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Revista da SBPH
versão impressa ISSN 1516-0858
Rev. SBPH vol.16 no.2 Rio de Janeiro dez. 2013
ARTIGOS
Cuidados paliativos domiciliares: considerações sobre o papel do cuidador familiar
Palliative home care: considerations on the role of family caregiver
Itala Villaça Duarte*,I; Krícia Frogeri Fernandes**,II; Suellen Cristo de Freitas***,III
I Hospital Erasto Gaertner
II Tribunal de Justiça do Paraná
III Instituto do Rim do Paraná
RESUMO
O presente artigo é uma revisão bibliográfica sobre o papel do cuidador familiar de pacientes com doença em estágio terminal acompanhados por um Serviço de Cuidados Paliativos Domiciliares, visando compreender o que a literatura nacional tem apresentado, uma vez que se considera relevante o conhecimento desta dinâmica para (re)pensar a prática já existente. Para o desenvolvimento do estudo, foi realizado um levantamento bibliográfico dos últimos oito anos (2006 a 2013) encontrando 46 artigos, dos quais 21 artigos e o Manual de Cuidados Paliativos foram selecionados para análise, pois compreendiam especificamente a família como cuidadora em domicílio. Foram identificados os aspectos conceituais dos Cuidados Paliativos e atuação em domicílio, bem como a caracterização do cuidador familiar e as repercussões advindas desse papel, observando a influência da terminalidade e da experiência de cuidar e suas variações sobre o cuidador familiar.
Palavras-chave: Cuidados Paliativos, Cuidados Paliativos Domiciliares, Família.
ABSTRACT
This article is a literature review about of the role of family caregivers of patients with end-stage disease accompanied by a Palliative Home Care Service in order to understand what the national literature has presented nowadays, since it considers relevant for the understanding of this dynamic to think and rethink the existing practice.To develop the study, a bibliographic survey of the past eight years (2006-2013) encountering 46 articles, of which 21 articles and the Manual of Palliative Care were selected for analysis as it covered specifically the family as caregiver at home. Were identified the conceptual aspects of Palliative Home Care and the household actuation as well the family caregiver caracterization and the becoming repercussion of this role, observing the termination influence and the experience of caring and it variations over the family caregiver.
Keywords: Palliative Care, Palliative Home Care, Family.
Introdução
O avanço das tecnologias tem proporcionado o desenvolvimento de novas terapêuticas e o aumento da expectativa de vida, com o consequente envelhecimento da população e maior prevalência de doenças crônicas trazendo com isso uma nova demanda uma vez que a cura, em alguns casos, deixa de ser prioridade com esses pacientes (Matsumoto, 2009; Guimarães & Lipp, 2011). Nesta nova realidade é necessário aliar o cuidado e o conhecimento científico para proporcionar qualidade de vida, abrindo espaço assim para os Cuidados Paliativos.
A proposta dos Cuidados Paliativos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (citado por Matsumoto, 2009) é possibilitar cuidados ativos e totais do paciente cuja doença não responde mais ao tratamento curativo, visando o controle dos sintomas e possibilitando qualidade de vida. O envolvimento da família é primordial ao longo de todo o processo do adoecimento e tratamento, principalmente quando esse paciente passa a ser cuidado em seu domicílio. Os Cuidados Paliativos Domiciliares implica desafios significativos e constantes aos familiares, podendo causar consequências físicas e psicológicas consideráveis. O ato de cuidar de um doente pode ser sentido como uma tarefa que pode provocar desequilíbrio, sobrecarga física, emocional, social e econômica, apesar do desejo e satisfação de exercer este papel (Ribeiro & Souza, 2010).
Diante do exposto, se faz necessário um olhar atento e direcionado para as demandas dos cuidadores para que estes possam oferecer um cuidado adequado aos pacientes, mesmo sem conhecimento técnico. Com isso, o objetivo deste estudo é, por meio de um levantamento bibliográfico, conhecer o que a literatura nacional tem apresentado, no período de 2006 a 2013, sobre o tema buscando compreender os conceitos e propostas de atuação em Cuidados Paliativos Domiciliares, as particularidades e a além de considerações sobre a atuação multiprofissional junto aos cuidadores para que eles possam ser considerados e incorporados como unidade de atenção.
