SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.11 número3A alma exterior em Machado de Assis: um olhar psicanalíticoO sujeito entre a disciplina e o controle: sobre as instituições de confinamento e os fenômenos de massa índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148

Rev. Mal-Estar Subj. vol.11 no.3 Fortaleza  2011

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

O corpo humano em uma aproximação à antropologia da saúde

 

The human body in an approach to the anthropology of health

 

El cuerpo humano en un acercamiento a la antropología de la salud

 

Le corps humain dans une approche de l'anthropologie de la santé

 

 

Maria Lígia dos Reis BellaguardaI; Maria Itayra Coelho PadilhaII; Maritê Inês ArgentaIII; Miriam Süsskind BorensteinIV

IEnfermeira. Doutoranda e Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação da UFSC. Coordenadora e Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade do Vale do Itajaí. Membro do Grupo de Estudos de História do Conhecimento da Enfermagem e Saúde do PEN/UFSC. End.: R. João Meirelles, 884, Bl. F/101, Bom Abrigo. CEP: 88085-201 - Florianópolis - SC. E-mail.: bellaguardaml@gmail.com
IIDoutora em Enfermagem. Professora Associado do NFR e do PEN/UFSC. Vice-líder do Grupo de Estudos de História do Conhecimento da Enfermagem e Saúde do PEN/UFSC. Pesquisadora do CNPq. Pós-Doutorado na Lawrence Bloomberg Faculty of Nursing at University of Toronto, Ontário, Canadá. Santa Catarina, Brasil
IIIEnfermeira. Doutora e Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação da UFSC. Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade Estácio de Sá-Santa Catarina e Gerente de Enfermagem do Instituto de Cardiologia de São José -Santa Catarina
IVEnfermeira. Doutora em Enfermagem pelo PEN/UFSC. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da UFSC. Coordenadora do GEHCE. Pesquisadora do CNPq

 

 


RESUMO

Este estudo foi estruturado a partir de discussões acerca da antropologia da saúde e da neurobiologia, em disciplina do doutorado em antropologia da saúde, numa perspectiva reflexiva. Como direcionadora das reflexões perguntou-se qual a relação do corpo, no processo saúde-doença, estabelecida entre a neurobiologia e a antropologia da saúde? Para o alcance reflexivo apresenta como objetivo ponderar acerca do corpo como objeto humano de vivenciar os processos saúde-doença em aproximação com a antropologia da saúde. Traz em si uma reflexão em parte intimista da relação humana, que se faz com o corpo e sua representação social como materialidade do ser-humano em exteriorizar o saudável e o patológico numa abrangência sociocultural. Delineia uma inter-relação entre a antropologia da saúde e a neurobiologia a partir de literatura antropológica específica. Esta articulação das duas ciências está no sentido de realizar a adoção de novos conceitos, em uma tentativa de trazer à tona que o conhecimento da fisiologia humana não se faz somente no limite do corpo, mas também em resposta aos estímulos externos, influenciando comportamentos, sinais e sintomas, relações da saúde e da doença em acordo com a realidade social culturalmente estabelecida. Assim, as dimensões física, vivencial e antropossocial são indissociáveis para a compreensão do processo saúde-doença.

Palavras-chave: Corpo humano, antropologia, neurobiologia, saúde, doença.


ABSTRACT

This study was structured based on the discussions of health anthropology and neurobiology in the discipline of the doctorate in anthropology of health, a reflexive perspective. The guiding thought is a question about what kind of relationship, in the health-disease process, is established between body, neurobiology and anthropology of health. To achieve the objective of this reflection, this paper discusses the human body as the object of the experience of health-disease processes using the approach of anthropology of health. It carries, in itself a consideration, in part intimate, of the human relations carried out with the body and its social representation as a concrete mode of externalize health and pathology in the scopes social and cultural. The article outlines an interrelation between health anthropology and neurobiology, using specific anthropological literature. This articulation of the two sciences has the aim to point to the adoption of new concepts, in an attempt to bring to the surface the idea that knowledge of human physiology does not reside only in the limits of the body, but also in response to external stimuli, influencing behaviors, signs and symptoms, relationships and health and disease, in accordance with a culturally established social reality. Thus, physical, experiential and anthropology-social dimensions are inseparable for the understanding of the health-disease process.

