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Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento

versão impressa ISSN 1519-0307versão On-line ISSN 1809-4139

Cad. Pós-Grad. Distúrb. Desenvolv. vol.17 no.1 São Paulo jun. 2017

https://doi.org/10.5935/cadernosdisturbios.v17n1p87-99 

ARTIGOS

 

Leitura dialógica adaptada para uma criança com transtorno do espectro autista: um estudo preliminar

 

Dialogic reading adapted for a child with autism spectrum disorder: a preliminary study

 

Lectura dialógica adaptada para un niño con trastorno del espectro autista: una investigación preliminar

 

 

Victor Loyola de Souza GuevaraI; Lara Rodrigues QueirozII; Eileen Pfeiffer FloresIII

IUniversidade de Brasília
IIUniversidade de Brasília
IIIUniversidade de Brasília

 

 


RESUMO

A Leitura Dialógica (LD) consiste na leitura compartilhada de livros ilustrados intercalada com perguntas, feedback e expansão das respostas da criança. Estudos que adaptaram a LD para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) são promissores, mas ainda são escassos. Este estudo piloto, realizado em uma escola pública, teve por objetivo adaptar um procedimento de LD para uma criança com TEA e verificar efeitos sobre engajamento na tarefa e participação verbal. Foram lidas 20 obras infantis com a criança em três etapas: (1) LD com todos os tipos de perguntas usados tradicionalmente na LD - perguntas abertas, de distanciamento e de identificação de emoções, por exemplo; (2) LD apenas com perguntas "tipo Q", como: "O que é isto?", "Quem é este?", "O que ela está fazendo?"; (3) Inclusão de uma hierarquia crescente de dicas vocais - repetir a pergunta, oportunidade para completar as respostas e apresentação do modelo de resposta. Na Etapa 1 houve alta frequência de se levantar e de ecolalia imediata e não houve iniciações verbais. Na Etapa 2 aumentaram as respostas vocais adequadas, cessaram as ecolalias imediatas e surgiram iniciações verbais da criança, e estas últimas aumentaram na Etapa 3. A restrição feita da variedade de perguntas a partir da Etapa 2 pode ter auxiliado o desempenho ao diminuir o número de diferentes dimensões às quais a criança precisava atentar para responder. As perguntas do mediador podem ter funcionado como modelos para a criança fazer iniciações verbais. Estudos futuros deverão replicar o procedimento usando linha de base múltipla.

Palavras-chave: Inclusão Escolar, Autismo, Comportamento Verbal, Leitura Compartilhada, Interação Verbal.


ABSTRACT

Dialogic Reading (LD) is the shared reading of picture books interspersed with questions, feedback and expansion of the child's responses. Studies that have adapted to LD for children with Autistic Spectrum Disorder (ASD) are promising but are still scarce. This pilot study, conducted in a public school, investigated effects of an adapted version of LD on task engagement and verbal participation. We read 20 children's works with the child in three stages: (1) LD with all kinds of questions traditionally used in LD (including open questions, distancing and emotion identification); (2) LD only with "wh-type" questions, such as: "What is this?", "Who is this?", "What is she doing?"; (3) Inclusion of a least-to-most prompting hierarchy: repeating or rephrasing the question, completion prompt and response model. During Stage 1 there was a high frequency of getting up and of immediate echolalia and no verbal initiations. During Stage 2 the child's adequate vocal responses increased, immediate echolalia ceased verbal initiations emerged and increased during Stage 3. Restricting the range of questions during Stage 2 may have aided performance by diminishing the number of different dimensions that the child had to attend to in order to respond. The storyteller's questions may have functioned as models for verbal initiation. Further studies will replicate the procedure using multiple baseline designs.

Keywords: School Inclusion, Autism, Verbal Behavior, Shared Reading, Verbal Interaction.


