Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Revista da SBPH
versão impressa ISSN 1516-0858
Rev. SBPH vol.13 no.2 Rio de Janeiro dez. 2010
ARTIGOS
O pré-operatório e a ansiedade do paciente: a aliança entre o enfermeiro e o psicólogo
The pre-surgery anxiety of the patient: the alliance between the nurse and psychologist
Veridiana Alves de Sousa Ferreira Costa*; Sandra Cibelly Ferreira da Silva**; Vívian Caroline Pimentel de Lima***
Universidade Federal Rural de Pernambuco
RESUMO
A doença leva o sujeito a uma situação de crise, já que rompe com o equilíbrio físico e psicológico do paciente. A necessidade de hospitalização e de intervenção cirúrgica potencializa as ameaças pelas quais ele passa, fazendo-o atravessar um momento de ansiedade que interfere no curso do seu tratamento e na sua recuperação. Atrelado a esse quadro, soma-se a falta de informação que, frequentemente, intensifica essa angústia. Este estudo busca, através de uma revisão literária, analisar e discutir o estado emocional do paciente pré-operatório perceptível ao olhar do enfermeiro, salientando a importância de tal reflexão, a fim de promover práticas mais humanizadoras, tão amplamente discutidas no âmbito da saúde pública. Tal análise visa às ações do enfermeiro que podem contribuir para minimizar o medo e a insegurança do paciente, contribuindo beneficamente com todo o processo de tratamento. A Visita Pré-operatória de Enfermagem (VPOE) e o acompanhamento pré-operatório realizado pelo psicólogo se apresentam como grandes aliados no enfrentamento da situação, facilitando a recuperação do paciente. Reflexões dessa natureza são relevantes não apenas ao enfermeiro e ao psicólogo, mas também a todos os profissionais da área, possibilitando, assim, a prestação de um serviço de melhor qualidade, sobretudo, do ponto de vista humano.
Palavras-chave: Pré-operatório, Ansiedade, Enfermagem, Psicologia, Humanização.
ABSTRACT
An illness generally leads a person to a condition in which s/he faces a crisis, once it upsets the physical and psychological balance of the patients. The need of hospitalization and surgical intervention increases the power of the threats faced by these patients, making them experience moments of anxiety which interfere with course of their treatment and recovery. To this state of things, one adds the lack of information of the patients as a variable that can intensify the sense of anguish they experience. This paper aims to analyze and discuss through a revision of the literature the perceivable pre-surgery emotional state of patients in the eyes of nurses. The author points out the importance of such reflections to promote more human practices in the context of public health system. The focus of the current analysis is the actions of the nurses, which can minimize the fear and insecurity the patients, thus contributing with all the process of treatment. The visit of the nurse before the surgery (VNBS) and the pre-surgery assistance of the psychologist may constitute great allies in fighting the crisis by facilitating the patients’ recovery. Reflections of this nature may be good not only for nurses and psychologists, but also to all professionals in the health area, by making possible the offer of a service of better quality, but above all, a more human and caring service.
Keywords: Pre-Surgery, Anxiety, Nursing, Psychology, Humanization.
Introdução
A vida, muitas vezes, exige de nós a capacidade de adaptação e enfrentamento, especialmente se atravessarmos uma situação difícil. Isso dependerá, dentre outras coisas, da condição egóica de cada um. Nesse contexto, estão as doenças que, invariavelmente, levam o sujeito a vivenciar uma situação de crise. A pessoa doente rompe com o equilíbrio físico e psicológico, razão porque a doença, por si só, constitui-se como um evento gerador de angústias, medo e ansiedades. Se, em decorrência disso, surge a necessidade de hospitalização e de intervenção cirúrgica, o sujeito se vê ainda mais frágil, pois o paciente se depara com um universo de ameaças – internas e externas – que fazem com que ele precise buscar estratégias para lidar com essa situação (Barbosa & Costa, 2008).
Vários fatores contribuem para a ansiedade dentro do ambiente hospitalar, que vão desde às ameaças concretas e imaginárias, até o processo de despersonalização, muitas vezes decorrentes de práticas desumanizadas por parte da equipe de saúde. Isso pode impactar o sujeito de modo diversificado, particularmente quando ele cria fantasias diante da espera de uma intervenção cirúrgica, podendo interferir no curso desse procedimento e na sua recuperação, pois seu estado emocional repercute no funcionamento do seu sistema imunológico e na sua condição física geral. A depender do grau de ansiedade do paciente, muitas cirurgias podem ser canceladas. Neste contexto, enfermeiros e psicólogos podem ter papel decisivo na minimização das angústias vividas por estes pacientes.
