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Revista da SBPH
versão impressa ISSN 1516-0858
Rev. SBPH vol.23 no.2 São Paulo jul./dez. 2020
Prevalência de sintomas de transtornos mentais comuns em pacientes internados em um Hospital Geral do Sul do Brasil
Common mental disorders symptoms' prevalence in a General Hospital's patients of South of Brazil
Francielle Fialho de MouraI; Marilene ZimmerII; Mariana Gautério TavaresIII; Guilherme Brandão AlmeidaIV; Daniela Barsotti SantosV
IUniversidade Federal do Rio Grande- Rio Grande, RS - franmourapsi@hotmail.com
IIUniversidade Federal do Rio Grande- Rio Grande, RS - marilenezimmer@gmail.com
IIIUniversidade Federal do Rio Grande- Rio Grande, RS - marianatav@gmail.com
IVUniversidade Federal do Rio Grande- Rio Grande, RS - brandao69@terra.com.br
VUniversidade Federal do Rio Grande- Rio Grande, - danibarsotti@gmail.com
RESUMO
O objetivo deste estudo foi rastrear os sintomas de Transtornos Mentais Comuns (TMC) em pacientes internado(a)s em um Hospital Universitário do extremo sul do Rio Grande do Sul. Trata-se de um estudo transversal, com uma amostra composta por 48 sujeitos que responderam ao Self Report Questionnaire (SRQ-20), além de questões sobre o perfil sociodemográfico, condições de saúde e de hospitalização. Foram realizadas análises descritivas segundo as frequências absolutas de cada variável e análises bivariadas na comparação da pontuação da SRQ-20 com características sociodemográficas da amostra pelo teste U de Mann-Whitney e de Kruskal-Wallis (p<0,05). Os resultados sugeriram sintomas de TMC em 19 (39,6%) participantes, sendo que 15 (78,9%) conviviam com alguma doença crônica. Houve associação estatisticamente significante entre TMC e as variáveis "estado civil" (p= 0,025) e "com quem mora" (p= 0,037), indicando menos sintomas de TCM em pacientes casado(a)s, e entre aquele(a)s que coabitavam com o(a) cônjuge ou companheiro(a). Conclui-se que SRQ-20 pode ser um importante instrumento para a avaliação psicológica do(a) paciente hospitalizado(a) no auxílio para o desenvolvimento de estratégias de cuidado em saúde mental.
Palavras-chave: saúde mental; hospital geral; doença crônica; ansiedade; depressão
ABSTRACT
The objective of the study was to screen for symptoms of Common Mental Disorders (CMD) in patients admitted to a University Hospital in the extreme south of Rio Grande do Sul. This cross-sectional study had a sample of 48 participants who answered the Self Report Questionnaire (SRQ-20) Brazilian version and sociodemographic, health condition and hospitalization questions. The data was analysed according to the absolute frequencies of each variable and the SRQ-20 score was compared with sociodemographic profile using the Mann-Whitney and Kruskal-Wallis tests (p <0.05). The results suggested symptoms of CMD in 19 (39.6%) patients, 15 (78.9%) of them had a chronic disease. There was a statistically significant association between CMD and the variables "marital status" (p = 0.025) and "living with " (p = 0.037), indicating less symptoms of TCM in married patients, and among those who cohabited with their spouse or partner. It is concluded that SRQ-20 can be an important tool for psychological assessment of hospitalized patients in helping to develop mental health care.
Keywords: mental health; general hospital; chronic illness; anxiety; depression
Introdução
O entendimento sobre o processo saúde-doença foi ressignificado ao longo do tempo nas sociedades ocidentais. Se, no passado, as causas orgânicas eram consideradas as únicas responsáveis pelo adoecimento das populações, tem-se atualmente o modelo biopsicossocial, e com ele, a necessidade da articulação de conhecimentos interdisciplinares (Marks, Murray & Estacio, 2018). No contexto da saúde pública, é esperado que o cuidado aconteça em modo multiprofissional e intersetorial pela rede de atenção à saúde, considerando ainda os recursos culturais, sanitários, afetivos, sociais e econômicos dos sujeitos e comunidades (Gondim & Pinheiro, 2019).
