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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.24 no.1 São Paulo jan./jun. 2021

 

Prevalência de Disfunções Cognitivas em Pacientes com Diabetes Tipo 2

 

Prevalence of Cognitive Disfunctions in Patients with Type 2 Diabetes

 

 

Raquel da Silva Aguiar CarvalhoI; Marciana ZambilloII; Letícia de Oliveira RubiraIII; Guilherme Brandão AlmeidaIV; Leandro Quadro CorrêaV; Mariana Gautério TavaresVI

IUniversidade Federal do Rio Grande, Rio Grande/RS - raquel.s.aguiar@hotmail.com
IIUniversidade Federal do Rio Grande, Rio Grande/RS. - marciana.zambillo@ebserh.gov.br
IIIUniversidade Federal do Rio Grande, Rio Grande/RS - lorubira@yahoo.com.br
IVUniversidade Federal do Rio Grande, Rio Grande/RS - poa1029381@terra.com.br
VUniversidade Federal do Rio Grande, Rio Grande/RS. - leandroqc@hotmail.com
VIUniversidade Federal do Rio Grande, Rio Grande/RS. - marianatav@gmail.com

 

 


RESUMO

Indivíduos com diabetes tipo 2 (DM2) apresentam maior risco de desenvolver algum grau de disfunção cognitiva, quando comparados à população geral. Considerando a importância da prevenção e diagnóstico das disfunções cognitivas, em pacientes com DM2, e os poucos estudos desta área, os objetivos da pesquisa consistiram em determinar a prevalência de disfunções cognitivas em pacientes com DM2, em tratamento clínico, por meio do Montreal Cognitive Assessment (MoCA) teste. Além disso, pretendeu-se associar os índices de disfunções cognitivas a outras características neuropsicológicas, aspectos sociodemográficos e variáveis clínicas. Trata-se de um estudo transversal cuja amostra foi composta por 120 participantes que realizaram o teste de cognição global MoCA. Foi identificada uma prevalência de disfunções cognitivas em 86,7% da amostra (MoCA 26), o que foi associado às variáveis idade, escolaridade e pressão arterial. Esta pesquisa indicou uma alta prevalência de alterações cognitivas na população estudada, o que sugere necessidade de atenção tanto na formação das equipes multiprofissionais que atuam com DM2 quanto na elaboração de estratégias que auxiliem o paciente na compreensão do diagnóstico e adesão ao tratamento.

Palavras-chave: disfunções cognitivas; diabetes tipo 2; MoCA.


ABSTRACT

Individuals with type 2 diabetes (T2D) are at higher risk of developing some degree of cognitive dysfunction when compared to the general population. Considering the importance of prevention and diagnosis of cognitive changes in patients with T2D, as well as the few studies in this area, the objective of this research was to determine the prevalence of cognitive dysfunctions in patients with T2D in clinical treatment through the Montreal Cognitive Assessment (MoCA) test and associate the dysfunction indexes with neuropsychological characteriscts, sociodemographic aspects and clinical variables. This is a cross-sectional study whose sample was composed of 120 participants who took the MoCA global cognition test. Was found a prevalence of cognitive changes in 86.7% (MoCA 26) of the sample, which was associated with the variables age, education, and blood pressure. This study showed a high prevalence of cognitive dysfunctions in the studied populations, what should be taken into account by the multi-professional teams that work with this audience, as well as in the development of strategies that help the patient in understanding his diagnosis and adherence to treatment.

Keywords: cognitive dysfunctions; type 2 diabetes; MoCA


 

 

Introdução

Existem 463 milhões de pessoas com diabetes, em todo o mundo, e acredita-se que, até 2030, esse número subirá para 578 milhões. Três, em cada quatro pessoas, que vivem com diabetes (352 milhões) têm idade ativa, ou seja, entre 20 e 64 anos. Estima-se que esse número aumente para 417 milhões, em 2030, e para 486 milhões, em 2045 (Federação Internacional de Diabetes [IDF], 2019).