Buscamos no presente estudo refletir sobre esta temática, analisando e discutindo algumas produções bibliográficas que versam sobre o assunto. Trata-se de um trabalho de revisão literária que busca destacar a relevância dessa reflexão não apenas ao enfermeiro e ao psicólogo, mas também a todos os profissionais da área de saúde, na medida em que tais observações repercutem na atuação destas pessoas junto aos pacientes, procurando oferecer um serviço de melhor qualidade, do ponto de vista técnico e humano.
Independente do seu grau de complexidade, o ato cirúrgico poderá ser acompanhado de anseios, dúvidas e medo. Muitas vezes, isso se dá pela falta de informação sobre os acontecimentos que sucedem a cada uma das fases da cirurgia, bem como pelas demais situações que a internação hospitalar proporciona (A. Souza, Z. Souza & Fenili, 2005).
O procedimento cirúrgico que sugestiona tal estado emocional é dividido em três fases distintas: o pré-operatório, o trans-operatório e o pós-operatório. Embora todas as fases sejam importantes, este trabalho destaca a relevância da fase pré-operatória por considerá-la o período em que o paciente se encontra mais vulnerável em suas necessidades, tanto fisiológicas quanto psicológicas, tornando-se mais propenso a um desequilíbrio. Nessa fase, o enfermeiro e o psicólogo têm papel crucial para o enfrentamento do processo, pois enquanto aquele pode conhecer o paciente e fornecer informações que facilitarão na diminuição de suas angústias, este último pode ajudá-lo a lidar com elas. Essa assistência oferece os subsídios para planejar as ações e contribuir para uma melhor atenção ao paciente nas demais fases do processo cirúrgico. Isso exige não apenas o preparo técnico e teórico desses profissionais, mas também humanísticos.
A intervenção da cirurgia representa para o paciente uma ameaça, não apenas à sua integridade física, mas também psíquica, por ser acompanhada de ansiedade, que se apresenta como uma reação natural e necessária à auto-preservação, não sendo necessariamente algo patológico. No entanto, existe um limite para o nível de ansiedade a fim de que os recursos que o indivíduo utiliza para lidar com ela possam ser otimizados.
Embora seja comum essa reação na maioria dos pacientes pré-operatórios, o evento cirúrgico pode ser encarado de modos variados por diferentes pessoas, em intensidade e significado, ajudando a enfrentar a crise ou paralisá-la. Desse modo, a avaliação que o sujeito faz da situação poderá contribuir ou não para determinar a sua reação diante dela.
Alguns profissionais são de extrema relevância para facilitar tal avaliação e o modo de enfrentar a questão, dentre eles o enfermeiro e o psicólogo. Suas ações podem contribuir significativamente para minimizar o grau de ansiedade dos pacientes. Nesse contexto, a Visita Pré-operatória de Enfermagem (VPOE) e o acompanhamento pré-operatório realizado pelo psicólogo se apresentam como assistências fundamentais, na medida em que identificam o grau de ansiedade e avaliam as condições do paciente. Essa intervenção traz consigo o potencial para provocar mudanças comportamentais em grande parte dos pacientes, diminuindo os riscos aos quais eles estão expostos e, também, o seu nível de ansiedade (Jorgetto, Noronha & Araújo, 2004).
Ao possibilitar uma assistência integral, a partir desse procedimento, e aliando o seu trabalho ao do psicólogo, o enfermeiro estará promovendo ações mais humanizadas, sendo necessário, para tanto, preparar recursos humanos com habilidades técnicas e humanas para realizar esse tipo de intervenção.
O olhar do enfermeiro sobre a ansiedade de pacientes no pré-operatório e sua aliança com o psicólogo
Durante o curso da vida, algumas vezes somos acometidos por experiências que exigem de nós necessidade de adaptação e enfrentamento, sobretudo, quando se tratam de situações adversas. Nesse contexto, estão as doenças, que vão necessitar de intervenções variadas e, algumas vezes, de procedimentos cirúrgicos.
Toda doença leva o indivíduo a vivenciar uma situação de crise. Além de romper com o equilíbrio físico, a pessoa doente demanda uma nova estruturação psicológica para suportar este momento. O fato, por si só, é gerador de angústias, medo e ansiedades. Quando a doença exige a hospitalização, essa fragilidade se potencializa.
