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Revista da SBPH
versão impressa ISSN 1516-0858
Rev. SBPH vol.23 no.2 São Paulo jul./dez. 2020
Quadro psicoeducativo: orientações a familiares em visita à Unidade de Terapia Intensiva
Psychoeducational frame: guidelines for family visitors in Intensive Care Unit
Stephanie Cristin OttoI; Tayna Nayara NunesII; Luiz Renato de Moraes BragaIII
IPrograma de Residência Integrada Multiprofissional em Atenção Hospitalar do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHC/UFPR) - steph.cristin@gmail.com
IIEmpresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) no Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHC/UFPR) - tnn.psico@gmail.com
IIIPrograma de Residência Integrada Multiprofissional em Atenção Hospitalar do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHC/UFPR) - luizrenatobraga@uol.com.br
RESUMO
A participação de familiares na internação de pacientes em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) é crescente, sendo necessário acolhê-los e informá-los.
OBJETIVOS: Construir e validar um quadro psicoeducativo voltado aos familiares que visitam a UTI de um hospital público de grande porte do Estado do Paraná.
MÉTODO: Trata-se de um estudo quanti-qualitativo, empírico, exploratório e descritivo. Para elaboração e validação do quadro foi utilizado o método Delphi, através do qual buscamos a opinião de 35 profissionais de saúde. O projeto final foi apresentado a 30 familiares com aplicação de questionário de opinião.
RESULTADOS: Foram realizadas duas rodadas avaliativas sendo obtido 73% de aprovação na primeira e 93% na segunda. Após a aprovação da equipe o projeto foi apresentado às famílias que consideraram o quadro de grande ajuda para a visita.
CONCLUSÃO: O quadro psicoeducativo foi considerado pertinente e eficaz pela equipe da unidade e pelos familiares.
Palavras-chave: unidade de terapia intensiva; educação em saúde; psicologia hospitalar; comunicação; família.
ABSTRACT
The participation of relatives in the hospitalization of patients in Intensive Care Units (ICUs) is increasing, being necessary to support and inform them.
OBJECTIVES: To construct and validate a psychoeducational frame with the purpose of informing the family members who visit the ICU of a public hospital in the State of Paraná in Brazil.
METHOD: This is a quantitative-qualitative, empirical, exploratory and descriptive study. For the elaboration and validation of the material we used the Delphi technique, through which we sought the opinion of 35 health professionals. The final project was presented to 30 family members who answered an opinion questionnaire.
RESULTS: We performed two evaluative rounds, obtaining 73% approval in the first and 93% in the second. After approval of the team the project was presented to families who considered the frame as a major help for the visit.
CONCLUSION: The psychoeducational framework was considered pertinent and effective by the unit team and family members.
Key-words: intensive care unit; health education; hospital psychology; communication; family
Introdução
Compondo a alta complexidade do Sistema Único de Saúde (SUS), as Unidades de Terapia Intensiva (UTI) têm como função atender pacientes graves com chance de recuperação. Por esta razão, são unidades com predomínio da rapidez e densidade tecnológica, com monitorização, vigilância e cuidado ininterruptos ao paciente. Neste setor do hospital o paciente é submetido a tratamentos com equipes por ele desconhecidas, com horários de visita comumente rígidos ou escassos (Frizon, Nascimento, Bertoncello & Jesus Martins, 2011), tendo pouco contato com seus familiares e amigos.
Não raro, o familiar que possui um ente querido internado em UTI o encontrará monitorizado e conectado em acessos e cateteres. Grande parte dos pacientes dependem de procedimentos invasivos como ventilação mecânica, sondas e acessos. De modo que, embora seja o local ideal para o atendimento a pacientes graves, a UTI costuma ser um dos ambientes mais agressivos e traumatizantes do hospital, tanto para o paciente, quanto para a sua família (Vila & Rossi, 2002), sendo frequente o desenvolvimento de sintomas de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático (Fumis, Ranzani, Martins & Schettino, 2015).
