Introdução
Os preservativos estão no centro de uma abordagem de prevenção combinada ao vírus da imunodeficiência humana (HIV). Constituem uma ferramenta com boa relação custo-benefício, visto que funcionam na prevenção de outras infecções sexualmente transmissíveis (IST) e evitam a gravidez indesejada e não planejada (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS [Unaids], 2016). A prevenção combinada utiliza diferentes abordagens de prevenção (biomédica, comportamental e socioestrutural) aplicadas em múltiplos níveis (individual, nas parcerias/relacionamentos, comunitário e social) (Ministério da Saúde, 2020a).
A maioria dos preservativos são feitos de látex e estão disponíveis em grande variedade de tamanhos, formas, cores e texturas. Eles devem ser usados corretamente, em todas as relações sexuais (sexo oral, vaginal e anal), para serem altamente eficazes. Sua eficácia também depende do uso correto, da motivação das pessoas em usá-los a cada relação, do tempo de experiência com o método e da qualidade do produto, que pode ser afetada pelo armazenamento inadequado, principalmente pelo usuário (Ministério da Saúde, 2018).
O uso ou não do preservativo está associado com a construção sócio-histórica, econômica, cultural e relacional das pessoas. A vulnerabilidade às IST pode ter caráter individual, social e programático, que integra crenças, desejos, conhecimentos e comportamentos (âmbito individual); valores morais e contextos de vida (âmbito social); cultura, educação e acesso à saúde (âmbito programático) (Nunes et al., 2017).
No mundo, em 2020, estimou-se que 1,5 milhão de adultos (15 anos ou mais) foram infectados pelo HIV (Unaids, 2021). Em um ano, aproximadamente 376 milhões de pessoas entre 15 e 49 anos adquiriram clamídia, gonorreia, sífilis ou tricomoníase (Rowley et al., 2019). No Brasil, de 2007 até junho de 2020, foram notificados 342.459 casos de infecção pelo HIV, tendo a categoria de exposição sexual predominante como via de transmissão, que correspondeu a 82.9% das notificações (Ministério da Saúde, 2020b).
Nesse contexto, destaca-se que os universitários configuram uma população vulnerável às IST. O ingresso no ensino superior promove experiências diversas, como maior autonomia, construção de novos vínculos e sensação de liberdade. Além disso, a rotina sobrecarregada de estudos incide em uma necessidade de buscar diversão, amizades e formas de aliviar a tensão (Spindola et al., 2020).
Há também estudantes que saem de suas cidades para estudar em outros municípios, passando a morar sozinhos e a adotar novos hábitos (Moreira et al., 2018). Esses cenários podem potencializar a vivência de comportamentos de risco, com ênfase para o consumo de substâncias psicoativas e relações sexuais desprotegidas (Fonte et al., 2018).
O conhecimento dos diferentes aspectos que influenciam ou não o uso de preservativos por universitários favorece o desenvolvimento de estratégias multidisciplinares e integradas, envolvendo atividades de sensibilização sobre a importância do uso, criação de materiais educativos, orientações assertivas, diminuição da estigmatização social e das desigualdades em saúde, e oferta de insumos de prevenção.
Diante do exposto, o estudo tem como objetivo analisar o conhecimento, a atitude e a prática dos universitários da área da saúde que já tiveram relações sexuais, sobre o uso do preservativo como método de prevenção das IST.
Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo do tipo inquérito sobre Conhecimento, Atitude e Prática (CAP), com delineamento transversal e abordagem quantitativa. O conceito “conhecimento” está relacionado com a capacidade de perceber, adquirir e reter informações a serem utilizadas. Já a terminologia “atitude” alude à conduta, comportamento para reagir a certas situações. A “prática” seria a aplicação de regras e conhecimentos que levam à tomada de decisões e à execução de ações (Chariglione, 2020).
O cenário da pesquisa foi uma universidade pública da área da saúde, localizada no estado de Alagoas, Brasil. A coleta de dados aconteceu de forma on-line, durante o período de setembro a dezembro de 2021, por meio do link de acesso ao Google Forms enviado aos e-mails institucionais dos universitários.
Os critérios de inclusão foram: estudantes dos cursos bacharelados presenciais, com idade igual ou superior a 18 anos, matriculados no primeiro semestre letivo de 2021 e que não estavam em estágio obrigatório e/ou no último ano do curso. Já os critérios de exclusão foram: acadêmicos que ainda não tiveram relações sexuais e/ou que trancaram o curso de graduação durante o período de coleta de dados.
