Introdução
Ao estudar a criação e a ação de interconsulta nos serviços de assistência em saúde, observa-se que a sua origem emerge do conceito de interdisciplinaridade. O termo interdisciplinaridade surgiu no século XX, na Europa, no campo do ensino, e objetivava superar o pensamento positivista da superespecialização. Ao chegar ao Brasil, na década de 1960, a proposta da interdisciplinaridade manifesta a necessidade de construção de um novo paradigma da ciência e de seu conhecimento (Vilella & Mendes, 2003; Lima & Azevedo, 2013).
A interdisciplinaridade é um processo e uma filosofia de trabalho que entra em ação quando o enfrentamento de problemas preocupa uma sociedade, uma vez que é composta por conhecimentos que se complementam e se apresentam como uma resposta à diversidade e complexidade do ser humano. A interdisciplinaridade consiste na integração de várias áreas de conhecimento, caracterizada pela intensidade e horizontalização das trocas entre os especialistas, isto é, não só consiste numa anexação de conhecimento sem hierarquização entre os saberes, ideias, conceitos, mas também uma conjugação de procedimentos, métodos e práticas (Vilella & Mendes, 2003; Lage & Monteiro, 2007; Freitas & Py, 2017).
Já no campo da saúde a interdisciplinaridade no Brasil se destacou na década de 1980, a partir da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), e, desde então, vem se efetivando como um modelo assistencial que visa à articulação das ações e à melhoria na qualidade dos serviços de saúde ofertados para a população. Este sistema trouxe inúmeras transformações nos serviços de assistência em saúde, pois se apoiava em novos paradigmas em relação aos saberes e às práticas dos profissionais diante do processo saúde e doença. Estes paradigmas exigiam novas abordagens e intervenções que atentavam para variáveis anátomo-fisiológicas, epidemiológicas, psicológicas, culturais, sociais, políticas. Com base nessa perspectiva, a assistência em saúde passou a ser uma tarefa complexa que requer a prática da interdisciplinaridade, a qual permite a percepção e a assistência integral do indivíduo, considerando a realidade multifacetada do contexto em que ele se insere (Bruscato et al. 2004; Carvalho & Lustosa, 2008; Costa, 2007; Souza et al., 2012; Vilella & Mendes, 2003).
Uma possível aplicação da interdisciplinaridade na saúde, sobretudo no contexto hospitalar, é a interconsulta. O termo interconsulta provém da interdisciplinaridade, a partir da introdução da psiquiatria nos hospitais gerais. Objetiva-se agir em interface com a medicina geral, expandindo os saberes psiquiátricos entre outras áreas, visando instrumentalizar o médico não psiquiatra a reconhecer e tratar situações de natureza psiquiátrica, auxiliando no diagnóstico e no tratamento dos pacientes (Bortagarai et al., 2015).
Segundo Botega (2012), a interconsulta refere-se à ação de um profissional da saúde mental que avalia e indica um tratamento para pacientes que estão sob os cuidados de outros especialistas, incluindo dois modos de utilização, o sistema de consultoria e o sistema de ligação. Na consultoria, a presença do profissional de saúde mental é episódica, responde a uma solicitação específica; já no sistema de ligação ocorre contato de forma contínua, o profissional de saúde mental é membro efetivo da equipe clínica de um setor do hospital geral, participando de reuniões, atendendo os pacientes e lidando com aspectos da relação entre equipe assistencial, paciente e instituição.
No entanto, nem sempre a equipe de saúde identifica as reais demandas para avaliação e atendimento psicológico dos pacientes, cabendo ao psicólogo interconsultor conduzir sua prática segundo um propósito terapêutico, mas também didático, levando-se em conta a necessidade de instrumentalizar/orientar a referida equipe na identificação e resolução de problemas emocionais (Bruscato et al., 2004; Catani et al., 2012; Gazotti & Prebianchi, 2014).
Assim, com a interconsulta psicológica, o profissional psicólogo busca auxiliar a equipe de saúde orientando na avaliação e no tratamento de pacientes com problemas emocionais, psiquiátricos ou psicossociais e intermedeia a relação entre o tripé paciente-família-equipe de saúde, facilitando a comunicação e cooperação entre os sujeitos envolvidos. O psicólogo interconsultor analisa as reais demandas do paciente, incluindo atenção ao contexto em que estão inseridos e a relação com a equipe que o atende, realizando uma análise funcional do ambiente e das necessidades impostas pelo paciente e pela equipe (Gazotti & Prebianchi, 2014).