O hospital geral faz parte desta rede e a atuação do psicólogo hospitalar inserido em uma equipe multidisciplinar em saúde é fundamental quando se considera a saúde em modo ampliado. Nesse sentido, destaca-se a importância de pesquisar os aspectos psicológicos relacionados ao período de hospitalização, pensando-se em ações de promoção, prevenção e cuidado da saúde mental. Atualmente, é observado o aumento dos problemas de saúde mental que consistem em uma das principais causas de incapacidade funcional, bem como de violações de direitos humanos e de mortes prematuras no mundo (World Health Organization [WHO], 2019).
Gullich, Ramos, Zan, Scherer & Mendoza-Sassi, (2013) consideram que a própria experiência de internação hospitalar pode produzir efeitos deletérios para a saúde mental, como o desenvolvimento de sintomas ansiosos no(a)s pacientes. Os Transtornos Mentais Comuns (TMC) são caracterizados pela presença de sintomas depressivos, somatoformes e ansiosos, contudo, eles não preenchem os critérios do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM) para depressão e ansiedade. Estudos apontam que a identificação dos sintomas pode ser de grande valia para que sejam desenvolvidas estratégias de cuidado em saúde mental (Wiemann & Munhoz, 2015; Fortes, Villano & Lopes, 2008).
Os TMC acometem indivíduos de diversas faixas etárias, porém, as maiores taxas de TMC se destacam na população adulta (Maragno, Goldbaum, Gianini, Novaes & César, 2006). Observa-se que os TMC são mais prevalentes entre mulheres, pessoas com baixa escolaridade, baixa renda, idosos, sujeitos com percepção de apoio emocional deficitário, e entre aquele(a)s que tem condições de vida precárias (Costa & Ludermir, 2005; Parreira et al., 2017; Soares & Meucci, 2020).
Os TMC estão associados aos aspectos sociais, econômicos e psicológicos. Seus fatores de risco incluem as questões referentes à situação socioeconômica, familiar, o diagnóstico de uma doença, a perspectiva do prognóstico, o tratamento em si, a hospitalização e a ausência de rede de apoio para o enfrentamento da doença (Moreno, 2012).
A relação entre conviver com uma doença crônica e TMC foi estudada por Nogueira, Pellegrino, Duarte, Inoue e Marqueze (2019) que apontou a associação dos TMC com maior carga viral entre pessoas convivendo com HIV em seguimento clínico. A frequência dos sintomas de TMC pode ser ainda maior em sujeitos com comorbidades, o que desvela a necessidade de traçar estratégias de manejo interdisciplinares para o restabelecimento da saúde mental. Nesse sentido, é importante que a intervenção psicológica seja pautada nos recursos biológicos, emocionais, sociais e culturais de enfrentamento do sujeito durante todo processo que inclui o diagnóstico, o tratamento e as possíveis dificuldades que podem surgir em decorrência do adoecimento (Marks et al., 2018).
O tratamento psíquico do paciente no contexto hospitalar não apenas contribui para seu estado psicológico como auxilia na adesão ao tratamento. Nesse aspecto, o atendimento psicológico também objetiva estimular o(a) paciente a ter uma participação mais ativa e positiva em seu tratamento, principalmente com relação às doenças crônicas o que resultaria na melhora do quadro geral clínico ao evitar o abandono dos cuidados com sua saúde. Uma alternativa para o acompanhamento das doenças mentais no hospital, visando o cuidado integral, seria aliar os conhecimentos da psicologia aos da equipe multidisciplinar. A realização da avaliação psicológica é necessária para conhecer o estado mental da pessoa hospitalizada. Ela tem por finalidade principal organizar o trabalho do(a) psicólogo(a) para que sejam identificadas as demandas do(a) paciente, e com isso sejam propostas intervenções psicológicas (Remor, 2019).