Keywords: Human body, anthropology, neurobiology, health, disease.


RESUMEN

El presente estudio fue estructurado a partir de discusiones sobre la antropología de la salud y da neurobiología, en asignatura del Doctorado en Antropología de la Salud, en una perspectiva reflexiva. Como desencadenante de las reflexiones, se ha preguntado cuál es la relación del cuerpo en el proceso salud-enfermedad, establecida entre la neurobiología y la antropología de la salud? Para el alcance reflexivo presenta como objetivo ponderar sobre el cuerpo como objeto humano de vivencia de los procesos salud- enfermedad en acercamiento con la antropología de la salud. Trae en si una reflexión en parte intimista de la relación humana que se hace con el cuerpo y su representación social como materialidad del ser humano en exteriorizar lo sano y lo patológico en un abordaje socio-cultural. Delinea una interrelación entre la antropología de la salud y la neurobiología a partir de la literatura antropológica especifica. Esta articulación de las dos ciencias ocurre con la intención de realizar la adopción de nuevos conceptos, como un intento de sacar a la luz que el conocimiento de la fisiología humana no se hace solamente en el límite del cuerpo, sino también en respuesta a los estímulos externos, influyendo en comportamientos, señales y síntomas, relaciones de la salud y da la enfermedad de acuerdo con la realidad social culturalmente establecida. Así, las dimensiones física, vivencial y antropológica-social son indisolubles para la comprensión del proceso salud-enfermedad.

Palabras-clave: Cuerpo humano, antropología, neurobiología, salud, enfermedad.


RÉSUMÉ

Cette étude a été structurée, basée sur des discussions sur l'anthropologie de la santé et de la neurobiologie de la discipline de l'anthropologie doctorat en santé, dans une perspective réflexive. Comme les pensées directeurs se demandait quelle est la relation du corps, le processus santé-maladie, établi entre la neurobiologie et de l'anthropologie de la santé? Pour atteindre l'objectif d'écrans réfléchissants méditer sur le corps humain comme un objet à l'expérience du processus santé-maladie avec la proximité de l'anthropologie de la santé. Il porte en lui un reflet dans le cadre de la relation humaine intime, qui rend le corps et sa représentation sociale comme l'incarnation de l'humanité sur l'externalisation sains et pathologiques socio-culturel de portée. Décrit une interrelation entre la santé et de neurobiologie de l'anthropologie de la littérature anthropologique précise. Cette articulation des deux sciences est de tenir l'adoption de nouveaux concepts dans une tentative de mettre en évidence que la connaissance de la physiologie humaine n'est pas seulement dans la limite du corps, mais aussi en réponse à des stimuli externes, influencer le comportement, les signes et symptômes, les relations, la santé et la maladie en fonction de la réalité sociale culturellement établie. Ainsi, la physique, l'expérience et antropossocial sont indissociables pour la compréhension des processus santé-maladie.

Mots-clés: Corps humain, anthropologie,neurobiologie, santé, maladie.


 

 

Iniciando a Reflexão

A antropologia vem se ampliando na construção de trabalhos na área da saúde influenciada por várias abordagens, que delimitam o campo da antropologia da saúde. Alguns antropólogos fazem emergir estudos, que sugerem pesquisas com discursos sobre saúde e doença numa perspectiva fundamentada em fatores biológicos, sociológicos, econômicos, cognitivos, ambientais e culturais. Uma abordagem de cultura fundamentada em conceitos simbólicos como os descritos por Geertz, Turner e outros (citados em Langdon, 1994). Tais abordagens refletem a abrangência da antropologia em olhar a pessoa em sua totalidade, fazendo com que os hábitos, atitudes, conhecimentos empíricos, senso comum se aliem ao científico, para teorizarem as terapias utilizadas para o controle, cuidado e tratamento das doenças nos diferentes grupos sociais.

A complexidade das inúmeras abordagens, para diferenciar o estado de saúde de uma população é demonstrada pela antropologia, quando evidencia a atenção fragmentada da biomedicina. Discurso comprovado em muitos dos trabalhos desenvolvidos por antropólogos, que mostram em sua retórica o fazer dicotomizado da medicina clássica. Neste sentido, traz grande contribuição em pluralizar o olhar, que como profissionais de saúde se precisa ter frente às questões de saúde e de doença da população. Segundo Uchôa e Vidal (1994), a antropologia da saúde apresenta estratégias de complementariedade com a epidemiologia e a sociologia da saúde.

O discurso antropológico revela que, as mudanças no estado de saúde da sociedade estão atreladas ao universo desta sociedade e ao seu modo de vida. Nesta perspectiva, a antropologia inspira as práticas de saúde pública, uma vez que valoriza o discurso que os seus membros produzem (Nicacio, 2005).

Citando Langdon (1994), observa-se e pode-se aproximar à reflexão, que a antropologia traz consigo, na abordagem da ecologia médica, pesquisas que incluem o estudo das distribuições das doenças no tocante às características físicas das pessoas. Neste sentido, a antropologia traz em sua diversidade de abordagens o corpo como materialidade da doença ou da saúde. Isto sim traduz que mesmo a visão mais abrangente e diversificada do processo saúde-doença na sociedade recai conclusivamente no retrato do corpo, em sua dinamicidade ou não, sua utilidade e vida, uma vez que o ser humano se faz presente enquanto corpo vivo, saudável ou não, mas vivo. Seja a doença ou a saúde vista como processo ou episódio, no que refere Puentes-Reys (Costa, 2008) o corpo se mostra enquanto expressão de sinais e sintomas da situação de saúde da pessoa. E é a partir da corporalidade que se vislumbram estratégias e abordagens no controle, tratamento e restabelecimento da saúde humana. Trata-se aqui do aspecto principal desta reflexão, a aproximação da antropologia da saúde ao valor dado ao corpo, sua propriedade, sua individualidade, seu vitalismo e sua relação com a humanidade, que é o que dá ao corpo um caráter de representação social. É o que diz Nóbrega (2010) ao referenciar Merlau-Ponty que enfatiza o sentido do corpo e do sensível como realidade essencial do humano.

 

O Corpo e sua Representação

A prevalência na relativização da saúde e da doença, a partir de uma noção de corpo e mente está na compreensão anti-fragmentária do ser humano. Como uma aceitação análoga, a corporalidade é percebida enquanto constitutivo físico da dor/sofrimento e da satisfação/prazer. Neste registro, se traz à tona o corpo como expressão das sensações e a mente como motor das emoções/sentimentos.

Na medicina clássica moderna o ser doente desaparece como identidade e entidade, para dar lugar à atenção ao corpo como objeto de conhecimento (Kruse, 2004). Comumente o corpo e o cérebro, enquanto organismo inteiro, não é percebido. Bem como, a relação que ele faz com o meio ambiente circundante. Sugere Damásio (1996), que a mente depende das interações cérebro-corpo no que tange à biologia evolutiva, o desenvolvimento humano e o seu funcionamento. O que este autor refere é que mesmo a mente surgindo de circuitos neurais é evidenciada por requisito funcional do organismo. Neste sentido, o corpo não é passivo. É necessário que o organismo sinta o meio ambiente, para atuar sobre ele, como dele usufruir. Refere Lepargneur (1987) que o corpo é um intermédio entre si, entre si e os outros e entre si e o mundo. Seria o "formismo" descrito por Maffesoli (2005) em que ao mesmo tempo que a "forma" desempenha a unicidade, permite a conjunção, o centro da união e assim delimita a socialidade. Clarifica o "formismo" como organicidade. Seria a lógica da forma, valorizar o corpo, as imagens e a aparência, que se caracteriza como forma do corpo social.

A noção de forma e o formismo que é a expressão desta incitam a considerar que esses diversos elementos, por sua sinergia própria, nos dão acesso a uma estrutura específica, nos levam a enxergar a realidade como uma globalidade. Esta é, sem dúvida, a característica mais importante a reter: a forma agrega, agrupa, modela uma unicidade, deixando a cada elemento sua própria autonomia, sem deixar de constituir uma inegável organicidade, onde luz e sombra, funcionamento e disfuncionamento, ordem e desordem, visível e invisível entram em sinergia para produzir uma estática móvel que não deixa de espantar os observadores sociais, e que levanta um problema epistemológico cujas consequências apenas começamos a entrever (Maffesoli, 2005, p. 90).

O corpo-cérebro-mente, como forma, nos faz reconhecer a pluralidade no mundo, tanto o papel social da corporalidade como o seu individualismo, garantindo o equilíbrio necessário à vida. É uma referência à cultura no entendimento de Duarte (1998) enxergando pela humanidade do "culturalismo radical" a experiência social da Pessoa. O corpo expresso na inter-relação físico, psicológico e o social reflete o contexto tempo-espacial em que conforme Mauss (1936/1980) os humanos moldam o mundo e paradoxalmente o mundo humano é moldado. Neste continuo, o corpo social delineia a percepção do corpo físico e assim a corporalidade sustenta padrões comportamentais que recaem na percepção social e fisiológica da experiência do corpo (Fassheber, 2001).

E, nesta visão paradigmática a neurobiologia moderna faz um contraponto com a ideia da medicina, onde esta apresenta nos últimos séculos como objetivo a compreensão da fisiologia e da patologia do corpo. Deste modo, caracteriza a mente como área de estudo da filosofia e das religiões. Pressupõe conforme Canesqui (2003) que a doença advém de um processo subjetivo a partir do conjunto de sensações expresso pelo corpo.

A superficialidade da medicina ocidental em considerar o ser humano como um todo prevê uma busca, por determinados profissionais, de práticas de saúde que releiam os sentimentos, as emoções, o corpo, a expressão de dor, de sofrimento, de satisfação, de prazer, as relações na atenção à saúde. A busca da saúde social, que se aspira compreende mais que a dor do corpo, amplia-se liga às fragilidades relacionais socioambientais. E, nesta perspectiva, a valorização da corporalidade pode ser evidenciada na "inquietação dos sentidos e das paixões e sua relação com a razão" (Duarte, 1998, p.21). A saúde física se mostra com os caminhos da saúde-doença, mais ampliada a luz da "dor", ou seja, da valorização da dor como indicativo de desordem do corpo enquanto organismo. E nesta desordem, as estratégias sociais que ao longo do tempo vem se construindo para fazer face ao sofrimento, são as mesmas que atuam no oposto, o prazer.

O corpo enquanto expressão da vida, no sentido de dinamicidade e movimento do ser humano, representa na visão antropológica, as experiências corporais da saúde e da doença. Tem uma dimensão subjetiva, mais explicita e experiencial do sofrimento humano. Na abordagem descrita por Duarte (1998) a exploração dos sentidos e sentimentos no que tange os limites da dor e do prazer foram difundidos na perspectiva da sensibilidade. Isto evidencia que a antropologia social se faz por meio da compreensão da experiência humana o que vem ser corroborado por Maffesoli (2005) quando se refere à "forma" como força de atração. Explicita, desta maneira, que o agrupamento de "forma" é que constitui o todo.

O processo saúde-doença, sob a ênfase da experiência, aproxima as questões do corpo e da mente à antropologia das emoções, a qual, segundo Duarte (1998), reflete a complexidade em lidar com os sistemas múltiplos saúde-doença e suas representações sociais. Ainda, citando Duarte (1998), os estudos de construção social da pessoa, do corpo ou das emoções são abordagens mais amplas de estudos antropológicos da saúde-doença.

 

O Corpo: Uma Neurobiologia Antropológica?

A releitura antropológica de que o corpo é mais que um organismo, perpassa pela vivência e experiência dos sujeitos que o compõe. Aponta para uma estrutura mais ampliada de composição do processo saúde-doença e da inseparabilidade do corpo de suas reações e em relação ao mundo circundante. O que caracteriza segundo Duarte (1998) um culturalismo radical simbolizado pelo reconhecimento das inúmeras experiências humanas. Em conformidade ao exposto é que a proposta de fazer este jogo semântico de uma "neurobiologia antropológica" vem à tona no sentido de enfatizar a corporeidade como representação social da pessoa nas experiências de saúde e de doença, na expressividade emocional e racional. Num sentido complexo, de mostrar que a relação entre a ciência médica biologicista/fragmentária se estabelece no cotidiano do cuidado pela dificuldade, dos próprios cuidadores, em disponibilizar no seu fazer o holismo metodológico. Reiterada esta afirmação por Lepargneur (1987), quando diz que há um certo antagonismo entre a valorização da medicina tradicional e a valorização cultural da saúde/doença. Visto que, a relação corpo/mente integra as reações e as expressões frutos da experiência vivida e o contexto sócio cultural de abrangência desta experiência, desconstruindo desta maneira, a percepção de naturalidade dos processos de adoecimento (Duarte, 1998).

Dentro do entendimento neurobiológico descrito por Damásio (1996), o corpo e o cérebro interagem com o meio ambiente como organismo inteiro. Isto explica as atividades nos circuitos neurais, descrevendo de forma especificamente biológica o funcionamento do corpo e da mente na função de "ser" humano. Este autor explica, que as reações cognitivas entre o corpo e a mente e a expressividade das emoções/sentimentos estão em acordo com as influências internas bioquímicas e neurais e com as influências externas ao organismo vivo. Reflete a interação do meio ambiente com o meio interno caracterizado pelo corpo/mente. Poderia ser o que Castro, Andrade e Muller (2006) referem como sendo doença sociossomática, a qual é uma conjugação de fatores intrínsecos ao corpo e a mente em interação com o ambiente e meio social da pessoa, levando em consideração variáveis sócias e a especificidade psicossocial de cada ser humano.

A sensação de dor e de prazer estabelecida no cérebro desencadeia no organismo a consciência do estado do corpo. O cérebro organiza a representação de determinada alteração em um local do corpo, o que caracteriza a percepção somatossensorial (Damásio, 1996). Assim, o sistema nervoso é uma rede comunicacional que favorece um organismo interagir com o seu ambiente. No entanto, refere ainda, que uma parte dos circuitos cerebrais é definida pelos genes, e que uma parte considerável desses circuitos, em algum momento da vida adulta, reflete as experiências e a história de cada organismo em particular. Isto, em definição com o conjunto de seres semelhantes, que vivenciam ambientes culturais e físicos específicos e que se modulam pela existência.

A ideia de relacionar a antropologia e a neurobiologia é a de mostrar as relações que a atenção à pessoa necessita. O entendimento do estado de saúde ou de doença de uma pessoa, de uma comunidade ou grupo específico é vislumbrado por meio das perspectivas possíveis de diagnóstico e da terapêutica a ser utilizada e da própria congruência a essas terapias por parte dos sujeitos interessados. As várias hipóteses do agir sobre as questões de saúde e de doença levam ao que Nunes (1995) explicita sobre a superação do territorialismo positivista é abrir por reciprocidade a descoberta conjunta, por comunicação de saberes e significação. Trata-se de construir estratégias de articulação biológica e social no estudo do processo saúde-doença, o que aproxima a interpretação na construção deste texto de uma prática interdisciplinar e de idealizar o corpo como uma neurobiologia antropológica.

Esta articulação da antropologia e a neurobiologia esta no sentido de realizar a adoção de novos conceitos, na tentativa de trazer à tona que o conhecimento da fisiologia humana não se faz somente no limite do corpo, mas também em resposta aos estímulos externos, influenciando comportamentos, sinais e sintomas, relações da saúde e da doença em acordo com a realidade social culturalmente estabelecida. E, ao mesmo tempo declara a busca pelo reconhecimento e estatuto do saber pela antropologia das práticas e saberes de seus sujeitos de estudo. A biomedicina apresenta neste sentido, segundo Sarti (2010), um superficial reconhecimento do discurso do seu sujeito. Esta autora refere ainda, que a antropologia da saúde não se aplica somente ao corpo, a saúde e a doença de maneira específica, mas em valorizar o que os sujeitos em culturas expressam o que é para o grupo o corpo, a saúde e a doença. Há quem sabe, uma interpretação frágil instituída nas práticas dos saberes biomédicos, no que se refere às influências das relações corpo/mente/saúde/doença/meio ambiente, na compreensão do ser Humano em um todo. Isto fragmenta as respostas do processo saúde-doença advindas da pessoa-corpo em estudo, para uma interpretação diagnóstica ampliada, em que privilegie o todo, a pessoa.

Neste sentido, esta reflexão tenta desencadear um pensamento maior no que diz respeito ao processo saúde-doença na perspectiva antropológica sem excluir um conhecimento em detrimento do outro. Onde a própria medicina clássica em suas descrições fisiológicas compõe a dor/sofrimento, saúde/doença como respostas do corpo em junção ao afetivo, emocional, cultural, social, individual, simbólico e a sua relação com o mundo e com as pessoas. Uma vez, que os sistemas culturais próprios de cada grupo e realidades sofrem a influência de outros. A busca pelo reconhecimento de atitudes e práticas adequadas a terapia devem ser conforme Langdon e Wiik (2010) relativizados culturalmente para evitar posturas e análises etnocêntricas. Mesmo porque, os conhecimentos da realidade humana se aproximam, para a compreensão das origens dos problemas de saúde e para que, na dimensão do cuidado, sejam compreendidas as diversidades culturais existentes nas sociedades no que tange a saúde e a doença. A corporeidade, neste enlace se explicita como resultado da complexidade da dimensão física, dimensão vivencial e da dimensão antropossocial.

Assim, no entendimento das autoras a neurobiologia antropológica se traduz como define Duarte (2003) pela compreensão de um problema na dimensão fisico-moral, o qual implica no conjunto de circunstâncias em equilíbrio ou desequilíbrio (processo saúde-doença), que envolve o ser em sua totalidade e não especificamente sua corporalidade. Nesta perspectiva, sentimentos, emoções e a própria compreensão da pessoa sobre si, sua condição e o meio a que a cerca influenciam seu estado de saúde-doença. Há neste escopo, disposição conforme Duarte (2003, p. 178,) "em esclarecer como se processa a dinâmica de afirmação da racionalização biomédica em contraste com as dimensões holistas da representação ou vivência dos eventos de saúde-doença".

A neurobiologia antropológica poderia ser considerada, neste sentido em que a subjetividade do corpo se faz objetiva, a pessoa na sua corporeidade social. O que faz emergir a compreensão dos processos saúde e doença como pertencentes à pessoa, refletidos objetivamente no seu corpo, e influenciados pelos sistemas social, cultural, político, econômico e emocional vivenciados pelo ser.

 

Considerações Finais

Ao se realizar uma reflexão acerca do corpo como uma neurobiologia antropológica percebe-se que a visão de cuidado aos seres humanos segue a tendência da multiprofissionalização e da interdisciplinaridade. No entanto, como se organiza esta assistência integralizadora e quais as especificidades e campo de abrangência de cada disciplina é que se mostra insipiente ainda, na área da saúde. Neste sentido, há a necessidade de uma compreensão ampliada da função do corpo no espaço social e culturalmente estabelecido, são noções de reciprocidades individuais muito próprias que se misturam a conformidade da cultura e sociedade as quais o corpo humano habita.

O relativismo cultural em análise e interpretação do processo saúde-doença, possivelmente auxilia em uma percepção mais ampla do ser humano, de seu corpo e o meio social e ambiental em que vive. É certo afirmar, que o conhecimento, seja antropológico ou biomédico segue não o absolutismo da verdade, mas a realidade relativa de eventos e acontecimentos na vida das pessoas. E, em síntese pode-se analisar que a relação entre a antropologia e a biomedicina centra-se nas formas de abordagem das pessoas e pelas maneiras de prevenir e tratar a doença e a identidade em conformidade com a compreensão e com o significado desses eventos, que sobre a doença tão somente.

Neste sentido, os profissionais de saúde, estudiosos, pesquisadores e pessoas que dependem da atenção à saúde devem prever em suas ações o diálogo, com vistas à complementariedade do cuidado. E, nesta perspectiva encontram-se os programas de saúde que para sua efetividade dependem da extensão de aceitação e participação da população. As intervenções terapêuticas definem-se desta maneira pela interação e contradição em que as práticas de saúde se apresentam em meio os modelos culturais das pessoas.

Acredita-se que, as ações de cuidado e tratamento dos processos doentios, de acordo com a diversidade cultural das pessoas requerem um compartilhamento de saberes e fazeres entre os profissionais de saúde. Centralidade nas pessoas, para resolutividade de seus processos saúde - doença em meio a sua cultura, seu meio social e ambiental.

O corpo é a identidade física de uma pessoa e a identidade cultural de uma sociedade. Isto pois, por caracterizar modos de vida em espaços múltiplos, aos quais os grupos sociais se unem. Assim, encontram-se os modos de cuidar da vida, de tratar, de prevenir processos doentios é nesse momento que a cultura estabelece padrões de atenção à saúde, sistemas de saúde e a integração de saberes para manter a vida em corpo, com vistas a reprodução de modos sociais aceitáveis.

 

Referências

Canesqui, A. M. (2003). Os estudos de antropologia da saúde/doença no Brasil na década de 1990. Ciência & Saúde Coletiva, 8(1), 109-124.         [ Links ]

Castro, M. D. G., Andrade, T. M. R., & Muller, M. C. (2006). Conceito mente e corpo através da história. Psicologia em Estudo,11(1), 39-43.         [ Links ]

Costa, C. A. S. (2008). [Resenha da tese de doutorado O corpo como parâmetro antropológico na bioética, de Pedro Alonso Puentes Reyes. Escola Superior de Teologia, São Leopoldo, 2005]. Revista Ciência & Saúde, 1(2), 93-94.         [ Links ]

Damásio, A. R. (1996). O erro de Descartes: Emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras.         [ Links ]

Duarte, L. F. D. (1998). Pessoa e dor no ocidente. Horizontes Antropológicos, 4(9), 13-28.         [ Links ]

Duarte, L. F. D. (2003). Indivíduo e pessoa na experiência da saúde e da doença. Ciência & Saúde Coletiva, 8(1), 173-183.         [ Links ]

Fassheber, J. R. M. (2007). Antropologia do corpo: Reflexões sobre a diversidade corporal dos Xamãs. Revista Conexões, 1(6), 112-126.         [ Links ]

Kruse, M. H. L. (2004). Os poderes dos corpos frios: Das coisas que se ensinam às enfermeiras. Brasília, DF: ABEn.         [ Links ]

Langdon, E. J. (1994). Breve histórico da antropologia de saúde. In E. J. Langdon, A negociação do oculto: Xamanismo, família e medicina entre os Siona no contexto pluri-étnico. Trabalho apresentado para o Concurso de Professor Titular na UFSC, Florianópolis, SC.         [ Links ]

Langdon, E. J., & Wiik, F. B. (2010). Antropologia, saúde e doença: Uma introdução ao conceito de cultura aplicado às ciências da saúde. Revista Latino Americana de Enfermagem, 18(3), 459-66.         [ Links ]

Lepargneur, H. (1987). O doente, a doença e a morte: Implicações socioculturais da enfermidade. Campinas, SP: Papirus.         [ Links ]

Maffesoli, M. (2005). Elogio da razão sensível. Petrópolis, RJ: Vozes.         [ Links ]

Mauss, M. (1980). Les Techniques du corps, Sociologie et Anthropologie. Paris, France: PUF. (Originalmente publicado em 1936).         [ Links ]

Nicacio, E. (2005). Tecnologias do corpo: Uma antropologia das medicinas no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 21(6), 1963-1965.         [ Links ]

Nóbrega, T. P. (2010). Merleau-Ponty: O corpo como obra de arte. Princípios: Revista de Filosofia, 7(8), 95-108.         [ Links ]

Nunes, E .D. (1995). A questão da interdisciplinaridade no estudo da saúde coletiva e o papel das ciências sociais. In E. D. Nunes (Org.), Dilemas e desafios das ciências sociais na saúde coletiva (pp. 97-113). São Paulo: Hucitec-Abrasco.         [ Links ]

Sarti, C. (2010). Corpo e doença no trânsito de saberes. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 25(74), 77-90.         [ Links ]

Uchôa, E., & Vidal, J. M. (1994). Antropologia médica: Elementos conceituais e metodológicos para uma abordagem da saúde e da doença. Cadernos de Saúde Pública, 10(4), 497-504.         [ Links ]

 

 

Recebido em 09 de setembro de 2010
Aceito em 07 de abril de 2011
Revisado em 07 de Julho de 2011