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Estudos Interdisciplinares em Psicologia

versão On-line ISSN 2236-6407

Est. Inter. Psicol. vol.3 no.1 Londrina jun. 2012

 

Resenha

 

Gedeon José Lidório Júniori

Faculdade Teológica Sul Americana - FTSA

 

A obra Arteterapia e psicanálise, de Maíra Bonafé Sei reflete sobre sua experiência e reflexões a partir da sua atuação como arteterapeuta e pesquisadora. É referido no livro que ele é como um "exercício de costura que se tece no tempo e que ocupa um espaço de reflexão" sobre a relação da Arteterapia com pessoas e grupos focado principalmente na Psicanálise com um grande apelo para Winnicott. Em 128 páginas, ela escreve muito da sua experiência e visão sobre Arteterapia, bem como dialoga com outros autores dando uma boa apresentação do que é esta "arte" e de como ela deve ou pode ser utilizada no contexto do setting arteterapêutico ou mesmo em oficinas e acompanhamentos como uma "estratégia de intervenção terapêutica que visa promover qualidade de vida ao ser humano por meio da utilização dos recursos advindos principalmente das artes visuais, mas com abertura para um diálogo com outras linguagens artísticas".

O livro é dividido em dois grandes momentos: o primeiro trata da conceituação da Arteterapia, seu histórico e aspectos gerais e no segundo com conteúdos mais específicos de propostas de atuação e pequenos estudos de caso a partir da prática em um Centro de Convivência.

O primeiro capítulo trata desta conceituação e a contextualização, do foco e de diferentes enfoques em Arteterapia. O próximo capítulo mostra os precursores e o histórico desde fora como dentro do Brasil. Já no terceiro capítulo a obra abrange a interface entre Arteterapia e a Psicanálise Winnicottiana. E ética na prática da Arteterapia é tratada no quarto capítulo e as técnicas e materiais são descritos no capítulo seguinte. Ela dedica um capítulo inteiro, o sexto, ao desenho infantil e tece considerações gerais bem como mostra etapas de desenvolvimento. As possibilidades do setting arteterapêutico juntamente com o uso de história e o que denomina de "arte de desenrolar" assim como a arte postal é visto no sétimo capítulo. O capítulo oito inteiro é dedicado à aplicação desta em diversos contextos, seja na atenção à violência familiar, como no atendimento a família e tece reflexões a partir da clínica. O último capítulo mostra o cotidiano em centros de convivência, experiência com grupos intergeracionais e multifamiliares, bem como com a diversidade humana e as possibilidades de expressão através do "Ateliê de artes" e também das "Artes em família". Vale ressaltar uma extensa referência bibliográfica contida nas páginas finais da obra.

A autora trata da Arteterapia como uma atuação "artística-expressiva" o que considera a linguagem utilizada pela arte elaborada no setting não como um objeto artístico em si, mas como favorecimento do processo expressivo da pessoa. Essa atuação no setting arteterapêutico pode ter variados focos, dependendo da formação anterior do arteterapeuta, bem como o público a que se destina, a faixa etária dos participantes, se é trabalho grupal ou individual, o espaço onde é realizado e também quais os objetivos da prática. Os vários enfoques da Arteterapia, tanto no Brasil como fora do território nacional não impossibilita a contribuição para que o "indivíduo possa comunicar mais facilmente seus sentimentos, minimizando a possibilidade de estes serem internalizados de forma patológica ou atuá-los destrutivamente" e entende-se que essa forma de aplicação da prática traz um impacto positivo para a vida das pessoas atendidas. Ela entende que a prática da arte no setting proporciona "pontes para a intersubjetividade" o que enriquece ou mesmo prescinde das palavras.

A formação do arteterapeuta como critério estabelecido pela UBAAT requer três áreas; a de arte, a terapêutica e da Arteterapia especificamente. O corpo teórico da Arteterapia é abrangente e pode ser mais bem assimilado por profissionais com experiência anterior nas outras áreas, num contexto de fundamentação tanto filosófica como psicologicamente e a experiência com materiais artísticos bem como conhecimentos de técnicas e história.

Freud parece estabelecer um interesse pela relação entre a Arte e a Psicanálise e outros seguem, como Pfister. Carl Gustav Jung utilizava recursos da arte como elemento de tratamento a partir da década de 1920. Em território brasileiro coube a Ulysses Pernambucano relacionar a arte com a loucura em estudos e conferências. Tanto no continente americano como no europeu a Arteterapia com é conhecida e nomeada desenvolveu-se em época próximas. Esta utilização parece reforçar que a utilização da Arteterapia facilita a liberação do inconsciente por meio de imagens e a relação transferencial observada na expressão espontânea liberada e também um estímulo para a associação livre. Digno de nota é que se estabelece que não é papel do arteterapeuta interpretar tal produção, mas sim auxiliar que a pessoa descubra os significados do material produzido.

Na década de 1960, após a vinda de Hanna Yaxa Kwiatkowska ao Brasil o desenvolvimento da Arteterapia é estimulado em território nacional. De lá até hoje, formou-se um corpo de profissionais que podem atuar com Arteterapia no país, ainda assim faz-se necessário uma melhor estruturação e consolidação deste campo de atuação no Brasil. O referencial teórico de atuação em Arteterapia no Brasil tem maior presença da Gestalt-terapia e da Arteterapia Jungiana, que compreende que algumas vezes a comunicação somente através das palavras não é possível, porque se entende que as angústias estão mais próximas do terreno inconsciente, mais primitivo e que o ser humano tem a capacidade de transmitir experiência emocional através de atos criativos.

Tanto como auxiliar na terapia como terapia principal pode-se atuar com Arteterapia psicanalítica. Esse processo criativo estimula e facilita a regressão, o paciente no setting terapêutico direciona para o terapeuta impulsos e fantasias no que concerne à transferência. Pode-se atuar em Arteterapia tanto guiando o paciente como em um processo criativo livre e espontâneo. De acordo com a Dra. Sei, Winnicott, que foi pediatra e psicanalista entendia como possível "estabelecer utilmente, um vínculo entre o viver criativo e o viver propriamente dito". Freud associava mecanismos de sublimação com impulsos criativos, Melanie Klein aos mecanismos de reparação e Winnicott à própria saúde mental.

A Arteterapia relaciona-se com a Psicanálise Winnicottiana justamente por entender que se oferece como "estratégia de intervenção terapêutica pautada para as condições de uso e desenvolvimento da criatividade, um aspecto que é valorizado por Winnicott que entende a "saúde mental como produto de um cuidado incessante que possibilita a continuidade do crescimento emocional". Entende que a criação artística assume o valor do sonho no que se refere à valoração do cuidado humano, assim, o arteterapeuta assume o "papel de ofertar o acolhimento de maneira que a pessoa possa retomar o processo de desenvolvimento emocional" e que a utilização de materiais artístico-expressivos torna presente o "ambiente suficientemente bom" indispensável para o desenvolvimento emocional da perspectiva winnicottiana.

A respeito da conduta ética, pontua-se que o profissional que se dedica à Arteterapia deve ter uma conduta baseada em seus próprios princípios, ética pessoal, bem como aquela estabelecido por meio de um código que pontua o que deve e o que não se deve fazer no campo profissional. Não entende a Arteterapia como um ensinar de técnicas, mas como um caminho de aproximação dos materiais pela necessidade expressiva da pessoa em atendimento e assim pode ser feito com desenhos, realizados com lápis, canetas hidrográficas, giz de cera e outros materiais. A pintura também é utilizada pois proporciona uma liberação de emoções, através de materiais como aquarela, tintas acrílicas, óleo dentre outros. Modelagem em argila ou massa de modelar desencadeia respostas emotivas mais ligadas ao trabalho que no resultado. Entende-se que a colagem propicia para o indivíduo a troca de papéis, o recolhimento e a composição de estruturas aonde os pedaços vão se integrando para oferecer coerência com o "eu todo". Maíra propôs a elaboração de uma "caixa artística" com materiais artístico-expressivos diversos, semelhante à caixa lúdica usada com o público infantil.

Quando a criança desenha, o faz para brincar, criando um espaço de jogo e criação em torno de si e em fases diferentes, dependendo da idade, segue-se até a fase de realismo visual, característico do mundo adulto e estes desenhos devem ser considerados como registros do desenvolvimento da criança e não como algo a corrigir, sempre com um facilitador, o profissional de Arteterapia, mas sem ferir aquilo que é espontâneo e criativo nela.

A Dra. Sei ressalta as possibilidades no setting arteterapêutico falando sobre o uso de histórias e mostrando que alguns arteterapeutas preferem um trabalho mais diretivo e outros optam por uma condução mais livre da sessão. Estas histórias, no setting, podem promover um encontro com o lúdico, principalmente com adultos que não tiveram esta vivência, mas ressalta também, através de um viés winnicottiano que o "profissional deve cuidar para que suas intervenções no contexto terapêutico, seus posicionamentos não acarretem uma posição de submissão da pessoa ao saber do terapeuta". Elenca várias obras com história que serem de temáticas para o trabalho da história em Arteterapia.

Mostra também o movimento "Desenrola Brasil" que tem a ver com o desenrolar de problemas, confusões, enrolação e uma analogia foi tecida entre o rolo de papel higiênico e os demais "rolos" existentes. Esse procedimento incentiva a pessoa a deixar-se penetrar por novas ideias a partir do desenrolar do rolo de papel higiênico que é molhado para desfolhar. Também a utilização de postais ("Arte postal") como meio do indivíduo se apresentar é usada.

A violência familiar é destacada e divide-se em quatro grandes categorias: abuso físico, sexual, psicológico e negligência, que é causada por múltiplos fatores. O atendimento geralmente ocorre em instituições e percebe-se que a atitude do profissional deve ser mais ativa, diferente dos padrões do setting. Em meio à família mostra-se o espaço de circulação da transmissão psíquica, que é um fenômeno que Freud aborda em sua obra e outros autores desenvolvem e a Arteterapia com famílias "tem-se o objetivo de prover a família de um maior espaço para o pensamento de seus estados afetivos de modo que possam conter e lidar com frustrações e sofrimento psíquico de seus integrantes" e tudo isso através das vias criativas. As atividades vão desde a avaliação da família, passando pela introdução da mesma no setting arteterapêutico, reflete-se sobre a história e a dinâmica familiar e observação sobre o trabalho dos familiares em conjunto que acabam por aprender uns com os outros de maneira distinta e menos estereotipada.

A partir disso, a autora demonstra vários casos de reflexões a partir do atendimento da clínica, mostrando a análise e desenhos efetuados pelos participantes dos atendimentos. A Arteterapia funciona como facilitadora do conhecimento da dinâmica familiar, bem como da dinâmica individual e configurou-se como uma grande estratégia para o tratamento em instituições à disposição dos profissionais que tratam do campo da violência familiar.

Olhando para todo o desenrolar das explicações e entendimento que a Dra. Sei tem na sua obra consegue-se concluir que os profissionais ligados à psicologia levarão uma grande vantagem ao trabalhar com a técnica arteterapêutica, visto que possuem em sua formação já a destreza de não se deixar influenciar por analisar e dar respostas prontas diante do material artístico-expressivo produzido pelas pessoas em atendimento. Essa proposta da Arteterapia pelo viés psicanalítico favorece este quadro, onde o profissional apenas coloca-se como facilitador do processo de descoberta e conclusões no setting arteterapêutico, o que seria uma grande desvantagem em profissionais de outras áreas do saber, que não tem essa formação e que se acostumam a ser mais diretivos e verdadeiramente guiando as pessoas em atendimento pelo entendimento e interpretação que tem sobre o que enxerga.

É uma caminhada e tanto, que parece exigir bastante percepção e dedicação, tanto no setting arteterapêutico como no preparo de materiais ofertados e elaboração de técnicas ou entendimento delas. Trata-se de uma obra que vale a pena ler, estudar e ter como referência para o trabalho em Arteterapia, pois além de ser abrangente, trabalhando com diversos autores, provê uma visão acurada da prática arteterapêutica e não lança mão apenas de conceituações acadêmicas ou profissionais.

 

Endereço para correspondência

email gedeon@lidorio.com.br

 

Referências

Obra resenhada

Sei, M. B. (2011). Arteterapia e psicanálise. São Paulo: Zagodoni.

 

iAtua junto à Faculdade Teológica Sul Americana (FTSA), trabalhando com a docência em áreas como Antropologia Intercultural, Urbanização e Desafios, Subjetividade e secularização como também com a Teologia, é também Coordenador de Educação à Distância da FTSA, está em processo de finalização de sua formação como Psicanalista e trabalha com Aconselhamento Pastoral e Familiar.