Introdução
O surto internacional da doença do novo Coronavírus (covid-19) causou uma emergência no sistema de saúde em todo o mundo, o que exigiu medidas restritivas para prevenir uma maior disseminação (Lu et al., 2020). Em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou a covid-19 como pandemia, e isso fez com que o mundo inteiro adotasse medidas restritivas para conter a disseminação da doença. Assim, o governo brasileiro, por meio do Ministério da Saúde, seguindo as recomendações da OMS, impôs uma quarentena nacional, ao suspender a maioria das atividades e exigir o autoisolamento (Wilder-Smith & Freedman, 2020).
Um dos grupos mais afetados pelo isolamento social foi o das crianças e dos adolescentes, uma vez que estes deixaram de frequentar as escolas e de realizar suas atividades habituais, estando expostos a diversas complicações de saúde, ao aumento do sedentarismo, ao ganho de peso corporal, à perda da qualidade do sono, ao estresse e à ansiedade e aos problemas econômicos em sua família, o que pode levar a uma autopercepção negativa de saúde (Oliveira et al., 2020; Malta et al;. 2021;Gadagnoto et al., 2022).
A autopercepção de saúde, também conhecida como saúde geral subjetiva, é uma das medidas de saúde mais comumente utilizadas em pesquisas. Essa medida reflete as percepções gerais dos entrevistados sobre o seu estado geral de saúde (Freidoony et al., 2015). Geralmente, é alcançada por meio de uma pergunta simples, como “Como você considera o seu estado de saúde?” ou “Como você percebe sua situação de saúde?”, em uma escala de quatro ou cinco pontos, variando de “muito bom” a “muito ruim”. É conhecida como um dos melhores preditores de saúde, para avaliar a futura necessidade do uso de serviços de saúde e os custos correspondentes, os padrões de mortalidade, a recuperação de doenças e a qualidade de vida (Freidoony et al., 2015).
A adolescência é um período caracterizado por bons níveis de saúde (Moral-García et al., 2020), e perceber a saúde de forma negativa pode ter um grande significado do ponto de vista de saúde pública. E é possível que, durante o período de isolamento social pela pandemia de covid-19, uma proporção relativamente elevada de adolescentes tenha percebido a sua saúde de forma negativa, o que pode estar relacionado às mudanças no comportamento e no estilo de vida (Moral-García et al., 2020).
É notório que a população de adolescentes, considerando a própria fase da vida, pode ser considerada vulnerável à autopercepção de saúde ruim, uma vez que vivencia um período de transição da infância para a idade adulta (Silva et al., 2019). No início da adolescência, o adolescente é ainda mais vulnerável à autopercepção de saúde precária, já que a frequência de queixas de saúde subjetiva aumenta com o avançar da idade. Durante essa fase, a percepção de saúde também é moldada por mudanças contínuas nas perspectivas corporais, biológicas, sociocomportamentais e mentais (Silva et al., 2019; Almeida et al., 2020). Além disso, os comportamentos adquiridos pelos adolescentes tendem a permanecer com eles ao longo da vida e podem resultar em consequências importantes para a saúde na vida adulta (Afridi et al., 2013).
Diante desse contexto, avaliar a autopercepção de saúde de adolescentes durante uma pandemia mundial pode ser uma importante ferramenta de avaliação e monitoramento dos níveis de saúde desse grupo populacional. Além disso, identificar os fatores de risco que podem comprometer os níveis de saúde dos adolescentes se faz necessário para o planejamento de ações de assistência à saúde dessa população. Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi analisar a prevalência da autopercepção negativa de saúde de adolescentes durante a pandemia de covid-19 e fatores associados.
Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo de corte transversal e caráter quantitativo, desenvolvido como parte do projeto de pesquisa “Impacto da pandemia de covid-19 no comportamento, no estilo de vida e na motivação de adolescentes do ensino fundamental II”. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), Minas Gerais, sob parecer de número 5.145.496/2021.
Participantes
A amostra deste estudo foi composta por 287 adolescentes com média de idade de 12,99 anos (dp±l,28), sendo 60,3% (n=173) do sexo feminino e 39,7% (n=114) masculino, matriculados no ensino fundamental II de 23 escolas públicas do norte de Minas Gerais. O processo de seleção foi realizado por conveniência de forma não probabilística e intencional, e os adolescentes que atenderam aos pré-requisitos de participação foram selecionados de acordo com os critérios de inclusão adotados: adolescentes regularmente matriculados, que não tinham nenhum transtorno mental ou alimentar diagnosticado, que possuíam acesso à internet e concordaram em participar voluntariamente da pesquisa, por meio da assinatura do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), assinado pelos pais dos adolescentes. Foram excluídos do estudo adolescentes que deixaram os formulários incompletos.