No total, segundo os dados fornecidos, a população de acadêmicos que se enquadraram nos critérios de inclusão correspondia a 677 universitários. Foi realizado o cálculo amostrai com nível de confiança de 95% e um erro amostrai de 5%, o que resultou em uma amostra representativa de 246 participantes. Entretanto, apenas 219 universitários aceitaram participar da investigação e atenderam aos critérios estabelecidos. Desses, ainda, foram excluídas 57 respostas, dos estudantes que ainda não tiveram relações sexuais, resultando em uma amostra final de 162 universitários.
O instrumento de coleta de dados consistiu em um formulário eletrônico dividido em 3 partes, a saber: 1) informações sociodemográficas e sexuais, 2) acesso aos preservativos, 3) conhecimento, atitude e prática diante do uso do preservativo como método de prevenção das IST
As perguntas sobre os aspectos sociodemográficos, sexuais e acesso a preservativos foram baseadas nos questionários utilizados pelo Ministério da Saúde (2016), sendo adaptadas ao contexto e à população da investigação, a saber: sexo de nascimento, identidade de gênero, orientação sexual, faixa etária, religião, curso de graduação, cor, renda familiar, procedência, relacionamento atual, se utilizou preservativo na primeira relação, idade da primeira prática sexual, se já foi diagnosticado com alguma IST, frequência de realização de testes rápidos, se já recebeu preservativos gratuitos na universidade ou nos serviços públicos de saúde, onde costuma adquirir preservativos e as razões para não utilizar os que são disponibilizados gratuitamente.
Já em relação ao inquérito CAP, no que se refere ao conhecimento, foram abordadas questões sobre a camisinha externa (masculina), de como usar, quais os cuidados e o que não se deve fazer, utilizando o instrumento de Molina et al. (2015). Para melhor compreensão da temática, foram adicionadas perguntas elaboradas pelos autores, sendo as seguintes: se é importante o uso do preservativo no sexo oral, a importância da troca do método entre as penetrações (oral, vaginal e anal), se guardar o preservativo na carteira pode danificá-lo, a utilização em brinquedos sexuais e com quem é importante sua utilização.
Acerca da atitude e prática sobre o uso de preservativos, foi aplicado o questionário de Andrade (2014). Nas perguntas que se referem à atitude, os participantes foram questionados sobre a confiabilidade e a necessidade do uso de preservativos no sexo oral, vaginal e anal. No tocante à prática, foi elencado se já tiveram relação sexual com preservativo, frequência e quais os motivos para o uso ou não. Ainda, foram adicionadas duas perguntas elaboradas pelos autores: uma sobre as razões para a utilização da camisinha e outra sobre o sexo associado ao consumo de álcool e/ou a drogas ilícitas.
No que se refere aos procedimentos de coleta de dados, foi realizado um teste piloto com 25 participantes (10% da amostra). Após ajustes, foi iniciada a coleta de dados, por meio dos e-mails dos estudantes, que foram disponibilizados pelas coordenações dos cursos. Para divulgar a investigação e favorecer a participação dos universitários, foi utilizado o modelo de amostragem em bola de neve de Vinuto (2014), da seguinte forma: os pesquisadores entravam em contato com os estudantes do seu convívio e com os representantes de cada turma, e estes eram nomeados como sementes. As sementes participavam divulgando a investigação com os acadêmicos que conheciam, orientando, se possível, que eles compartilhassem com colegas de turma e assim sucessivamente.
Os dados foram tabulados e armazenados em planilha construída no software Excel®. A análise descritiva foi realizada para os aspectos sociodemográficos e sexuais, acesso aos preservativos, motivos para o (não) uso e ao inquérito CAP, cujas respostas foram classificadas em: conhecimento (adequado ou inadequado), atitude e prática (adequada ou inadequada).