O diabetes é uma desordem metabólica caracterizada por níveis elevados de glicose no sangue, resultado de defeitos na secreção e/ou ação da insulina (Sanzana & Durruty, 2016). Embora o diabetes, tipo 1 (DM1), seja mais comum em crianças; e, o diabetes mellitus, tipo 2, (DM2) em adultos, ambas ocorrem nas duas faixas etárias (American Diabetes Association, 2019).

Dentre as complicações do diabetes, existem aquelas que ainda são pouco estudadas, principalmente no Brasil, como as alterações cognitivas associadas à doença. O termo disfunção cognitiva tem sido usado na literatura para definir qualquer mudança do funcionamento cognitivo normal, podendo variar de sutil a severa. Apresenta importantes implicações para o manejo clínico do paciente a alta correlação entre DM2, com diferentes tipos de disfunções cognitivas (Biessels & Despa, 2018).

Evidências epidemiológicas sugerem que o DM2 é fortemente relacionado ao comprometimento da função cognitiva e anormalidades estruturais do cérebro (Biessels & Reijmer, 2014; Barbagallo, 2014; Moheet, Mangia & Seaquist, 2015). Tal associação tem sido descrita na literatura (Koekkoek, Kappelle, van den Berg, Rutten, & Biessels, 2015; Zhang et al., 2017). No entanto, não podemos considerar a disfunção cognitiva em relação à doença como uma variável independente única. Existem diferentes estágios de disfunções cognitivas associadas com a enfermidade, cada qual com diferentes características, grupos etários afetados, prognósticos e, provavelmente, com diferentes mecanismos. Logo, as manifestações e prognósticos das disfunções cognitivas relacionadas ao diabetes variam, a depender do tipo de diabetes que um paciente tem e da sua idade (Biessels & Despa, 2018).

Em adultos com DM2, podemos dividir as disfunções do funcionamento cognitivo em aproximadamente três estágios, de acordo com a gravidade: decréscimos cognitivos associados a diabetes, comprometimento cognitivo leve (CCL) e demência (Biessels, Staekenborg, Brunner, Brayne & Scheltens, 2006).

Estudos demonstraram que os fatores contribuintes para associação entre comprometimento cognitivo e DM2 incluem o controle glicêmico deficiente; as complicações microvasculares, como retinopatia, nefropatia e neuropatia; e complicações macrovasculares, como doenças cardiovasculares e doença arterial periférica; além de comorbidades, como hipertensão arterial, dislipidemia e obesidade (Ryan, Fine & Rosano, 2014; Morris, Vidoni, Honea & Burns, 2014).

O MoCA é indicado para o rastreio cognitivo global em indivíduos com insuficiência cerebrovascular (Ihara, Okamoto & Takahashi, 2013), doença de Parkinson, (Litvan et al., 2012), DM (Alagiakrishnan, Zhao, Mereu, Senior, & Senthilselvan, 2013), e doença renal crônica (DRC).

Tendo em vista a importância do diagnóstico de síndromes, potencialmente demenciais em indivíduos com DM2 e as poucas pesquisas com esta população, principalmente brasileiras, os objetivos deste estudo consistiram em determinar a prevalência de disfunções cognitivas, em pacientes com diagnóstico de DM2, em tratamento clínico. Para tanto, utilizou-se o MoCA teste, a fim de associar os índices de disfunção a outras características neuropsicológicas, aspectos sociodemográficos e variáveis clínicas. A hipótese dos pesquisadores, considerando toda a literatura apresentada, era encontrar uma prevalência de disfunções cognitivas nos pacientes com diagnóstico de DM2, que justificasse, ao menos parcialmente, as dificuldades na adesão ao tratamento e dificuldade na compreensão das orientações recebidas pelos profissionais de saúde.

