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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.17 no.1 São Paulo  2009

 

RESENHAS

 

 

From one-to-one psychodrama to large group socio-psychodrama

 

Heloisa Junqueira Fleury

Endereço para correspondência

 

More writings from the arena of Brazilian psychodrama
Editado e traduzido por Zol tán (Zoli ) Figusch – livro em CD -ROM

 

Seria essa obra mais um tijolinho na construção de uma ponte ligando as culturas psicodramáticas dos hemisférios norte e sul? Zoli Figusch, editor do CD-ROM "From one-to-one psychodrama to large group sociopsychodrama" ou, em português, "Do psicodrama um-a-um ao sociopsicodrama com grandes grupos", explicita ser este um dos diferenciais desta obra.

Zoli formou-se em psicodrama na Inglaterra, para onde retornou após morar por dois anos no Brasil. Participou ativamente do movimento psicodramático brasileiro, tornando-se um dos "estrangeiros" com maior conhecimento "de dentro" da nossa cultura. Com essa experiência, foi muito feliz no primeiro recorte da nossa produção científica com o livro Sambadrama – The Arena of Brazilian Psychodrama, publicado na Inglaterra em 2005.

Com essa segunda compilação, Zoli confirma sua criatividade na arte da garimpagem de textos, o que pode fazer desse tijolinho também uma ponte para nós estreitarmos laços com o psicodrama brasileiro.

Embora mais de uma centena de livros tenham sido publicados, os movimentos de articulação entre as diferentes tendências do psicodrama brasileiro e de sistematização de algumas peculiaridades da teoria e prática ainda são tímidos.

Nesse percurso proposto por Zoli com essa seleção, podemos identificar algumas de nossas especificidades. Destacam-se dois grandes eixos de aplicação: a psicoterapia psicodramática um-a-um e o sociopsicodrama com grandes grupos.

A primeira observação é a multiplicidade de termos para se referir ao primeiro deles: psicoterapia psicodramática bipessoal individual – paciente e terapeuta; psicoterapia psicodramática pluripessoal individual – paciente e vários terapeutas; psicoterapia psicodramática grupal focada no protagonista – trabalho com um indivíduo no grupo com um ou mais terapeutas; psicodrama à deux; psicoterapia da relação; teatro de dois; psicodrama bipessoal.

Zoli explica que optou por traduzir todos eles para o inglês one-to-one psychodrama psychotherapy ou one-to-one psychodrama. Optei por manter a forma mais simples, que numa tradução literal fica psicodrama um-a-um. Embora seja mais um termo, pode nos aproximar dessa perspectiva de apresentação.

Zoli retoma as origens, lembrando a pouca valorização dada pelo criador do psicodrama, JL Moreno, a essa modalidade de atendimento. Na apresentação do psicodrama a dois, Moreno (1983, p.246) estabelece paralelos com a situação psicanalítica do divã, afirmando haver uma tendência, quando essa forma é utilizada no consultório, de empregar a enfermeira como ego auxiliar para preservar a identidade do diretor.

Numa perspectiva bem diferente, segundo o editor, o desenvolvimento da teoria e técnica no Brasil foi consequência do uso do psicodrama no relacionamento terapeuta-paciente. Os pioneiros quebraram algumas conservas e começaram a experimentar novas possibilidades de atendimento, o que foi trazendo mudanças ao procedimento psicodramático. Alguns tinham formação em psicanálise e, numa fertilização cruzada entre essas duas abordagens teóricas, o papel de terapeuta e o próprio vínculo terapêutico foram se alterando.

Valeria Brito inicia esse primeiro eixo reconhecendo que o psicodrama um-a-um tem sido identificado como a modalidade menos nobre do psicodrama, mesmo sendo a mais utilizada. Alerta para o fato de que essa condição gera menos espaço nos cursos de formação, faltando programas de ensino mais sistematizados. Sua referência é a concepção do grupo de dois como "o menor grupo possível predominante no aconselhamento moderno" (Moreno, 1983, p.18). Sugere novas reflexões sobre seus aspectos teóricos e práticos, tomando como base conceitual a socionomia.