Barbosa e Costa (2008) lembram que a hospitalização é um acontecimento que não é desejado nem planejado por ninguém, e traz consigo características estressantes, sendo reconhecido como algo ameaçador. Nesse ambiente, o paciente se depara com um universo de ameaças, internas e externas, que faz com que ele precise encontrar estratégias para enfrentar o problema.
Os impactos da hospitalização podem ser agravados quando atrelados a eles está a recomendação de uma intervenção cirúrgica, podendo levar o paciente a uma série de conflitos internos que favorecem o aumento da sua ansiedade diante do acontecimento. Portanto, dentre os fatores que contribuem para o estado de desequilíbrio do sujeito, podemos citar desde aspectos inerentes à necessidade da hospitalização, até às fantasias vivenciadas pelo paciente diante da espera pela intervenção cirúrgica.
No caso da hospitalização, é consenso que ela provoca no indivíduo uma ruptura com o seu ambiente habitual, modificando os costumes do paciente, seus hábitos, sua capacidade de auto-realização e de cuidado pessoal. (A. Souza et al., 2005) Logo, é natural que o paciente, ao ser hospitalizado, sofra um processo de despersonalização. Ele deixa de ter seu próprio nome e passa a ser um número de leito ou, então, alguém portador de uma determinada patologia. Além disso, ela também se apresenta como resultado de determinadas práticas, consideradas agressivas, pela maneira como são conduzidas dentro do âmbito hospitalar através de uma atenção, não raro, desumanizada. Tudo passa a ser invasivo e abusivo para ao paciente e as atitudes de alguns profissionais que acabam contribuindo para o aumento da ansiedade, tornando o processo de hospitalização ainda mais penoso e difícil de ser vivido, e até mesmo prejudicando o reequilíbrio orgânico. (Angerami-Camon et al., 2003).
Barbosa e Radomile (2006) salientam outros aspectos também impostos como ameaçadores no hospital: a convivência com o ambiente de doença, de dor e de morte; a separação de seus familiares e a quebra de sua rotina, acompanhadas das conseqüências que isso pode acarretar na esfera afetiva, social, laboral e econômica; a exposição de sua intimidade a estranhos; o ultimato à sua integridade física; a perda de seus referenciais conhecidos, dentre outros. Por tudo isso, a hospitalização, naturalmente, provoca angústia e ansiedade no paciente.
No que se refere às fantasias vividas pelo paciente diante da espera do ato cirúrgico, o medo da anestesia, da invalidez e, até, da morte – que não deixam de ser considerados riscos iminentes em uma cirurgia – também são geradores de angústias e inseguranças e, a depender do impacto que podem causar no paciente e de como ele enfrenta essa situação de crise, podem interferir no curso do processo cirúrgico e na sua recuperação. Deve-se considerar que o ser humano é um ser biopsicossocial e que o seu estado emocional repercute no funcionamento do seu sistema imunológico e no desenvolvimento de alguns tipos de doença, ou seja, na sua condição física de um modo geral. Na prática, o fato nos revela que, muitas vezes, algumas cirurgias são canceladas devido ao extremo grau de ansiedade que o paciente apresenta.
Nesse sentido, Camio (citado por Barbosa e Radomile, 2006), lembra que o ato cirúrgico consiste, para o paciente, num dos momentos mais críticos do processo terapêutico, devido ao medo do desconhecido, à complexidade do procedimento e ao próprio risco aí inerente. O impacto que isso vai causar no sujeito varia de paciente para paciente e depende de vários fatores, como sexo, idade, ocupação, estado físico, tipo de cirurgia, temor ao ambiente do hospital, etc.
Ninguém coloca em questão que a intervenção cirúrgica é uma experiência geradora de ansiedade para o paciente, tanto em nível psicológico quanto fisiológico. Estar inserido em um contexto desconhecido e incerto leva o sujeito a se sentir inseguro e ansioso. No entanto, o estresse criado pela situação de vulnerabilidade poderá também variar de acordo com a avaliação que o sujeito faz do evento e sua capacidade de adaptação. Sua condição egóica, no momento, vai ser imprescindível para o enfrentamento da crise oriunda do processo de doença-hospitalização e das respectivas intervenções daí decorrentes.
A este respeito, Medeiros e Peniche (2006) ressaltam:
A experiência de uma intervenção como, por exemplo, o procedimento anestésico-cirúrgico, leva o ser humano a mobilizar os seus mecanismos protetores. Essa mobilização não depende só dos processos somáticos, mas também psíquicos,resultantes de estímulos que experimenta, ou seja, está relacionada não só com as características objetivas , como também com a interpretação subjetiva da experiência ... (s.p.)