 

Método

Trata-se de um estudo transversal, realizado com pacientes com DM2, a partir de 18 anos de idade, entre os meses de maio a setembro de 2019. O local de estudo foi o Ambulatório do Centro Integrado do Diabetes (CID) do Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Corrêa Jr. (HU/FURG/EBSERH).

Participantes

Usuários do CID/HU/FURG/EBSERH, maiores de 18 anos, com diagnóstico de DM2, em tratamento clínico. Foram convidados 147 pacientes; nove, porém, recusaram, sete compareceram à avaliação, mas não preencheram os critérios de inclusão; e 11 não compareceram à avaliação, o que resultou em uma amostra de 120 pacientes. Os critérios de exclusão foram: possuir diagnóstico clínico de sequelas de acidente vascular cerebral (AVC), delirium, alterações psiquiátricas graves, deficiência mental, traumatismo crânio encefálico (TCE) prévio, demência vascular cerebral, comprometimento motor, distúrbios visuais e auditivos que impediam a realização dos testes, doenças infecciosas nos últimos três meses, AIDS e doenças neurológicas que tenham afetado o sistema nervoso central.

Instrumentos

Para coletar os dados sociodemográficos, empregou-se o instrumento MoCA, exceto, o quesito renda familiar, para o qual foi criado questionário unitário. Os dados, referentes à história clínica do paciente, foram retirados do prontuário. Coletou-se as informações sobre a cognição por intermédio do teste de rastreio de cognição global, MoCA, para o qual se utilizou o ponto de corte 26, conforme proposto por Nasreddine et al. (2005).

Procedimentos

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa na área da Saúde (CEPAS) do HU/FURG/EBSERH pelo parecer Nº 83/2019 e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Plataforma Brasil, sob o número 10603319.9.0000.5324. Constituiu-se a amostra, em maior parte por conveniência, com pacientes que aguardavam na sala de espera pela consulta clínica com algum dos profissionais que atendem no CID. Para evitar fadiga, certos usuários foram contatados por telefone e agendados em dia diferente ao da consulta clínica. Os sujeitos eram convidados a participar da pesquisa e recebiam informações sumárias sobre como seria a coleta de dados. Após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os instrumentos eram aplicados sempre na mesma ordem, por uma avaliadora treinada para a testagem. A coleta de dados era realizada em ambiente silencioso, em uma sessão, em torno de uma hora, com cada paciente. Posteriormente, os testes foram corrigidos por duas profissionais, com o objetivo de evitar erros nos dados.

Análise de dados

Os dados foram analisados com o programa STATA 14.0. Foi feita uma análise descritiva dos sujeitos da amostra em termos das características cognitivas e das variáveis sociodemográficas, clínicas e laboratoriais. A análise bruta entre o desfecho e as variáveis independentes foi testada por meio de testes de Qui-quadrado para diferença de proporção ou do teste exato de Fisher quando as variáveis não atendiam aos pressupostos do Qui-quadrado e Qui-quadrado para tendência linear.

Respeitando o modelo hierárquico composto por cinco níveis, a análise multivariável foi conduzida através de regressão de Poisson. No nível mais distal, incluiu-se as variáveis idade, sexo, cor da pele, escolaridade e renda familiar; no segundo nível, IMC, pressão arterial sistólica, pressão arterial diastólica, colesterol LDL e colesterol HDL; no terceiro nível, creatinina, microalbuminúria e clearence renal; no quarto nível, hemoglobina glicada, tempo de diagnóstico do diabetes e no nível proximal a fluência verbal e avaliação da realização de tarefas executivas. Os efeitos das variáveis foram controlados para as variáveis do mesmo nível e superiores; manteve-se, na análise, todas aquelas que apresentaram valor p<0,2. O nível de significância estabelecido foi de 5% (Ferreira & Patino, 2016).

