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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.26 no.1 São Paulo jan./jun. 2018

https://doi.org/10.15329/2318-0498.20180021 

RESENHAS

 

A relação educador-educando: um projeto psicodramático baseado em Morin e Moreno

 

Educator-student relationship: a psychodramatic project based on Morin and Moreno

 

La relación educador-educando: un proyecto psicodramático basado en Morin y Moreno

 

 

José Fonseca

Médico. Doutor em Medicina (área Psiquiatria) na USP. Fundador do Daimon - Centro de Estudos do Relacionamento. Autor de livros. E-mail: jsfonseca@terra.com.br

 

 

Pontes, R. L. (2018). A relação educador-educando: um projeto psicodramático baseado em Morin e Moreno. São Paulo: Ágora.

Rosa Lidia Pontes, psicodramatista com criativo percurso nas áreas clínica, organizacional e educacional, em boa hora deu visibilidade à sua dissertação de mestrado e transformou-a em livro. O texto estava circunscrito ao mundo universitário, agora ganha extensão e chega à comunidade psicológica.

A autora propõe deixar de lado a "educação bancária" (no dizer de Paulo Freire), somente intelectualizada, e incluir nesse processo as sensações e os sentimentos de educandos e educadores. Para tanto, vale-se das coincidências filosóficas de dois pensadores - Morin e Moreno - que oferecem fundamentação metodológica para sua prática.

O primeiro capítulo correlaciona as teorias morenianas e morinianas (que não se perca a semelhança de nomes), ambos judeus sefaraditas, que supostamente receberam (a meu ver), transgeracionalmente, as influências filosóficas da cabala judaica ibérica. A autora vale-se dessa comunhão de ideias para fundamentar a compreensão das relações inter-humanas e dos processos educacionais.

Rosa Lidia expõe sua prática nos capítulos seguintes. O segundo capítulo, "O ensino das relações: uma proposta de projeto educacional", propõe a prática de um ensino relacional por intermédio do sociodrama e reitera a importância da tomada de consciência dos sentimentos durante as cenas psicodramáticas. Aqui transparece a importância da inversão de papéis, em que a vivência do papel do outro transforma a "consciência ingênua" em "consciência crítica" (também no dizer de Paulo Freire). Dessa forma, conta-se que Moreno, ao terminar uma conferência destinada a religiosos, foi perguntado o que teria a acrescentar ao mandamento "amar ao próximo como a si mesmo". Ele respondeu que muito pouco, somente um adendo: "por meio da inversão de papéis"...

No capítulo seguinte, a autora fundamenta metodologicamente seu trabalho, ao narrar um workshop realizado com um grupo de professores universitários, que ao final recebe a avaliação dos próprios participantes. O relato ganha importância, pois o leitor "assiste", passo a passo, o desenvolvimento da dinâmica grupal e os procedimentos de direção. Essa estratégia permite ao leitor principiante um modelo de "como fazer" um sociodrama, assim como ao sociodramatista experiente a oportunidade de cotejar semelhanças e diferenças.

J. L. Moreno e Florence Bridge Moreno (1991, pp. 214-230) realizaram uma experiência interessante nessa mesma direção. Em "Testes e diagramas de papéis para crianças", eles descrevem um levantamento sociopsicológico realizado em Nova York. Naquela época (anos 1940), o teste de Binet, de avaliação da inteligência, estava no auge. Os autores utilizaram o "teste de papéis" para checar o desempenho social das crianças estudadas, todas com o Q. I. já levantado anteriormente. Foram montadas cenas nas quais os egos auxiliares desempenhavam papéis sociais comuns à comunidade estudada (professor, policial, gari, médico, taxista etc.). As crianças eram convidadas a desempenhar os contrapapéis correspondentes. Os pesquisadores valiam-se do fato de que a dinâmica da personalidade se expressa por intermédio do desempenho dos papéis, quando todas as "inteligências" (intelectuais, emocionais e sociais), coeficientes télicos e potencialidades espontâneas são acionados.

As crianças eram avisadas de que, se não conseguissem desempenhar um papel, poderiam explicar ("percepção") a função dele. Ao final são destacados os resultados de duas meninas de seis anos, vizinhas, e ambas acima da média de inteligência (Rita com Q. I. 118 e Kay com Q. I. 140). Rita (118) teve grande facilidade em reconhecer e desempenhar papéis e fluir na espontaneidade das cenas. Kay (140) não conseguiu desempenhar a maioria dos papéis sugeridos e apresentou, surpreendentemente, dificuldades em reconhecer verbalmente vários deles. Ou seja, somente a inteligência não basta, como reafirma Rosa Lidia, para um bom funcionamento social.

Este livro dá continuidade à proposta moreniana/moriniana de não conceber a educação como um pacote intelectual a ser decorado, e sim como um processo em que o conhecimento intelectual é digerido no fogo lento das emoções e dos sentimentos. As linhas e as entrelinhas do texto contêm novas propostas aos velhos problemas educacionais, que continuam sendo repetidos em nome de uma educação competitiva que somente busca resultados superficiais e imediatos.

Rosa Lidia Pontes, em sua plenitude profissional, retoma os paradigmas desenhados por seus inspiradores, oferecendo aos trabalhadores grupais que se dedicam à educação, ao treinamento e à dinâmica de grupo uma proposta sociodramática preciosa.

 

REFERÊNCIA

Moreno, J. L.; & Moreno, F. B. (1991). Testes e diagramas de papéis para crianças. In J. L. Moreno. Psicodrama. São Paulo: Cultrix.         [ Links ]

 

 

Recebido: 06/08/2018
Aceito: 20/08/2018

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