SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.13 número2Skinner e uma crítica a Freud: apresentação e considerações índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. vol.13 no.2 São Paulo  2011

 

Tradução

 

Crítica dos conceitos e teorias psicanalíticos1, 2

 

Critique of Psychoanalytic Concepts and Theories

 

 

B. F. Skinner

A grande contribuição de Freud ao pensamento ocidental vem sendo descrita como a aplicação do princípio de causa e efeito ao comportamento humano. Freud demonstrou que muitos aspectos do comportamento, até então inexplicados – e, com frequência, desconsiderados, por serem irremediavelmente complexos ou obscuros –, poderiam ser revelados como o produto de circunstâncias da história do indivíduo.

Muitas das relações causais que ele tão convincentemente demonstrou eram, até então, completamente desconhecidas – desconhecidas especialmente pelos próprios sujeitos cujos comportamentos são controlados por elas. Freud reduziu enormemente a esfera do acaso e do capricho em nossas considerações sobre a conduta humana. No que diz respeito a isto, sua realização revela-se ainda mais impressionante quando recordamos que ele nunca foi capaz de recorrer às comprovações quantitativas características de outras ciências. Com grande poder de persuasão ele conquistou seguidores - lançando mão da reunião de exemplos e do delineamento de paralelos e analogias surpreendentes entre elementos aparentemente diversos.

No entanto, essa não era a própria perspectiva de Freud acerca dessa questão. Aos 70 anos, ele assim resumiu suas realizações: "Em minha vida tive somente um objetivo, inferir ou conjecturar como o aparelho mental é constituído e quais forças nele interagem e se contrapõem" (Jones, 1953, s/p.). É difícil descrever o aparelho mental a que ele se refere em termos não controversos, em parte porque a concepção de Freud modificou-se de tempos em tempos e em parte porque ela própria fomenta, com frequência, más interpretações e mal-entendidos. Mas talvez seja apropriado indicar as principais características de sua concepção. Freud postulou uma região para a mente, a qual, mesmo não tendo necessariamente dimensão física, não obstante, seria capaz de ser descrita topograficamente e de ser subdividida nas seguintes regiões: consciente, pré-consciente e inconsciente. Nesta região, diversos eventos mentais – ideias, desejos, memórias, emoções, tendências instintivas etc. – interagem e associam-se de forma complexa. Sistemas desse aparelho mental passaram a ser concebidos quase como personalidades subsidiárias, as quais foram nomeadas como id, ego e superego. Uma quantidade limitada de energia psíquica édividida entre esses sistemas. Havia, éclaro, muitos outros detalhes.

A despeito do que os lógicos possam eventualmente fazer com esse aparelho mental, restam poucas dúvidas de que Freud aceitava-o enquanto real, e não como uma construção científica ou uma teoria. Ninguém, aos 70 anos, define seu objetivo de vida como a investigação de uma ficção explicativa. Freud não utilizou seu "aparato mental" como um sistema postulado, com base no qual ele deduziu teoremas a serem submetidos ao controle empírico. Se havia alguma interação entre o aparato mental e as observações empíricas, ela consistia em modificar o aparato para explicar fatos recém-descobertos. Para muitos seguidores de Freud, o aparato mental parece ser tão real quanto os fatos recém-descobertos, e deste modo a investigação desse aparato ésimilarmente aceita como objetivo de uma ciência do comportamento. Há, no entanto, uma visão alternativa, a qual considera que Freud não descobriu esse aparato mental, mas, na verdade, o inventou, tomando emprestada parte de sua estrutura de uma filosofia tradicional da conduta humana, e adicionando muitos novos aspectos por ele formulados.