Neste setor, o cuidado prestado aos familiares é tão importante quanto o proporcionado aos pacientes (Soares, 2010), principalmente porque apenas metade das famílias compreende informações básicas sobre diagnóstico, prognóstico ou tratamento do seu ente querido internado na UTI (Azoulay, Chevret, Leleu, Pochard, Barboteu, Adrie & Schlemmer, 2000) e uma vez que, a comunicação entre equipe e família, em grande parte, não atende os padrões básicos para uma tomada de decisão por parte da família (White, Braddock, Bereknyei & Curtis, 2007). Dessa forma, o cuidado voltado aos familiares deve ser baseado nos valores, metas e necessidades do paciente e família, incluindo a compreensão da doença, do prognóstico, das opções de tratamento e das tomadas de decisão (Luce, 2003). Para isso, se faz necessário que as famílias possuam informação e compreensão do processo de internação do paciente, com conhecimento sobre a rotina da unidade, procedimentos realizados e profissionais que realizam o cuidado.
O desenvolvimento do presente estudo surgiu a partir de um processo de mudança de paradigmas pelo qual a unidade, na qual a pesquisa foi desenvolvida, vem passando. Desde dezembro de 2017 a UTI participa do projeto "Melhorando a segurança do paciente em larga escala no Brasil" desenvolvido pelo Ministério da Saúde por meio do Programa de Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS) em parceria com o Institute for Healthcare Improvement - IHI (Instituto de Melhoria da Saúde). Este projeto, que almeja a redução da densidade de infecções hospitalares, também propõe uma maior participação e engajamento da família nos cuidados ao paciente crítico como uma estratégia importante para o alcance de seus objetivos e, com isso, alavanca a necessidade de um novo olhar frente ao acolhimento dos familiares que passam a participar mais ativamente do processo de internação do paciente e da rotina da unidade. De modo que, considerando a necessidade de um melhor acolhimento das famílias, percebemos a importância de um material claro, objetivo e visualmente atrativo para facilitar a transmissão de informações aos familiares que, de maneira geral, encontram-se em sofrimento devido ao fato de ter um ente querido hospitalizado neste setor.
Materiais educativos em saúde, como folhetos, cartilhas e manuais auxiliam na orientação e capacitação e podem ser utilizados para informar familiares de pacientes internados em UTI, tendendo a melhorar a interação entre paciente, família e equipe, contribuindo também, para a redução do sofrimento psíquico vivenciado pelos familiares (Colombe, 2012). Um estudo realizado em trinta e quatro Unidades de Terapia Intensiva da França (Azoulay, Pochard, Chevret, Jourdain, Bornstain, Wernet & Zahar, 2002) comparou a compreensão de familiares sobre o tratamento de pacientes em UTI entre familiares que receberam e os que não receberam um folheto informativo. O folheto continha informações gerais sobre a UTI e hospital, nome do médico responsável pelo paciente, um diagrama de uma sala de UTI com o nome de todos os dispositivos utilizados e um glossário contendo 12 termos comumente usados na UTI. Como resultado foi constatado que o recebimento de informações básicas sobre a unidade reduziu as dúvidas dos familiares de 40,9% para 11,5%.
Além de diminuir o sofrimento psíquico e as dúvidas, materiais educativos podem auxiliar na qualidade do cuidado e segurança do paciente. Familiares orientados sobre a assistência necessária ao seu ente querido e cuidados como higiene de mãos, precaução de contato, necessidade de cabeceira elevada e restrição de dieta, por exemplo, estão menos propensos a causar acidentes durante sua permanência na UTI e auxiliam ainda, na vigilância e prevenção de infecções e eventos adversos por parte da equipe.
Percebendo a necessidade de informar as famílias que visitam a Unidade de Terapia Intensiva, propomos a criação de um quadro psicoeducativo a ser fixado na sala de espera da UTI, com o intuito de orientar de forma acessível, objetiva e acolhedora os familiares e os visitantes. A escolha pelo formato de quadro se deu pela preocupação dos autores em elaborar um material permanente, que não possuísse custo contínuo para a instituição e que não se perdesse com o tempo ou dependesse de terceiros para contínua impressão e distribuição.