Um instrumento que pode auxiliar no rastreio dos TMC é o Self Report Questionnaire (SRQ), o qual foi desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para avaliar a presença dos sintomas de TMC (Santos, Araújo, Pinho & Silva, 2010). O SRQ-20 apresenta propriedades psicométricas coerentes e fidedignas, além de ser uma escala validada dentro da medida unifatorial (Moreira, Bandeira, Cardoso & Scalon, 2011). Essa escala tem ampla utilização na atenção primária para o rastreamento do nível de suspeição de TMC (Moskovics & Machado, 2019). O instrumento foi adaptado e validado para utilização no Brasil (SRQ-20) e contém 20 questões para detecção de distúrbios menores (ansiedade, depressão, doenças psicossomáticas, irritação e cansaço mental) em nível de suspeição (Presença/Ausência) de algum transtorno mental, porém, não discrimina um diagnóstico específico (Santos, Araújo, Pinho & Silva, 2010).
Segundo Cunha (2017), a aplicação do SRQ-20 no ambiente hospitalar possibilita o desenvolvimento de estratégias a fim de prevenir o sofrimento psíquico e futuras complicações psicológicas. Diante do exposto, o presente estudo teve por objetivo rastrear os sintomas de TMC em pacientes internados em uma unidade de Clínica Médica de um Hospital Universitário do extremo sul do Rio Grande do Sul.
Método
Trata-se de um estudo exploratório de delineamento transversal, desenvolvido com pacientes internado(a)s na Unidade de Clínica Médica de um Hospital Universitário de uma cidade de médio porte do Rio Grande do Sul. A pesquisa foi realizada nessa unidade por atender pacientes acometido(a)s por agravos de doenças crônicas que necessitam maior tempo de internação. A definição da amostra se deu por conveniência, a partir da relação do número total de pacientes internado(a)s durante os meses da coleta de dados no ano de 2017. Foram considerado(a)s elegíveis para a pesquisa, todos o(a)s pacientes acima de 18 anos que estavam internado(a)s na unidade nos meses de junho, julho e agosto do referido ano. A aplicação dos questionários individuais ocorreu duas vezes por semana, sendo que o tempo médio de preenchimento do instrumento foi de 30 minutos. A coleta dos dados contemplou a explicação dos propósitos da pesquisa, a apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e de um questionário autoaplicável. Caso o(a) paciente fosse analfabeto(a) ou sua situação de saúde impossibilitasse o preenchimento do instrumento, ele era respondido com auxílio da pesquisadora principal. Após a coleta, os dados eram armazenados em uma pasta, sem identificar o(a) paciente ou o seu leito.
O instrumento continha o SRQ-20, cujo escore é realizado pela somatória dos pontos obtidos nas 20 questões. É contado um ponto para cada resposta afirmativa que indica a presença de sintoma de TMC e as respostas negativas não são pontuadas. A classificação dos sintomas de TMC se dá pela obtenção de sete ou mais pontos (Carlotto, Barcinski & Fonseca 2015). Também foram incluídas outras questões com a finalidade de investigar o perfil sociodemográfico e a condição de saúde e hospitalização do participante. As variáveis independentes foram: sexo, idade, estado civil, escolaridade, filhos, com quem mora, situação financeira, primeira internação, motivo da internação, presença de doenças crônicas, utilização de medicamentos de uso contínuo, presença de Diabetes Mellitus (DM), Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), Hipotireoidismo, Hipertireoidismo, doença de Parkinson e presença de Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV).
Os dados foram tabulados no Software livre Excel, com transcrição pelo Software Stata Transfer para o pacote estatístico Stata versão 13.1, onde foi feita a análise dos dados. Foram realizadas análises descritivas, reportando as frequências absolutas de cada variável, e análises inferenciais não paramétricas com a utilização do teste U de Mann-Whitney e de Kruskal-Wallis. Os resultados cujos valores de p eram inferiores a 0,05 foram considerados significantes estatisticamente. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, parecer 75/2017, CAAE: 67617517.0.0000.5324.