Versando sobre o tema, Salgado (2015) enfatiza que a interconsulta é considerada uma modalidade clínica e uma ferramenta metodológica útil para a melhoria da qualidade de atendimento para pacientes hospitalizados. Em hospitais gerais, os psicólogos e os psiquiatras a utilizam na avaliação e no tratamento de condições emocionais e comportamentais de pacientes internados, em resposta ao pedido das equipes clínicas correspondentes.
O psicólogo, ao adentrar no hospital geral, trouxe em sua prática a “ausculta emocional”, fornecendo ao paciente uma escuta acolhedora, espaço para expressão de medos, angústias, dúvidas, culpas e consequente elaboração desta sua nova condição de “estar doente”. Para tal, a psicoterapia breve torna-se a técnica mais apropriada. Esta pode ser definida como um procedimento terapêutico de orientação psicodinâmica, que utiliza o tripé atividade-planejamento-foco, visando ao atendimento dentro do mais curto espaço de tempo e o restabelecimento do equilíbrio homeostático do paciente (Lage & Monteiro, 2007).
Diversos autores (Carvalho & Lustosa, 2008; Gazotti & Prebianchi, 2014; Osório, 2004) revelam uma variedade de motivos que determinam a solicitação de uma interconsulta psicológica. Entre esta variedade, as mais frequentes são: pacientes que têm dificuldades na adesão ou na continuidade do tratamento; persistência de comportamento queixoso durante internação; presença de humor deprimido e ansioso; decisão sobre manutenção ou interrupção de tratamentos em pacientes graves; acompanhamento de pacientes submetidos a procedimentos invasivos; avaliação do estado mental do paciente – nesta última solicitação, o médico busca auxílio para um diagnóstico diferencial da doença entre a etiologia orgânica e a psíquica.
Catani et al. (2012) desenvolveram um estudo no Instituto Central do Hospital das Clínicas, em São Paulo, sobre a interconsulta psicológica, identificando os motivos de encaminhamento dessa. Constataram que os mais frequentes motivos para o encaminhamento ao serviço de psicologia são quando os médicos observam que seus pacientes apresentam um sofrimento psíquico ou quando não há adesão ao tratamento. Outro estudo sobre interconsulta psicológica realizado em um hospital geral aponta que os principais motivos alegados para a solicitação de interconsulta foram sintomas psicológicos relacionados ao adoecimento e a identificação de comprometimento na adaptação do paciente à hospitalização (Santos et al., 2011).
Os indivíduos de qualquer idade podem estar sujeitos à hospitalização, mas, em geral, os idosos são portadores de várias patologias crônicas e passam por internações com mais frequência, sendo o tempo de ocupação do leito maior do que outras faixas etárias. Dentre os problemas de saúde na terceira idade, encontram-se os transtornos mentais, dos quais têm maior frequência a depressão e as demências (Bambarén et al., 2015; Botega, 2017; Kitajima, 2014; Piuzevam et al., 2015; Freitas et al., 2017).
Esta vulnerabilidade durante o processo de internação dos idosos pode manifestar sintomas decorrentes da reação psicológica à patologia e de transtornos psiquiátricos primários, como depressão, ansiedade e transtornos de personalidade. Cabe ao psicólogo avaliar minuciosamente para conhecer as características do paciente e atuar visando à melhora ou promoção da qualidade de vida desse (Bambarén et al., 2015; Botega, 2017; Kitajima, 2014; Piuzevam et al., 2015; Freitas et al., 2017).
Diante do exposto, este estudo teve como objetivo identificar, por meio de uma análise documental, os principais motivos de solicitação da interconsulta psicológica, bem como examinar as condutas dos profissionais de psicologia em relação aos pacientes idosos hospitalizados na clínica médica de um hospital universitário, a partir dos pedidos de consulta.
Método
Trata-se de um estudo exploratório, utilizando metodologia qualitativa com análise documental, contemplando a leitura flutuante do material e constituição do corpus. A análise documental é uma técnica que tem por finalidade descrever e representar o conteúdo dos documentos de uma forma distinta da original, visando garantir a recuperação da informação neles contida e possibilitar seu intercâmbio, divulgação e uso (Souza et al., 2011).