Método
Tratou-se de uma pesquisa empírica, exploratória e descritiva. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos conforme a resolução 466/12 e aprovado conforme o parecer de número 2.674.682. Para a criação e validação do quadro psicoeducativo foi utilizado o método Delphi que, através de rodadas avaliativas, busca a opinião livre e independente de especialistas sobre um tema (Moraes & Moraes, 2013). O método Delphi permite compreender os fenômenos, orientar a tomada de decisões informadas e transformar a realidade com base nas opiniões dos especialistas envolvidos (Marques & Freitas, 2018). As rodadas contam com aplicação de questionário e são realizadas até obter-se consenso e aprovação dos especialistas, entre 50% a 80%, em relação ao material em desenvolvimento. As interações do método são denominadas rounds, ou rodadas, e se distinguem por três características: 1) anonimato, 2) interação com feedback controlado, 3) respostas estatísticas do grupo (Moraes & Moraes, 2013). Os resultados são analisados entre cada rodada de questionários, de modo a serem observadas as tendências e as opiniões dissonantes, que são sistematizadas, compiladas e enviadas novamente a cada especialista de forma individual até obtenção de um consenso grupal (Marques & Freitas, 2018).
Como participantes, buscamos contar com a opinião dos profissionais que atuavam na UTI, considerando-os como especialistas, uma vez que compõem a equipe assistencial e que se deparam diariamente com as dúvidas e relatos dos familiares visitantes. Foram convidados trinta e cinco profissionais, com ensino superior. A UTI escolhida se aloca em um hospital público de grande porte do Estado do Paraná, que atende unicamente pelo Sistema Único de Saúde. Os especialistas convidados, que aceitaram participar da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), foram submetidos a duas rodadas avaliativas através do método Delphi.
Na primeira rodada foi apresentado aos especialistas, de forma individual, um modelo de quadro psicoeducativo e um questionário avaliativo. O questionário dispunha de seis questões quanti-qualitativas e uma questão exclusivamente qualitativa a respeito do material previamente apresentado, foram elas: "1. Você acha que as informações que constam no quadro são pertinentes?"; "2. Você achou que a linguagem está clara o suficiente para compreensão dos visitantes?"; "3. Você acha que o quadro está atraente visualmente?"; "4. Você acha que as informações contidas no quadro estão completas?"; "5. Você sugere a melhoria na elaboração de algum tema?"; "6. Você sentiu falta de alguma informação importante no quadro psicoeducativo?". E como última questão, uma pergunta qualitativa e aberta: "7. Como profissional da saúde, você teria alguma outra consideração, sugestão ou crítica?".
A partir das respostas obtidas individualmente na primeira rodada foram introduzidas, modificadas e reformuladas novas informações ao material psicoeducativo relativas às opiniões prévias e as considerações dos autores. Foi realizada uma segunda rodada com aplicação de questionário avaliativo e apresentação do segundo modelo de quadro psicoeducativo. As rodadas cessaram com a obtenção de consenso, conforme Spínola (1984) e Hasson, Keeney e Mckenna (2000), com a apresentação resultados aos especialistas.
Na última etapa da pesquisa buscamos a opinião dos familiares quanto ao quadro psicoeducativo. Para esta etapa foi aplicado questionário de opinião, com perguntas no modelo de escala likert a 30 familiares que estavam em vista de seus entes queridos. Os critérios de inclusão foram aceitar participar da pesquisa, ser alfabetizado e assinar o TCLE.
O questionário aplicado nos familiares continha quatro questões. As duas primeiras tinham como possibilidade de resposta: "Sim, ajudou muito", "Sim, ajudou", "Ajudou um pouco" e "Não ajudou". Eram elas: "O quadro ajudou você a entender sobre o funcionamento da UTI?" e "Ajudou você a entender o ambiente onde seu familiar está internado?".