Existem também aqueles que irão reconhecer o aparelho mental de Freud como uma construção científica, em vez de um sistema observável empiricamente, mas que, contudo, tentam justificá-lo à luz do método científico. Alguns podem defender a ideia de que os dispositivos metafóricos são inevitáveis nos estágios iniciais de qualquer ciência e de que, embora olhemos com espanto, nos dias de hoje, para as "essências", "forças", "flogistos" e "éteres" das ciências de ontem, estes dispositivos, no entanto, foram essenciais para o processo histórico. Seria difícil provar ou refutar isso. Se, todavia, aprendemos algo sobre a natureza do pensamento científico, se pesquisas matemáticas e lógicas melhoraram nossa capacidade de representar e analisar dados empíricos, épossível que tenhamos como evitar alguns erros da adolescência. Não importa mais se Freud poderia ter evitado estes erros, mas uma questão a considerar ése precisamos de construções como essas no desenvolvimento futuro de uma ciência do comportamento.

Construções são convenientes e, talvez, aténecessárias para lidar-se com certos assuntos complexos. Como mostra Frenkel-Brunswik (1954, pp. 293-300), Freud tinha consciência dos problemas de metodologia científica e mesmo da natureza metafórica de algumas de suas próprias construções. Quando era o caso, ele justificava as construções como necessárias ou, ao menos, como altamente convenientes. Mas ter consciência da natureza da metáfora não a justifica, e, se a ciência moderna éainda ocasionalmente metafórica, devemos lembrar-nos de que, no que se refere às teorias, isto continua sendo um problema. O problema não se refere às objeções em relação a metáforas ou construções, mas sim que particularmente certas construções e metáforas causaram problemas e continuam a fazê-lo. Freud reconheceu os danos ocasionados por seu próprio pensamento metafórico, mas sentiu que eles não poderiam ser evitados e que estes deveriam ser tolerados. Há razões para discordar dele nesse ponto.

O esquema explicativo de Freud seguiu um padrão tradicional de buscar a causa do comportamento humano dentro do organismo. Seu treinamento médico forneceu-lhe poderosas analogias de apoio. Por exemplo, o paralelo entre a remoção de um tumor e a liberação de um desejo reprimido do inconsciente éum tanto persuasivo e deve ter influenciado de alguma maneira o pensamento de Freud. Agora, o modelo de explicação do comportamento que lhe atribui causas internas émais bem exemplificado por doutrinas do animismo, as quais se interessam, em primeiro lugar, por explicações das espontaneidades e inconstâncias do comportamento. O organismo vivo éum sistema extremamente complexo que se comporta de uma forma extremamente complexa. Muito do comportamento de um organismo aparenta, à primeira vista, ser absolutamente imprevisível. O procedimento tradicional tem sido criar um determinante interno - um "demônio", "espírito", "homunculus" ou "personalidade" - capaz de produzir mudanças espontâneas no curso ou na origem de uma ação. Tal determinante interno oferece apenas uma explicação momentânea do comportamento, que deve ser, certamente, parte do processo, mas que éusada, frequentemente, com o objetivo de interromper o processo de investigação e conduzir a um fim os estudos de cadeias causais de eventos.

O próprio Freud, no entanto, não se valeu do aparato interno para explicar a espontaneidade ou a inconstância, pois era um completo determinista. Ele aceitou a responsabilidade de explicar o comportamento do determinante interno. Ele o fez apontando para ausas externas que, atéentão, não haviam sido notadas no ambiente e na história genética do indivíduo. Portanto, Freud não precisava de um sistema de explicação tradicional para propósitos tradicionais; mas ele foi incapaz de eliminar esse modelo de suas ideias. Isso o levou a representar cada uma das relações causais que descobriu como uma série de três eventos. Algumas condições ambientais, bastante frequentes nos primeiros estágios de vida do indivíduo, deixam marcas em seu aparato mental interno, e isso por sua vez produz as manifestações ou sintomas comportamentais. Evento ambiental, estado ou processo mental, sintoma comportamental – esses são os três elos da cadeia causal de Freud. Ele não recorreu ao elo intermediário para explicar a espontaneidade ou a inconstância. Em vez disso o utilizou para diminuir a lacuna de tempo e espaço entre eventos que provou estarem causalmente relacionados.