Para análise do CAP, no que se refere ao conhecimento, foi utilizado o modelo de avaliação de Figueirêdo (2009), sendo considerado conhecimento adequado quando houve uma frequência de respostas certas igual ou maior que 75%, ou seja, pelo menos 12 questões corretas do total de 16. Em relação à atitude e prática, foi utilizado o modelo de Andrade (2014), sendo a atitude considerada adequada quando os participantes referiram que é sempre necessário o uso do preservativo e que a camisinha é confiável. Eram classificados com prática adequada aqueles que utilizaram sempre o preservativo, desde o início ao fim das práticas sexuais, como também aqueles que não praticaram sexo sem camisinha influenciado pelo consumo de álcool e/ou drogas ilícitas.
Foi utilizado o teste Qui-Quadrado de Pearson, o teste Exato de Fisher e o teste-G (Williams) para análise de associação entre as variáveis sociodemográficas e sexuais com o inquérito CAP, assim como do conhecimento com a atitude e a prática. Nos casos em que houve associação significante, foi calculado o Odds Ratio e realizada análise dos resíduos do Qui-Quadrado. Para todas as análises, foi considerado um nível de significância de 95% (p<0.05).
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL), com o número do parecer: 4.854.621.
Resultados
Dos 162 participantes, a maioria encontrava-se na faixa etária entre 18 e 21 anos (61.7%), era do curso de Enfermagem (32.7%), cursava o primeiro ano de graduação (38.3%), era de cor branca (46.9%), com renda familiar entre 1.100,00 e 2.200,00 reais (32.7%) e procediam da capital (56.2%). Quarenta e dois por cento dos universitários eram católicos, do sexo feminino (75.9%), cisgêneros (98.2%), heterossexuais (75.3%), estavam namorando (48.8%), utilizaram o preservativo na primeira relação sexual (63.0%), tendo ela acontecido com idade entre 15 e 18 anos (62.3%), nunca realizaram testes rápidos (47.5%) e não receberam diagnóstico prévio de alguma IST (74.7%).
Entre os 162 (100.0%) participantes, 64.8% possuíam conhecimento adequado sobre o uso do preservativo como prevenção de IST, sendo a média e mediana de respostas corretas de 13 e 12.2 pontos, respectivamente. Em relação à atitude, 52.5% tinham conduta adequada; apenas três universitários possuíam prática adequada. Houve associação estatística entre o conhecimento adequado e a atitude adequada (p=0.022; OR=2.13; IC 95%=1.10-4.11) (Tabela 1).
Atitude | Prática | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
A* | I+ | A | I+ | |||||
n (%) | n (%) | Total (100%) | n (%) | n (%) | Total (100%) | |||
Conhecimento | 0.022* | 1.000+ | ||||||
Adequado | 62 (59.0) | 43 (41.0) | 105 | 2(2.8) | 103 (98.1) | 105 | ||
Inadequado | 23 (40.3) | 34(59.7) | 57 | 1(1.8) | 56(98.2) | 57 | ||
Total | 162 | 162 |
Nota. *A = Adequado; +I = Inadequado; * = Qui-Quadrado de Pearson; + = Exato de Fisher.
A Tabela 2 apresenta, de forma detalhada, a classificação do inquérito CAP (adequada ou inadequada), de acordo com aspectos sociodemográficos e sexuais dos participantes. O conhecimento inadequado sobre o uso do preservativo esteve associado à religião cristã (p=0.015; OR=0.42; IC 95%=0.21-0.85), ao fato de nunca terem sido realizados testes rápidos (p=0.016; OR=2.22; IC 95%=1.14-4.32) e ao diagnóstico prévio de alguma IST (p=0.029).
