comportamento social construtivo. Porém quando o indivíduo tem algum problema ou dificuldade, interna ou externa, ocorre interrupções nesse fluxo paralisando-o ou mesmo causando sofrimento. Nesses momentos ou situações há a necessidade de procurar ajuda que pode ser uma escuta qualificada, um acolhimento ou um processo psicoterapêutico. Essa escuta qualificada também chamada por Rogers (1977) de presença facilitadora do profissional favorece uma experiência de crescimento.

Nessa perspectiva, para um acolhimento e atendimento multiprofissional faz-se importante uma escuta com os preceitos de uma comunicação terapêutica que explicite que o profissional está atento ao que está sendo dito, respeita o cliente em seus silêncios demonstrando a aceitação, está atento ao que está sendo dito e também ao que foi dito pelas expressões e comportamentos não verbais, busca através das perguntas clarificar a compreensão do cliente para o que está sendo dito. Em se tratando da comunicação é importante que a linguagem do terapeuta seja clara, simples e que vise explicitar os sentimentos e pensamentos do cliente.

No processo de clarificação e validação é importante ajudar o cliente a identificar e dimensionar o que está sentindo, em que situações que esses sentimentos são explicitados e quais pessoas o fazem vivenciar tal sentimento. Nesse sentido ter clareza que o que foi falado e orientado tenha sido compreendido pelo cliente também é fundamental.

Atendimento online

O atendimento online torna-se importante neste momento, uma vez que a transmissão rápida do vírus entre as pessoas dificulta intervenções psicológicas presenciais. Os serviços on-line que estão sendo utilizados para a epidemia COVID-19, em todo mundo, estão facilitando o desenvolvimento de intervenções de emergência pública chinesas, e eventualmente poderiam melhorar a qualidade e a eficácia das intervenções emergenciais (Lin, et al., 2020).

Existem limitações em relação às ferramentas online no que diz respeito à confiança do atendido no sigilo, consequentemente afetando o vínculo paciente-profissional e a disponibilidade para autoexposição ao mesmo tempo em que existem benefícios e resultados perceptíveis, tratando-se de um meio comum à conectividade e agilidade de atenção nos tempos atuais (Siegmund & Lisboa, 2015).

Pieta e Gomes (2014) em pesquisas realizadas sobre a modalidade online de atendimento constataram similaridades entre a relação terapêutica online e a presencial, concluindo que o atendimento psicoterápico pela internet é efetivo em várias modalidades e abordagens, os autores ressaltam ainda que questões legais e éticas podem ser atendidas desde que haja correto treinamento dos profissionais da modalidade e clareza de diretrizes. Limitações da modalidade que podem ser impeditivas para o atendimento devem ser consideradas como: 1- a falta de acesso de algumas pessoas a um serviço de internet que possibilite a conexão, por exemplo para moradores de áreas rurais; 2- a dificuldade de lidar com equipamentos ou aplicativos tecnológicos; 3- a falta de adaptação para portadores de deficiência. Em alguns destes casos a ligação telefônica agendada seria um recurso possível. Para garantir acessibilidade dos portadores de deficiência, quando estas requerem alguma adaptação para a comunicação por áudio e/ou vídeo, devem-se manter profissionais de saúde habilitados em libras ou em alguns casos disponibilizar atendimentos presenciais.