 

Resultados

Participaram, desta pesquisa, 120 sujeitos diagnosticados com DM2, que realizam tratamento periódico no CID/FURG. A média de idade foi de 60,1 anos (DP = 10,4 anos): 60,7% do sexo feminino e 39,3% do sexo masculino. Apresentaram renda familiar média de R$ 2.389,53 (DP = 1.380,66) e média de 7,9 anos de estudo (DP = 3,9 anos); 74,2% dos participantes se declararam brancos.

Os pacientes avaliados tinham diagnóstico de DM2, em média há 12,4 anos (DP = 9,5), e apresentaram média de hemoglobina glicada de 7,6 (DP = 1,6). A maior parte, 39,3%, foi considerada com sobrepeso, apresentou insuficiência renal leve (44,2%) e pressão arterial sistólica, em média 130,6 (DP = 17,8), e a diastólica 78,4 (DP = 12,0). Em 13,3% dos pacientes, a creatinina se mostrou elevada, e a microalbuminúria foi igual ou superior à 30mg em 24,7% dos sujeitos.

A prevalência de sujeitos que tiveram pontuação igual ou inferior a 26 no MoCA foi de 86,7% (IC95%: 79,3 a 91,7), o que indica a prevalência de algum grau de disfunção cognitiva na maior parte da amostra. Neste instrumento, a pontuação média foi de 21,0 (DP =4,5).

 

 

Na análise bruta, verificou-se que a alta prevalência de alterações cognitivas avaliadas por meio do MoCA esteve associada com idade superior a 70 anos (20% mais risco, quando comparado a idade inferior a 50 anos). Fatores de proteção ao comprometimento cognitivo também foram identificados. São eles: ser de raça branca (proteção de 8% em comparação a pessoas de raça negra); ter 12 anos ou mais de estudo (22% de proteção em comparação a quem tinha quatro anos ou menos); e possuir pressão arterial diastólica (PAD) superior a 90 mm.Hg (12% de proteção em comparação a pessoas com PAD menor que 90 mm.Hg).

Na análise ajustada, permaneceram associados a um melhor desempenho no MoCA a maior escolaridade. Pessoas com 12 anos ou mais de estudo mantiveram a proteção, porém, esta proteção teve uma leve redução - de 22% para 20% - contra o baixo desempenho no MoCA, em comparação a quem tinha 4 anos ou menos de estudo.

 

Discussão

Os objetivos, deste estudo, consistiram em determinar a prevalência de disfunções cognitivas em pacientes com DM2, com idade a partir de 18 anos, e associar os índices de disfunções cognitivas aos aspectos sociodemográficos e às variáveis clínicas. Dos sujeitos avaliados, os escores do MoCA indicaram a presença de algum grau de disfunções cognitivas em 86,7% (IC95%: 79,3 a 91,7).

Damanik et al. (2019) identificaram um resultado semelhante num estudo realizado na Indonésia com uma amostra de 97 participantes. Dos sujeitos avaliados pelo MoCA, 48,5% apresentaram a disfunção cognitiva denominado comprometimento cognitivo leve (CCL). Os resultados evidenciaram que, mesmo depois de restringirem os indivíduos a menores de 60 anos, o CCL ainda foi uma questão importante entre os pacientes com DM2.

Com relação à escolaridade no MoCA, pessoas com 12 anos ou mais de estudo apresentaram proteção de 22%, em comparação a quem tinha 4 anos ou menos de estudo. Isso porque, nos testes cognitivos, a educação é considerada um parâmetro para o estabelecimento de dados normativos, e o impacto do nível de educação no desempenho cognitivo está bem estabelecido na literatura (Zhou et al., 2014; Rossato, Kochhann, de Salles, Pimenta & Fonseca, 2018; Pinto et al., 2018). Dessa forma, um melhor desempenho, em testes cognitivos, é esperado em indivíduos com nível de escolaridade mais alto, pois além de proporcionar reserva cognitiva, a escolaridade funciona como mecanismo protetor de quadros demenciais (Cecato, Montiel, Bartholomeu & Martinelli, 2014).