Participantes
A amostra foi composta por 16 formulários de solicitação de interconsulta psicológica, oriundos da clínica médica e dirigidos aos pacientes idosos internados no período de janeiro de 2016 a dezembro de 2017. Elegeram-se como critério de exclusão aqueles formulários que não apresentavam a resposta dos psicólogos.
Instrumentos
As informações foram obtidas por meio dos registros das interconsultas psicológicas. Os formulários de solicitação de interconsulta, padronizados pelo hospital, lócus deste trabalho, contemplam: nome do paciente, enfermaria, leito, clínica/especialidade médica, data do pedido, motivo da consulta, súmula da história do paciente, o seu diagnóstico clínico e um espaço para o relatório do profissional solicitado.
Procedimentos
A pesquisa foi realizada no Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW), localizado no município de João Pessoa, Estado da Paraíba, no Nordeste do Brasil. O HULW é o hospital-escola da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que foi fundado em 1980 e representa a estrutura de saúde de referência para o Estado da Paraíba. Atualmente, conta com aproximadamente 1.100 servidores, possui 220 leitos, 80 consultórios médicos e realiza 20 mil atendimentos, 250 cirurgias por mês e 700 internações por mês (Hospital Universitário Lauro Wanderley [HULW], 2017).
Este estudo trata de um recorte de uma pesquisa maior intitulada “Interconsulta: caracterização das solicitações de atendimento psicológico na clínica médica de um hospital universitário”, realizada pelo núcleo de psicologia vinculado à residência integrada multiprofissional em saúde hospitalar, com ênfase no paciente idoso. O referido estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do HULW e cadastrado na Gerência de Ensino e Pesquisa (GEP) do referido hospital, aprovado sob o parecer n. 2.843.396 e CAEE: 93794418.6.0000.5183.
Resultados
Quanto aos dados sociodemográficos dos pacientes, os resultados revelaram que, dos 16 pacientes idosos atendidos por meio da interconsulta, 50% são do sexo feminino, e 62,5% estão na faixa de 60-70 anos de idade.
A Tabela 1 apresenta as condições clínicas dos 16 participantes, relacionadas às especialidades médicas que prestam serviços na clínica médica, solicitantes de interconsulta psicológica, os motivos indicados e as condutas solicitadas ao profissional de psicologia.
Especialidade Médica | Motivos | Solicitação | N. |
---|---|---|---|
Pneumologia |
Paciente astênico, prostrado, mudança de comportamento Humor depressivo Tremores que limitam atividades e geram conflitos emocionais Atendimento à família em função do quadro clínico do paciente Humor deprimido, insônia, ideação suicida |
Avaliação para melhor abordar o caso Avaliação e acompanhamento Avaliação e acompanhamento Intervenções e orientações Avaliação |
5 |
Propedêutica |
Humor deprimido, auxílio para receber diagnóstico Dificuldade na adesão ao tratamento Atendimento à família em função do quadro clínico do paciente Paciente emotivo, dificuldade de permanência no hospital |
Acompanhamento Auxílio no acompanhamento Avaliação Acompanhamento |
4 |
Neurologia |
Sintomas depressivos Solicitação excessiva do paciente por realização de procedimento Paciente com episódios de choro e insónia, familiar com dificuldade em entender a patologia do paciente e apresentando conflitos com a equipe |
Avaliação Avaliação e acompanhamento Avaliação |
3 |
Gastroenterologia |
Incoerência de discurso, não compreensão do processo de adoecimento e ausência de apoio familiar Flutuações do humor, longo período de internação |
Seguimento Avaliação e acompanhamento Parecer |
2 |
Cardiologia | Confusão mental, desorientação têmporo-espacial | Parecer, avaliação e apoio | 1 |
Reumatologia | Alteração de comportamento, ciclo sono-vigília | Acompanhamento para melhora de conduta | 1 |
Nota. N. = É a quantidade de solicitação da especialidade.1
Observa-se que as especialidades médicas que mais solicitaram a interconsulta psicológica no período estudado foram a pneumologia (n = 5) e a propedêutica (investigação diagnóstica) (n = 4), seguidas pela neurologia (n = 3); gastroenterologia (n = 2); cardiologia (n = 1) e reumatologia (n = 1). Como motivos de encaminhamento, verifica-se a predominância do humor deprimido. Ainda, aparecem alterações de comportamento, dificuldade na adesão ao tratamento, não compreensão do processo de adoecimento, auxílio para receber diagnóstico, conflitos emocionais, conflitos com a equipe, insónia, desorientação, confusão mental, atendimento à família e longo período de internação. Quanto às condutas solicitadas ao profissional interconsultor de psicologia, os resultados indicam a prevalência de avaliação (n = 9), seguida por acompanhamento (n = 8), parecer (n = 2), orientações (n = 1), intervenções (n = 1), apoio (n = 1) e auxílio (n = 1).