Conhecimento | Atitude | Prática | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
A* | I+ | A | I | A | I | ||||
n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | ||||
Faixa etária (anos) | 0.281a | 0.620a | 0.286b | ||||||
18 a 21 | 68 (68.0) | 32 (32.0) | 54 (54.0) | 46 (46.0) | 3 (3.0) | 97 (97.0) | |||
22 anos ou mais | 37 (59.7) | 25 (40.3) | 31 (50.0) | 31 (50.0) | 0 (0.0) | 62 (100.0) | |||
Curso | 0.459c | 0.135c | 0.680b | ||||||
Enfermagem | 37 (69.8) | 16(30.2) | 25 (47.2) | 28 (52.8) | 1 (1.9) | 52 (98.1) | |||
Terapia Ocupacional | 9 (50.0) | 9 (50.0) | 5 (27.7) | 13 (72.3) | 1 (5.5) | 17 (94.5) | |||
Fisioterapia | 19 (57.6) | 14 (42.4) | 19 (57.6) | 14 (42.4) | 1 (3.0) | 32 (97.0) | |||
Fonoaudiologia | 14 (66.7) | 7 (33.3) | 12 (57.1) | 9 (42.9) | 0 (0.0) | 21 (100.0) | |||
Medicina | 25 (71.4) | 10 (28.6) | 22 (62.8) | 13 (37.2) | 0 (0.0) | 35 (100.0) | |||
Ano de curso | 0.518a | 0.481a | 1.000b | ||||||
1 ou 2 | 64 (62.7) | 38 (37.3) | 56 (54.9) | 46 (45.1) | 2 (2.0) | 100 (98.0) | |||
3 ou 4 | 40 (67.8) | 19 (32.2) | 29 (49.1) | 30 (50.9) | 1 (1.7) | 58 (98.3) | |||
Cor | 0.718a | 0.722a | 0.602b | ||||||
Branca | 48 (63.2) | 28 (36.8) | 39 (51.3) | 37 (48.7) | 2 (2.6) | 74 (97.4) | |||
Preta/parda | 56 (65.9) | 29 (34.1) | 46 (54.1) | 39 (45.9) | 1 (1.2) | 84 (98.8) | |||
Renda familiar (em real) | 0.321c | 0.027c | 0.403b | ||||||
Menos de 1.100,00 | 10 (52.6) | 9 (47.4) | 7 (36.8) | 12 (63.2) | 0 (0.0) | 19 (100.0) | |||
De 1.100,00 até 3.300,00 | 47 (61.0) | 30 (39.0) | 36 (46.7) | 41 (53.3) | 2 (2.6) | 75 (97.4) | |||
Mais de 3.301,00 | 38 (70.4) | 16 (29.6) | 36 (66.7) | 18 (33.3) | 0 (0.0) | 54 (100.0) | |||
Procedência | 0.581a | 0.017a | 0.258b | ||||||
Capital | 61 (67.0) | 30 (33.0) | 40 (44.0) | 51 (56.0) | 3 (3.3) | 88 (96.7) | |||
Interior/outra | 44 (62.8) | 26 (37.2) | 44 (62.8) | 26 (37.2) | 0 (0.0) | 70 (100.0) | |||
Religião | 0.015a | 0.505a | 1.000b | ||||||
Cristã | 52 (56.5) | 40 (43.5) | 46 (50.0) | 46 (50.0) | 2 (2.2) | 90 (97.8) | |||
Não cristã/não possui | 49 (75.4) | 16 (24.6) | 36 (55.4) | 29 (44.6) | 1 (1.5) | 64 (98.5) | |||
Sexo | 0.622a | 0.000a | 0.579b | ||||||
Masculino | 24 (61.5) | 15 (38.5) | 19 (25.0) | 57 (75.0) | 0 (0.0) | 39 (100.0) | |||
Feminino | 81 (65.9) | 42 (34.1) | 66 (76.7) | 20 (23.3) | 3 (2.4) | 120 (97.6) | |||
Gênero | 1.000b | 0.227b | 1.000b | ||||||
Cis | 103 (64.7) | 56 (35.2) | 84 (52.8) | 75 (47.2) | 3 (1.9) | 156 (98.1) | |||
Trans/não binário | 1 (50.0) | 1 (50.0) | 0 (0) | 2 (100) | 0 (0.0) | 2 (100.0) | |||
Orientação sexual | 0.723a | 0.711a | 0.575b | ||||||
Heterossexual | 80 (65.6) | 42 (34.4) | 63 (51.6) | 59 (48.4) | 3 (2.5) | 119 (97.5) | |||
Outra | 25 (62.5) | 15 (37.5) | 22 (55.0) | 18 (45.0) | 0 (0.0) | 40 (100.0) | |||
Relacionamento | 0.220a | 0.355a | 0.040b | ||||||
Solteiro(a) | 32 (58.2) | 23 (41.8) | 32 (58.2) | 23 (41.8) | 3 (5.5) | 52 (94.5) | |||
Parceria estável | 70 (68.0) | 33 (32.0) | 52 (50.5) | 51 (49.5) | 0 (0.0) | 103 (100.0) | |||
Uso de preservativo na sexarca | 0.705a | 0.144a | 0.296a | ||||||