As questões três e quatro tiveram a opção de resposta discursiva, sendo a terceira: "As informações estão claras e fáceis de entender?" com a possibilidade de resposta: "Sim"; "Mais ou menos"; "Não"; "Caso não estejam, quais suas sugestões de melhoria?". Já a quarta e última questão, era: "Você achou que faltaram informações no quadro?" e teve como possibilidades de resposta: "Sim", "Não" e "Caso sim, Quais?".
Resultados
Participaram da primeira rodada quatorze médicos, cinco fisioterapeutas, duas nutricionistas, uma cirurgiã dentista, uma fonoaudióloga e doze enfermeiros, totalizando trinta e cinco profissionais. Não foi possível contar com profissionais de psicologia para a pesquisa, devido ao envolvimento das profissionais que atuavam na UTI no desenvolvimento deste estudo.
Primeira Rodada
Nesta primeira rodada os profissionais receberam uma proposta previamente elaborada de quadro psicoeducativo e um questionário avaliativo a respeito do modelo. Este primeiro material continha informações sobre o que é a UTI e a quem se destina, profissionais que realizam o cuidado, a importância da presença dos familiares para o cuidado e recuperação do paciente, horário de visita e informações sobre os dispositivos e procedimentos realizados, como: máscaras de ventilação, intubação orotraqueal, traqueostomia, ventilador mecânico, monitor multiparâmetro, bombas de medicação, sondas e acessos, entre outros. Optou-se, neste primeiro momento, por apresentar um modelo do que viria a ser o quadro psicoeducativo, buscando uma melhor compreensão dos especialistas de nossa proposta.
Ainda que o primeiro quadro se tratasse apenas de um esboço, a primeira questão, referente a pertinência do quadro psicoeducativo, obteve 100% de aprovação. Seguindo com 68% de aprovação da segunda questão referente a clareza da linguagem, 97% de aprovação quanto ao quadro estar atrativo visualmente, 91% quanto às informações estarem completas, 33% quanto a melhoria na elaboração de algum tema e 52% quanto a falta de alguma informação importante. Dessa forma, considerando apenas as respostas quantitativas, foi obtido 73% de aprovação do quadro psicoeducativo já na primeira rodada. Consideramos também as 17 respostas qualitativas respondidas a mão pelos profissionais referentes a questão número sete, que era: "7. Como profissional da saúde, você teria alguma outra consideração, sugestão ou crítica?". Além disso, também decidimos considerar as 98 contribuições escritas em espaços em branco nas folhas de questionário.
Dessa forma, apesar de obtido o consenso dos especialistas já na primeira rodada, visto que o método que utilizamos exige uma média de 50% a 80% de aprovação, optamos por realizar uma segunda rodada de avaliação, considerando as porcentagens significativas dadas para as perguntas cinco e seis. A questão cinco: "5. Você sugere a melhoria na elaboração de algum tema?" teve 67% de afirmações positivas e desse modo, apenas 33% de aprovação. Já a questão seis "6. Você sentiu falta de alguma informação importante no material psicoeducativo?" teve 48% de respostas positivas, com o score de 52% de aprovação. Também buscamos incluir as considerações escritas, as quais se referiam a desenhos, cores, títulos, assim como formas mais simples de explicar sobre equipamentos e procedimentos invasivos.
A partir das respostas dos especialistas na primeira rodada, foram introduzidas, modificadas e reformuladas informações do material, considerando as opiniões prévias. Foi realizada significativa redução e simplificação do conteúdo escrito, modificação da aparência gráfica e unificação das imagens em uma única ilustração, através da qual buscamos representar um leito de UTI. Foram realizadas, também, mudanças quanto às cores, fontes e formato. Foi acrescentado o item: "Como você pode ajudar seu familiar internado na UTI" e dispostas informações relativas à visita afetiva, manutenção de vínculos e tópicos sugeridos pela equipe quanto a segurança do paciente.