Procedimento
Diante do quadro de pandemia, a coleta de dados foi realizada no formato virtual, para evitar o contato físico entre os pesquisadores e participantes. Inicialmente, foi enviada para as secretarias municipais e escolas estaduais, via e-mail, uma carta de apresentação do estudo solicitando autorização para a realização da pesquisa, convidando-as a colaborar com o estudo por meio do envio de um link para pais e adolescentes das respectivas comunidades escolares.
As escolas que aceitaram colaborar com estudo enviaram um link via WhatsApp aos pais e/ou responsáveis que continha o TALE, com as explicações sobre o estudo, os contatos para esclarecimentos sobre a pesquisa e a solicitação de assentimento de participação do menor sob a sua responsabilidade. Para autorizar ou não a participação do menor, os pais registraram o seu consentimento por meio de um software on-line pelo Google Forms.
Após o assentimento dos pais, o aluno também recebeu um termo de consentimento livre e esclarecido on-line, por meio do qual concordou em participar do estudo de forma voluntária. Feito isso, iniciava-se o preenchimento de um questionário estruturado e auto-aplicável dividido em módulos temáticos. As respostas dos participantes foram anônimas e confidenciais; além disso, os participantes poderiam interromper a participação no estudo e sair do questionário em qualquer estágio antes do processo de envio, e suas respostas não seriam salvas. Ao final do processo de análise dos dados, os dados da pesquisa foram excluídos da plataforma do Google Forms.
Instrumentos
Para investigar a autopercepção de saúde durante a pandemia, foi questionado aos adolescentes: “Como você considera o seu estado de saúde?”. Havia quatro categorias de resposta, incluindo “muito bom”, “bom”, “regular” e “ruim”, que posteriormente foram dico-tomizadas em positiva (para as opções “muito bom” e “bom”) e negativa (para as opções “regular” e “ruim”) (Freidoony et al., 2015).
Como variáveis independentes, foram coletadas informações referentes ao perfil socio-demográfico: sexo (feminino ou masculino); faixa etária (11 a 13 anos e 14 a 16 anos); fatores comportamentais: prática de atividade física (suficientemente ativo ou insuficientemente ativo), tempo de tela (< 2 horas/dia ou > 2 horas/dia), imagem corporal (satisfeito ou insatisfeito), qualidade do sono (boa ou ruim) e consumo de alimentos ultraprocessados (adequado ou excessivo), refrigerante, frutas e hortaliças. Além disso, valores antropométricos autorrelatados para o cálculo do índice de massa corporal (eutróficos; sobrepeso/obeso).
Para avaliar a prática de atividade física (PAF), foi questionada a prática durante o distanciamento social: “Você tem praticado algum tipo de atividade física?” (sim ou não); “Quanto tempo você gasta realizando atividade física por dia?”; “Quantas vezes na semana?”. Para quantificar o tempo de PAF, considerou-se o tempo em minutos por dia multiplicado pela quantidade de dias da semana, classificando-se posteriormente como prática menor (insuficiente) ou maior a 300 minutos por semana (suficiente) (WHO, 2020). Adicionalmente, questionou-se como os adolescentes consideravam a mudança desde o início do isolamento, referente à PAF (“pratico mais”, “pratico a mesma coisa”, “pratico menos”).
O tempo excessivo de tela foi operacionalizado a partir da medida do tempo médio diário (horas/minutos) despendido assistindo à televisão, jogando videogames e usando o computador, nos dias de semana e no fim de semana, durante uma semana típica ou habitual. Para o resultado, foi calculada a média ponderada a partir do seguinte procedimento: somatório do tempo despendido nos comportamentos sedentários em dias de semana (segunda a sexta-feira) multiplicado por cinco, somado ao tempo dos dias de fim de semana (sábado ou domingo) multiplicado por dois. Esse resultado foi dividido por sete para se obter o número médio de horas por dia queos adolescentes passavam em atividades de tela. Posteriormente, estes dados foram classificados em duas categorias: 1) pouco tempo em frente à tela (< 2 horas diárias) e 2) muito tempo em frente à tela (≥ 2 horas diárias), conforme estabelecido pela American Academy of Pediatrics (2001).