Método
Trata-se de uma revisão bibliográfica acerca da proposta e atuação dos Cuidados Paliativos Domiciliares como modalidade e possibilidade de cuidado não apenas ao paciente, como também para o familiar, devido às repercussões advindas deste papel de cuidador. De acordo com esta proposta, foram utilizados os descritores cuidados paliativos, cuidados paliativos domiciliares e família nas bases de pesquisa virtual Scielo, Bireme e Google acadêmico com objetivo de encontrar artigos científicos nacionais publicados no período compreendido entre 2006 a 2013.
Como resultado desta pesquisa, foram encontrados 46 artigos que, em um primeiro momento, as autoras avaliaram as palavras-chave e os resumos visando agrupar àqueles que contemplavam a relação entre os três descritores. Destes artigos, apenas 21 e o Manual de Cuidados Paliativos, da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, puderam ser considerados para o estudo.
Dentre os artigos utilizados, 11 foram elaborados por enfermeiros, 02 por psicólogos e 02 por médicos, além desses encontrou-se 02 artigos escritos por enfermeiros e psicólogos, 03 por enfermeiro e médico e 01 por médico e psicólogo. E em relação ao tipo de pesquisa , evidenciou-se 08 artigos cuja a metodologia foi qualitativas, 06 quantitativas, 02 qualitativa e quantitativa e 05 revisão de literatura.
Cada artigo foi analisado minuciosamente encontrando quatro temas principais e relevantes a serem apresentados e discutidos ao longo deste trabalho, os quais são: Conceito dos Cuidados Paliativos; Atendimento domiciliar como possibilidade de cuidado; Caracterização do cuidador familiar em atendimento domiciliar; e Família como unidade de cuidado.
Resultados e Discussão
Cuidados Paliativos: Conceito
Com o envelhecimento da população, apesar do avanço e maior disponibilidade de tecnologias, há uma maior prevalência de doenças crônicas. A partir dessa nova realidade, os profissionais de saúde se deparam com o exercício de cuidar de pacientes fora de possibilidades de cura, surgindo assim a área de atuação multiprofissional de Cuidados Paliativos (Matsumoto, 2009).
O conceito atual de Cuidados Paliativos, revisado pela OMS em 2002 (citado por Matsumoto, 2009), é considerado uma abordagem multiprofissional a pacientes e seus familiares que enfrentam doenças que ameaçam a continuidade da vida, por meio do controle da dor e de outros sintomas físicos, além dos cuidados com os problemas de ordem psicossocial e espiritual. O objetivo é a promoção da melhor qualidade de vida possível para pacientes e familiares, sendo necessária a identificação e avaliação, preferencialmente precoce, das necessidades para oferecer um tratamento adequado. Desta maneira, pode-se prevenir e aliviar o sofrimento, proporcionando assim dignidade de vida mesmo no processo de morrer.
Diante disso, dentre os artigos encontrados para a presente revisão bibliográfica, doze trazem conceitos acerca de Cuidados Paliativos, sendo que destes, nove utilizam a conceituação proposta pela OMS enfatizando alguns aspectos da definição. Nota-se que uma temática em destaque em algumas definições dos artigos foi o holismo tão essencial para um cuidado integral ao indivíduo:
(...) o cuidado paliativo é o cuidado total e ativo dos pacientes, cuja doença não é mais responsiva ao tratamento curativo (...). É fundamental que se integre o conceito holístico do homem, ele é um todo indivisível, não é soma de suas partes (Costa et al., 2006, p. 105-106).
Outro aspecto enfatizado na conceituação foi a qualidade de vida e alívio dos sintomas como referem Melo, Rodrigues e Schimidt (2009): Assim, os serviços de saúde, nesses casos, devem visar não à cura, mas sim à busca por uma melhor qualidade de vida (p.366).
No entanto, em apenas sete desses artigos percebe-se maior ênfase na conceituação no que diz respeito à valorização do cuidado com os familiares/cuidadores de pacientes que passam pelos Cuidados Paliativos, como referem Fratezi e Gutierrez (2011):
Desta maneira, é de fundamental importância, tanto para o doente como para sua família, uma atenção relacionada ao suporte emocional e social de modo que tais pessoas enfrentem esse momento com mais tranquilidade e dignidade (...) preconiza a busca da qualidade de vida dos familiares do paciente em processo de morrer, e o suporte para o enfrentamento deste processo. (p.3242).