Verificou-se que a alta prevalência de disfunções cognitivas, avaliada através do MoCA, esteve associada com a idade superior a 70 anos. O DM2 é um forte preditor de comprometimento cognitivo e declínio em adultos mais velhos. Além disso, adultos mais velhos com DM2 sofrem declínio cognitivo global, dobrada, comparadas aqueles sem a doença num intervalo de 5 anos (Tilvis, Kahonen-Vare, Jolkkonen, Valvanne, Pitkala, & Strandberg, 2004). A desaceleração cognitiva geral, considerada um marcador do envelhecimento acelerado do cérebro e do risco de demência, está relacionada ao DM2 em adultos de meia-idade e mais velhos (Mehrabian et al., 2012; McCrimmon, Ryan & Frier, 2012). Embora o diabetes também possa aumentar o risco precoce de demência, ou seja, antes dos 65 anos de idade, (Heath, Mercer, & Guthrie, 2015; Kadohara, Sato & Kawakami, 2017) a maior parte dos indivíduos com diabetes que desenvolveram demência estão bem acima dos 65 anos de idade, assim como pessoas sem diabetes (Prince, Bryce, Albanese, Wimo, Ribeiro, & Ferri, 2013). Cabe ressaltar que, sendo o MoCA um teste de rastreio cognitivo global, uma avaliação neuropsicológica mais detalhada, com o uso de testes específicos, seria mais eficaz na análise das funções cognitivas. Portanto, a ausência desses testes limitou o estudo. Outra limitação consistiu na não utilização de instrumentos funcionais, para avaliar o impacto da disfunção cognitiva nos pacientes com DM2.

Neste estudo, as variáveis clínicas tempo de diagnóstico, hemoglobina glicada, IMC e clearence não apresentaram associação significativa com as disfunções cognitivas, provavelmente pelo fato de o tamanho da amostra ter ficado aquém do número de pessoas necessárias para encontrar tal relação, além do fato dos participantes se encontrarem em tratamento num serviço especializado em diabetes. Estudos realizados com amostras maiores já atestaram a relação dessas variáveis com o CCL com progressão para demência (Pal, Mukadam, Petersen & Cooper, 2018).

Os pacientes estudados informaram ter tempo de diagnóstico médio de 12,4 anos (DP = 9,5). Um estudo de revisão sistemática e metanálise, que reuniu dados de 6865 pessoas com diabetes, pré-diabetes e síndrome metabólica (SM), demonstrou que, ter mais tempo de diagnóstico, está associado a um risco aumentado de progressão para a demência (Pal et al., 2018). Nesses estudos, são relatados aumento no risco de demência de 40 a 60% em pessoas que vivem com diabetes há 5 anos ou mais, em relação àquelas diagnosticadas mais recentemente (Bruce et al., 2008).

Na literatura, o controle glicêmico inadequado é visto como fator de risco para as disfunções cognitivas no diabetes, por isso tem recebido muita atenção entre os pesquisadores dessa área. Evidências relacionadas mostram que níveis elevados de hemoglobina glicada (HbA1c) estão ligados aos decréscimos cognitivos associados a diabetes, mas a força da relação é inconsistente (Geijselaers, Sep, Stehouwer & Biessels, 2015). A literatura em desenvolvimento também indica que, além dos níveis de glicose cronicamente elevados, flutuações ou picos nos níveis de glicose podem estar relacionados aos decréscimos cognitivos, assim como um elevado risco de demência (Biessels & Despa, 2018). Neste estudo, a média de hemoglobina glicada encontrada foi 7,6 (DP = 1,6), um valor considerado alto pela Sociedade Brasileira de Diabetes, American Diabetes Association, International Diabetes Association, International Diabetes Federation e American Association of Clinical Endocrinologists (Forte, Fernandes, Queiroz, Carvalho & Gadelha, 2019).