A autopercepção da imagem corporal foi avaliada por meio da Escala de Silhuetas de Thompson e Gray (ES), criada por Thompson & Gray (1995) e validada para adolescentes brasileiros de ambos os sexos por Conti e Latorre (2009). A escala consiste em 18 figuras (nove femininas e nove masculinas), cujo tamanho e peso aumentam gradativamente do mais magro até o obeso. Os adolescentes são incitados a indicar qual figura representa o seu corpo atual e aquela que corresponde ao corpo que deseja ter/ser. A insatisfação corporal é avaliada por meio da diferença entre o corpo que o adolescente gostaria de ter/ser e a silhueta atual, variando de-8 (reduzir a silhueta) a +8 (aumentar a silhueta).
A percepção da qualidade do sono foi avaliada com base na questão “De maneira geral, como você avalia a qualidade do seu sono?”, com as seguintes opções de resposta: “ruim”, “regular”, “boa”, “muito boa” e “excelente”. Para fins de análise, essa variável foi recategorizada em qualidade de sono negativa (ruim e regular) e positiva (boa, muito boa e excelente) (Hirshkowitz et al., 2015).
O consumo de alimentos ultraprocessados foi caracterizado segundo a frequência semanal (dias/semana) de ingestão de cada alimento industrializado/ultraprocessado, como hambúrguer, presunto, mortadela, salame, linguiça, salsicha, macarrão instantâneo, salgadinho de pacote, biscoitos salgados e refrigerantes. O consumo de alimentos saudáveis, como feijão, hortaliças, frutas frescas ou salada de frutas, também foi avaliado. A questão apresentou a seguinte estrutura: “Nos últimos 7 dias, em quantos dias você comeu [nome do grupo de alimentos]?”, com as opções de resposta: “Não comi [alimento] nos últimos 7 dias”; “1 dia nos últimos 7 dias; “2 dias nos últimos 7 dias”; “3 dias nos últimos 7 dias”; “4 dias nos últimos 7 dias”; “5 dias nos últimos 7 dias”; “6 dias nos últimos 7 dias”; “todos os dias nos últimos 7 dias”. Para fins de análise, foram classificados em consumo de alimentos ultraprocessados e refrigerantes inadequado aqueles adolescentes que relataram consumo por mais de três dias na semana, enquanto, para o consumo de hortaliças e frutas, foi considerado adequado o consumo de, pelo menos, uma porção diária de frutas e de hortaliças (< 5 dias/semana | ≥ 5 dias/semana) (Maia et al., 2018).
O excesso de peso foi avaliado por meio de medidas antropométricas autorrelatadas acerca do peso e da estatura para o cálculo do Indice de Massa Corporal (IMC= peso/estatura2) para idade e sexo (IMC-para-idade), expresso em escore-z, de acordo com o proposto pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 2006). Adolescentes com escore-z ≥+l e <2 foram classificados com sobrepeso, e adolescentes com escore-z ≥+2 foram classificados com obesidade. O excesso de peso abrange o sobrepeso e a obesidade, ou seja, escore-z ≥+l.
Análise de dados
Para a caracterização da amostra, foram feitas distribuições de frequência simples e relativa para todas as variáveis analisadas e foram estimadas as prevalências de autopercepção negativa de saúde, segundo os fatores sociodemográficos e comportamentais. Foram efetuadas análises bivariadas por meio de associações entre as variáveis independentes e a dependente. A magnitude das associações foi estimada pelas razões de prevalência brutas com seus respectivos intervalos de 95% de confiança. Para tanto, foi adotado o modelo de regressão de Poisson, com variância robusta. As variáveis que apresentaram nível descritivo (valor-p) ≤ 0,25 foram selecionadas para a análise múltipla.
Na análise multivariada, o modelo de regressão de Poisson foi também adotado para estimar as razões de prevalências ajustadas (RP), e permaneceram no modelo final somente aquelas variáveis que apresentaram nível descritivo p < 0,05. O modelo foi ajustado utilizando-se o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS®) versão 21.0.