Resultados
Participaram da pesquisa 48 sujeitos, sendo que não houve perdas ou recusas no preenchimento do instrumento. Do total de participantes, pouco mais da metade era do sexo feminino (52%) e a faixa etária variou de 20 a 87 anos, com média da idade de 50,4 anos (DP=16,3) e mediana de 48 anos. A maioria do(a)s pacientes havia cursado até o Ensino Fundamental Completo (40; 83,3%), era casado(a) (20; 41,6%), com filhos (42; 87,5%), morava com familiares (36; 77,8%) e possuía renda (37; 77,1%), conforme Tabela 1.
Com relação à condição de saúde e histórico de hospitalização, a maioria do(a)s participantes apresentava alguma doença crônica (38; 79,2%), possuía Diabetes Mellitus (10; 20,8%), Hipertensão (24; 50%), DPOC (11; 22,9%), HIV (8; 16,7%), Alzheimer (3; 6,2%), Hipotireoidismo (2; 4,2%), doença de Parkinson (1; 2,1%) e Hipertireoidismo (1; 2,1%). A maior parte tomava medicação de uso contínuo (38; 79,2%) e já havia sido internada anteriormente (32; 66,7%). Os motivos da internação referidos pelo(a)s participantes foram diversos. As causas mais frequentes foram as neoplasias (9; 18,7%), HIV (3; 6,2%), AVC (3; 6,2%), pancreatite (3; 6,2%) e pneumonia (3; 6,2%).
Entre o(a)s 48 participantes, observou-se que 19 (39,6%, IC95%=25,8-54,7), obtiveram a pontuação sete ou mais da SRQ-20, sugerindo a manifestação de sintomas que caracterizam TMC. A amplitude da pontuação obtida foi de um a 19 e a média foi de 5,8 pontos. Do(a)s 19 participantes com TMC, 15 (78,9%) referiram alguma doença crônica. A frequência por grupo de sintomas se deu em maior proporção entre "Humor depressivo/ansioso" (85; 30,8%) e "Sintomas somáticos" (85; 30,8%), seguidos pelos grupos "Decréscimo de energia" (71; 25,7%) e "Pensamentos depressivos" (35; 12,7%). A Tabela 2 apresenta as frequências absolutas dos sintomas de TMC obtidos na amostra. Os sintomas mais prevalentes foram "sentir-se triste" (21; 43,7%), "encontrar dificuldade para realizar com satisfação as atividades diárias" (20; 41,6%), "falta de apetite" (18; 37,5%), "dormir mal" (18; 37,5%), "chorar mais do que costume" (18; 37,5%).
A Tabela 3 apresenta os resultados das análises bivariadas realizadas por meio da comparação da pontuação da escala SRQ-20 com características sociodemográficas da amostra. Os resultados apontaram relação estatisticamente significante entre TMC e as variáveis "estado civil" (p= 0,025) e "com quem mora" (p= 0,037), indicando menos sintomas de TCM no(a)s pacientes casado(a)s, e entre aquele(a)s que coabitavam com o(a) cônjuge ou companheiro(a).
Discussão
Foi observado neste estudo maior frequência dos sintomas de TMC entre o(a)s participantes que possuíam doenças crônicas. O perfil da amostra é condizente com o do(a)s usuário(a)s do hospital universitário em que a pesquisa foi conduzida. O local se configura como referência no atendimento aos(às) pacientes com doenças crônicas (Lunardi et al., 2016).
Com relação as características sociodemográficas do(a)s participantes, houve menos sintomas de TMC em participantes casado(a)s e entre aquele(a)s que moravam com o(a)s companheiros(a)s. A associação entre apresentar TMC e estar solteira/separada/viúva foi observada por Soares e Meucci (2020) em estudo realizado no mesmo município em que esta pesquisa foi conduzida. A amostra foi composta por 906 mulheres com idades entre 18 e 49 anos. Os autores indicaram que uma em cada três mulheres da zona rural do município apresenta TMC. Ainda foi apontado maior risco para TMC entre as mulheres com menos anos de escolaridade, aquelas que sofreram aborto durante a vida e as tabagistas (Soares & Meucci, 2020).
