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Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.11 n.2 Campinas dez. 2007

 

RESENHA

 

As emoções no contexto escolar

 

The emotions in the school context

 

 

Fausto Eduardo Menon Pinto

Prefeitura Municipal de Hortolândia

 

 

Arantes, V. A. (org) (2006). Humor e alegria na educação. São Paulo: Editorial Summus

O coração tem razões que a própria razão desconhece. Essa frase, proferida por Pascal Blaise (16231662) há centenas de anos, resume bem o valor da temática dos afetos no estudo do ser humano: o mundo do coração é que controla todas as volições humanas, tem suas leis próprias que para qualquer mortal é de difícil compreensão. Dessa forma, as emoções, os sentimentos e os afetos podem ser definidos como um capítulo à parte do estudo da psique, ora pela importância devida do tema no âmbito da Psicologia Básica, em ensaios teóricos e estudos empíricos clássicos e atuais, ora na compreensão acerca das particularidades do ser humano que os fazem amar e até mesmo odiar.

Partindo dessas reflexões iniciais, o livro Humor e alegria na educação, cuja organização fica a cargo de Valéria Amorim Arantes, docente da Universidade de São Paulo (USP), busca reunir uma série de pesquisadores conceituados na área acadêmica para a discussão da afetividade, mais precisamente do humor e da alegria. O livro está disposto em nove capítulos, cada qual incorporando uma leitura psicológica e educacional.

No primeiro capítulo, que se chama Poesia e escola, Joan Fortuny discute a importância do conhecimento poético no ambiente escolar, sinalizando que esse tipo de linguagem permite ao aluno a elaboração de sua experiência pessoal, de modo a conhecer os estados de ânimo e o que eles têm a ver com as experiências mais íntimas (a saber: subjetivas) nos relacionamentos humanos. Portanto, a poesia, através de uma linguagem metafórica, e simbólica ao mesmo tempo, tem a função de exprimir novas vivências e senti-dos à vida. Um outro debate nesse capítulo é questionar o papel da escola tecnicista, e por que não dizer, aquela que é pautada no conhecimento mecanicista, o que diminui substancialmente a formação do caráter humano, e dá valor ao aspecto puramente metodológico do aprender.

No capítulo seguinte, esboça-se um quadro teórico sobre a questão do lúdico na educação, no tocante à leitura de São Tomás de Aquino, um dos pensadores de maior prestígio na Filosofia. Segundo a óptica desse pensador, o brincar é necessário para a vida humana, pois é ele que consegue, até mesmo nos intelectuais, um tratamento divertido e agradável. Dessa forma, a atividade racional (pensante) não pode viver sem o lado jocoso e alegre da vida, afinal: ninguém agüenta um dia sequer com uma pessoa aborrecida e desagradável. Isso tudo dá indícios para se pensar que a mente humana não é povoada somente pela compreensão lógica da realidade, mas sim pelo espírito afetuoso do gostar do quê e o como se aprende.

No terceiro capítulo - da autoria de Mario Sérgio Vasconcelos - reflete-se sobre o lugar do jogo na prática educativa. Faz o autor um breve retrospecto acerca das várias maneiras de se ver o brincar, passando pela Idade Média até o Romantismo, além de considerar o campo psicológico do saber. Ademais, destaca-se que o brincar foi excluído do contexto escolar em virtude da ênfase na dimensão racional do ser humano, explicitando uma crítica, se bem se entende, sobre o status, quase que majoritário, ou superior, da razão em relação à emoção, permeando com isso um dualismo secular, ou seja, uma separação entre razão e coração.

Maria Lúcia de Oliveira, no quarto capítulo intitulado Escola não é lugar de brincar?, aborda um panorama da concepção da educação entre os gregos até o surgimento da instituição Escola propria-mente dita. Enfatiza, nesse aspecto, o valor do humor e da alegria entre o povo grego, na questão do conhecimento, parecendo até mesmo supor que na filosofia grega há o mundo do prazer auxiliando na reflexão: valorizando a capacidade criativa, os jogos e a fantasia como um recurso lúdico na formação do espírito, em oposição com o estabelecimento de uma Escola com uma constituição técnica e centrada prioritariamente nas disciplinas curriculares.

O quinto capítulo, cujo autor é José Sterza Justo, expõe o humor do ponto de vista da constituição emocional e primitiva do sujeito psicanalítico. Referese ao vasto campo dos sentimentos, como o riso, a alegria e a perversão - esse último, aliás, muito discutido por Sigmund Freud em seus famosos ensaios. Enfim, todos próprios da natureza humana e que se constituem psiquicamente como tais através das primeiras vivências infantis. Assim sendo, as piadas e o humor usados em situações fúnebres - como os velórios e enterros - são um bom exemplo da maneira que algumas pessoas lidam com o sofrimento, e a angústia de sofrer, subtraindo da consciência toda e qualquer percepção de dor, e ajudando, também, a en-tender os caminhos que o humor percorre no funcionamento psicológico.

A discussão do sexto capítulo transcorre pela evolução dos caminhos da escola, acentuando o modelo dessa instituição baseado na organização das disciplinas, na disposição das classes e imersa em uma sociedade de resultados visíveis e práticos. Ou seja, os conteúdos disciplinares têm um fim, uma meta: o vestibular. Os alunos, sob tal justificativa, são cada vez mais analisados, observados e diagnosticados, tendose a impressão de se continuar os padrões de uma escola despreocupada com o prazer. Porém o autor, João Batista Freire, traz elementos novos de discussão e técnica para a sala de aula, descrita na experiência de Florianópolis, em que a realidade do aluno é transformada em imaginação e imagens e ganha novos significados. Pensada dessa maneira, a escola torna-se divertida e alegre, mas também responsável com os conteúdos tradicionais.

O sétimo capítulo traz um exemplo prático de como o educador, por intermédio de um diálogo franco e sensível, pode usar o humor como um forte recurso pedagógico na formação de seres humanos mais cônscios de seus atos. Em uma sala de aula, descreve-se uma série de falas dos alunos com supostas intervenções mediadas pelo educador; que, muitas vezes, valese do humor para construir novas inter-relações e significados entre educador-educando. Para encerrar a coletânea de textos, Maria Tereza Mantoan, professora da Universidade Estadual de Campinas, em um tom todo espirituoso elabora um conjunto de perguntas, em forma de teste, a fim de examinar o poder de inclusão do leitor diante de muitas questões recheadas de dilemas no cotidiano escolar, em que está subentendida, por vezes, uma visão preconceituosa de educação e de educando, o que deveria ser inclusiva.

Para concluir, todo o livro traz, como uma proposta única e inovadora, um conjunto de discussões muito pertinente e deveras atual para a Psicologia Escolar/Educacional e também para as áreas de conhecimento correlato, tais como a Pedagogia e a Filosofia. Este material nos incita, e nos faz questionar, ainda que tacitamente, sobre a real função do educador e da escola, do professor e do aluno. Após uma leitura atenta, haverá muitas perguntas a serem feitas, como a seguinte: Devemos ou não mudar nossa maneira de ver o nosso aluno? Por isso, recomenda-se este livro como um instrumento de apoio profissional para aquele que trabalha diariamente na formação pessoal de alunos nos mais diferentes graus de instrução de ensino.