Assim, a interpretação individual e subjetiva, ou seja, o significado desse evento para o sujeito, subsidiará a construção de comportamentos adaptativos e o enfrentamento do evento.
Por enfrentamento, podemos entender um conjunto de esforços que uma pessoa desenvolve para manejar ou lidar com as solicitações externas e internas, que são avaliadas por ela como excessivas ou acima de suas possibilidades. Como salientam Peniche e Chaves (2000), trata-se de um esforço cognitivo e comportamental realizado para dominar, tolerar ou reduzir as demandas externas e internas e o conflito entre elas. Esse processo dependerá – como já destacado – de como o indivíduo avalia a situação e de que recursos ele dispõe para enfrentá-la. Nisso, a forma como ele lida com a ansiedade diante das ameças desempenhará papel fundamental.
Todo procedimento cirúrgico, independente do seu grau de complexidade, poderá ser acompanhado de anseios, dúvidas e medo. Muitas vezes, isso se dá pela falta de informação sobre os acontecimentos que sucedem a cada uma das fases da cirurgia, bem como pelas demais situações que a internação hospitalar proporciona. Na realidade, tal procedimento é dividido em três fases distintas: o pré-operatório, que corresponde ao momento em que o paciente recebe a indicação da cirurgia e vai até sua entrada no centro cirúrgico; o trans-operatório, em que o paciente submete-se à cururgia propriamente dita, no centro cirúrgico; ele se inicia da entrada do paciente até sua saída da sala de operações e encaminhamento à de recuperação, pós-anestésica; e o pós-operatório, que se inicia logo após a cirurgia e vai até a recuperação do paciente e alta hospitalar (Chistóforo, Zagonel & Carvalho, 2006)
Embora todas as fases sejam importantes, destacamos aqui a relevância da fase pré-operatória, não apenas por ser nosso foco de atenção para a presente reflexão, mas também por ser o período em que, talvez, o paciente se encontre mais vulnerável em suas necessidades, tanto fisiológicas quanto psicológicas, tornando-o mais propenso ao desequilíbrio emocional. Nela, o enfermeiro tem papel crucial para o enfrentamento do procedimento, uma vez que ele tem a oportunidade de conhecer o paciente, levantar problemas e necessidades, fornecer informações – que certamente contribuirão para minimizar seu medo e inseguranças –, etc. Esse tipo de assistência oferece os subsídios para o planejamento das ações de intervenção, de forma individualizada e com mais qualidade, o que, por outro lado, além de diminuir a angústia e capacitar o indivíduo a atravessar o difícil momento da cirurgia em condições toleráveis de ansiedade, facilitará a assistência nas demais fases do processo cirúrgico. Se aliado ao seu trabalho está a atuação do psicólogo, os benefícios se intensificam.
O cuidado de enfermagem corresponde a um período de detecção das necessidades físicas e psicológicas do paciente que será submetido a um procedimento cirúrgico, buscando facilitar o seu enfrentamento. Isso requer do enfermeiro habilidades e conhecimentos a respeito das possíveis alterações e reações emocionais que o paciente pode apresentar frente a situação, pois, conforme destaca Travelbee (citada por Chistóforo et al., 2006, s. p.), "a enfermagem é entendida como um processo interpessoal que acontece entre dois seres humanos, no qual um deles precisa de ajuda e o outro fornece ajuda". Essa forma de conceber a ação do enfermeiro – lembram as autoras – exige que o profissional esteja mais preparado não apenas em termos técnicos e teóricos, mas também humanísticos.
Assim concebida, a assistência dos profissionais de enfermagem se apresenta como fundamental para transmitir confiança e segurança ao paciente, o que, indubitavelmente, contribui para diminuir sua angústia e ansiedade frente a uma situação, para ele, de risco.
A ansiedade diante do processo cirúrgico
Conforme vem sendo colocado, é inevitável que o medo e a insegurança acompanhem a maior parte das pessoas que precisam submeter-se a um processo cirúrgico. Essa experiência, muitas vezes, apresenta-se para o indivíduo como uma ameaça, não apenas à sua integridade física, mas também psíquica, em virtude da ansiedade que ela pode gerar.