A Tabela 2 apresenta as características das 16 interconsultas psicológicas em idosos mediante solicitação médica e as condutas realizadas pelo profissional de psicologia.
Características das interconsultas psicológicas | Conduta psicológica | |
---|---|---|
1 |
Estado mental – paciente consciente e orientada, fala espontânea Informações sobre compreensão da patologia – conhecimento regular Aspectos emocionais – tristeza, surpresa e constrangimento Postura diante do tratamento – boa motivação, postura biófila Relação psicólogo-paciente – paciente receptível ao diálogo Mecanismo de enfrentamento – baseado na religiosidade |
Sem informações |
2 |
Estado mental – paciente consciente, algo desorientado no tempo e no espaço Informações sobre o tratamento – pouca compreensão Seguimento – segue em acompanhamento |
Apoio e orientações |
3 |
Estado mental – paciente consciente, orientada, memória preservada, pensamento organizado e linguagem fluente Aspectos emocionais – emocionalmente estável no momento Aspectos históricos – de sofrimento mental e acompanhamento psicológico em internação anterior Queixas – insónia Relação psicólogo-paciente – receptível Seguimento – segue em acompanhamento |
Sem informações |
4 |
Atendimento a familiar Informações sobre estado clínico do paciente – bom entendimento Aspectos emocionais da familiar – estável e adequado ao contexto Relação psicólogo-família – familiar receptível Seguimento – segue em acompanhamento |
Sem informações |
5 |
Paciente dormindo – atendimento a familiar Relato de aspectos comportamentais do paciente – agressividade Rede de apoio – sugere boa rede de apoio familiar |
Escuta ativa de apoio e orientação para familiar |
6 |
Paciente quase sempre dormindo, sonolento Informações sobre patologia – informado sobre o diagnóstico Aspectos emocionais do paciente – deprimido Aspectos comportamentais – comportamento agressivo, choroso Aspectos históricos – queda do estado geral 3 meses antes da internação, após quadro de zika, com diminuição da autonomia Seguimento – segue em acompanhamento |
Atendimento de acompanhamento |
7 |
Estado mental – consciente, desorientado em relação ao tempo Aspectos emocionais – humor deprimido, tristeza Aspectos comportamentais – choroso Aspectos históricos – acidente, adoecimento e morte de familiares Seguimento – segue em acompanhamento |
Escuta ativa e intervenção psicoterápica de apoio |
8 |
Estado mental – sem alterações psíquicas Aspectos emocionais – emocionalmente estável no momento Informações sobre processo de hospitalização – bom entendimento Queixas – sono irregular Relação psicólogo-paciente – receptível Rede de apoio – Sugere boa rede de suporte familiar Seguimento – segue em acompanhamento |
Sem informações |
9 |
Estado mental – sem alterações psíquicas Aspectos emocionais – emocionalmente estável Informações sobre processo de hospitalização – dificuldade na adaptação à rotina hospitalar Informações sobre patologia – traz espontaneamente possibilidade de diagnóstico de neoplasia Queixas – de relações na enfermaria e da alimentação |
Escuta ativa de apoio e conversado com a equipe sobre troca de enfermaria |
10 |
Estado mental – sem alterações psíquicas Informações sobre o processo de hospitalização – boa adaptação à internação Aspectos históricos – internações anteriores Queixas – nega ter alguma reclamação. |
Serviço de psicologia disponibilizado |
11 |
Estado mental – sem alterações psíquicas, comunicação limitada Aspectos comportamentais – agressividade Queixas – cansaço e sufocamento Seguimento – segue em acompanhamento |
Atendimento de acompanhamento |
12 |
Estado mental – consciente, desorientada alopsiquicamente (tempo e espaço), apresentando respostas desconexas com algumas respostas destinadas Aspectos comportamentais – agitação, choro, baixa aceitação da dieta Atendimento a familiar Seguimento – segue em acompanhamento Entrevista psicológica e intervenção psicoterápica de apoio |
|
13 |