RESUMEN

La Lectura Dialógica (LD) consiste en la lectura compartida de libros ilustrados intercalados con preguntas, retroalimentación y expansión de las respuestas del niño. Los estudios que han adaptado LD para niños con Trastorno del Espectro Autista (TEA) son prometedores, pero todavía son escasos. Este estudio piloto adaptó un procedimiento de LD para un niño con TEA y verificó los efectos sobre la conducta enfocada y la participación verbal. Leemos 20 libros de cuentos tres etapas: (1) LD con todos los tipos de preguntas tradicionalmente usadas en LD (por ejemplo, quién es, qué es esto, qué está haciendo); (2) LD con preguntas tipo qué, quién, cuándo, etc.; (3) inclusión de una jerarquía creciente de pistas verbales (rehacer la pregunta, dar oportunidad de completar y dar un modelo de respuesta). En la Etapa 1 hubo alta frecuencia de levantarse y de ecolalia inmediata y no hubo iniciaciones verbales. En la Etapa 2, aumentaron las respuestas verbales adecuadas, se suspendió la ecolalia inmediata y aparecieron iniciaciones verbales por el niño, que aumentaron durante la Etapa 3. Restringir la variedad de tipos de preguntas durante la Etapa 2 puede haber mejorado el rendimiento a través de la disminución de la cantidad de dimensiones a las que el niño debía dar atención para responder. Las preguntas del narrador pueden haber funcionado como modelos para la iniciación verbal. Otros estudios repetirán el procedimiento utilizando diseños de línea de base múltiples.

Palabras clave: Inclusión Escolar, Autismo, Conducta Verbal, Lectura Compartida, Interacción Verbal.


 

 

1 - INTRODUÇÃO

A dificuldade em programar atividades escolares que promovam a inclusão de estudantes diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma realidade presente em instituições de ensino tradicional e especial (LIMA; LAPLANE, 2016). O processo de inclusão escolar deve contar com a construção de um currículo adaptado que atinja seus objetivos com todos os estudantes, por meio do uso de estratégias de ensino flexíveis e adaptadas para diferentes necessidades (BRASIL, 2008). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei n. 9.394 (1996) - preconiza no artigo 59 que as instituições de ensino devem garantir aos estudantes com desenvolvimento atípico, como os diagnosticados com TEA, o currículo, os métodos, os recursos e a organização específica para atender às suas necessidades.

A leitura é uma tarefa que se caracteriza por sua complexidade e pela exigência de várias competências, que são classificadas por vários autores (e.g.: CATTS; ADLOF; WEISMER, 2006; GOUGH; TUNMER, 1986; LABERGE; SAMUELS, 1974) em dois grandes grupos: (1) decodificação e (2) compreensão. O primeiro conjunto de habilidades se caracteriza em grande parte pelo que Skinner (1957) classifica como operantes textuais (comportamento vocal sob controle de aspectos formais do texto), enquanto o segundo conjunto envolve uma gama de comportamentos verbais sob controle de dimensões temáticas do texto e, no caso dos livros ilustrados, das ilustrações. Crianças com TEA frequentemente conseguem adquirir repertórios textuais com certa facilidade, porém o esforço para compreender o texto é ainda muito significativo (BROWN; ORAM-CARDY; JOHNSON, 2013). Além disso, muitas crianças com TEA podem apresentar dificuldades com habilidades que são pré-requisito para a participação em atividades da rotina escolar, por exemplo, manter-se engajada na tarefa, manter e iniciar atenção conjunta, responder a solicitações e a perguntas e formular perguntas e solicitações (e.g., MACDUFF; KRANTZ; MCCLANNAHAN, 2001). Para se desenvolver tais habilidades em crianças com desenvolvimento típico, as contingências estabelecidas pela comunidade verbal no cotidiano são consideradas suficientes na maior parte dos casos, mas, para as crianças com TEA, é frequente que sejam necessárias estratégias adaptadas de ensino, principalmente no que diz respeito às atividades acadêmicas e sociais (MACDUFF et al., 2001; PERES, 2015).

Uma estratégia frequentemente utilizada com crianças para desenvolver habilidades de linguagem oral e de compreensão de textos é a Leitura Dialógica (LD) (e.g. HOGAN; BRIDGES; JUSTICE; CAIN, 2011; WHITEHURST; FALCO; LONIGAN; FISCHEL; DEBARYSHE; VALDEZ - MENCHACA; CAULFIELD, 1988). Nesse tipo de leitura compartilhada, o mediador intercala a leitura (que pode ser com livros ilustrados) com cinco tipos de perguntas representadas pelo acrônimo CROWD: (1) complete (pedir para a criança completar oralmente uma palavra ou frase) (2) recall (pedir para a criança relembrar eventos anteriores da história) (3), open-ended (fazer perguntas amplas, como: "O que está acontecendo aqui?") (4), wh-questions (fazer perguntas abertas do tipo: Que? Quem? Quando? Onde? etc.) e distancing (pedir para a criança relatar uma experiência relacionada com a história). Para as respostas da criança, o mediador deve oferecer feedback na forma de elogios e expansões (reformulações e/ou acréscimo de informações) (WHITEHURST; EPSTEIN; ANGELL; PAYNE; CRONE; FISCHEL, 1994; FLEURY; MIRAMONTEZ; HUDSON; SCHWARTZ, 2014).