Também foi retirada a informação referente ao horário de visitas, devido ao processo de mudanças que a unidade vinha passando em sua política de visitação, com horários mais flexíveis e visitas estendidas, de modo a permitir que o quadro acompanhasse este processo e pudesse continuar sendo utilizado no futuro. Assim, uma vez realizadas as reformulações, foi realizada uma segunda rodada com os especialistas na qual foi apresentada a segunda versão do quadro psicoeducativo.
Segunda Rodada
A segunda rodada foi realizada com trinta profissionais, cinco profissionais a menos do que na primeira rodada, uma vez que três profissionais se afastaram do trabalho por licença saúde, licença maternidade e mudança de setor, não sendo possível realizar contato com outros dois profissionais devido ao esgotamento do prazo estipulado para a coleta de dados. De modo que, para a segunda rodada, contamos com a participação de dez médicos, cinco fisioterapeutas, duas nutricionistas, uma cirurgiã dentista, uma fonoaudióloga e onze enfermeiros.
Como resposta ao segundo modelo de quadro apresentado foram obtidos os seguintes dados quantitativos: 100% de aprovação para a primeira questão, referente a pertinência do quadro psicoeducativo. Seguindo com 93% de aprovação da segunda questão, quanto a clareza da linguagem, 100% de aprovação quanto ao quadro estar atrativo visualmente, 100% quanto as informações estarem completas, 77% respondeu que não havia necessidade de melhoria na elaboração de algum tema e 90% de que não faltava alguma informação importante no quadro. Considerando as respostas quantitativas de todas as questões foi obtido 93% de aprovação geral do quadro psicoeducativo, sendo atingido o consenso e o quadro, validado.
Pesquisa de Opinião
Uma vez validado o quadro psicoeducativo, este foi fixado e exposto na sala de espera da Unidade de Terapia Intensiva, o qual acarretou mudanças visuais no ambiente, com a disposição das cadeiras em círculo, a partir da opinião dos próprios familiares, ao invés de fileiras. A inserção do quadro mobilizou reformas providenciadas pela gerência da unidade, como uma melhor iluminação da sala de espera e pintura das paredes, de maneira que o espaço passou a ser visto de outra forma também pelo hospital.
Neste terceiro momento foi realizada uma pesquisa de opinião com os familiares visitantes utilizando-se de questionário de escala likert. Foram convidados tanto os familiares que aguardavam para a visita na sala de espera da unidade, como os que estavam como acompanhantes dos pacientes ou com visita estendida durante o dia. Para esta etapa da pesquisa foram convidados 30 familiares que se enquadraram nos critérios de inclusão da pesquisa.
No que se refere ao quadro ter ajudado a compreender o funcionamento da UTI, 66,7% dos familiares considerou que o quadro "Ajudou muito", 23,7% considerou que o quadro "Ajudou" e 10% considerou que "Ajudou um pouco". Quanto a ajudar a entender o ambiente onde o ente querido está internado 63,4% respondeu que "Ajudou muito" e 33,3% respondeu que "Ajudou". Quanto às informações estarem claras e fáceis de entender obtivemos 93,3% de respostas positivas e 86,6% opinaram que não faltaram informações no quadro psicoeducativo. Com isto, consideramos as respostas dos familiares satisfatórias atingindo os objetivos da pesquisa.
Discussão
A utilização do método Delphi se mostrou adequada para a pesquisa, visto que tal método tem sido amplamente utilizado no campo da saúde para pesquisas de opinião e construção de instrumentos através do consenso (Hasson et al., 2000; Barrioso, 2017; Janotti & Mendes Junior, 2018). De modo que, a partir dos resultados obtidos nas duas rodadas realizadas, foi possível validar o quadro psicoeducativo, sendo obtido 73% de aprovação geral dos especialistas na primeira rodada e 93% de aprovação na segunda.