Os índices de TMC obtidos no presente estudo corroboram com os resultados de outros estudos brasileiros. Em pesquisa realizada na região Sudeste foi encontrada uma prevalência de 23,2% de TMC, utilizando-se também o instrumento SRQ-20. O estudo referido teve amostra composta por 297 adultos de ambos os sexos, com idade entre 18 a 59 anos, assistidos pela Estratégia Saúde da Família (ESF) (Souza et al., 2017). Na mesma região, uma pesquisa realizada com 106 usuário(a)s de Unidade Básica de Saúde (UBS) do interior paulista evidenciou a prevalência de 50% de TMC (Gomes, Miguel & Miasso, 2013).
Alguns estudos apresentam os sintomas de humor depressivo-ansioso como os mais frequentes de acordo com os resultados que foram obtidos. Em pesquisa conduzida na atenção primária com 607 indivíduos, os sintomas mais prevalentes foram: "sentir-se nervoso (a), tenso (a) ou preocupado (a)" (65,7 %), e "sentir-se triste ultimamente" (41,4%) (Lucchese, Sousa, Bonfin, Vera & Santana, 2014). Outro estudo realizado em Minas Gerais, cuja amostra foi de 360 usuárias de UBSs, com idades entre 18 e 79 anos, apontou o predomínio do grupo de sintoma "Humor Depressivo/Ansioso" e maior percentual de respostas afirmativas para "sentir-se nervoso (a), tenso (a) ou preocupado(a)" (74,2%) (Vidal et al., 2013).
Silva et al. (2018) realizaram uma pesquisa na Bahia que indicou a prevalência de 55,8% de TMC em uma amostra de 310 idoso(a)s. A pesquisa indicou como sintomas mais frequentes: "assustar-se com facilidade" (57,4%) e "sentir-se nervoso (a), tenso(a) ou preocupado(a)" (54,5%). A exposição aos TMC é maior durante o envelhecimento, considerando a presença de comorbidades e de condições precárias de vida como fatores que podem estar relacionados ao quadro (Silva et al., 2018).
Nos resultados do presente estudo, não foram encontradas associações estatisticamente significantes entre TMC e as variáveis sociodemográficas sexo, idade, escolaridade e renda. Nesse sentido, reafirma-se a sugestão de Gumarães e Caldas (2006) para que sejam realizadas pesquisas que explorem o efeito das variáveis sociodemográficas, comportamentais, biológicas, ambientais e sociais na repercussão do desenvolvimento dos sintomas de TMC.
Faz-se necessário levantar algumas limitações do presente estudo, como o tamanho reduzido da amostra analisada e a utilização de um instrumento não padronizado para uso hospitalar sem a combinação com outras escalas. Considera-se que a própria situação de hospitalização pode ser um fator a influenciar as respostas para algumas questões do grupo de sintomas somáticos, como "falta de apetite" e "dificuldades com sono" do SRQ-20.
Para superar tal limitação, sugere-se a utilização de outros instrumentos específicos para ansiedade e depressão conjuntamente ao SRQ-20. Entre os métodos diagnósticos dos transtornos mentais, recomenda-se a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS) adaptada e validada por Botega, Bio, Zomignani, Garcia e Pereira (1995). Esse instrumento visa detectar transtornos afetivos não psiquiátricos em graus leves, enfatizando assim os aspectos emocionais ansiogênicos e deprimidos (Nunes, Rios, Magalhães & Costa., 2013).