A adiposidade corporal total e a adiposidade central da meia-idade foram associadas a riscos aumentados de demência em pessoas com DM2, pré-diabetes e SM. Nos EUA, os resultados de um estudo de coorte prospectivo, em 10.276 pessoas, demonstraram taxa de risco para o desenvolvimento de demência de 17% maior, em pessoas com um (IMC) 30, e uma taxa de risco de 13% em pessoas com um IMC de 25 a 29,9 (Whitmer, Gunderson, Barrett-Connor, Quesenberry & Yaffe, 2005). Uma revisão sistemática encontrou associação entre alto IMC e aumento do risco de demência em cinco dos nove estudos (Kloppenborg, van den Berg, Kappelle, & Biessels, 2008). Apesar de 39,3% dos sujeitos da nossa amostra serem considerados com sobrepeso, não se notou associação significativa entre IMC e alterações na cognição global.

Uma parte significativa dos sujeitos apresentou insuficiência renal leve (44,2%), o que pode ser considerada uma limitação deste estudo, uma vez que há evidências de pacientes com manifestações de doença microvascular, a saber, doença renal crônica, com performance cognitiva piorada (Biessels, Stranchan, Visseren, Kappelle & Whitmer, 2014; Feinkohl et al., 2015). O CCL, por exemplo, acomete, principalmente sujeitos em estágios mais severos (pré-dialítico) (Paraizo et al., 2016). Este grupo de pessoas estão em risco aumentado de demência (Exalto et al., 2013; Haroon, Austin, Shah, Wu, Hill & Both, 2015); quando comparados com pessoas que não manifestam esses sintomas.

Um estudo de coorte holandês encontrou uma associação entre CCL e maior pressão arterial no estágio pré-diabetes (Van Den Berg et al., 2009), já em estudos de coorte com pacientes idosos com DM2, a pressão arterial elevada foi identificada como um fator de risco para o desenvolvimento de demência (Umegaki et al., 2012). Em razão de muitos estudos na população geral terem demonstrado a importância dos fatores de riscos vasculares (especialmente durante a meia idade) para o risco de demência (Norton, Matthews, Barnes, Yaffe & Brayne, 2014; de Bruijn et al., 2015), e em face de que a pré-diabetes e DM2 sejam associadas com um perfil de risco vascular oposto (IDF, 2017), é razoável considerar que estes fatores contribuem para o risco de demência entre pacientes com DM2. Assim sendo, constituem-se em um possível foco para terapias preventivas.

No nosso estudo, a variável PAD se difere em relação ao que vem sendo reportado na literatura. A PAD acima de 90 mm.Hg foi considerada protetora contra o risco de disfunções cognitivas em relação às pessoas que tinham PAD abaixo de 90 mm.Hg. Este resultado pode estar enviesado em decorrência da aferição, uma vez que o dado foi coletado do prontuário dos pacientes, considerando a última aferição feita em consulta, realizada por diferentes profissionais atuantes no ambulatório onde a pesquisa foi desenvolvida.

Atualmente, não há tratamentos estabelecidos que possam deter ou atrasar os processos relacionados às disfunções cognitivas, exceto por um adequado manejo do fator de risco cardiovascular. Estas estratégias de prevenção vasculares se aplicam a pacientes de todas as faixas etárias (Biessels & Despa, 2018). Nesse contexto, a equipe interdisciplinar se torna indispensável para o manejo integral desses pacientes.

A depressão é identificada como fator de risco potencial para disfunção cognitiva em pessoas com diabetes (Feinkohl et al., 2015; Geijselaers, Sep, Stehouwer & Biessels, 2015). Justifica-se, em parte, a alta prevalência de alterações cognitivas pela ausência da não avaliação da depressão, o que consideramos, limitação do estudo. Todavia, um estudo recente de revisão e metanálise de Pal et al. (2018) não encontrou dados substanciais que comprovassem o impacto da depressão na progressão do CCL para demência em pessoas com DM2, pré-diabetes ou síndrome metabólica. O mesmo estudo também não identificou pesquisas que analisassem o impacto da identificação ou tratamento da depressão em pacientes com disfunções cognitivas e diabetes, pré-diabetes ou SM (Pal et al., 2018). Ressalta-se que este fator pode ser foco de investigações futuras.