Em ambas as rodadas a necessidade do quadro teve 100% de aprovação, corroborando com a literatura no que concerne a importância de os familiares receberem informação sobre a internação de seu ente querido na UTI (Bitencourt, Neves, Dantas, Albuquerque, Melo & Almeida, 2007). Isto, uma vez que a baixa compreensão da situação clínica e a dificuldade de entendimento do motivo da internação e das condutas terapêuticas invasivas têm sido considerados os principais estressores durante o internamento em unidades críticas (Bitencourt et al., 2007; Da Silva Carrias, Sousa, Pinheiro, Lustosa, Pereira & Guimarães, 2018).
A literatura aponta que preparar os familiares para visitar seu ente querido em ambiente crítico é fundamental (Silveira, Lunardi, Lunardi, Wilson & Oliveira, 2005), sendo considerado de suma importância propiciar atenção e esclarecimento de dúvidas assim que o paciente é admitido na unidade. Neste sentido, propiciar um material que forneça informações sobre o ambiente da unidade, profissionais que ali atuam, cuidado realizado, equipamentos e dispositivos utilizados, bem como suas normas e rotina auxilia na diminuição da angústia dos familiares e suas dúvidas básicas, permitindo e propiciando que a família foque no fundamental: seu ente querido.
Além disso, durante a internação os familiares passam a ser a voz do paciente e possuem o direito de serem informados sobre sua situação de saúde (Saiote & Mendes, 2011). Já em 1992, Zussman pontuou que, explicações simples sobre procedimentos básicos e horários auxilia os familiares na diminuição de sentimentos de medo e ansiedade. Os participantes de nossa pesquisa corroboraram com essa proposta, conforme as respostas escritas nos questionários: "A informação da situação em que se encontra o familiar é fundamental antes da entrada no ambiente da UTI", escreveu um médico, e ainda: "O quadro tem uma importância significativa pois, através do mesmo, os familiares poderão esclarecer dúvidas simples com relação às normas e rotinas do setor, além disso sobre os aparelhos que pertencem ao ambiente", escreveu uma fisioterapeuta.
O atendimento integral, proposto pelo sistema único de saúde, salienta a importância das ações de educação em saúde como elemento produtor de um saber coletivo, capaz de promover autonomia e emancipação (Machado, Monteiro, Queiroz, Vieira & Barroso, 2007). O direito de informação à saúde se insere no escopo da integralidade do SUS, de modo a ser fundamental que as Unidades de Terapia Intensiva possam garanti-las, seja no contato direto entre profissional e familiar nos horários de visita, ou por meio de materiais educativos e informativos. De modo que, a partir do que foi escrito pelos profissionais no questionário e, através da experiência no cotidiano do trabalho, consideramos que, ainda que a UTI seja um ambiente intensamente tecnológico e que aos profissionais seja exigido grande domínio prático e qualificação, o cuidado realizado pode e, principalmente, deve, ser traduzido de forma simples e objetiva aos familiares.
Conforme escreveu uma enfermeira, em resposta à questão sete: "O material está bem claro e vai ajudar muito o entendimento da situação na UTI para um leigo, e no momento de tensão da família". Além dela, uma fisioterapeuta também pontuou de forma escrita: "Acredito que o quadro irá diminuir o medo e a ansiedade dos familiares".
Prover material com informações sobre o processo de cuidado, definição de termos técnicos, intervenções clínicas e da estrutura física e organizacional da UTI comprovadamente reduz sintomas de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático nos familiares visitantes (Azoulay et al., 2000; Soares, 2010), reduzindo de modo significativo a necessidade de informação (Azoulay et al., 2002), melhorando assim a satisfação da família com o cuidado e gerando um ambiente menos estressante, uma vez que torna as situações mais cognoscíveis.
