EDITORIAL

Caro leitor

O tema deste número da ide – Fé e Razão – se mostrou extremamente complexo e amplo, gerando artigos de grande profundidade e atualidade. Essa especificidade, ligada ao tema, gerou um conjunto de artigos bastante sóbrio, exigindo uma leitura muito atenta. Nosso tema tem uma longa história na evolução da civilização humana e ela é abordada em alguns artigos.

Dessa vez não fizemos uma entrevista, porém obtivemos os direitos para publicar um artigo inédito em português do filósofo Leo Strauss. Esse texto, intitulado Jerusalém e Atenas, trata de uma profunda reflexão sobre a questão da fé e das religiões na tradição da cultura ocidental. O artigo, por sua extensão e valor reflexivo, ocupou um lugar especial neste número da ide, como que abrindo a discussão para os artigos seguintes. Strauss faz uma ampla reflexão incluindo o pensamento grego da antiguidade ao lado das tradições religiosas monoteístas.

Após esse artigo especial, a seção "Em Pauta" reúne uma série de artigos nos quais diferentes visões do tema aparecem. Por exemplo, Frei Josaphat nos presenteou com um belo artigo, no qual articula fé e razão como duas formas do conhecer. A sabedoria mística, por exemplo, seria "a experiência mais alta e fecunda do vazio de coisas e de si na descoberta do Outro". Deixo que os leitores façam as relações com a psicanálise. Partindo dessa ideia, das formas do conhecer que são fé e razão, o autor percorre toda a história do pensamento ocidental, chegando a filósofos mais atuais como Bergson e Lévinas.

Nosso colega Gilberto Safra expõe a concepção de um "ser humano aberto". O psiquismo, além de ter uma relação com o corpo e o outro, tem uma relação com as "experiências não sensoriais". Safra explora essa ideia e a relação do psiquismo humano com uma estrutura religiosa. Já Martha Prada e Silva fala-nos da relação entre o pensamento de Bion e de Kierkegaard. Para este último, o aprofundamento na interioridade remete à noção de infinito e de verdade interior.

Patrick Merot, um psicanalista francês da Associação Psicanalítica da França (APF), nos enviou um artigo bastante original, no qual faz uma reflexão psicanalítica sobre "a mais estranha invenção humana: a ressurreição dos mortos". Surpreenda-se, caro leitor!

Outra autora, Ilana Novinsky, analisa os limites e possibilidades da reflexão psicanalítica sobre a religiosidade e seus reflexos na prática clínica atual. O psicanalista Orlando Hardt Junior desenvolveu uma análise muito fina sobre a alteridade a partir do texto de Freud sobre uma neurose demoníaca do século XVII.

Na seção de artigos (não temáticos) você será contemplado, caro leitor, com três excelentes artigos. Um deles, o artigo da psicanalista Mônica Amaral, tornou-se muito atual, colaborando para a reflexão sobre as manifestações de junho passado em todo o país. A autora faz uma análise bastante aprofundada de uma prática cultural, o rap, que surge nas periferias onde a desigualdade social e exclusão em relação à elite dominante é flagrante. Ela também salienta que vivemos numa democracia restrita, na qual o direito de cidadania não é estendido a toda a população. Nesse contexto, fica evidente o importante papel dos jovens e de suas "culturas de resistência" no processo de transformação social.

Em outro artigo, Luiz Carlos Uchôa Junqueira Filho faz uma reflexão a partir da obra de Bion e das concepções estéticas do importante pensador contemporâneo George Steiner, lançando a hipótese de que a matéria-prima da metapsicologia psicanalítica seria a forma. Por fim, Raya Zonana nos trouxe um belo artigo que é um bom exemplo das relações ricas que podemos estabelecer entre arte e psicanálise. A autora nos mostra como o pensamento do analista pode articular suas reflexões colocando em relação sua experiência de certas obras de arte e sua clínica.

Eis aí, estimado leitor uma pequena introdução a esse número sobre um tema tão complexo e que, penso eu, vale a pena ser lido e discutido por você!

José Martins Canelas Neto
Editor