As pessoas não reagem apenas às características objetivas de uma determinada situação – no caso, o ato cirúrgico –, mas também aos símbolos que a mesma representa para elas, razões pelas quais os mesmos eventos podem ser encarados de modos variados por diferentes pessoas. A interpretação dada pelo sujeito ao evento vai ser determinante para enfrentá-lo. Assim, se um estímulo interno ou externo ao sujeito for interpretado como perigoso ou ameaçador, desencadeará uma reação emocional caracterizada como um estado de ansiedade. (Spielberger, citado por Peniche & Chaves, 2000), que seria o resultado de um esforço inadequado de adaptação para resolver conflitos. Ela funcionaria como
um sinal de alerta que adverte sobre perigos iminentes e capacita o indivíduo a tomar medidas para enfrentar as ameaças, preparando-o para lidar com situações potencialmnete danosas, fazendo com que o organismo tome medidas necessárias para impedir a concretização dos possíveis prejuízos, ou pelo menos diminuir suas conseqüências. (Barbosa & Radomile, 2006, p. 46)
Desse ponto de vista, a ansiedade seria uma reação natural e necessária para a auto-preservação. No entanto, existe um quantum de ansiedade, em diferentes situações da vida, que otimiza ou não os recursos do indivíduo para lidar com ela.
Reflexão nessa linha fez Freud (1917/1975), no texto da 25ª conferência "A ansiedade", das "Conferências introdutórias sobre psicanálise". No trabalho em questão, ele faz uma distinção entre a angústia-real e a angústia neurótica.
A angústia-real remete a alguma coisa da realidade externa, uma reação à percepção de um perigo exterior, algo previsto associado ao reflexo de fuga. Ela é considerada uma manifestação do instinto de conservação, algo semelhante a
um estado de prontidão e de disposição que prepara para o perigo. Ele serve como um alerta para o ego se defender da ameaça à qual está exposto. Ele se apresenta como uma saída possível a fim de evitar que o processo de desenvolvimento da angústia se torne incontrolável e paralise o sujeito (Costa, 2005, p. 87).
A angústia que aqui se torna incontrolável e pode paralisar o sujeito, a qual se refere à autora, foi destacada por Freud (1917/1975) ao colocar que, quando demasiadamente intensa, tal sensação, ao invés de ajudar, atrapalharia o sujeito, porquanto o imobilizaria diante do perigo, perdendo o caráter adaptativo e a função de autoconservação. Enquanto preparação para o perigo, a angústia-real seria um "sinal útil", todavia, quando essa preparação não tem lugar e o estado de disposição e de prontidão que prepara o ego diante do perigo foi prejudicado, o desenvolvimento da angústia pode invadir completamente o ego, deixando-o absolutamente submerso e desamparado, tornando a angústia incontrolável, excedendo os limites do quantum da ansiedade que viabiliza que o sujeito possa lidar com elas. Assim, ela torna-se patológica (Costa, 2005). É nessa direção que Freud (1917/1975) fala da angústia neurótica, a qual teria como núcleo um conteúdo interno interpretado como ameaçador, perigoso, fantasmático – não necessariamente um perigo real.
Se as defesas utilizadas pelo sujeito tiverem êxito, a ansiedade é dissipada ou refreada com segurança, mas, dependendo da natureza dessas defesas, o indivíduo pode desenvolver uma ansiedade patológica que, ao invés de contribuir com o enfrentamento do objeto da ansiedade, atrapalha, dificulta ou impossibilita a adaptação. Tal fato pode, em muitos casos, ser visto nos pacientes cirúrgicos, inclusive inviabilizando a concretização do procedimento.
Fica claro, então, que a maneira como o indivíduo percebe uma ameaça, algumas vezes, pode ser até mais importante que a própria ameaça. Os destinos da angústia vivenciada pelo sujeito frente ao procedimento cirúrgico vão depender de como ele percebe o evento ameaçador.
Na tentativa de facilitar esse enfrentamento, alguns profissionais são de extrema relevância, dentre eles o enfermeiro e o psicólogo. Suas ações contribuem significativamente nessa avaliação que o sujeito irá fazer do evento, devendo, assim, alterar o grau de ansiedade, minimizando-o. Além de intervir junto ao paciente auxiliando na compreensão da situação e proporcionando um clima de confiança – o que repercutirá nas suas estratégias de enfrentamento da situação "ameaçadora" – estes profissionais também intervém com os familiares e trabalham em conjunto com toda a equipe médica, buscando uma atuação mais holística junto ao paciente.
A aliança entre a enfermagem e a psicologia no acompanhamento pré-operatório: uma busca de humanização
A enfermagem perioperatória abrange uma ampla variedade de atividades associadas ao processo cirúrgico, destacando-se o pré, o trans e o pós-operatório. A fase pré-operatória, nesse contexto, assume relevância significativa, uma vez que o enfermeiro, possivelmente, ajudará o paciente ao fornecer-lhe informações que podem diminuir seus temores, sua insegurança e sua apreensão, viabilizando, assim, uma melhor assistência. Sua ação pode contribuir não apenas para preparar o paciente do ponto de vista físico, mas também emocional, sobretudo quando ele se alia ao psicólogo na prestação de um serviço de melhor qualidade ao paciente.