Outra limitação do estudo foi o baixo tamanho amostral e a não existência de um banco de dados hospitalar com o número de pacientes com DM2 que frequentam o serviço, o que inviabilizou a aleatoriedade da amostra. Questiona-se, se na população geral com diabetes, seriam encontrados resultados semelhantes, tendo em vista que os sujeitos da amostra estavam em tratamento. Nesse sentido, vale considerar a importância de um estudo com grupo controle.

A American Diabetes Association (2018) aposta na educação em diabetes como importante ferramenta de controle e prevenção de complicações. O gerenciamento do estilo de vida é um aspecto fundamental do tratamento do diabetes e inclui educação e apoio ao autogerenciamento do diabetes, terapia nutricional médica, atividade física, aconselhamento para parar de fumar e atendimento psicossocial.

 

Conclusão

Este estudo observou frequência importante de disfunções cognitivas em indivíduos com DM2. Os pacientes mais jovens e com maior escolaridade apresentaram melhores escores. Os resultados sugeriram a necessidade de atenção para incidência de alterações cognitivas, pois estas podem comprometer o tratamento do diabético, pois dificulta a educação em saúde e, consequentemente aumenta os fatores de risco. Além disso, a redução intensiva do risco cardiovascular e as mudanças no estilo de vida de pessoas com DM2 podem ser importantes na redução da incidência de alterações cognitivas nessa população de alto risco.

Portanto, destaca-se como relevante o acompanhamento desses pacientes por equipe interdisciplinar preparada para adequar as intervenções às limitações deste público, de modo que se possa contemplar as necessidades integrais do paciente não só para prevenção de síndromes potencialmente demenciais, mas também para identificação precoce das alterações cognitivas e construção de técnicas para adesão do tratamento clínico.

Para futuros estudos, sugere-se a realização de grupos controle e grupos com diabetes, além de estudos multicêntricos, com amostras maiores para confirmar estes achados e ainda contribuir para novas informações que auxiliem no tratamento do paciente com DM2.

 

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Raquel da Silva Aguiar Carvalho - Psicóloga, especialista em Psicologia Hospitalar e residente da Residência Integrada Multiprofissional Hospitalar com Ênfase na Atenção à Saúde Cardio-Metabólica do Adulto (RIMHAS), Universidade Federal do Rio Grande.
Marciana Zambillo - Psicóloga no HU/FURG/Ebserh, com mestrado em Psicologia Social e Institucional Pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Letícia de Oliveira Rubira - Médica endocrinologista no HU/FURG/Ebserh, com Residência médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Rio Grande e Residência médica em Endocrinologia e metodologia pelo Hospital Federal de Bonsucesso.
Guilherme Brandão Almeida - Médico no HU/FURG/Ebserh, com mestrado em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande, professor da Residência Integrada Multiprofissional Hospitalar com Ênfase na Atenção à Saúde Cardio-Metabólica do Adulto (RIMHAS), Universidade Federal do Rio Grande.
Leandro Quadro Corrêa - Profissional de Educação Física, Doutor em Educação Física pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Coordenador do programa de Residência Integrada Multiprofissional Hospitalar com Ênfase na Atenção à Saúde Cardio-Metabólica do Adulto (RIMHAS), Instituto de Educação - Curso de Educação Física, Universidade Federal do Rio Grande.
Mariana Gautério Tavares - Psicóloga no HU/FURG/Ebserh, doutoranda em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG), com mestrado em Temas em Psicologia pela Universidade do Porto (FPCEUP).

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