Dos artigos selecionados, três trazem os cenários do atendimento em Cuidados Paliativos: Melo et al. (2009) comentam a respeito da internação hospitalar, e dos tratamentos ambulatoriais e domiciliares; Oliveira et al. (2011), Queiroz, Pontes e Rodrigues (2013) e Pires et al. (2013) acrescentam a modalidade hospice. Melo et al. (2009) destacam que até 2009 no Brasil havia cerca de 40 unidades de Cuidados Paliativos, sendo a maioria de cuidados ambulatoriais e domiciliares. Os Cuidados Paliativos Domiciliares têm se tornado uma prática cada vez mais frequente e em concordância com a proposta de humanização, cuidado e assistência integral ao paciente fora de possibilidades terapêuticas e seus familiares.
Atendimento domiciliar: Uma Possibilidade de Cuidado
Os tratamentos e cuidados à saúde de pacientes com doenças crônicas avançadas estavam intimamente relacionados às internações hospitalares (Sanchez, Ferreira, Dupas & Costa, 2010). No entanto, a partir da definição e propostas de atuação dos Cuidados Paliativos, tem-se observado uma mudança de paradigma na saúde. Desta maneira, devido à concepção social e cultural de que o domicílio é o ambiente que pode conferir conforto, proteção, local de maior identificação e aproximação dos familiares e amigos e, por isso ser facilitador no tratamento, tem-se proposto a transferência desta clientela, quando possível, do cuidado hospitalar para o cuidado ambulatorial ou domiciliar (Sanchez et al., 2010). A respeito da assistência domiciliar, Queiroz et al. (2013), afirmam que pode possibilitar elevado grau de humanização, envolvendo a família nos cuidados, bem como no amparo afetivo ao paciente, trazendo benefícios como a redução de complicações decorrentes de longas internações hospitalares e dos custos das tecnologias dos doentes hospitalizados.
A modalidade de atendimento a pacientes em Cuidados Paliativos Domiciliares caracteriza-se por atividades destinadas a pessoas com doença avançada, em progressão, sendo necessário monitoramento, tratamento e controle de sintomas físicos, principalmente dor, além de cuidados aos aspectos psicossociais e espirituais (Maciel, 2009). Para que esse cuidado ao paciente seja eficaz, são necessárias algumas condições, tais como plano terapêutico previamente estabelecido; possuir o acompanhamento da equipe de Cuidados Paliativos; residir em domicílio que ofereça as condições mínimas para higiene e alimentação; ter um ou mais cuidadores responsáveis e capazes de compreender e executar as orientações dadas pela equipe; além do desejo e permissão do paciente e cuidador para permanecer no domicílio (Rodrigues, 2009). Quando isso ocorre, é possível oferecer uma assistência integral, promovendo a continuidade do suporte técnico e medicamentoso associado à segurança e conforto domiciliar, além da companhia, carinho e afeto oferecidos pela família e amigos.
A equipe multiprofissional pode ser formada por médico, enfermeiro, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, assistente social, psicólogo, nutricionista, musicoterapeuta, assistentes espirituais com possibilidade de acessar outros profissionais, quando necessário (Maciel, 2009). É importante que a atuação desses profissionais seja, preferencialmente, interdisciplinar para que esses múltiplos olhares possam favorecer o cuidado diferenciado para as demandas apresentadas tanto pelo paciente quanto pela família (Maciel, 2009; Matsumoto, 2009).
A família enquanto cuidadora no domicílio passa a exercer funções, muitas vezes, antes desconhecidas como administrar medicação, manusear drenos e sondas, realização de curativos e higienização do paciente, além de lidar com o agravamento dos sintomas e possibilidade de morte. Diante dessa realidade, pode-se considerar que o ato de cuidar do paciente no domicílio, em especial, na fase avançada da doença seja uma atividade capaz de provocar sobrecarga física, emocional, social e econômica com repercussão na qualidade de vida desses cuidadores (Ribeiro & Souza, 2010; Ferreira, Souza & Stuchi, 2008).
Por esta razão, é fundamental que os profissionais de saúde conheçam os cuidadores familiares, direta ou indiretamente envolvidos no cuidado, considerando-os também como unidades de cuidados para, dentro do possível, favorecer na minimização dos desgastes físicos, sociais e psicológicos que o cuidar no domicílio impõe a eles (Silva & Acker, 2007; Cazali et al., 2011). Por meio disso, é possível que esses cuidadores tenham condições de realizar assistência de qualidade e eficaz tornando-se aliados da equipe no cuidado integral ao paciente (Ferreira et al., 2008).