A Visita Pré-operatória de Enfermagem (VPOE) como uma assistência fundamental. Segundo Jorgetto et al.(2004), tal procedimento vem sendo realizado no Brasil desde 1975. Ele consiste em um recurso usado para levantar dados sobre o paciente cirúrgico – por intermédio dos quais se detectam os problemas ou alterações relacionadas aos aspectos biológicos, psicológicos, sociais e espirituais do paciente – e planejar a assistência de enfermagem a ser prestada no periodo perioperatório.
Uma das principais finalidades da Visita Pré-operatória de Enfermagem é identificar o grau de ansiedade do paciente – verificando a presença de alterações emocionais decorrentes do anúncio da necessidade da cirurgia – bem como avaliar suas condições físicas.
Os dados levantados durante a visita podem influenciar sensivelmente tanto no procedimento anestésico-cirúrgico como na reabilitação do paciente. É consenso que a realização dessa intervenção traz consigo o potencial para provocar mudanças comportamentais na maioria dos pacientes, diminuindo claramente os riscos cirúrgicos aos quais eles estão expostos e, conseqüentemente, eventuais complicações no período pós-operatório, sobretudo, declinando o seu nível de ansiedade.
Ao possibilitar um planejamento de uma assistência integral, individualizada, a partir do procedimento, enfermeiro e psicólogo contribuirão para uma atuação mais humanizada, pois não deixa de ser uma oportunidade do profissional atuar na busca da humanização, tão discutida no âmbito da saúde pública.
O relacionamento da equipe de enfermagem com o paciente é de extrema relevância, pois a garantia do sucesso dela está associada à maneira pela qual são atendidas as demandas físicas, emocionais, sociais e espirituais do paciente. Para tanto, é imprescindível fortalecer as dimensões que compõem o cuidado nessa prática profissional.
Para que o enfermeiro possa acolher e assistir o paciente de modo mais humano, a forma como essa relação é estabelecida e mantida pode influenciar no desenvolvimento do processo cirúrgico em todas as suas etapas, uma vez que o profissional da área e seus auxiliares, em geral, são aqueles que mais têm contato com o paciente, trazendo consigo, em função disso, um potencial transformador, se conseguir criar um clima de confiança e segurança. Com esta ação, eles tanto ajudam o psicólogo em sua função quanto este facilita o trabalho do enfermeiro. Com esta aliança, quem sai no lucro é o paciente.
A respeito, Portella e Berttinelli (2004) lembram que para oferecer um cuidado humano ético ao paciente, é preciso preparar pessoas com habilidades técnicas e humanas capazes de compatibilizar tecnologia e humanização nas ações dispensadas aos pacientes. Mesmo sabendo que, muitas vezes, esse cuidado possa ser gerador de ônus e estresse ao cuidador, por outro lado, se ele puder compreender um pouco do processo de adoecimento e o seu significado na vida do paciente, proporcionará dignidade a essas pessoas. A dignidade passa, antes de tudo, pelo cuidado ao sujeito – paciente com limites e possibilidades, com história de vida e individualidade. O ponto crucial pode estar na disposição de acolher e respeitar o outro como ser humano, que tem um nome e uma história e não apenas é o portador de uma patologia.
Não podemos deixar de fora de nossa discussão o fato de que cuidar do outro implica, antes de tudo, cuidar de si. Só podemos investir no cuidado ao outro e suportar o ônus que isso acarreta, quando nos mantemos atentos a todos os aspectos que o cuidar desse outro nos traz, e isso serve tanto ao enfermeiro quanto ao psicólogo. Como nos lembra Pessini (2004), quem cuida e se deixa tocar pelo sofrimento humano, torna-se um radar de alta sensibilidade, humaniza-se no processo e, para além do conhecimento científico, tem a preciosa chance e o privilégio de crescer em sabedoria.
Na contrapartida desse cuidar, estão as condições em que esses profissionais trabalham. A equipe de enfermagem também necessita de cuidados especiais e de atenção, pois quando não dispõe da ajuda necessária para se proteger dos riscos do trabalho, nem para usufruir de recompensas, vários problemas podem surgir. Assim, se o cuidador não trabalhar em um ambiente humanizado, exigir dele que trabalhe na humanização fica quase inviável.