No Brasil, respondendo ao cenário emergente e a necessidade de ações de conforto emocional da população frente a pandemia, diferentes entidades de classe, solidarizando com esse momento único, normatizaram os atendimentos online para que os profissionais de saúde possam de forma segura manter os atendimentos a população. Dentre essas entidades podemos citar o Conselho Federal de Psicologia (CFP) que já havia normatizado essa modalidade de atendimento por meio Resolução CFP nº 11/2018, e agora, no meio dessa crise, flexibilizou o início dos atendimentos, permitindo ao profissional começar as intervenções mesmo antes de ter seu cadastro analisado pelo Conselho Regional. Destaca-se que essa ressalva foi autorizada nos meses de março e abril de 2020. Outra alteração nesse cenário de pandemia é a possibilidade de atendimento online em situações de crise ou violência, que anteriormente não era permitido. O Conselho Federal de Medicina (CFM), decidiu reconhecer a possibilidade do uso da telemedicina no País, além do que já está estabelecido na Resolução CFM nº 1.643/2002, que continua em vigor. Assim, enquanto durar o combate à epidemia de COVID-19, os médicos estão autorizados a exercer a profissão nos seguintes moldes: Teleorientação, Telemonitoramento e Teleinterconsulta. O Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), autorizou a realização de consultas de Enfermagem a distância, como forma de garantir a capacidade de atendimento e combater o novo coronavírus, assim preservando pacientes e profissionais. A Resolução 634/2020 autoriza que os enfermeiros realizem consultas, orientações e encaminhamentos por meios tecnológicos. O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) emitiu nota (http://www.cfess.org.br/visualizar/noticia/cod/1679 em 18/03/2020) afirmando que, em relação especificamente ao trabalho do Serviço Social, as/os profissionais devem decidir com autonomia (preferencialmente de forma coletiva) sobre a forma de atendimento mais adequada em cada situação, de modo a atender às orientações, conforme acima mencionado, assim como proteger a saúde do/a profissional e do/a usuário/a. No entanto, caso decidam por atendimentos por videoconferência, estes devem ter caráter absolutamente excepcional, considerando a particularidade deste momento.

 

4. Considerações Finais

As repercussões para a saúde mental em relação à Pandemia da COVID-19, é inequívoca. As experiências publicadas apontam impacto negativo desse momento pandêmico na saúde mental dos sujeitos e também mostram preocupação com as consequências imensuráveis da exposição duradoura a esse processo. A atenção em saúde mental, portanto não pode ser negligenciada.

Para mitigação dessa problemática, os atendimentos emergenciais online tem sido uma estratégia possível no sentido de dar apoio e acolhimento aos sentimentos gerados por diversas situações circundantes à pandemia. Nessa perspectiva, defende-se a ampliação do cuidado para diversos profissionais da área de saúde, da educação e humanas capazes de utilizar-se de teorias e técnicas que potencializam aspectos da relação interpessoal terapêutica, como a Relação de Ajuda, Centrada na Pessoa de Carl Rogers que parece facilitar a compreensão do processo de escuta e acolhimento do sujeito visando evitar adoecimento além de promover a saúde mental. Para isso, é importante que os profissionais lancem mão de recursos terapêuticos a fim de manter uma interação assertiva, acolhedora e empática com quem procura ajuda.

O atendimento online hoje é uma realidade mundial. No Brasil tem-se mostrado eficiente para atender pessoas que estão em sofrimento existencial e procuram atendimento ou uma escuta ativa visando mitigar os impactos negativos da pandemia de COVID-19. É fundamental que futuras pesquisas sejam realizadas com o obejtivo de conhecer os efeitos do distanciamento social prolongado no processo de adoecimento psíquico e outros impactos bem como desenvolver intervenções que deem conta desse fenômeno.

 

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Endereço para correspondência
Karine Santana de Azevedo Zago
E-mail: Karinezago@ufu.br

Fabíola Alves Gomes
E-mail: fabiola@ufu.br

Ricardo Wagner Machado da Silveira
E-mail: ricardo.silveira@ufu.br

Marciana Gonçalves Farinha
E-mail: marciana@ufu.br

Recebido: 30/04/2021
Revisado: 07/07/2021
Aceito: 01/07/2021
Publicado: 08/10/2021

 

 

1 Karine Santana de Azevedo Zago: ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3597-1566. Docente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
2 Fabíola Alves Gomes : ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3597-1566. Docente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
2 Ricardo Wagner Machado da Silveira: ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1299-9862. Docente do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
4 Marciana Gonçalves Farinha: ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2024-7727. Docente do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia, Brasil

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