A LD tem mostrado resultados promissores no desenvolvimento de vocabulário receptivo e expressivo de crianças com atrasos ou déficits na linguagem, porém sem diagnóstico de TEA (FONTES; CARDOSO-MARTINS, 2004; LONIGAN; WHITEHURST, 1998; VALLY; MURRAY; TOMLINSON; COOPER, 2014; WHAT WORKS CLEARINGHOUSE, 2007). E também têm sido apontados ganhos de vocabulário superiores àqueles produzidos com leitura compartilhada não-dialógica (simples leitura em voz alta) para crianças sem atrasos na linguagem (BUS; VAN IJZENDOORN; PELLEGRINI, 1995; DUURSMA; AUGUSTYN; ZUCKERMAN, 2010). Ademais, com o decorrer da familiarização da criança com a estrutura da LD e com o papel do mediador, há uma tendência de que as crianças se tornem mais participativas na leitura (WHITEHURST et al., 1994). No entanto, ainda são poucos os estudos que exploraram o potencial dessa forma de leitura para o desenvolvimento de habilidades de interação social e leitora de crianças com TEA.

Em um estudo preliminar, Fleury, Miramontez, Hudson e Schwartz (2014) testaram, em um procedimento de linha de base múltipla, os efeitos da LD de contos infantis sobre o engajamento na tarefa de três crianças com TEA, de idades entre três e cinco anos. A intervenção resultou em um aumento, em comparação com a linha de base (leitura não-dialógica), nas taxas de participação verbal das crianças e maior tempo de engajamento na atividade.

Em outro estudo recente, Whalon, Martinez, Shannon, Butcher e Hanline (2015) elaboraram uma adaptação da LD para participantes com TEA, denominada RECALL (Reading to Engage Children with Autism in Language and Learning). Nessa adaptação, quando a criança não conseguia responder uma pergunta, eram apresentadas figuras e a criança deveria apontar para a resposta certa, usando uma hierarquia crescente de ajuda: primeiramente a criança deveria escolher entre três opções, se não respondesse corretamente, entre duas e, se permanecesse assim, apresentava-se diretamente o modelo com a solicitação de repetição. Os pesquisadores realizaram três sessões semanais durante dois meses e meio, com quatro crianças diagnosticadas com TEA, usando um delineamento de linha de base múltipla por participante.

Os resultados da intervenção revelaram, em comparação com a linha de base (leitura não-dialógica), um aumento do tempo de engajamento na tarefa, da frequência de respostas adequadas e de verbalizações espontâneas acerca do enredo. Os resultados mostraram, ainda, ser provável a relação do RECALL com um progresso gradual dos comportamentos-alvos para todos os participantes. No entanto, para um dos participantes, o desempenho foi variável e os autores não apontaram as razões. Além disso, as respostas que ocorreram com o suporte visual foram contadas como respostas adequadas, apesar do tipo de resposta exigido mudar: ao invés de respostas vocais, apenas apontar para a resposta certa era aceito.

Assim, pode-se dizer que o RECALL, como foi implementado por esses autores, acabou contradizendo o objetivo maior da LD, que é o de aumentar o vocabulário expressivo das crianças. Fazem-se necessários, portanto, estudos que investiguem os efeitos da apresentação de dicas que modelem respostas vocais, e não apenas discriminações condicionais.

Diante do exposto, a presente pesquisa teve como objetivo principal adaptar um procedimento de LD para uma criança com TEA dividido em três etapas e verificar os efeitos sobre o engajamento na tarefa e a participação verbal sem usar suporte visual, ou seja, não sendo aceitas apenas respostas de apontar.

 

2 - MÉTODO

Participante:

Pedro (nome fictício), sexo masculino, diagnosticado com TEA, com cinco anos de idade e cursando o 1º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública localizada na cidade de Brasília, Distrito Federal.

Instrumentos de avaliação:

(a) Entrevista breve com os pais: foi realizada uma entrevista estruturada breve para obtenção do histórico de vida de Pedro, incluindo os dados relevantes sobre o diagnóstico e acompanhamento clínico. Junto à entrevista, os pais assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) autorizando a realização do estudo com a criança no período das aulas na respectiva instituição de ensino.