Caracterização do Cuidador Familiar em Atendimento Domiciliar
O paciente quando acompanhado por uma equipe de Cuidados Paliativos Domiciliares deve receber assistência integral às suas necessidades, a qual é realizada na maior parte do tempo pelos cuidadores. A literatura compreende como cuidador aquele cuja função é de cuidar, auxiliar, responsabilizar-se pelo suporte e cuidados diários ao paciente (Floriani & Schramm, 2006; Melo et al., 2009). Assim, Queiroz et al. (2013) consideram que o cuidar relaciona-se ao auxílio ao que o outro não consegue fazer sozinho, apoiando e estando junto.
Em relação às atividades desempenhadas por esses cuidadores podem-se ter os cuidados diretos como higiene, alimentação, administração de medicação e realização de curativos, e os cuidados indiretos de obtenção de medicamentos, agendamento e acompanhamento de consultas (Sanchez et al., 2010). O manejo destas atividades pode ser realizado por membro da equipe ou pessoa da área da saúde contratada pela família, denominados de cuidadores formais; como também pode ser exercido por membro da família, sendo mais frequentes, considerados cuidadores informais (Ribeiro & Souza, 2010; Baptista et. al., 2012).
Em relação aos cuidadores familiares, percebe-se que são predominantemente do sexo feminino e sua escolha está relacionada a critérios como idade, laço afetivo, grau de parentesco, proximidade residencial, suporte financeiro e disponibilidade de tempo (Foriani & Schramm, 2006; Fratezi & Gutierrez, 2011; Ribeiro & Souza, 2010; Fernandes, Silva & Schwartz, 2012). Ressalta-se que esses fatores não são determinantes, uma vez que nem sempre ocorre consenso familiar ou o cuidador escolhe exercer essa função, podendo este ser eleito pelos demais familiares ou pelo próprio paciente, como também ser por falta de outra opção (Floriani & Schramm, 2006; Silva & Acker, 2007; Fernandes et al., 2012; Baptista et al., 2012).
Guimarães e Lipp (2011) destacam que quando a doença se faz presente na família, o cuidar se torna uma necessidade e não mais uma opção. Quando não há outra escolha, este familiar ao sentir-se responsável pelos cuidados assume e exerce o papel de cuidador, mesmo quando não se reconhece como tal (Baptista et al., 2012). Esta situação pode ocasionar alterações na rotina e mudanças de papéis na dinâmica familiar para a adaptação às exigências e demandas do tratamento (Inocenti, Rodrigues & Miasso, 2009), inclusive alterações no aspecto socioeconômico, visto que por vezes são necessárias mudanças estruturais na residência (Oliveira et al., 2011) . O cuidador familiar então assume mais uma função, pois ainda permanece com as tarefas domésticas, responsabilidades financeiras e de cuidados consigo e com os demais familiares, a exemplo os filhos (Sanchez et al., 2010; Ferreira et al., 2008).
Observa-se assim que o ato de cuidar do paciente sem possibilidades curativas é um exercício diário e repetitivo. Muitas vezes pode ser exercido de forma solitária e sem descanso, além de ter que ser conciliado com as demais atividades diárias deste cuidador familiar, e como consequência este pode vir a apresentar, ao longo do tempo, sobrecarga física, emocional, social e econômica (Araújo, Araújo, Souto & Oliveira, 2009; Gonçalves, Alvarez, Send, Santana & Vicente, 2006; Ribeiro & Souza, 2010; Volpato & Santos, 2007; Oliveira et al., 2011; Baptista et al., 2012; Ferreira et al., 2008).
Esta sobrecarga pode ser considerada, então, um fenômeno multidimensional que pode trazer repercussões na vida e saúde do cuidador e suas demais relações, bem como na qualidade dos cuidados prestados ao paciente. Portanto, diante da morte eminente e da rotina de cuidados, o cuidador principal está exposto à fadiga e ao cansaço, e sobre essa perspectiva, Queiroz et al. (2013) sugerem o rodízio entre os cuidadores como uma importante estratégia para redução do desgaste físico e emocional do cuidador mais próximo.