A existência de materiais educativos, no entanto, não exclui a necessidade de diálogo e orientação por parte dos profissionais para com os familiares no convívio diário na unidade. Ou seja, ainda que o quadro psicoeducativo auxilie na diminuição de sofrimento, ele deve ser apenas mais uma forma de acessar a família e auxiliá-la durante a internação de seu ente querido. A informação prestada não deve se resumir a apenas materiais escritos, visto que alguns usuários não sabem ler. Além de que, grande parte dos familiares chegam à UTI com um nível intenso de sofrimento psíquico e angústia, necessitando, já em sua chegada, de diálogo e acolhimento por parte da equipe.
Limitações do Estudo
No desenvolvimento de um material psicoeducativo voltado para as famílias acabamos por nos deparar com diversas limitações. Inúmeros familiares não sabiam ler e, dessa forma, não puderam responder ao questionário, o que significa que teriam dificuldade de compreender o quadro. Também nos deparamos com pacientes e famílias advindos de outros países, que não sabiam ler em português e tampouco conseguiam se comunicar com a equipe. Este fato demonstrou não apenas as limitações de nosso estudo, que foi confeccionado todo em português do Brasil, mas também o longo caminho que ainda temos de percorrer em busca da integralidade do cuidado no Sistema Único de Saúde.
Últimas Considerações
No cenário da terapia intensiva é preciso considerar as dificuldades emocionais e dúvidas apresentadas pelos pacientes e seus familiares, geradas pelo desconhecimento e medo. O cuidado da família abrange um grande escopo de estratégias no contato interpessoal, mas também um conjunto de políticas e intervenções informativas de educação e saúde, que podem vir a compor as unidades de terapia intensiva, como materiais psicoeducativos. Assim, ainda que persista a crença de que o cuidado e escuta dos familiares seja de exclusiva responsabilidade de psicólogos e assistentes sociais, orientar, informar e acolher as famílias é de responsabilidade de todos que atuam na UTI (Soares, 2010). Com isso, cabe mencionar que a presente pesquisa fez parte de um leque de ações e estratégias implantadas para a permanência e acolhimento dos familiares dentro da Unidade de Terapia Intensiva e que as ações conjuntas foram apresentadas no 5º Fórum Latino-Americano de Qualidade e Segurança na Saúde, sendo premiadas em 2º lugar, com o título "Desmistificando fantasmas: a presença factível das famílias em uma UTI brasileira".
Consideramos que a comunicação se configura como pilar no cuidado dos familiares em unidades críticas e acaba sendo sempre complexa e difícil pelo conteúdo abordado, pelas limitações da linguagem, cultura, história de vida e situação emocional dos envolvidos. Inúmeras emoções estão imbricadas neste processo e, na grande maioria das vezes, as informações precisam ser repetidas até sua assimilação e compreensão. Cada família possui o seu próprio tempo e sua maneira de compreender, devido a sua dimensão subjetiva particular e história de vida pessoal, compartilhada com o paciente internado.
O quadro psicoeducativo tem a finalidade, então, de agregar mais uma possibilidade dentre o grande leque de estratégias possíveis de serem utilizadas no cuidado das famílias, que possuem um ente querido internado em Unidade de Terapia Intensiva.
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Stephanie Cristin Otto - Psicóloga Clínica, graduada pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Especialista em Urgência e Emergência pelo Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Atenção Hospitalar do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHC/UFPR). Mestranda em Desenvolvimento Comunitário pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO).
Tayna Nayara Nunes - Psicóloga pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Especialista em Urgência e Emergência pelo Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Atenção Hospitalar do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHC/UFPR). Especialista em Psicologia Hospitalar pelo Conselho Regional de Psicologia do Paraná e Especialista em Preceptoria no SUS pela Sociedade Beneficente de Senhoras Hospital Sírio-Libanês. Aperfeiçoamento em Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa pela Fundação Oswaldo Cruz.
Luiz Renato de Moraes Braga - Psicólogo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC. Psicanalista. Especialista em Psicologia Hospitalar pelo Conselho Regional de Psicologia do Paraná e em Filosofia e Psicanálise pela Universidade Tuiuti do Paraná. Preceptor do Programa em Atenção Hospitalar na área de Urgência e Emergência do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná.