RESENHAS

 

Elogio a Jacques Lacan

 

Praise to Jacques Lacan

 

Elogio a Jacques Lacan

 

 

Luís Russo

Psicólogo. Psicoterapeuta. Psicodramatista didata supervisor. Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP). E-mail: altrusso@gmail.com

 

 

Almeida, W. C. (2017). Elogio a Jacques Lacan. São Paulo, SP: Summus Editorial.

O trabalho de um autor reflete muito sobre ele mesmo, seu modo de ser e trabalhar, assim como o que produziu. Desse modo, faz-se necessário falar um pouco do autor.

Wilson Castello de Almeida é médico psiquiatra formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais; mestre em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; psicodramatista pela Sociedade de Psicodrama de São Paulo; pós-graduado em Teoria e Prática da Psicanálise pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo; membro correspondente da Academia Mineira de Medicina; sócio-fundador da Associação Brasileira de Psicoterapia; foi presidente do Departamento de Psiquiatria da Associação Paulista de Medicina e secretário-geral da Associação Psiquiátrica da América Latina.

Por dez anos, foi editor da Revista Brasileira de Psicodrama, sempre um incansável incentivador de psicodramatistas na produção de conteúdos para artigos científicos, trabalhos de conclusão de curso, livros, apresentações em congressos com concomitante publicação na Revista Brasileira de Psicodrama.

Por aproximadamente 12 anos, Wilson foi cocoordenador do Grupo de Estudos sobre a obra de Jacob Levy Moreno com José Fonseca no Daimon (Centro de Estudos do Relacionamento). Após esse período, Antonio Carlos Cesarino assumiu a cocoordenação.

Nesse grupo de estudos - que deixou saudades e também foi a inspiração e/ou catalisador de várias produções teóricas e práticas no campo do Psicodrama -, Wilson costumava fazer uso de metáforas para se referir a algum momento de dificuldade na abordagem de diferentes assuntos referentes ao estudo, com o intuito de auxiliar a reflexão do grupo. Uma delas era mais ou menos assim: "para se começar a entender a produção intelectual de um autor, devemos proceder de modo semelhante como em Minas se costuma comer um doce, começando pelas bordas...".

Foi dessa maneira que vi o desenrolar das ideias contidas neste livro de Wilson em que faz um elogio a J. Lacan. Ele discorre sobre suas motivações para a escrita desse projeto, conta um pouco sobre a vida de J. Lacan, entremeado pela medicina, pela psiquiatria, pela fenomenologia existencial e pela psicanálise.

Gradativamente adentra na visão de homem constituída pelas ideias de Lacan, desenvolve o método com seus conceitos fundantes e aprofunda-se na questão atinente à "Psicose" como parte integrante à estrutura do "Sujeito", a partir de uma tese de doutoramento (feita por Lacan) que diferenciou a visão quanto ao conceito e à abordagem de tratamento das "Psicoses" inicialmente desenvolvida por Freud.

Aliás, o conceito de "Sujeito" foi totalmente inovado por Lacan, que o descreveu como "sujeito do inconsciente" que se define com a linguagem.

Mas qual seria o propósito de Wilson ao falar sobre Lacan para psicodramatistas? Qual seria a conexão?

O livro é escrito para psicoterapeutas em geral, mas principalmente - conforme entendi - pelo fato de Wilson ter-se interessado há muito tempo pela fenomenologia existencial e suas implicações em diferentes correntes psicoterápicas, em que o Psicodrama seria uma delas.

Isso pode ser constatado em publicação anterior de Wilson, o livro intitulado "Psicoterapia aberta" (2006), no qual o pressuposto fenomenológico existencial do "vir a ser" é estudado a partir dos processos da inter-relação que são a "intencionalidade, a intuição e a intersubjetividade".

Lacan passou pela fenomenologia existencial e foi adiante (um "ir além"), mas, como diz Wilson, nunca a abandonou. Na p. 95, destaca-se: "... desavisadamente, acredito eu, alguns autores situam Lacan como um desconstrutor da Fenomenologia. No entanto, não é bem assim. Realmente ele fazia críticas a conceitos dessa matéria, revertendo-os para uma forma pessoal de interpretá-los. Porém, podem-se encontrar em seus textos afirmações, tais como: a fenomenologia contemporânea aponta de maneira fecunda e sugestiva para todo o campo da percepção. E recorre a Merleau-Ponty: ... depois que longos séculos nos deram na alma um corpo espiritualizado, a fenomenologia contemporânea faz de nosso corpo uma alma corporificada".