(b) Filmagem com máquina digital: todas as sessões de leitura foram filmadas com uma máquina digital, com o intuito de analisar posteriormente o desempenho de Pedro.

(c) Observação de comportamentos relevantes para as habilidades de compreensão e interação social: anteriormente a cada sessão de leitura dialógica, os pesquisadores se reuniram para elaborar as perguntas que seriam feitas ao longo da história. Em todas as etapas do procedimento foram contabilizados comportamentos relevantes para as habilidades de compreensão e interação social: (I) resposta vocal - quando a criança respondia a pergunta do mediador após o intervalo de tempo, e a resposta estava relacionada ao livro; (II) resposta não-vocal - quando a criança respondia através do toque com a mão no livro, do apontar para a resposta ou do representar com gestos; (III) iniciação verbal 1 - quando a criança fazia um comentário espontâneo relacionado ao livro, independente do enunciado do mediador; (IV) iniciação verbal 2 - quando a criança elaborava uma pergunta espontânea relacionado ao livro, independente do enunciado do mediador; (V) iniciação verbal não-vocal - quando a criança emitia um comportamento não-vocal para mostrar ou procurar alguma informação do livro; (VI) levantar-se - quando a criança saía da cadeira, abandonando o ambiente de mediação de leitura.

Procedimento:

Para garantir uma resposta de observação, favorecendo a atenção conjunta, e seguir as recomendações de Whalon et al (2015), em todas as etapas e a cada página foi usada uma pergunta em que o mediador iniciava a interação apresentando um comentário entusiasmado e um pedido para apontar para algo na página (e.g. "Nossa, quantos bichos apareceram juntos! Cadê o macaco?!").

Trata-se de um estudo preliminar que buscou aprimorar um procedimento de LD adaptada que melhorasse o engajamento e a participação verbal de Pedro e que permitisse o uso dessa metodologia em estudos posteriores com outras crianças. Foram realizadas três diferentes etapas. A Etapa 1 foi planejada anteriormente, as demais etapas foram pensadas e implementadas de acordo com o desempenho de Pedro na etapa anterior. Na Etapa 2, houve o acréscimo de um quarto tipo de pergunta - "por quê?".

Na Etapa 1, foram usados todos os tipos de perguntas da LD adaptada (RECALL) usadas por Whalon et al (2015). Cada tipo de pergunta foi usado pelo menos duas vezes em cada história (Tabela 1).

Foram realizadas cinco sessões de LD na Etapa 1. O mediador fazia as perguntas planejadas em cada página do livro. Caso Pedro respondesse inadequadamente, o mediador fornecia o modelo

da resposta almejada. Se ele respondesse adequadamente, o mediador confirmava a resposta, repetindo-a e elogiando-a e prosseguia com a leitura. Respostas eram consideradas adequadas quando eram pertinentes à pergunta e à ilustração/narrativa. Respostas parcialmente pertinentes à pergunta e à ilustração/narrativa (e.g., faltando uma sílaba de uma palavra ou um artigo) ou com pronúncia ou prosódias atípicas eram seguidas de elogio/confirmação e um modelo com pronúncia/prosódia convencional.

A Etapa 2 durou dez sessões e o procedimento foi o mesmo da Etapa 1, exceto que as perguntas foram delimitadas apenas às do tipo "Q" (terceiro tipo de pergunta na Tabela 2). Escolheu-se delimitar a variedade de perguntas porque o desempenho na Etapa 1 sugeriu que a grande variedade de exigências postas pelos distintos tipos de perguntas poderia estar dificultando o controle de estímulos. A escolha por perguntas tipo "Q" foi baseada na ideia de que saber responder a perguntas tipo "quem", "quando", "onde" sobre personagens e acontecimentos da história parece ser pré-requisito para perguntas mais complexas usadas por Whalon et al (2015), como fazer inferências ou distanciamento. Buscou-se trabalhar com três tipos de perguntas tipo "Q" que ajudassem Pedro a nomear aspectos importantes da história: (1) nomeação de objeto/coisa - O que é isto?; (2) nomeação de pessoa/animal/personagem - Quem é este?; e (3) nomeação de ação/atividade - O que está fazendo? Após três sessões de LD com esse procedimento, os pesquisadores identificaram aumento no número de acertos por parte de Pedro aos tipos de perguntas feitos até então e optaram pela inclusão de um novo tipo de pergunta: Por quê? - para dar oportunidade de verbalizar relações entre os eventos da história. As perguntas relacionavam eventos explícitos na narrativa (não exigiam inferências sobre eventos não explícitos no texto).