No que concernem os sintomas físicos descritos na literatura pesquisada, tem-se a fadiga, exaustão, alteração do sono, declínio da saúde devido à falta de cuidados com alimentação e exercícios; algumas vezes há necessidade de uso de medicamentos. Quanto aos aspectos sociais, os cuidadores podem apresentar restrição de atividades pessoais e outras que proporcionam prazer, o afastamento do emprego e diminuição do poder aquisitivo da família, e alteração da participação social e dos vínculos anteriormente estabelecidos, abandonando suas atividades em prol do cuidado. Já a exaustão emocional remete ao isolamento afetivo, sintomas de depressão, tristeza, ansiedade e estresse bem como sensação de insegurança, preocupação e impotência diante da situação vivenciada (Fratezi & Gutierrez, 2011; Inocenti et al., 2009; Rezende et al., 2010; Sales, Matos, Mendonça & Marcon, 2010; Sanchez et al., 2010; Volpato & Santos, 2007; Fernandes et al., 2012; Baptista et al., 2012; Ferreira et al., 2008). Fratezi e Gutierrez (2011) mencionam que saber da proximidade da morte do familiar intensifica esses sintomas, já que o cuidador aguarda a chegada da notícia do falecimento e se coloca frente à sua própria finitude.
Além dessas repercussões em relação ao cuidador familiar, o ato de cuidar pode também proporcionar sentimentos positivos. O zelo, carinho, gratificação, satisfação e crescimento pessoal são citados na literatura, sugerindo a vontade do cuidador de estar ao lado do seu ente querido, devido à relação de afeto muitas vezes já estabelecida entre paciente e cuidador (Fratezi & Gutierrez, 2011; Guimarães & Lipp, 2011; Queiroz et al., 2013; Ferreira et al., 2008).
Gonçalves et al. (2006) mencionam que os cuidadores percebem o cuidado como algo que os dignifica como pessoas, além de representar cumprimento de dever moral e religioso. Estes cuidados também possibilitam ao cuidador o desenvolvimento de novas habilidades e posturas frente à vida, trazendo reflexões e questionamentos acerca do modo de viver. Tal postura pode ser considerada atitude de resiliência ao propiciar a descoberta de potencialidades para o enfrentamento da situação, criando para si alternativas que favoreçam mudanças na maneira de conduzir sua vida (Fernandes et al., 2012).
No entanto, mesmo quando o cuidador familiar se disponibiliza para exercer tal função e a experiência de cuidar de um familiar doente possibilita conforto emocional e mudança de perspectiva, ainda assim esse cuidador pode apresentar dificuldades em assumir o manejo terapêutico, pela ausência de conhecimento técnico. Os cuidadores se vêem obrigados a desenvolver habilidades (banho, troca de fraldas, alimentação, locomoção, manejo da dor) e aprender sobre medicamentos, materiais e todo arsenal técnico que imaginavam nunca precisar saber (Costa et al., 2006; Guimarães & Lipp, 2011; Ferreira et al., 2008).
Volpato e Santos (2007) acrescentam que os cuidadores familiares são pessoas com propensão a adoecerem com maior facilidade, pois, além de estarem em contato direto com o paciente acarretando sofrimento psíquico, suas vidas apresentaram mudanças abruptas. A literatura aponta ainda que, além da sobrecarga advinda do ato de cuidar, a falta de informações acerca da condição do paciente e a imprevisibilidade do que pode vir a acontecer são fatores preponderantes para o declínio do bem estar global do cuidador (Rezende et al., 2010).
Família Como Unidade de Cuidado
A família quando se torna cuidadora, contribui com a permanência da assistência necessária ao paciente formando um elo com a equipe. Ao exercer esta função em relação aos cuidados e conforto, pode vir a apresentar alterações no âmbito emocional, físico e social. É evidente a possibilidade de situações advindas do processo de adoecimento e tratamento repercutirem no cuidador, sendo frequente índices de estresse e sobrecarga. Em relação a este aspecto, Inocenti et al. (2009) referem que o cuidador também sofre com o adoecer e com a proximidade da morte de seu familiar, vêm à tona questões a respeito da vivência do cuidador familiar durante o cuidado com o paciente fora de possibilidades de cura (p. 859).
Assim, a família tem necessidades que podem ser diferentes das do paciente e que devem ser consideradas. No entanto, Araújo et al. (2009) coloca que, apesar dos cuidadores serem percebidos como benéficos ao tratamento, o foco da atenção profissional ainda é o indivíduo doente, como se os cuidadores soubessem cuidar do paciente naturalmente, sem necessitar de auxílio e apoio.