Sim | 65 (63.7) | 37 (36.3) | 58 (56.9) | 44 (43.1) | 3 (2.9) | 99 (97.1) | |||
Não/Não lembro | 40 (66.7) | 20 (33.3) | 27 (45.0) | 33 (55.0) | 0 (0.0) | 60 (100.0) | |||
Idade da PRSd (anos) | 0.140b | 0.059b | 0.340 | ||||||
Inferior a 15 | 17 (81.0) | 4 (19.0) | 7 (33.3) | 14 (66.7) | 1 (4.8) | 20 (95.2) | |||
Acima de 15 | 88 (62.4) | 53 (37.6) | 78 (55.3) | 63 (44.7) | 2 (1.4) | 139 (98.6) | |||
Já fez testes rápidose | 0.016a | 0.836a | 0.606b | ||||||
Sim | 62 (73.8) | 22 (26.2) | 45 (53.6) | 39 (46.4) | 1 (1.2) | 83 (98.8) | |||
Não | 43 (55.8) | 34 (44.2) | 40 (51.9) | 37(48.1) | 2 (2.6) | 75 (97.4) | |||
Diagnóstico prévio de IST | 0.029c | 0.690c | 0.576c | ||||||
Sim | 3 (27.3) | 8 (72.7) | 7 (63.6) | 4 (36.4) | 0 (0.0) | 11 (100.0) | |||
Não | 82 (67.8) | 39 (32.2) | 63 (52.0) | 58 (48.0) | 3 (2.5) | 118 (97.5) | |||
Outraf | 20 (69.0) | 9 (31.0) | 14 (48.3) | 15 (51.7) | 0 (0.0) | 29 (100.0) | |||
Total | 105 | 57 | 85 | 77 | 3 | 159 |
Nota. Foram excluídas as respostas "não desejo responder" para a análise estatística. *A = Adequado; +I = Inadequado; a = Qui-Quadrado de Pearson; b = Exato de Fisher; c = Teste-G (Williams); d = PRS: Primeira Relação Sexual; e = Para sífilis, HIV e hepatite B e C; f = Nunca foi diagnosticado(a), mas já teve corrimento, coceira, ardência ou feridas nos órgãos sexuais.
Houve associação entre a atitude adequada com a renda familiar superior a 3.301 reais (p=0.027), com a procedência (p=0.017; OR=0.46; IC 95%=0.24-0.87) e com os participantes do sexo feminino (p=0.000; OR=0.10; IC 95%=0.04-0.20). Já a atitude inadequada esteve associada com os estudantes que moravam na capital e com os do sexo masculino. A prática associou-se com o relacionamento (p=0.040), estando a prática inadequada especialmente relacionada aos jovens que possuíam parceria sexual estável.
No que se refere ao acesso aos preservativos, 52.5% descreveram que nunca retiraram camisinha na universidade ou nos serviços de saúde; 63.0% costumavam adquirir em farmácias privadas e 53.1% referiram não possuir preservativo consigo ou em casa. Entre as principais razões para não adquirir os que são distribuídos gratuitamente, os seguintes motivos se sobressaíram: vergonha (28.0%), falta de interesse (24.7%), receio de que as pessoas comentariam negativamente (17.9%) e por não gostar (23.5%).
No que se refere às razões para o uso, podem-se citar as seguintes: para evitar IST (79.0%) e o HIV (62.3%), para prevenir gravidez (85.2%), porque achavam importante utilizar (66.7%), era considerado mais higiênico (26.5%), de baixo custo, podendo ser adquirido de graça (24.1%).
Em relação aos motivos para o não uso, já deixaram de utilizar por: possuir parceria fixa (55.6%), confiar na parceria sexual (53.1%), não dispor no momento (28.4%), por usar ou a parceira utilizar anticoncepcional (29.6%) e por não lembrar de colocar ou não ter pensado no momento da relação sexual (23.5%). Outras informações sobre os motivos para o uso ou não podem ser visualizadas na Tabela 3.