Aspectos emocionais – humor deprimido, tristeza Aspectos comportamentais – choro em algumas consultas Atendimento a familiar Informações sobre estado clínico do paciente – em elaboração Aspectos emocionais da familiar – ansiedade, desgaste emocional Seguimento – segue em acompanhamento |
Intervenção psicoterápica de apoio, psicoeducação e contato com fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional |
14 |
Estado mental – sem alterações psíquicas, fala espontânea Informações sobre processo de hospitalização – entendimento satisfatório Relação psicólogo-paciente – receptível Aspectos históricos – internações anteriores Queixas – da alimentação Seguimento – segue em acompanhamento |
Sem informações |
15 |
Paciente sonolenta, respostas letificadas, ausentes Aspectos emocionais – desesperança Aspectos comportamentais – chorosa Queixas – saudades dos netos Atendimento a familiar Informações sobre estado clínico do paciente – entendimento regular Seguimento – segue em acompanhamento |
Sugerida avaliação psiquiátrica |
16 |
Estado mental – sem alterações psíquicas, fala espontânea Aspectos emocionais – emotivo Relação psicólogo-paciente – receptível Seguimento – demanda para acompanhamento clínico |
Feitas a sugestão e as orientações para procurar serviço de psicologia deste hospital |
Conforme a Tabela 2, é possível identificar que o exame do estado mental do paciente está presente na maioria das respostas do interconsultor da psicologia. Os formulários que não receberam esses dados do exame mental foram justificados pelos psicólogos da seguinte forma: os pacientes estavam dormindo ou os atendimentos foram destinados aos familiares. As respostas do interconsultor de psicologia ainda continham informações sobre a compreensão da patologia, do processo de hospitalização, dos aspectos emocionais, comportamentais e históricos, das queixas, da relação psicólogo- paciente, as redes de apoio e seguimento do tratamento.
Quanto às condutas realizadas pelo psicólogo interconsultor, verificou-se que seis formulários não tinham esses dados – esta variável está indicada no Quadro 2 como “sem informações”. Outros psicólogos, no entanto, revelaram diversas intervenções com objetivos terapêuticos, tais como: psicoterápicas de apoio, escuta ativa de apoio, atendimentos de acompanhamento, orientações, sugestões, apoio, psicoeducação, contato com equipe e entrevista psicológica.
Discussão
Os resultados mostram que ocorreu prevalência de solicitações de interconsulta psicológica na especialidade de pneumologia. Estudos mencionam que as doenças do aparelho respiratório estão entre as principais causas de internação em idosos devido a alterações anatômicas e funcionais que se instalam no organismo com a senescência (Bambarén et al., 2015; Rabelo et al., 2010). É possível que esse aspecto possa ter influenciado nos resultados encontrados neste estudo. Cabe destacar que algumas patologias, como as respiratórias, cardiovasculares, reumáticas e neurológicas, podem provocar sintomas psiquiátricos, corroborando os achados deste estudo (Botega, 2012).
Os resultados apontam que as solicitações de interconsultas psicológicas se deram principalmente pela presença de humor deprimido nos pacientes idosos. Tal achado foi semelhante ao resultado do estudo realizado por Gazotti e Prebianchi (2014) sobre caracterização da interconsulta psicológica em um hospital geral, no qual os principais motivos de solicitação foram humor depressivo e ansiedade.
A depressão é um dos mais importantes agravos à saúde da população idosa, sendo a síndrome psiquiátrica mais prevalente nessa faixa etária, destacando-se um alto índice de sintomas depressivos em pacientes idosos hospitalizados (Freitas et al., 2017). É importante ressaltar que a depressão em idosos tem suas especificidades, na qual os sintomas afetivos, na maioria dos casos, são substituídos por outros como diminuição do sono, perda de prazer nas atividades habituais, perda da energia e ruminações sobre o passado (Soares & Custódio, 2011).