A respeito da atuação da equipe com a família, Oliveira et al. (2011), num estudo de revisão de literatura, inclusive apontam o sentimento de insatisfação dos familiares com a atuação da equipe no que diz respeito ao suporte emocional à família. Em pesquisa qualitativa, Cazali et al. (2011) descrevem que por vezes a equipe pode expor os familiares a situações conflitantes devido à falta de informações e orientações.
Ferreira, Souza e Stuchi (2008) apontam para a importância de além do paciente, também a família ser considerada pelos profissionais de saúde como parte do cuidado, merecendo atenção e assistência. Essa assistência pode ocorrer quando, por exemplo, a família não tem preparo técnico ou até mesmo emocional para assumir o manejo terapêutico do paciente, sendo essenciais orientações e esclarecimentos por parte da equipe multiprofissional, preferencialmente de forma contínua e repetitiva facilitando a compreensão acerca dos cuidados. É importante que a equipe proporcione espaço de comunicação acessível e adequado com a família e paciente, para que estes se sintam acolhidos e amparados para possíveis eventualidades. Desta maneira, a comunicação possibilita o conhecimento da demanda para um planejamento assistencial eficaz, tornando-se um potencial colaborador aos cuidados prestados (Araújo et al., 2009).
Melo et al. (2009) mencionam um estudo que aponta que a atuação da equipe determina a segurança do cuidador nos cuidados domiciliares. Tais autoras enfatizam a importância da atuação da equipe não só no sentido de educar o cuidador, mas na compreensão das mudanças que ocorrem em sua vida e do impacto do cuidado, para planejar estratégias facilitadoras da rotina e que permitam minimizar a sobrecarga.
Para oferecer suporte adequado, algumas intervenções no intuito de conceber a família como unidade de cuidado foram encontradas na literatura. Alguns exemplos: oferta de módulos educativos a respeito de cuidados domiciliares e o acompanhamento dessas famílias para averiguar a incorporação das informações recebidas; implementação de políticas públicas que deem suporte financeiro às famílias e ofereçam programas que enfoquem questões relacionadas ao papel, responsabilidade e estresse da família; intervenções psicossociais e medicamentosas (Levine & Zuckerman,1999 citado por Floriani & Schramm, 2006).
Intervenções psicoeducacionais são citadas por Sanchez et al. (2010) por auxiliarem nas habilidades de enfrentamento e diminuírem a sobrecarga dos familiares, tais como: programas de redução de estresse, programas de arte criativa para pacientes e cuidadores, programas centrados na família, entre outros. As autoras também sugerem o uso da internet ou telefone na criação de uma central de informações acerca da assistência domiciliar que ofereça suporte 24 horas.
No entanto, conforme apontam Queiroz et al. (2013), na percepção dos cuidadores, o suporte especializado e o manejo adequado do familiar cuidador quase nunca é suprido pelos serviços e profissionais. Muitas vezes os familiares utilizam-se da espiritualidade e religiosidade como formas de enfrentamento, que se mostram como fatores relevantes para o bem-estar do paciente e da família (Pires et al., 2013).
Volpato e Santos (2007) trazem a importância do acompanhamento psicológico para os familiares cuidadores, no sentido de auxiliá-los na tarefa do cuidar e também no autocuidado. Indicam a modalidade do aconselhamento psicológico, uma vez que o processo direciona-se para a tomada de decisões, mas acrescentam que o cuidador pode se beneficiar de outras formas de atendimento, como a psicoterapia breve ou mesmo a psicoterapia. A experiência grupal, na organização de grupos terapêuticos para familiares cuidadores, também é citada cujo objetivo é possibilitar aos familiares trocar informações e conhecer outras pessoas que vivenciam as mesmas questões. Independente da terapêutica utilizada é importante que o cuidador aprenda a lidar satisfatoriamente com a situação e também a cuidar de si mesmo, física e emocionalmente (Cazali et al. 2011).
Ressalta-se que as intervenções sejam pautadas na equipe multiprofissional, com visão interdisciplinar, para que as estratégias sejam adequadas e executáveis para os cuidadores, conforme suas demandas específicas (Guimarães & Lipp, 2011). Para tal, torna-se necessário a formação cada vez maior de equipes multiprofissionais especializadas em Cuidados Paliativos Domiciliares.