Uma possível alternativa, que não teria gerado conflito com a ciência já estabelecida, seria argumentar que variáveis ambientais deixam efeitos que podem ser inferidos com base no comportamento do indivíduo, talvez mesmo após longo período. Por um lado, atéo momento pouco se sabe sobre esses processos psicológicos a ponto de poderem ser legitimamente úteis para esse propósito. Por outro, muito se sabe a respeito deles, ainda que de uma forma negativa. O conhecimento sobre o sistema nervoso central já ésuficiente para estabelecer certos limites a especulações e restringir a ficção explicativa. Freud aceitou, assim, a ficção tradicional de uma vida mental, evitando completamente o dualismo com o argumento de que, posteriormente, complementos fisiológicos seriam descobertos. Independentemente da existência de eventos mentais, observemos os danos resultantes do uso dessa manobra.

Podemos tocar, sucintamente, em dois problemas clássicos que vêm à tona uma vez adotada a concepção de vida mental. O primeiro consiste em explicar como uma tal vida deve ser observada. Os psicólogos introspectivos já tentaram resolvê-lo argumentando que a introspecção éapenas um caso especial da observação que daria suporte a todas as ciências e que a experiência de um homem necessariamente serve de mediação entre ele e o mundo físico com o qual a ciência parece lidar. Mas foi o próprio Freud que assinalou a impossibilidade do acesso à observação direta de toda a vida mental – que, portanto, muitos eventos que se davam no aparato mental eram necessariamente inferidos. Por mais significativa que tenha sido essa descoberta, ela seria ainda maior se Freud tivesse dado o próximo passo, defendido um pouco mais tarde pelo movimento behaviorista americano, e insistido em que eventos conscientes, assim como os inconscientes, eram inferências dos fatos. Argumentando que o organismo simplesmente reage a seu ambiente, em vez de reagir a alguma experiência interna desse ambiente, a bifurcação da natureza humana em física e psíquica pode ser evitada3.

Um segundo problema clássico écomo essa vida mental pode ser manipulada. No processo de terapia o analista necessariamente age apenas empregando meios físicos com seu paciente. Ele manipula variáveis que ocupam uma posição no primeiro elo da cadeia causal de Freud. Supõe-se, entretanto, com frequência que o aparato mental esteja sendo diretamente manipulado. Algumas vezes se afirma que os processos – como os de associação livre e transferência – iniciam-se dentro do próprio indivíduo, processos esses que por sua vez agem diretamente sobre o aparato mental. Mas como esses processos mentais podem ser iniciados por meios físicos? O esclarecimento dessa conexão causal deixa um pesado e frequentemente indesejado ônus da prova sobre os ombros dos dualistas.

As importantes desvantagens da concepção freudiana de vida mental podem ser descritas de maneira um pouco mais específica. A primeira dessas refere-se às variáveis ambientais, tão convincentemente salientadas por Freud. Em geral, a força dessas variáveis era perdida, pois elas eram transformadas, alteravam-se e tornavam-se obscuras no decurso de sua representação na vida mental. O mundo físico do organismo era convertido em experiências conscientes e inconscientes, e essas experiências eram então modificadas na medida em que se associavam e se transformavam em processos mentais. Por exemplo, a punição de comportamentos sexuais na infância éum fato observável que, indubitavelmente, produz modificações nesse organismo. Mas, quando essa mudança érepresentada como um estado de ansiedade ou culpa, consciente ou inconsciente, os detalhes específicos da punição se perdem. Quando, consequentemente, alguma característica incomum do comportamento sexual do indivíduo adulto está relacionada com a suposta culpa, muitos aspectos específicos da relação (comportamento sexual/culpa) podem não ser notados, aspectos que seriam óbvios caso tivessem sido relacionados ao episódio punitivo. Enquanto a vida mental de um indivíduo for utilizada como Freud a utilizou, para representar e trazer consigo uma história ambiental, seu uso será inadequado e enganoso.

A teoria do aparato mental de Freud teve um efeito igualmente prejudicial sobre seus estudos do comportamento como variável dependente. Inevitavelmente ela "roubou a cena". Restou pouca atenção para o comportamento em si. O comportamento foi rebaixado para a posição de mero modo de expressão das atividades do aparato mental ou dos sintomas de um distúrbio subjacente. Podemos mencionar cinco problemas não abordados especificamente como deveriam.

1. A natureza da ação como unidade de comportamento nunca foi esclarecida. A simples ocorrência de um comportamento nunca foi bem representada. "Pensamentos" poderiam "ocorrer" para um indivíduo; ele poderia, de acordo com o modelo tradicional, "ter" ideias, mas poderia "ter" comportamentos somente como expressão desses eventos internos. Estamos muito mais inclinados a dizer que "me ocorreu o pensamento de perguntar a ele seu nome" do que "me ocorreu a ação de perguntar-lhe seu nome". É da natureza de pensamentos e ideias que eles ocorram às pessoas, mas nunca podemos sentir-nos confortáveis em descrever a emissão do comportamento de maneira comparável, especialmente no que se refere aos comportamentos verbais. Apesar das valiosas análises de Freud sobre os atos falhos e sobre as habilidades cognitiva e verbal, ele rejeitou a possibilidade de analisar o comportamento verbal por si só – e, em vez disso, tratou o comportamento verbal como expressão de ideias, sentimentos, ou outros eventos internos – , e assim não foi compreendida a importância desse campo para a análise das unidades de comportamento e condições de sua ocorrência.

A natureza comportamental da percepção também foi negligenciada. Ver um objeto como um objeto não éum sentimento transitório, mas sim um ato, e algo semelhante ocorre quando vemos um objeto mesmo que ele não esteja presente. Fantasias e sonhos não eram para Freud o comportamento perceptivo do indivíduo, mas sim imagens pintadas por um artista interno em algum atelier da mente, as quais seriam então contempladas e talvez descritas pelo indivíduo. Essa divisão de trabalhos não se faz necessária quando o componente comportamental da ação de ver éenfatizado.

2. As dimensões do comportamento, particularmente suas propriedades dinâmicas, nunca foram representadas adequadamente. Estamos todos familiarizados com o fato de que algumas de nossas ações são mais prováveis de ocorrer em determinadas ocasiões do que em outras. Mas essa probabilidade édifícil de ser representada, e mais ainda de ser avaliada. As mudanças dinâmicas do comportamento, que constituem a primeira preocupação do psicanalista, são, antes de mais nada, mudanças na probabilidade da ação. Mas Freud escolheu lidar com esse aspecto do comportamento em outros termos – como uma questão de "libido", "catexias", "volume de excitação", "tendências instintivas ou emocionais", "quantidades disponíveis de energia psíquica" etc. A delicada questão de como a probabilidade de uma ação deve ser quantificada nunca foi respondida, porque essas construções sugerem dimensões às quais as práticas quantitativas das ciências, de modo geral, não poderiam ser aplicadas.

3. Em sua ênfase sobre a gênese do comportamento, Freud fez uso, extensivamente, dos processos de aprendizagem. Esses nunca eram tratados operacionalmente em termos de mudanças no comportamento, mas sim como aquisição de ideias, sentimentos e emoções a serem expressos por, ou manifestos em, comportamentos. Considere-se, por exemplo, a sugestão do próprio Freud de que a rivalidade entre irmãos, em sua própria infância, teve um importante papel em suas considerações teóricas, assim como em suas relações pessoais enquanto adulto.

Um irmão de Freud morreu ainda criança, quando Freud tinha apenas 1 ano e meio de idade, e, como criança pequena, ele brincava com um garoto um pouco mais velho que ele e, provavelmente, mais forte e que ainda ocupava, por mais estranho que possa parecer, a posição de seu sobrinho, mesmo não sendo sobrinho de fato. Para que possamos classificar um cenário de circunstâncias semelhantes a estas como de rivalidade (obscura) entre irmãos, como vimos, as muitas propriedades específicas das circunstâncias devem ser consideradas variáveis independentes na ciência do comportamento. Argumentar que o que foi aprendido foi efeito dessas circunstâncias sobre tendências agressivas inconscientes ou conscientes, ou sobre sentimentos de culpa, funciona como uma representação errônea da variável dependente. Enfatizar o comportamento nos conduziria a uma investigação sobre as ações específicas que, plausivelmente, são assumidas como tendo sido causadas por esses episódios da infância. Em termos bem específicos, como o comportamento do jovem Freud teria sido modelado por contingências especiais de reforço causadas pela presença de uma criança mais nova na família, pela morte dessa criança e, mais tarde, pela associação com um colega mais velho que, não obstante, ocupava uma posição subordinada na família? O que o jovem Freud aprendeu a fazer para conquistar a atenção dos pais sob essas difíceis circunstâncias? Como ele evitou consequências adversas? Ele exagerou alguma doença? Fingiu estar doente? Apresentou algum comportamento notável que lhe trouxe reconhecimento? Tal comportamento se encontraria no campo das habilidades físicas ou dos esforços intelectuais? Será que ele aprendeu a comportar-se de uma maneira que, consequentemente, fez com que aumentasse o seu repertório comportamental disponível para obter reconhecimento? Será que ele magoou ou bateu em crianças pequenas? Ele aprendeu a machucá-las verbalmente, por meio de provocação? Teria ele sido punido por isso e, se foi, teria descoberto outras maneiras de comportar-se que teriam o mesmo efeito nocivo, mas eram imunes à punição?

Depois de tanto tempo, não podemos, éclaro, responder adequadamente a perguntas dessa natureza, mas elas sugerem o tipo de investigação apropriado tendo em vista a preocupação com a modelagem explícita de repertórios comportamentais sob circunstâncias infantis. O que sobreviveu ao longo dos anos não foi a agressão e a culpa manifestados tardiamente no comportamento, mas sim os próprios padrões comportamentais. Não ésuficiente dizer que "isto étudo" no que diz respeito à rivalidade entre irmãos ou no que diz respeito aos efeitos da rivalidade no aparato mental. Tal afirmação obscurece, ao invés de clarear, a natureza das mudanças comportamentais ocorridas no processo de aprendizagem na infância. Uma análise similar pode ser feita com relação aos processos nos campos da motivação e da emoção.

4. Um tratamento explícito i) do comportamento como um dado, ii) da probabilidade de respostas como principal propriedade quantificável do comportamento e iii) do aprendizado e de outros processos em termos de variações de probabilidade éem geral suficiente para se evitar cair na armadilha em que Freud e seus contemporâneos caíram. Existem muitas palavras no vocabulário do leigo que sugerem a atividade de um organismo, porém não são descrições do comportamento em seu sentido estrito. Freud utilizou-se livremente desses termos, por exemplo, quando diz que o indivíduo discrimina, lembra, infere, reprime, decide etc. Termos como esses não se referem a ações específicas. Dizemos que um homem discrimina dois objetos quando ele se comporta diferentemente em relação a eles. Mas a discriminação não éem si mesma o comportamento. Dizemos que ele reprime um comportamento que foi punido quando ele se comporta de outro modo apenas porque este outro comportamento toma o lugar do comportamento punido, mas a repressão não éa ação. Dizemos que ele decide por determinada conduta quando opta por determinado caminho em detrimento de outro, ou quando altera algumas das variáveis que afetam seu próprio comportamento com o intuito de produzir algo; mas não existe outro "ato de decidir". O problema éque, quando se usam termos que sugerem atividade, sente-se necessidade de inventar um ator, e as personalidades subordinadas do aparato ental freudiano de fato participam dessas atividades, e não dos comportamentos mais específicos do organismo observável.

Entre essas atividades encontram-se notáveis instâncias envolvidas no processo de autocontrole – os assim chamados "mecanismos freudianos". Esses mecanismos não devem ser considerados atividades do indivíduo ou ainda como alguma subdivisão destas – essas atividades não são, por exemplo, o que acontece quando um habilidoso desejo escapa a uma censura– , mas simplesmente como formas de representar relações entre respostas e variáveis de controle. Em outro momento tentei demonstrar isso reformulando os mecanismos freudianos sem me referir à teoria de Freud (cf. Skinner, 1953).

5. Visto que Freud nunca desenvolveu uma concepção clara do comportamento de um organismo, tendo também deixado de lidar com muitos dos problemas científicos peculiares a esse assunto, não ésurpreendente que ele tenha interpretado incorretamente a natureza da observação que fazemos de nosso próprio comportamento. Trata-se de um assunto admitidamente delicado, que apresenta problemas que talvez não tenham sido resolvidos adequadamente por ninguém. Mas a ação de auto-observação pode ser representada dentro da estrutura das ciências físicas. Isso envolve o questionamento da realidade das sensações, ideias, sentimentos e outros estados da consciência considerados pelas pessoas como as mais imediatas experiências de suas vidas. O próprio Freud preparou-nos para essa mudança. Não há, provavelmente, experiência mais poderosa do que a do relato místico de sua percepção da presença de Deus. O psicanalista explica isso de outras maneiras. Ele mesmo, no entanto, pode insistir na realidade de certas experiências, questionáveis para outros. Existem outras formas de descrever o que éde fato visto ou sentido em tais circunstâncias.

Cada um de nós está em contato particular com uma pequena parte do universo: a que se localiza dentro de sua própria pele. Sob certas circunstâncias limitadas, nós podemos reagir a essa parte do universo de maneiras inusitadas. Mas isso não significa que essa parte em particular tenha qualquer propriedade especial física ou não física, ou que nossa observação dela difira, em qualquer aspecto fundamental, de nossas observações acerca do resto do mundo. Tentei mostrar alhures (Skinner, 1953) como o autoconhecimento desse tipo vem à tona e por que ele está sujeito a limitações perturbadoras do ponto de vista das ciências físicas. A representação de Freud desses eventos foi uma contribuição pessoal, influenciada por sua própria história cultural. É possível que a ciência se mova agora em direção a uma descrição diferente desses eventos. Se éimpossível abandonar por completo o uso de metáforas, ao menos podemos melhorá-las.

O ponto crucial aqui éa distinção feita por Freud entre mente consciente e inconsciente. A contribuição de Freud tem sido amplamente incompreendida. O ponto importante não consiste em o indivíduo, com frequência, não ser capaz de descrever aspectos importantes de seu próprio comportamento ou de identificar importantes relações causais, mas em que essa habilidade descritiva era irrelevante para a ocorrência do comportamento ou para a efetividade das causas. Nós começamos por atribuir o comportamento do indivíduo a eventos de sua história genética e ambiental. Assinalamos então que, em razão de certas práticas culturais, o indivíduo pode vir a descrever algo acerca deste comportamento e algo acerca destas relações causais. Podemos dizer que ele éconsciente das partes que pode descrever e inconsciente do resto. Mas a ação de se autodescrever, assim como a de se auto-observar, não tem papel na determinação de uma ação. A ação está sobreposta ao comportamento. O argumento freudiano segundo o qual não precisamos conhecer as importantes causas de nosso comportamento conduz, naturalmente, à ampla conclusão de que o conhecimento acerca das causas não tem relação alguma com a efetividade destas.

Somado ao fato de que o aparelho mental de Freud obscurece detalhes importantes acerca das variáveis das quais o comportamento humano éfunção, levando à negligência de problemas importantes na análise do comportamento, devemos acrescentar a mais infeliz das consequências de sua teoria. A estratégia metodológica de Freud não permitiu que a psicanálise fosse incorporada adequadamente no conjunto das ciências. Era inerente à natureza de tal sistema explicativo que suas entidades fundamentais seriam inquantificáveis, enquanto as entidades científicas de maneira geral são quantificadas. Além disso, as dimensões espaciais e temporais das entidades freudianas causaram outros tipos de problemas.

Podemos sentir um certo desconforto entre escritores psicanalistas com relação às entidades primárias do aparato mental. Existe a predileção por termos que evitem a desconfortável questão relacionada a dimensões espaciais, físicas ou não físicas, dos termos em um primeiro momento. Embora seja, ocasionalmente, necessário referir-se a eventos mentais e suas qualidades e estados da consciência, o analista geralmente parte, apressadamente, para termos menos comprometedores, tais como forças, processos, organizações, tensões, sistemas e mecanismos. Mas todos estes termos implicam outros em um nível mais profundo. A noção de uma "força" consciente ou inconsciente pode ser uma metáfora útil, mas, se ela é análoga à força em física, qual é a massa análoga que é analogamente acelerada? O comportamento humano é dinâmico e tem passado por mudanças que podemos chamar de "processos", mas o que está se modificando e em qual direção, quando falamos, por exemplo, em processos afetivos? "Organizações", "sistemas mentais" e "interações motivacionais" psicológicos – tudo isso implica combinações ou relações entre coisas, mas o que são as coisas assim relacionadas ou combinadas? Atéque essa questão seja respondida, o problema da dimensão do aparato mental dificilmente pode ser abordado. É pouco provável que o problema possa ser resolvido trabalhando-se, independentemente, unidades próprias do aparato mental, embora tenha sido proposto que um passo como esse seria uma tentativa de dispor a psicanálise em moldes científicos.