Dalmiro Bustos ilustra o manejo de uma sessão psicodramática e apresenta a fundamentação teórica de suas intervenções. Explicita dinamismos intrapsíquicos, seus reflexos no mundo relacional e os cuidados necessários na direção da cena dramática. Descreve vários iniciadores para ajudar o paciente a conectar-se com suas emoções, tensões corporais e/ou imagens mentais, explicitando como trabalha com as defesas do ego na elaboração e resolução dramática.

Rosilda Antonio apresenta o atendimento de uma paciente deprimida, em que passa da perspectiva médica para a psicodramática, produzindo intersubjetividade, condição necessária para o desenvolvimento das forças que operam no processo terapêutico. Ilustra, com vários fragmentos de sessões, aspectos da relação terapêutica e a experiência da ação dramática, explicitando e discutindo os fundamentos teóricos de sua prática.

A utilização de brinquedos como objeto intermediário na montagem de cenas psicodramáticas com adultos é ilustrada por Arthur Kaufman. Vários casos clínicos exemplificam o uso desse recurso terapêutico.

Tele e transferência são conceitos bastante discutidos pelos pensadores do psicodrama brasileiro. Nesse recorte, Leila Kim apresenta esses conceitos tomando como referência a inter-relação social objetiva, no contexto terapêutico, envolvendo as pessoas privadas e os papéis sociais do terapeuta e do paciente.

Segue-se a psicoterapia da relação de José Fonseca. Apresenta de forma bem didática a fundamentação teórica desse método, ilustrando com fragmentos de casos clínicos.

O próprio Zoli se segue, apresentando uma compreensão psicodramática das fases próprias do luto, atribuindo a origem das reações do luto às experiências de relação e separação na matriz de identidade. Ilustra a utilização de uma técnica – o relógio mole – na resolução do luto no psicodrama um-a-um.

Para finalizar esse primeiro eixo, Moyses Aguiar busca referências teóricas e práticas no teatro espontâneo para fundamentar a psicoterapia psicodramática um-a-um. Aborda as técnicas teatrais, as técnicas de ação e verbais, assim como o psicodrama verbal.

Temos um recorte interessante. A fundamentação teórico-metodológica do psicodrama um-a-um é apresentada sob diversos ângulos e está fartamente ilustrada com casos clínicos, explicitando uma cuidadosa ancoragem na teoria socionômica.

Conseguiríamos identificar nesses textos o percurso das transformações que nós brasileiros introduzimos no psicodrama um-a-um? Há vários indícios de fertilização por outras teorias, mas o que sobressai é a diversidade de recursos criados para viabilizar essa modalidade de atendimento, certamente a mais comum entre os psicodramatistas brasileiros.

O segundo eixo dedica-se ao psicodrama com grupos maiores, em eventos públicos com 50 a 10 mil participantes.

O editor explica que, na Inglaterra, há uma separação nítida entre o psicodrama terapêutico, focado no indivíduo, e o sociodrama, que atende a um objetivo social mais amplo. Dessa forma, em outras culturas, "psicodrama" refere-se ao processo psicoterápico processual individual ou grupal, com uma separação bem definida em relação às práticas sociodramáticas.

Por outro lado, o brasileiro transita mais naturalmente entre essas duas áreas, fazendo com que o termo "psicodrama" refira-se a todos os métodos de ação morenianos, entre os quais se incluem: psicoterapia psicodramática processual, sociodrama, teatro espontâneo, psicossociodrama público e aberto, psicossociodrama na rua, jornal vivo, teatro de playback.

Nesse recorte, Zoli utiliza o termo sociopsicodrama para se referir à teoria e prática dos métodos de ação morenianos com grandes grupos. Esse eixo atende à expectativa de Moreno, da expansão do psicodrama para além dos consultórios, atingindo a comunidade, a sociedade e toda a humanidade.