Variáveis | n | % |
---|---|---|
Já usou alguma vez pelos seguintes motivos* | ||
Porque eu gosto | 14 | 8.6 |
Para evitar IST | 128 | 79.0 |
Para evitar o HIV | 101 | 62.3 |
Para evitar gravidez | 138 | 85.2 |
Porque o(a) parceiro(a) exigiu | 5 | 3.1 |
Porque é fácil de usar | 18 | 11.1 |
Porque é importante usar | 108 | 66.7 |
Porque é barata e posso adquirir de graça | 39 | 24.1 |
Porque dizem que é bom usar | 13 | 8.0 |
Porque é mais limpo (higiênico) | 43 | 26.5 |
Outros | 6 | 3.8 |
Deixou de usar alguma vez pelos seguintes motivos* | ||
Parceiro(a) fixo(a) | 90 | 55.6 |
Confiança no(a) parceiro(a) | 86 | 53.1 |
Eu não gosto | 23 | 14.2 |
Não lembrei de colocar/não pensei | 38 | 23.5 |
Não tinha no momento | 46 | 28.4 |
Diminui o prazer | 25 | 15.4 |
Falta de interesse | 13 | 8.0 |
É desconfortável/incomoda | 17 | 10.5 |
Uso/minha parceira usa anticoncepcional | 48 | 29.6 |
Sempre usei | 18 | 11.1 |
Outros | 22 | 14.2 |
Total | 162 | 100.0 |
Nota. *Variável de múltipla escolha (casos válidos: 162).
Discussão
Os resultados deste estudo demonstraram que diferentes fatores podem tornar os universitários mais suscetíveis às IST, o que repercute no conhecimento, na atitude e na prática diante do uso do preservativo. A respeito da caracterização da amostra, identificou-se o predomínio de participantes com faixa etária de 18 a 21 anos, o que já foi constatado em outros estudos com jovens universitários (Fonte et al., 2018; Ramos et al., 2020).
Sabe-se que a transição do ensino médio para o superior proporciona significativas mudanças na vida do estudante, sobretudo, nos períodos iniciais do curso. Nesse processo de amadurecimento, o comportamento do universitário pode ter influência dos componentes biológicos, culturais e psicológicos, o que influencia em suas condutas de saúde (Gouveia et al., 2021).
Outros aspectos sociais, como ser do sexo feminino e cor branca, foram encontrados nesta investigação. Pesquisa realizada com 768 universitários de uma instituição de ensino do Rio de Janeiro observou um perfil semelhante (Fonte et al., 2018). A identificação das características de um segmento possibilita a construção de estratégias de cuidado direcionadas e resolutivas diante das necessidades de saúde.
A construção histórica da sociedade vislumbra uma relação social de gênero ao poder, desvalorizando as mulheres. Por exemplo, tanto na Grécia como na Roma, existia uma repressão da sexualidade. Aos homens era dada a escolha de busca de experiências sexuais, enquanto as suas esposas ficavam em seus lares, quase como prisioneiras dos afazeres domésticos e cuidados com os filhos (Rodrigues, 2017).
Essas questões de gênero podem contribuir para o não uso de preservativos. A exemplo das relações heterossexuais, a decisão pelo seu uso, muitas vezes, cabe ao homem, repercutindo de maneira negativa na autonomia e nos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres (Barbosa et al., 2019; Faustino; D’Affonseca, 2021).
Em relação às questões sexuais, a maioria dos participantes teve a sexarca até os dezoito anos. O início precoce da vida sexual pode estar associado à adoção de comportamentos de risco, como uso inadequado de métodos contraceptivos e dificuldade em negociar o uso do preservativo, intensificando a vulnerabilidade às IST e à gravidez não planejada (Maranhão et al., 2017).
Percebem-se ainda os desafios em abordar a temática de sexualidade na adolescência, apesar de boa parte da atividade sexual ser iniciada neste período. Um estudo realizado na região nordeste evidenciou que a maioria dos pais não se considerava preparada para conversar sobre questões sexuais com os filhos, incumbindo essa função à escola ou a profissionais de saúde (Nery et al., 2015).
No que concerne à orientação sexual, é sabido que ainda existem preconceitos relacionados à temática, o que potencializa a não busca de serviços de prevenção e promoção à saúde. E no contexto do HIV/aids, os homossexuais, principalmente os do sexo masculino, ainda carregam a representação social de vilões e vítimas dessa doença, o que favorece o estigma e a discriminação (Oliveira et al., 2017).
Verificou-se associação entre o conhecimento e a atitude adequada dos universitários. A compreensão de aspectos como transmissão, sinais, sintomas e prevenção às IST pode auxiliar na adoção de atitudes positivas em seus relacionamentos, sobretudo, no uso correto do preservativo (Melo et al., 2021).