Resultados
Verificou-se que, durante a pandemia, 31,0% dos entrevistados relataram autopercepção de saúde negativa (n = 89). Os adolescentes estavam insatisfeitos com a sua imagem corporal (65,5%), eram eutróficos (65,2%), relataram aumento de peso durante a pandemia (63,1%), prática de atividade física insuficiente (65,2%), sendo a PAF diminuída durante a pandemia (50,2%), com tempo de tela superior a duas horas por dia (75,3%) e duração do sono dentro do recomendado (65,5%). Quanto à alimentação, os adolescentes consumiam alimentos ultraprocessados de forma excessiva (63,4%), com consumo inadequado de refrigerantes (81,2%), hortaliças (67,2%) e frutas (84,3%), enquanto os salgadinhos eram consumidos adequadamente (54,4%) (Tabela 1). A Tabela 1 apresenta a prevalência de adolescentes com percepção negativa de saúde entre as categorias dos fatores sociodemográficos e comportamentais.
Variáveis | Frequência N = 287 | Percepção negativa de saúde | |||
---|---|---|---|---|---|
n | % | % | |||
Fatores Sociodemográficos | |||||
Sexo | Masculino | 114 | 39,7 | 20,2 | |
Feminino | 173 | 60,3 | 38,2 | ||
Idade | 11 a 13 anos | 183 | 63,8 | 32,2 | |
14 a 16 anos | 104 | 36,2 | 28,8 | ||
Fatores comportamentais | |||||
Imagem Corporal | Satisfeito | 99 | 34,5 | 18,2 | |
Insatisfeito | 188 | 65,5 | 37,8 | ||
Indice de Massa Corporal | Peso Normal | 187 | 65,2 | 30,5 | |
Sobrepeso/Obesidade | 100 | 34,8 | 32,0 | ||
Comportamento do Peso Corporal | Permaneceu ou Diminuiu | 106 | 36,9 | 27,4 | |
Aumentou | 181 | 63,1 | 33,1 | ||
Atividade Física | Suficientemente Ativo | 100 | 34,8 | 18,0 | |
Insuficientemente Ativo | 187 | 65,2 | 38,0 | ||
Atividade Física durante a Pandemia | Permaneceu ou Aumentou | 143 | 49,8 | 25,9 | |
Diminuiu | 144 | 50,2 | 36,1 | ||
Tempo de Tela | < 2 horas/dia | 71 | 24,7 | 28,2 | |
> 2 horas/dia | 216 | 75,3 | 31,9 | ||
Qualidade do Sono | Boa | 190 | 66,2 | 21,6 | |
Ruim | 97 | 33,8 | 49,5 | ||
Consumo de Alimentos Ultraprocessados | Adequado | 105 | 36,6 | 34,3 | |
Excessivo | 182 | 63,4 | 29,1 | ||
Consumo de Refrigerante | Adequado | 54 | 18,8 | 35,2 | |
Inadequado | 233 | 81,2 | 30,0 | ||
Consumo de Salgadinhos | Adequado | 156 | 54,4 | 28,2 | |
Inadequado | 131 | 45,6 | 34,4 | ||
Consumo de Hortaliças | Adequado | 94 | 32,8 | 41,5 | |
Inadequado | 193 | 67,2 | 25,9 | ||
Consumo de Frutas | Adequado | 45 | 15,7 | 55,6 | |
Inadequado | 242 | 84,3 | 26,4 |
Na análise bivariada, observou-se que a percepção negativa de saúde está associada a indivíduos do sexo feminino (p = 0,001), insatisfeitos com a sua imagem corporal (p = 0,000), que têm prática de atividade física insuficiente (p = 0,000), com diminuição na PAF durante a pandemia (p = 0,059), com qualidade do sono ruim (p = 0,000) e consumo inadequado de frutas (p = 0,000) (Tabela 2). A idade, os fatores comportamentais, o IMC, o comportamento do peso corporal, o tempo de tela e o consumo de alimentos ultraprocessados, refrigerantes, salgadinhos e hortaliças não apresentaram associações significativas ao nível p < 0,25 com a percepção negativa do estado de saúde.
Fatores | RP (IC95%) | Valor p | RP (IC95%) | Valor p | |
---|---|---|---|---|---|
Bruta | Ajustada | ||||
Imagem Corporal | Satisfeito | 1,00 | 1,00 | ||
Insatisfeito | 1,16(1,07-1,26) | 0,000 | 1,14(1,05-1,23) | 0,002 | |
Atividade Física | Suficientemente Ativo | 1,00 | 1,00 | ||
Insuficientemente Ativo | 1,16(0,07-1,26) | 0,000 | 1,12(1,03-1,21) | 0,004 | |
Atividade Física durante a Pandemia | Permaneceu/Aumentou/ Diminuiu | 1,00 | - | ||
1,08(0,99-1,17) | 0,059 | NS | |||
Qualidade do Sono | Boa | 1,00 | 1,00 | ||
Ruim | 1,23 (1,13-1,33) | 0,000 | 1,17(1,08-1,28) | 0,000 | |
Consumo de Frutas | Adequado | 1,00 | 1,00 | ||
Inadequado | 1,23 (1,11-1,36) | 0,000 | 1,18(1,07-1,30) | 0,001 |
Nota: RP: Razão de Prevalência; NS: Não Significativo; IC 95%: Intervalo de Confiança.
O modelo de regressão múltipla de Poisson revelou que persistiram significantes a imagem corporal (RP = 1,14; IC95%:1,05-1,23; p = 0,002), a PAF (RP = 1,12; IC95%: 1,03-1,21; p = 0,004), a qualidade do sono (RP = 1,17; IC95%:1,08-1,28; p = 0,000) e o consumo de frutas (RP = 1,18; IC95%: 1,07-1,30; p = 0,001) (Tabela 2). Os resultados indicam que, durante a pandemia, adolescentes insatisfeitos com a imagem corporal, que praticavam atividade física insuficiente, com qualidade do sono ruim e baixo consumo de frutas, apresentaram maiores prevalências de autopercepção negativa de saúde.
Discussão
O presente estudo analisou a prevalência da autopercepção negativa de saúde, bem como os fatores associados em adolescentes durante a pandemia de covid-19. A prevalência da autopercepção negativa de saúde foi de 31,0%. Quanto aos indicadores comportamentais associados, a insatisfação com a imagem corporal, a prática de atividade física insuficiente, a qualidade do sono ruim e o consumo de frutas durante a pandemia associaram-se à percepção do estado de saúde.
Os dados obtidos na literatura em relação à autopercepção negativa de saúde de adolescentes durante a pandemia são limitados, o que impossibilita comparações. No entanto, em um contexto não pandêmico, estudos nacionais revelaram índices menores, que variam de 3,7% a 36,7% (Fonseca et al., 2022; Silva, Santos et al., 2018).
A adolescência é um período da vida caracterizado por muitas mudanças fisiológicas e psicológicas. Assim, os adolescentes tendem a ser mais voláteis emocionalmente e muitas vezes experimentam extremos de humor que podem influenciar sua percepção de saúde (Padilla-Moledo et al., 2020). Uma revisão sistemática mostrou que períodos pandêmicos são precursores do declínio da saúde, uma vez que os prejuízos na saúde mental deixam crianças e adolescentes com maior estresse emocional e sentimento de impotência e medo, que podem evoluir para doenças mentais, como ansiedade, depressão e sintomas de estresse pós-traumático (Meherali et al., 2021). Tal-Saban & Zaguri-Vittenberg (2022) corroboram ao mostrar que uma menor qualidade de vida relacionada à saúde entre adolescentes saudáveis foi observada durante o surto de covid-19.
Este estudo evidenciou, por meio da associação da imagem corporal com a autopercepção negativa de saúde, que a satisfação corporal subjetiva pode moldar criticamente seus comportamentos de saúde e bem-estar psicológico dos adolescentes. A associação apresenta-se similar ao que é descrito na literatura, como, por exemplo, no estudo de Silva, Silva et al. (2018), em que referiram que a prevalência de autopercepção negativa de saúde foi de 27,6%, e ter uma percepção corporal abaixo ou acima do peso associou-se à autopercepção negativa em saúde de adolescentes. Cardoso et al. (2020) observaram uma maior prevalência de insatisfação com a imagem corporal em jovens com autopercepção de saúde regular ou ruim.
O estilo de vida das pessoas é um dos fatores mais importantes em sua percepção de saúde. Neste estudo, a atividade física manteve-se associada à autopercepção negativa de saúde. Esses achados vão ao encontro do estudo de Denche-Zamorano et al. (2022), em que os adolescentes inativos percebiam a sua saúde de forma negativa em comparação com aqueles que caminhavam e praticavam atividade física moderada ou vigorosa. Esses achados confirmam que a atividade física influencia a percepção de saúde ao longo do ciclo vital, em conformidade com os achados do estudo de Marques et al. (2019).
Adicionalmente, o estudo de Jodkowska et al. (2019) mostra que o estilo de vida fisicamente ativo está relacionado a melhores escores de satisfação com a saúde e o bem-estar. Além disso, o estudo mostra que, no caso de adolescentes escolares, a participação regular nas aulas de Educação Física desempenha um papel importante na previsão de satisfação com a vida e com a saúde. No entanto, diante do isolamento social pela pandemia de covid-19 e do fechamento das escolas, a PAF dos adolescentes reduziu significativamente (Malta et al., 2021). Assim, sugere-se que isso tenha repercutido na redução da prática de atividade física entre os adolescentes investigados, o que contribuiu consideravelmente para uma autopercepção negativa com a saúde.
Outro estilo de vida associado à percepção de saúde dos adolescentes neste estudo foi a qualidade do sono. Jodkowska et al. (2019) e Marques et al. (2019) mostram que pelo menos 8 horas por dia de sono é um importante preditor da percepção de saúde dos adolescentes. A exposição crônica ao sono de baixa qualidade entre adolescentes, como a dificuldade em adormecer ou permanecer dormindo, relaciona-se ao excesso de peso, a sintomas de depressão, ao bem-estar e à autoavaliação de saúde ruim (Liu et al., 2020).
A qualidade do sono ruim durante o período de pandemia de covid-19 neste estudo foi observada em 33,8%. Maior prevalência pode ser observada no estudo de Zhai et al. (2021) com adolescentes chineses, em que a prevalência de má qualidade do sono durante o período de pandemia de covid-19 foi de 18,6%. Estudos mostram que adolescentes apresentaram maior duração do sono durante o isolamento social. Esse achado é preocupante, uma vez que o sono em excesso pode repercutir em efeitos negativos relacionados à diminuição dos níveis de atividade física, ao aumento do comportamento sedentário, como o tempo em telas, à redução das oportunidades sociais e à elevação geral dos níveis de estresse, de ansiedade e de percepção negativa de saúde (Lian et al., 2021).
Neste estudo, 84,3% dos adolescentes apresentaram consumo inadequado de frutas (<5 vezes/semana). Estudo realizado com adolescentes de 10 a 19 anos do município de Campinas, SP, observou baixa frequência de consumo de frutas em 62,0% dos adolescentes (Meira et al., 2021). De acordo com Marques et al. (2019) o consumo de frutas pelo menos uma vez ao dia é um importante preditor de percepção positiva de saúde. Entretanto, neste estudo, a autopercepção negativa de saúde foi mais prevalente em adolescentes com consumo de frutas adequado. Estudo mostra que adolescentes são mais propensos a gastar dinheiro com frituras, doces ou refrigerantes do que com frutas (Trübswasser et al., 2022).
Este estudo apresenta resultados relevantes devido à formação do conhecimento em saúde dos adolescentes nesse período da vida e ao seu papel na promoção da saúde e dos comportamentos saudáveis. Com isso, destaca-se a importância da atenção voltada para a percepção de saúde dos adolescentes, sobretudo em períodos pandêmicos. Assim, com a retomada das atividades presenciais, é de extrema relevância a adoção de estratégias eficazes de melhoria da saúde, por meio da promoção de hábitos saudáveis, como a prática de atividade física, uma boa qualidade do sono e o consumo de alimentos saudáveis, bem como melhorias em nível psicossocial.
Ainda assim, é provável que os adolescentes não tenham dimensão de que a saúde não se trata apenas da ausência de doenças, mas também está conectada aos hábitos comportamentais incorporados no estilo de vida. Esses achados sugerem a importância de trabalhar todos os conceitos de saúde nos espaços escolar e doméstico.
Ademais, este estudo apresenta algumas limitações, como a possibilidade de viés de seleção, visto que dependia do acesso on-line do formulário e da disposição para responder ao questionário. No entanto, durante o período pandêmico, as coletas on-line se mostraram uma alternativa prática devido à exigência do distanciamento social para a realização de novos estudos, desse modo, foram utilizadas por diversos autores (Schmidt et al., 2020). Além disso, a amostragem do estudo foi realizada de forma não probabilística, inviabilizando a generalização dos resultados. No entanto, a amostra representa alunos de 23 escolas públicas do norte de Minas Gerais.
Conclusão
Conclui-se que, durante a pandemia de covid-19, observou-se alta prevalência de autopercepção negativa da saúde entre os adolescentes investigados. Ademais, a insatisfação com a imagem corporal, a prática de atividade física insuficiente, a qualidade do sono ruim e o consumo de frutas inadequado afetaram a autopercepção de saúde dos adolescentes. Os resultados indicam que são necessárias pesquisas que desenvolvam intervenções eficazes e iniciativas de promoção de atividade física, alimentação saudável e qualidade do sono voltadas para adolescentes.