Conclusão
Observa-se com este estudo que, no Brasil, a atuação em Cuidados Paliativos Domiciliares ainda é recente e consequentemente sua produção científica ainda é escassa, mas em construção. Percebeu-se que, assim como os pacientes, a família também apresenta demandas que precisam ser identificadas e cuidadas, uma vez que os dados encontrados na literatura demonstram que o processo de cuidar do paciente impõe um desafio constante, afetando a estrutura e a dinâmica familiar e a necessidade de readaptação.
Esta readaptação remete às mudanças nas rotinas e atividades diárias após assumirem o papel de cuidador, como as limitações na vida profissional (redução da jornada de trabalho ou seu abandono), já que os pacientes em sua maioria necessitam de cuidados em tempo integral e permanente. Outra questão apresentada pelos cuidadores é a falta de tempo para o autocuidado e convivência social, bem como conflitos familiares, fadiga e percepção de saúde piorada, sensação de impotência e frustração.
Para isso é importante que a equipe multiprofissional de saúde, além de reconhecer estas questões e demandas, possa considerar a família também como objeto de atenção e intervenção. A família deve ser entendida como grande aliada nos cuidados ao paciente, pois é este cuidador que contribui na continuidade de sucesso do atendimento domiciliar, possibilitando melhor qualidade de vida ao mesmo. Por isso, cabe aos profissionais de saúde o olhar atento e sensibilizado para as necessidades dos familiares e o desenvolvimento de estratégias que viabilizem o contato entre equipe e família, preconizando os pressupostos dos Cuidados Paliativos. É preciso considerar a família como um todo e não somente o cuidador principal, permitindo que haja colaboração e corresponsabilidade da maioria dos membros, independente de idade ou gênero, favorecendo os cuidados do paciente e minimizando a sobrecarga do cuidador. Acredita-se que ao proporcionar assistência aos cuidadores, indiretamente a equipe também está contribuindo com o paciente.
Pode-se refletir que, apesar da proposta dos Cuidados Paliativos considerar a família como unidade de cuidado, percebe-se que ainda se dá pouca ênfase na prática a estes cuidadores. Isso pode ocorrer pela maior necessidade de atenção multiprofissional que o paciente demanda e por julgar a família como extensão da equipe, mesmo quando não preparada tecnicamente para tais funções.
Acredita-se, portanto, na relevância do planejamento assistencial por meio do atendimento individual, grupos de intervenção e capacitação que proporcione orientação, suporte técnico e apoio multiprofissionais com a finalidade de possibilitar a continuidade dos cuidados e favorecer a melhora da qualidade de vida da família e paciente. Torna-se fundamental que a equipe como um todo esteja atenta aos princípios dos Cuidados Paliativos, exigindo que cada profissional integrante tenha flexibilidade na sua atuação para trabalhar em conjunto, mas sem deixar à margem suas especificidades, pois o paciente e seus cuidadores têm necessidades distintas, demandando ações de diversas áreas do conhecimento.
Observa-se também a importância e necessidade de outros estudos que se aprofundem em tentar estabelecer as implicações físicas, emocionais, sociais e econômicas dos cuidadores, bem como pesquisas qualitativas com o intuito de conhecer a percepção dos cuidadores acerca do papel desempenhado ou quantitativas com objetivo de avaliar o nível de sobrecarga. A produção científica pode contribuir para a valorização do cuidador familiar e do sistema familiar como um todo, além de pensar e propor estratégias e intervenções multiprofissionais eficazes e atuantes, considerando paciente e família como unidade de cuidado da equipe.
Por fim, outro caminho essencial para ser aprofundado é a atuação do psicólogo neste contexto, o qual deve respaldar sua prática na técnica, teoria e ética, articuladas com seu potencial criativo, bem como estar atento aos desafios inerentes a esse campo, criando dispositivos efetivos para as intervenções que sejam necessárias junto ao paciente, seu(s) cuidador(es) e a equipe de saúde.
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Endereço para correspondência
Itala Villaça Duarte
E-mail: itala.duarte@hotmail.com
* Hospital Erasto Gaertner. Email: itala.duarte@hotmail.com
** Tribunal de Justiça do Paraná. Email: kricia.fernandes@gmail.com
*** Instituto do Rim do Paraná. Email: suellencvpsi@yahoo.com.br