Estudos demonstram que o idoso hospitalizado apresenta mudança de comportamento, podendo ter episódios de desorientação, agitação e dificuldade de submeter-se ao tratamento, devido à diminuição da capacidade de adaptação e vulnerabilidade das funções individuais, tornando-se queixoso e resistente aos procedimentos terapêuticos (Soares & Custódio, 2011). Corroborando esta literatura, verifica-se neste estudo a presença de alteração no comportamento, insónia, desorientação têmporo-espacial, confusão mental e dificuldade na adesão ao tratamento entre os motivos de solicitação de interconsulta psicológica.
Observa-se que, no ambiente hospitalar, o paciente se depara com um universo de ameaças internas e externas relacionadas à sua integridade corporal pelos diferentes procedimentos a que é submetido, exposição de sua intimidade a estranhos, convivência em um espaço de doença, dor e morte, separação de familiares, amigos, pertences e hábitos, ou seja, a perda de seus referenciais conhecidos. Ainda, sofre pela incerteza quanto à evolução da sua patologia e com as possíveis consequências desta na sua capacidade funcional. Neste estudo, os motivos que justificaram a solicitação do atendimento psicológico, apontados pelos médicos, podem ser identificados como respostas do paciente à doença e à internação. Portanto, seguindo diferentes autores (Botega, 2012; Catani et al., 2012), entende-se que a hospitalização representa um desafio à capacidade de adaptação do sujeito diante da ruptura do seu cotidiano, provocando diferentes reações moduladas por fatores biopsicossociais.
Alguns autores (Lage & Monteiro, 2007; Catani et al., 2012) contribuem com reflexões sobre as relações entre a medicina e a subjetividade. Evidenciam que a medicina é marcada pelo rigor metodológico científico e pela exclusão do universo subjetivo, ou seja, a medicina, como disciplina científica, afasta de sua ambiência a dimensão da subjetividade. Deste modo, o sujeito será conduzido à condição de objeto, ao silêncio de seu ser, ao seguimento de normas e de rotinas médicas hospitalares.
A partir dos resultados obtidos neste estudo, observa-se que os aspectos emocionais dos pacientes são identificados pela equipe médica, por meio de solicitações de interconsulta psicológica. Neste documento, especificam com pedidos de avaliação, acompanhamento, parecer, orientações, intervenções e apoio. Pode-se observar que estes encaminhamentos também ocorrem pelo fato de os médicos apresentarem dificuldades no cuidar ou tratar do sofrimento psíquico, de elementos de ordem subjetiva, e de aspectos do funcionamento institucional (Lage & Monteiro, 2007; Catani et al., 2012).
Bruscato et al. (2004) salientam que as solicitações de interconsultas psicológicas em enfermarias são perpassadas por variadas questões que nem sempre estão correlacionadas ao paciente, propriamente, e a sua situação emocional, não raras vezes a situação-problema, é institucional, e não uma situação clínica. As autoras referem que o que leva à solicitação de avaliação para um paciente muito reivindicador e queixoso, com dificuldades na aceitação de procedimentos, pode ser em razão dos conteúdos que esse tipo de sujeito costuma suscitar na equipe assistencial, como sentimento de confronto ou impotência, do que de seu real estado emocional. No estudo realizado, verifica-se a presença de algumas demandas de interconsultas psicológicas que podem estar relacionadas com o aparecimento desses tipos de sentimento nos profissionais médicos: conflitos com a equipe, dificuldade na adesão ao tratamento, dificuldade de permanência no hospital, solicitação excessiva do paciente por realizar procedimentos clínicos.
Quanto às condutas realizadas pelos psicólogos a partir das solicitações médicas, verifica-se que a atuação do serviço de psicologia está compatível com a modalidade de psicoterapia indicada para o uso no ambiente hospitalar, a qual é denominada psicoterapia breve de apoio, também identificada como terapia suportiva. Estes achados corroboram diferentes autores, ao afirmarem que esta técnica permite focalizar o atendimento, concentrando-o na situação que o sujeito hospitalizado está vivendo, e adequa-se às necessidades de boa parcela dos pacientes hospitalizados, com aplicabilidade em um amplo leque de situações clínicas (Bruscato et al., 2004; Lage & Monteiro, 2007).
Cabe ressaltar que, segundo Lage e Monteiro (2007) e Bruscato et al. (2004), o foco do atendimento do psicólogo no contexto hospitalar é concentrado na doença, hospitalização e no tratamento. A presença do atendimento psicológico no hospital promove benefícios terapêuticos, facilita o manejo do paciente, aumenta sua tolerância e da equipe ao estresse, encurta o período de recuperação e reduz a incidência de distúrbios duradouros de comportamento.
No que se refere à estrutura das repostas do profissional de psicologia interconsultor nos documentos estudados, identifica-se a presença de dimensões do diagnóstico situacional. Segundo Botega (2017), o diagnóstico situacional exige a recodificação das informações, dando-lhes sentido, dentro de um todo coerente e significativo. O que pode afiançar a decodificação de determinados fenômenos que, combinados, passam a constituir uma nova visão é a possibilidade de compreender e interpretar, de modo significativo, uma gama mais ampla de dados.
Nos formulários de interconsultas estudados, referem informações sobre a compreensão da patologia, do processo de hospitalização, dos aspectos emocionais, comportamentais e históricos, das queixas, da relação psicólogo-paciente, das redes de apoio e seguimento. Estas informações atendem ao conceito de diagnóstico situacional realizado por Botega (2017), pela capacidade de ampliar a visão do interconsultor a respeito da recente situação de vida do paciente, de como ele vem lidando com a doença e com a hospitalização.
Quanto ao preenchimento dos formulários de interconsulta, observa-se a ausência de alguns dados referentes à conduta realizada pelo psicólogo e ao diagnóstico situacional; são eles: a ausência de dados sobre estressores psicossociais (vida íntima, finanças, trabalho, problemas com a justiça); informações sobre a rede de apoio social e mecanismo de enfrentamento – o que pode ser justificado pelo comprometimento do psicólogo com o sigilo profissional. Os registros dos atendimentos psicológicos, conforme pontuam Bruscato et al. (2004), necessitam ser ponderados constantemente, levando em consideração o respeito pelo sigilo e o cuidado para não patologizar e estigmatizar o paciente.
Considerações Finais
Este estudo teve como objetivo identificar, por meio de uma análise documental, os principais motivos de solicitação da interconsulta psicológica, bem como examinar as condutas dos profissionais de psicologia em relação aos pacientes idosos hospitalizados na clínica médica de um hospital universitário. Observou-se que o principal motivo registrado nas solicitações de interconsultas foi o humor deprimido dos pacientes. Acredita-se que a quebra da rotina e o afastamento de seu convívio familiar, acrescido da ciência de que sua idade está avançada, favorecendo o aparecimento do medo da morte, contribuem para a manifestação do humor deprimido destes idosos. Assim, ao utilizar o instrumento de interconsulta, a equipe de saúde busca expandir os saberes visando reconhecer e tratar situações de natureza psíquica, auxiliar no diagnóstico e no tratamento dos pacientes, ampliando a relação entre a medicina e a subjetividade.
Quanto às condutas realizadas pelos psicólogos, verificou-se que a atuação do serviço de psicologia se deu mediante a psicoterapia breve ou suportiva. Esta técnica permite concentrar o atendimento na situação que o idoso está vivendo, a doença, a hospitalização e o tratamento, promovendo benefícios terapêuticos, facilitando o manejo do paciente, e encurtando o período de recuperação.
Identificou-se que os dados deste estudo reforçam a complexidade da interconsulta psicológica em idosos hospitalizados. Esta complexidade resulta da especificidade da interconsulta, que se mostra um instrumento de comunicação/relacionamento interdisciplinar em saúde e de compreensão da demanda do paciente. Assim, com a interconsulta psicológica, o profissional psicólogo intermedeia a relação entre o tripé paciente, família e equipe de saúde, que é ditado pela política de humanização do SUS, HumanizaSUS.
Quanto às limitações desse estudo, deve ser mencionado o tamanho da amostra, que, ao se apresentar em número reduzido, demonstra a necessidade de outras pesquisas com uma maior representação da população, ou seja, generalização dos dados. Apesar da limitação referida, os resultados obtidos deram indicações das características da interconsulta psicológica e podem oferecer subsídios para o aprimoramento dos serviços de interconsulta em hospitais gerais.