Como implicação do presente estudo à prática do(a) psicólogo(a) hospitalar, sobretudo no acompanhamento dos sujeitos com comorbidades e agravos de doenças crônicas, tem-se nos resultados a proposição de subsídios que auxiliem na formação profissional, compreende-se que a avaliação psicológica no hospital pode ser embasada pela combinação de técnicas e instrumentos variados. Tal combinação é de grande valia para a atuação do(a) psicólogo(a) em equipe multiprofissional, principalmente nas situações que demandam a análise das comorbidades psicológicas com doenças orgânicas, das complicações psicológicas decorrentes das doenças somáticas, das reações psicológicas às doenças orgânicas, dos efeitos somáticos de sofrimento psicológico e a formulação dos diagnósticos diferenciais ou do descarte de causas de sintomas inexplicáveis (Remor, 2019).
A avaliação psicológica possibilita que sejam desenvolvidas estratégias de intervenção psicológica no auxílio do(a)s pacientes na adesão e continuidade ao tratamento. Aliada às intervenções psicoterapêuticas, podem ser propostas ações de educação em saúde ou psicoeducação individuais e/ou grupais (Knebel & Marin, 2018). Nesse sentido, percebe-se a importância de o(a)s pacientes compreenderem suas crenças em relação à saúde-doença, para que possam refletir sobre as condutas de autocuidado que são adotadas no cotidiano, após a alta hospitalar. Ainda levando em consideração o importante componente sociocultural que permeia as crenças sobre saúde e o adoecer (Marks et al., 2018; Brito, Mondelo & Remor, 2018). O modo como o(a) paciente vivencia a sua enfermidade é um acontecimento singular, pensando-se que se tem início de um processo de ressignificação que envolve a subjetividade, as emoções, os pensamentos, as crenças e as relações familiares e com as demais pessoas no entorno (Almeida & Malagris, 2015).
Conclusão
A utilização do instrumento SRQ-20 permitiu o rastreamento de pacientes com sintomas de TMC que estavam internado(a)s na unidade de clínica médica de um hospital universitário no extremo sul do Rio Grande do Sul. O SRQ-20 demostrou ser um instrumento alternativo para o ambiente hospitalar, ainda que essa escala seja mais utilizada na atenção primária à saúde. Neste estudo, se detectou a presença de sintomas sugestivos de TMC em 39,6% da amostra. Houve relação estatisticamente significante entre TMC e o estado civil e com quem coabita, apontando menos sintomas de TCM no(a)s pacientes casado(a)s, e entre aquele(a)s que coabitavam com o(a) cônjuge/ companheiro(a), o que instiga o desenvolvimento de futuros estudos sobre essa temática. Faz-se necessário o desenvolvimento de pesquisas multicêntricas com maiores amostras, para que seja possível analisar a sintomatologia dos TMC no hospital geral. Sugere-se que o SRQ-20 seja utilizado no ambiente hospitalar por ser um instrumento de fácil acesso, de baixo custo, e que poderá auxiliar no desenvolvimento de estratégias de cuidado em saúde mental.
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Francielle Fialho de Moura - Psicóloga, Especialista na Saúde Cardiometabólica do Adulto, Residência Integrada Multiprofissional Hospitalar com Ênfase na Atenção à Saúde Cardiometabólica do Adulto (RIMHAS), Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
Marilene Zimmer - Psicóloga, Doutorado em Ciências Médicas: Psiquiatria - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Associada III , Curso de Psicologia, Instituto de Ciências Humanas e da Informação (ICHI), FURG.
Mariana Gautério Tavares - Psicóloga, mestrado Temas em Psicologia, Universidade do Porto (FPCEUP), especialista em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental (IWP). Integrante do VIVAZ- Interfaces em Psicologia e Saúde (CNPq). Preceptora da RIMHAS- FURG e psicóloga do Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Corrêa Jr. (HU-FURG/EBSERH).
Guilherme Brandão Almeida - Médico no HU-FURG/Ebserh, mestrado em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande, professor da RIMHAS, FURG.
Daniela Barsotti Santos - Psicóloga, doutorado em Enfermagem, pós-doutorado em Saúde Coletiva, Universidade de São Paulo. Líder do VIVAZ (CNPq) e integrante do LEPPS, FFCLRP-USP. Professora adjunta da Graduação e Mestrado em Psicologia, e RMS, ICHI, FURG.