No entanto, apesar do acesso ao conhecimento e da atitude adequada, os universitários ainda assumem diferentes comportamentos de risco. Fatores como baixa percepção da vulnerabilidade à IST, multiplicidade de parceiros, uso inconsistente do preservativo e utilização de álcool e outras drogas intensificam as chances de práticas sexuais inadequadas (Spindola et al., 2020).
Uma pesquisa conduzida com 1.547 universitários de uma instituição da região Sul concluiu que 232 dos participantes consumiram algum tipo de bebida alcoólica antes das relações sexuais e 41 utilizaram drogas ilícitas. Ademais, o aumento da frequência do consumo de álcool foi associado ao comportamento sexual de risco (Gräf et al., 2020).
Neste estudo, o conhecimento inadequado esteve associado à religião. A crença religiosa pode postergar o início da vida sexual dos jovens e contribuir para a abstinência sexual, porém, por vezes, pode desencorajar o uso do preservativo (Gräf et al., 2020). Desse modo, o acesso às informações contraditórias ou incipientes sobre práticas sexuais seguras aumentam a vulnerabilidade dessa população às IST (Couto et al., 2017).
Verificou-se associação entre o conhecimento adequado e a realização dos testes rápidos. Esse aspecto mostra-se importante, visto que o momento da testagem possibilita um espaço de ensino-aprendizagem referente às questões sexuais, incentivo ao autocuidado, além da detecção precoce e tratamento oportuno das IST (Lima et al., 2022).
É no aconselhamento pós-teste que o profissional de saúde deve reafirmar o sigilo do resultado do exame, esclarecer o conceito de janela imunológica e apresentar as estratégias de prevenção combinada, proporcionando informações para o usuário refletir suas práticas. Além disso, é fundamental orientar e incentivar o uso adequado dos preservativos (Ministério da Saúde, 2017).
Deve-se considerar que a frequência do rastreamento para sífilis e HIV é estabelecida de acordo com a população. Os indivíduos com idade menor ou igual a trinta anos devem realizar a testagem anualmente, enquanto gays, homens que fazem sexo com homens, travestis e profissionais do sexo são testados a cada seis meses (Ministério da Saúde, 2020a).
Identificou-se associação entre conhecimento inadequado e diagnóstico de IST Sabe-se que os preservativos constituem o principal método de prevenção de IST e devem ser utilizados em todas as relações sexuais (Ministério da Saúde, 2020a). Porém, orientações superficiais sobre seu uso intensificam a ocorrência de agravos à saúde (Moreira et al., 2018).
Uma pesquisa realizada em uma instituição pública da região nordeste reportou que 33.3% dos entrevistados já haviam sido diagnosticados com alguma IST, com predomínio de HPV, sífilis e gonorreia (Gouveia et al., 2021). Já um estudo conduzido com 405 estudantes de enfermagem da Itália encontrou uma prevalência de IST de 10.3% (Santangelo et al., 2020).
Verificou-se associação entre atitude adequada e renda maior que três salários. Uma revisão integrativa demonstrou que os adultos jovens com baixa renda possuíam conhecimento incipiente sobre prevenção, transmissão e tratamento do HIV/aids, além de uso irregular dos preservativos. Sendo assim, o estrato econômico pode influenciar nas condutas de saúde de um indivíduo e torná-lo mais suscetível às IST (Mendes et al., 2017).
Adicionalmente, identificou-se associação entre atitude inadequada e procedência da capital. O fato de ser proveniente de um centro urbano proporciona um maior acesso às atividades de entretenimento, inserção em diferentes grupos sociais e aumento da rede de relacionamentos, o que pode contribuir para a vivência precoce de experiências sexuais, além de atitudes incorretas (Elshiekh et al., 2020).
Constatou-se associação entre atitude adequada e sexo feminino. As mulheres geralmente têm maior frequência nos serviços de saúde, e isso pode auxiliar na aquisição de conhecimentos que repercutem em atitudes assertivas (Carvalho & Araújo, 2020). Uma investigação conduzida na região sudeste evidenciou que as mulheres procuravam assistência à saúde 1,9 vez mais quando comparadas aos homens (Levorato et al., 2014).
Quanto à prática inadequada, verificou-se associação com o relacionamento estável. Diferentes estudos nacionais e internacionais já evidenciaram que o uso do preservativo é menos frequente em pessoas com parcerias fixas (Campos-Rosa et al., 2018; Elshiekh et al., 2020; Oliveira et al., 2022; Petry et al., 2019; Ramos et al., 2020).
Um estudo brasileiro analisou o comportamento sexual de universitários e as práticas preventivas às IST. Os resultados demonstraram uma maior adesão ao preservativo em relações casuais, principalmente em situações que não se conhece adequadamente o parceiro. Sendo assim, foi evidenciado que a escolha pelo método preventivo dependia do tipo de parceria (Spindola et al., 2021a).
Nesse sentido, à medida que o relacionamento se torna estável, aumenta a crença de invulnerabilidade às IST, o que é constatado com a pouca adesão ao preservativo. Além disso, o uso do método preventivo pode ser relacionado, pelo outro, a relações extraconjugais, demonstrando os desafios para desmistificar conceitos e atuar na prevenção de casais (Guimarães et al., 2019).
Adicionalmente, a maioria dos participantes relatou vergonha e falta de interesse na aquisição dos preservativos gratuitos. Esses fatores constituem barreiras no processo de atenção à saúde, visto que a distribuição gratuita dos preservativos é uma importante estratégia para ampliar o acesso à prevenção e interromper a cadeia de transmissão do HIV/aids (Monteiro & Brigeiro, 2019).
No tocante aos motivos para o uso do preservativo, uma pesquisa conduzida com 40 acadêmicos de Enfermagem de Santa Catarina demonstrou que os estudantes julgavam o método necessário para prevenção de IST e gravidez não planejada (Petry et al., 2019). Um estudo delineado em uma instituição privada de ensino superior encontrou resultados semelhantes (Spindola et al., 2021b), o que vai ao encontro dos dados desta investigação.
Dentre os motivos para não uso do preservativo por casais, destacam-se a fidelidade no relacionamento e confiança na parceria. Além disso, a prevenção de gravidez não planejada é substituída por outros métodos contraceptivos, o que aumenta a vulnerabilidade do indivíduo às IST (Ramos et al., 2020; Moreira et al., 2018).
Outras razões são elencadas para o uso inconsistente dos preservativos, tais como: diminuição do prazer, não gostar de utilizar e não ter o insumo no momento da relação sexual (Gutierrez et al., 2019; Guimarães et al., 2019). Neste estudo, os fatores predominantes foram a parceria fixa e confiança no(a) companheiro(a).
Os resultados desta pesquisa reforçam a necessidade de articular ações educativas intersetoriais que abordem aspectos voltados a uma vida sexual saudável e prevenção às IST no público acadêmico. A educação em saúde é uma prática viável e de baixo custo para disseminação do conhecimento, o que possibilita ao indivíduo reflexão de suas práticas e autonomia no exercício do autocuidado (Ramos et al., 2020).
Este estudo tem como limitação o fato de ter sido desenvolvido em apenas uma instituição de ensino superior de Alagoas. Contudo, espera-se que os resultados desta investigação subsidiem o delineamento de estratégias de saúde para esse público.
Conclusão
A análise do conhecimento, da atitude e da prática dos universitários demonstrou que os fatores religião, realização de testes rápidos, diagnóstico de IST, renda familiar, procedência, sexo e relacionamento estiveram associados ao objeto de estudo, o que evidencia aspectos contribuintes da vulnerabilidade dos jovens às IST.
Embora perceba-se o conhecimento dos universitários sobre os preservativos, suas atitudes e práticas por vezes não foram adequadas. É preciso intensificar ações que englobam a integralidade da saúde sexual e reprodutiva a partir de orientações assertivas, além da construção de espaços de debates e reflexões sobre a temática.
Nesse sentido, a universidade pode desenvolver estratégias por meio de projetos de ensino, pesquisa e extensão que abordem a prevenção das IST, de modo a sensibilizar o aluno no âmbito de práticas mais seguras. Ademais, torna-se importante ampliar campanhas e testagens itinerantes no ambiente acadêmico, sendo imprescindível a articulação dessas ações com os serviços de saúde.
Espera-se que os conhecimentos gerados por este estudo ofereçam subsídios para aumentar o incentivo e planejamento de ações educativas e preventivas relacionadas à temática, que visem de forma clara e objetiva sensibilizar os estudantes a utilizarem diferentes métodos de prevenção.