Zoli explica ao leitor inglês que as práticas sociopsicodramáticas focam nos papéis sociais de grupos e instituições, diferenciando-os dos papéis mais pessoais, os quais têm mantida a privacidade. Lista entre os objetivos do trabalho com grandes grupos: explorar e desenvolver relações sociais; promover formas de comportamento espontâneas e criativas, melhorando habilidades interpessoais e capacitando os participantes para encontrar soluções para os problemas coletivos; ajudar cada participante a entender seu próprio papel no grupo ou comunidade, levando ao desenvolvimento social e, consequentemente, à catarse coletiva da comunidade.

Esse segundo eixo começa com Anna Maria Knobel contextualizando a história, teoria e prática do método sociodramático aplicado aos grandes grupos, visando à apresentação do modelo brasileiro contemporâneo.

O teatro espontâneo é apresentado por Cida Davoli, que ilustra a concepção dessa modalidade de sociopsicodrama descrevendo cinco etapas do processo de aquecimento, necessárias para a criação coletiva do grupo.

Em seguida, o saudoso Arnaldo Liberman apresenta a retramatização, técnica sociodramática desenvolvida para proteger a identidade dos indivíduos cujos conteúdos estão sendo trabalhados.

A experiência de coordenar um grande grupo é apresentada por Luiz Contro através do solilóquio do diretor antes, durante e após o evento. Ilustra em paralelo a articulação da teoria e técnica empregada.

Elisabeth Maria Sene Costa e Terezinha Tomé Baptista resgatam o Jornal Vivo como uma modalidade de intervenção psicodramática, discutindo os referenciais teóricos que a embasam.

Cida Davoli, numa segunda contribuição, descreve e processa uma das atividades do Comunidade em Cena, que dirigiu no 15º Congresso Brasileiro de Psicodrama. Essa experiência ocorreu numa praça, em Belo Horizonte, e a publicação em português foi chamada Cenas psicodramáticas: psicodrama líquido.

Um evento maior, ocorrido em 21 de março de 2001, com 158 sociopsicodramas simultâneos, atingindo 10.000 cidadãos, foi descrito por Marisa Greeb, coordenadora do Psicodrama da Cidade de São Paulo. O tema comum para esse evento foi Ética e Cidadania, expresso na pergunta distribuída em banners pela cidade "O que você pode fazer para ter uma FelizCidade? Ela apresenta também as "Escenas de los Pueblos", evento ocorrido em 12 de outubro de 2002, com simultaneidade semelhante e envolvimento de dez países latino-americanos, quatro europeus e os Estados Unidos. A pergunta comum era "Que país você quer?"

Finaliza esse eixo o convite de Regina Monteiro para irmos até o povo e oferecermos o teatro espontâneo (o instrumento mais adequado, segundo ela) expressando nosso compromisso com o social. Ilustra sua prática com o último de muitos eventos que dirigiu nesse contexto e finaliza constatando que cada um de nós – juntamente com outros – podemos chegar a novas possibilidades, impossíveis se nos mantivéssemos isolados.

No eixo anterior, haviam indícios de fertilização por outras teorias, além da surpresa com a gama de recursos desenvolvidos no longo percurso das transformações do psicodrama um-a-um no Brasil. Nesse segundo eixo, sobressai a diversidade de contextos de aplicação do sociopsicodrama. Seria o brasileiro ousado na busca de novos espaços de atuação? Ou, pelo contrário, usou de criatividade para atender às demandas da sociedade?

Após seguir esse percurso, o mais surpreendente com o resultado dessa garimpagem foi constatar o elemento didático captado nesses textos. A resultante é um quadro referencial de base socionômica escrito a muitas mãos. Quem sabe num futuro próximo possamos construir mais tijolinhos e estreitar novos laços tanto com o nosso psicodrama como também com a teoria e prática de outras culturas psicodramáticas.

 

 

Endereço para correspondência
Rua Sergipe 401 conj.808
São Paulo - SP
e-mail: hjfleury@uol.com.br

 

 

Mestre pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Organizadora de livros e autora de vários capítulos em livros, coordenadora geral do DPSedes – Instituto Sedes Sapientiae; coordenadora da seção transcultural da IAGP – International Association for Group Psychotherapy and Group Processes