Antes de tentarmos trabalhar com unidades de transferência, escalas de ansiedade, ou sistemas de mensuração próprios para áreas da consciência, vale a pena nos perguntarmos se não haveria uma alternativa que pudesse restabelecer as relações com as ciências físicas e que tornasse tal tarefa desnecessária. Freud poderia esperar uma eventual união com a física ou a fisiologia somente por meio da descoberta de mecanismos neurológicos que seriam análogos aos aspectos de seu aparato mental, ou análogos a possíveis outros aspectos. Visto que isso dependeria de uma ciência neurológica muito distante de seu atual estado de conhecimento, não caracterizaria um futuro promissor para a psicanálise. Freud parece nunca ter considerado a possibilidade de pôr os conceitos e teorias de uma ciência psicológica em contato com o resto das ciências físicas e biológicas por meio de um simples procedimento de definição operacional dos termos. Isso teria posto em risco o aparato mental como um objetivo de vida, mas o teria trazido de volta às variáveis físicas observáveis, manipuláveis e eminentemente físicas com as quais, em última análise, ele estava lidando.

 

Referências

Frenkel-Brunswik, E. (1954). Meaning of psychoanalytic concepts and confirmation of psychoanalytic theories. Scientific Monthly, 79.         [ Links ]

Jones, E. (1953). Life and work of Sigmund Freud (vol. 1). Nova York: Basic Books.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. Nova York: Macmillan.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1956). A critique of psychoanalytic concepts and theories. In H. Feigl & M. Scriven (Eds.). The foundations of science and the concepts of psychology and psychoanalysis (pp. 77-87). Minneapolis (MN): University of Minnesota Press, Col. Minnesota Studies in the Philosophy of Science, vol. 1. (Trabalho original publicado em 1954)        [ Links ]

 

 

Recebido em 11/07/11
Aprovado em 23/08/11

 

Tradutores:
Marcos Rodrigues da Silva (Doutor em Filosofia e professor do Dep. de Filosofia da UEL)
e-mail: mrs.marcos@uel.br

Marina Pereira Figueiredo (Especialista em Psicologia da saúde pela Unifesp)
e-mail: ma_f55@hotmail.com


Sarah Zuliani (Psicóloga pela Unifil, Londrina)
e-mail: sarahzuliani@gmail.com

 

 

1 Este artigo apareceu, numa forma um pouco diferente, em Scientific Monthly, número (79) de novembro de 1954, pp. 300-305, e está reimpresso aqui por permissão do editor e do autor.
2 A tradução aqui apresentada foi feita a partir do original "Critique of Psychoanalytic Concepts and Theories". O artigo, publicado em 1954 em Scientific Monthly, 79, 300-305, foi reimpresso em 1956 na coletânea Minnesota Studies in the Philosophy of Science, Vol. 1, pp. 77-87, editada por H. Feigl & M. Scriven, no volume The undations of science and the concepts of psychology and psychoanalysis. A University of Minnesota Press detém s direitos do artigo, a quem agradecemos pela autorização da tradução. (Nota dos tradutores)
3 Embora o próprio Freud tenha-nos ensinado a duvidar literalmente da introspecção, aparentemente ele foi o responsável pela concepção de que outro tipo de experiência direta é requerida para a compreensão de certas atividades do aparelho mental. Tal exigência está implicada na asserção moderna de que apenas os que têm sido psicanalisados podem entender completamente o significado da transferência ou da liberação de um medo reprimido.