Enfim, na organização do livro em si, Wilson mostra como Lacan foi construindo sua visão sobre o homem contemporâneo.

No capítulo dois, "Paráfrase da carta roubada", Wilson descreve de modo breve o texto de Edgard Allan Poe, intitulado "A carta roubada", que é de onde Lacan em seu livro "Escritos" (1970/1998) identifica aspectos fundamentais do ser humano, como: a repetição simbólica (o que constitui o homem), a compulsão a falar, a compulsão à repetição (seu automatismo) e, por fim, a insistência do significante, todos próximos da análise estrutural.

Assim como Wilson enfatiza neste capítulo sobre "A carta roubada" como Lacan constrói suas ideias a partir do texto, é possível também extrair o conteúdo subjacente sobre a importância capital do aspecto relacional, na forma como alguns dos personagens procuram colocar-se no lugar do outro, intuir como o outro pensa, sente e age, intuir como o outro está vendo você, como crê que você pensaria, sentiria e agiria.

São pontos que aproximam a visão fenomenológica do "vir a ser" e do "ir além" (de Lacan) que encontramos tanto nas ideias de Lacan quanto nas de Moreno.

Quanto aos capítulos sobre os conceitos desenvolvidos por Lacan, o vocabulário preciso destes, acredito que seja mais proveitoso a leitura direta do texto, pois falar deles aqui de forma resumida não favoreceria o entendimento detalhado por Wilson (se falar de Moreno já exige um longo estudo, falar de Lacan também não deixa por menos).

Ainda assim, vale a pena destacar como o complexo de Édipo é visto por Lacan em três tempos, diferenciando-se das ideias de Freud sobre o mesmo assunto. Em Lacan, está sempre presente "o desejo" que se manifesta com relação a um outro, mais precisamente "Outro" (o grande Outro, em maiúsculo), em que a concepção que uma pessoa forma sobre outros está fortemente calcada no "imaginário", o qual também foi uma contribuição lacaniana no que diz respeito aos três registros: real, simbólico e imaginário.

No capítulo 12, quando Wilson nos explica sobre os três temas nodais acerca das ideias de Lacan - estrutura, significante (que não é apenas o vocábulo, mas também a materialidade sonora deste, pode ainda ser uma imagem ou um gesto, é o sentido material da linguagem) e sujeito -, chegamos a um marco norteador da teoria lacaniana, pois descreve as três estruturas "neurótica, psicótica e perversa" que implicam a formulação de um diagnóstico, a identificação das motivações inconscientes dos desejos do sujeito e o entendimento de que o "sujeito" se forma a partir do advento da linguagem e seu consequente ingresso na cultura.

Os capítulos 13, 14 e 15 trazem a visão lacaniana sobre "Psicose" (no singular) e como o tratamento se efetua.

Em relação à abordagem das questões sobre a sexualidade, Wilson denota que, para Lacan, a orientação sexual não tem censura, e o único pormenor refere-se à inaceitabilidade da prática perversa como incesto, estupro e pedofilia.

Neste capítulo, Wilson agrega uma contribuição de Laplanche sobre o papel do outro na construção do psiquismo, particularmente na gênese da sexualidade.

Nos capítulos seguintes sobre "O diálogo terapêutico, o discurso catártico e estratégias clínicas", destaca-se como Wilson aplica as ideias lacanianas à própria prática profissional.

Finalmente, o tema que mais me chamou a atenção foi a contribuição que Lacan traz sobre a compreensão, o manejo e o tratamento da psicose (no singular como Lacan a propôs), principalmente quando o texto nos esclarece sobre o que é "forclusão, ou foraclusão" quando lidamos com uma estrutura psicótica sem delírios e/ou alucinações, e uma estrutura psicótica que apresente sintomas psicóticos. Tal contribuição é um ponto de luz para psicanalistas e psicoterapeutas da atualidade poderem lidar de um modo mais efetivo com a psicose, e sempre que necessário de forma complementar e multidisciplinar com o psiquiatra clínico.

Um grande abraço ao professor e sempre bom amigo Wilson Castello de Almeida.

 

REFERÊNCIAS

Almeida, W. C. (2006). Psicoterapia aberta. O método do psicodrama, a fenomenologia e a psicanálise. São Paulo, SP: Ágora.         [ Links ]

Lacan, J. (1998). Escritos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.         [ Links ]

 

 

Recebido: 29/11/2018
Aceito: 30/11/2018