Embora ainda existam muitas instituições e profissionais que trabalhem exclusivamente pautados na execução de uma técnica precisa, seguindo padrões com frieza e exatidão, não reservando lugar para emoções, envolvimentos pessoais, etc., é inegável que uma boa assistência deve ser prestada dentro de uma visão holística, na qual a valorização do ser humano se coloca como a base do cuidado. É nessa perspectiva que o profissional de enfermagem e de psicologia devem trabalhar, especialmente, se diante deles estão pacientes que serão submetidos a um procedimento cirúrgico, uma vez que durante todo o período preparatório para a cirurgia, seus serviços são cruciais na minimização das ansiedades vividas pelo paciente.
Considerações finais
Ao longo deste trabalho, enfatizamos o princípio de que o paciente pré-operatório vive um momento de ansiedade que pode repercutir no curso do seu tratamento. A literatura corrobora essa perspectiva, apontando que se a doença e a hospitalização, por si mesmas, já trazem consigo características estressantes – uma vez que o paciente se vê diante de uma série de ameaças – a necessidade da intervenção cirúrgica intensifica a experiência de angústia e medo, gerando ansiedade no paciente.
A ansiedade pode ser vivida pelos pacientes de modos diversificados, podendo interferir no curso do procedimento cirúrgico e na sua recuperação. A forma de vivê-la dependerá, dentre outras coisas, da avaliação que o sujeito faz da situação, o que contribuirá para determinar a sua reação. Muitas vezes, a ansiedade se intensifica pela falta de informação sobre os acontecimentos que sucedem todo o procedimento, bem como pelas demais situações que a internação hospitalar proporciona (A. Souza et al. 2005). Por tal razão, nessa fase, a aliança entre o enfermeiro e o psicólogo é essencial, pois suas ações podem contribuir para não apenas na avaliação do evento, facilitando a minimização de medos e inseguranças do paciente, mas na implicação do sujeito em todo o processo de tratamento.
A Visita Pré-operatória de Enfermagem (VPOE) e o acompanhamento psicológico pré-operatório, apresentam-se como uma assistência fundamental, pois ela traz consigo o potencial para provocar mudanças comportamentais na maioria dos pacientes, diminuindo consideravelmente sua ansiedade e ajudando-o a atravessar essa experiência. (Jorgetto et al., 2004). Tal postura, para ser otimizada e melhor aproveitada, exige do profissional preparo técnico e teórico, mas, sobretudo, preparo humanístico.
Essa assistência integral contribui para uma atuação mais humanizada, tão amplamente discutida no âmbito da saúde pública. Trabalhando dentro de uma visão holística e humanizadora, estes profissionais apontam a relevância do seu papel não apenas ao paciente, por possibilitar o enfrentamento da situação em níveis toleráveis de ansiedade, mas também a todos os envolvidos na atenção e na busca da recuperação do sujeito: familiares e equipe de saúde de um modo geral.
Embora se apresente como uma fonte rica de apoio para os profissionais de saúde e leigos, em especial, os que se dedicam a acompanhar um paciente durante um processo cirúrgico, convém ressaltar que este trabalho não pretende esgotar a questão. Muito ainda pode ser dito e refletido. Fica plantada a semente para estudos futuros nesta linha, em nome do avanço da ciência e em favor, sobretudo, dos que dela possam se beneficiar.
Não podemos deixar de destacar que, uma ação que vise oferecer um serviço de melhor qualidade, do ponto de vista técnico e humano, não se faz isoladamente. Uma série de variáveis intervém no contexto, dentre elas, a urgente necessidade de se repensar a assistência à saúde, em especial, na esfera pública.
Contestar uma assistência automática, mecanizada, desumanizada, mesmo que até muitas vezes eficiente do ponto de vista técnico, implica lembrar que para oferecer um cuidado humano ético à população, é preciso não apenas preparar pessoas com habilidades técnicas e humanas para intervir junto a esses pacientes, mas também oferecer as condições favoráveis – ou pelo menos mínimas – para que esses prováveis propagadores da humanização sejam vistos também como humanos, antes de qualquer coisa. Em outras palavras, só podemos cuidar do outro com qualidade se nós mesmos estamos também cuidados (Portella & Berttinelli, 2004). Diante disso, sugere-se uma reflexão: como podemos exigir do profissional que trabalhe na humanização se ele mesmo não se vê em um ambiente humanizado? Não é difícil inferir que isso fica praticamente inviável...
Apesar de todas as variáveis que possam dificultar este tipo de atenção, o enfermeiro e o psicólogo, aliados, devem trabalhar na busca pela excelência técnica e pela valorização do humano, especialmente se diante deles estão pacientes que serão submetidos a um procedimento cirúrgico. Essa aliança será fundamental para melhor atender as pessoas que, além de sofrer com os impactos decorrentes da doença, podem trazer outros sofrimentos e as marcas de tantas outras mazelas.
Referências
Angerami-Camon, Valdemar Augusto et al (Orgs). (2003). Psicologia hospitalar: teoria e prática. São Paulo: Pioenira Thomson Learing. [ Links ]
Barbosa, Leopoldo N. F. & Costa, Veridiana A. S. (2008). Atuação do psicólogo em hospitais. In: Barbosa, Leopoldo N. F & Francisco, Ana L. (Orgs). Modalidades clínicas de práticas psicológicas em instituições. Recife: FASA, p. 21-32. [ Links ]
Barbosa, Vanessa C. & Radomile, Maria Eugênia S. (2006, Jan/Jun)) Ansiedade pré-operatória no hospital geral. Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. 2(3), 45-50. [ Links ]
Chistóforo, Berendina E. B., Zagonel, Ivete P. S. & Carvalho, Denise S. (2006). Relacionamento enfermeiro-paciente no pré-operatório: uma relfexão à luz da teoria de Joyce Travelbee. Revista Cogitare Enfermagem. 11(1), Não Paginado. Curitiba. Recuperado em 02 de outubro de 2008, de http://www.portalbvsenf.eerp.usp.br. [ Links ]
Costa, Veridiana Alves de Sousa (2005). Lei simbólica, desamparo e pânico na contemporaneidade: um estudo psicanalítico. Dissertação de Mestrado, Mestrado em Psicologia Clínica, Universidade Católica de Pernambuco, Recife. [ Links ]
Freud, Sigmund. (1975). Conferência XXV – A ansiedade In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. (J. Salomão, trad., Vol 16). Rio de Janeiro: Imago, (Texto original publicado em 1917).
Jorgetto, Giovanna V., Noronha, Rachel & Araújo, Izilda E. M. (2004). Estudo da visita pré-operatória de enfermagem sobre a ótica dos enfermeiros do centro-cirúrgico de um hospital universitário. Revista Eletrônica de Enfermagem. 6(2), 213-222. Goiânia. Recuperado em 03 de outubro de 2008, de http://www.fen.ufg.br. [ Links ]
Medeiros, Verônica C. C. de & Peniche, Aparecida C. G. (2006, Mar). A influência da ansiedade nas estratégias de enfrentamento utilizadas no período pré-operatório. Revista da Escola de Enfermagem da USP. 40(1), Não Paginado. Recuperado em 25 de setembro de 2008, de http://www.ee.usp.br/reeusp. [ Links ]
Pessini, Leo (org.). (2004). Humanização e cuidados paliativos. São Paulo: Loyola. [ Links ]
Peniche, Aparecida C.C. & Chaves, Eliane C. (2000, Jan). Algumas considerações sobre o paciente cirúrgico e a ansiedade. Revista Latino-americana de Enfermagem. 8(1), 45-50. [ Links ]
Portella, Marilene & Bettinelli, Luiz. (2004). Humanização da velhice: reflexões acerca do envelhecimento e do sentido da vida. In: Pessini, Leo (org.). Humanização e cuidados paliativos. São Paulo: Loyola. [ Links ]
Souza, Aline A. de, Souza, Zelita C. de & Fenili, Rosângela M. (2005). Orientação pré-operatória ao cliente – uma medida preventiva aos estressores do processo cirúrgico. Revista Eletrônica de Enfermangem. 7(2), 215-220. Goiânia. Recuperado em 10 de setembro de 2008, de http://www.fen.ufg.br.
Endereço para correspondência
Veridiana Alves de Sousa Ferreira Costa
E-mail: veridianacosta@hotmail.com
Sandra Cibelly Ferreira da Silva
E-mail: sandracibelly@gmail.com
Vívian Caroline Pimentel de Lima
E-mail: vicapil@yahoo.com.br
* Universidade Federal Rural de Pernambuco, Unidade Acadêmica de Serra Talhada, PE. E-mail: veridianacosta@hotmail.com
** Universidade Federal Rural de Pernambuco, Unidade Acadêmica de Serra Talhada, PE. E-mail: sandracibelly@gmail.com
*** Universidade Federal Rural de Pernambuco, Unidade Acadêmica de Serra Talhada, PE. E-mail: vicapil@yahoo.com.br