A Etapa 3 durou cinco sessões e seguiu os critérios adotados na Etapa 2, acrescentando-se a hierarquia de dicas adaptadas presente na estrutura do RECALL. Iniciava-se com uma pergunta específica de um dos quatro tipos de questões (e.g. "O que o pato está fazendo?"). Quando Pedro apresentava uma resposta inadequada ou permanecia em silêncio, quatro níveis de dicas eram apresentados: primeiro, o mediador repetia a mesma pergunta; segundo, caso a criança voltasse a apresentar uma resposta inadequada ou permanecesse em silêncio, uma parte da resposta era apresentada em forma oral para que a criança tivesse a oportunidade de completar (e.g. "Ele está dormin..."); terceiro, se mesmo assim o participante ainda não chegasse a uma resposta adequada, fornecia-se o modelo da resposta (e.g. "Ele está dormindo."); quarto, no caso de falha da criança em repetir o modelo, o mediador apresentava-o novamente, apontando para a ilustração, e retomava então a leitura.

As sessões de leitura tiveram duração média de 20 minutos. O estudo precisou ser encerrado devido à chegada das férias. Ao final da coleta e da análise de dados, os pesquisadores realizaram uma devolutiva com as professoras de Pedro e outra com os pais. O objetivo principal desse encontro foi apresentar o desempenho da criança ao longo do trabalho, destacando os procedimentos como ferramentas para que tanto os pais quanto as professoras pudessem aplicar nos seus próprios contextos de leitura compartilhada.

Materiais e local de coleta:

Foram utilizados 20 diferentes livros de literatura infanto-juvenil que seguiam planos de ação e psicológico linear (sem saltos ou retornos na sequência cronológica dos eventos da narrativa) e continham entre dez e 36 páginas. A tabela 2 apresenta a relação dos nomes dos livros, seus autores, número de páginas e a respectiva etapa de utilização. Ademais da seleção de livros, pequenos papéis autoadesivos foram usados como marcadores para anotação das perguntas e comentários que deveriam ser feitos em cada página dos livros, a fim de facilitar a realização das intervenções planejadas. As sessões de LD ocorreram em uma sala de estudos da escola com isolamento acústico e iluminação artificial, utilizando-se uma mesa e três cadeiras.

 

3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Figura 1 representa a porcentagem de respostas adequadas de Pedro nas três diferentes etapas do procedimento, assim como as respostas adequadas com o auxílio da hierarquia de dicas na última etapa. Na etapa 1, ele apresentou a média de 29% de respostas adequadas sem a apresentação de dicas, obtendo o menor índice na sessão 1 (12%) e o mais alto na sessão 2 (38%).

Na Etapa 2, com a diminuição dos tipos de perguntas, Pedro apresentou nas sessões 6, 7 e 8 as respectivas porcentagens de respostas adequadas: 67%, 69% e 71%. Com a implementação da pergunta de tipo "por quê?" a partir da sessão 9, houve uma queda visível no desempenho, com 41% de respostas adequadas e em seguida, melhoras progressivas no desempenho até a sessão 12, quando atingiu 65% de acerto (Figura 1). A média de respostas adequadas emitidas por Pedro nesta segunda etapa foi de 69%.

Na Etapa 2, com a diminuição dos tipos de perguntas, Pedro apresentou nas sessões 6, 7 e 8 as respectivas porcentagens de respostas adequadas: 67%, 69% e 71%. Com a implementação da pergunta de tipo "por quê?" a partir da sessão 9, houve uma queda visível no desempenho, com 41% de respostas adequadas e em seguida, melhoras progressivas no desempenho até a sessão 12, quando atingiu 65% de acerto (Figura 1). A média de respostas adequadas emitidas por Pedro nesta segunda etapa foi de 69%.

Na Etapa 3 - com a aplicação da hierarquia de dicas - Pedro obteve, nas sessões 16 e 17, 46% e 36% de respostas independentes corretas (sem precisar usar a hierarquia de dicas). Já nas três sessões seguintes desta etapa, ele necessitou menos da hierarquia de dicas, com os níveis de respostas adequadas independentes de 73%, 60% e 58%.

Ainda na Etapa 1 - como pode ser visto na Figura 2 abaixo - verificou-se uma porcentagem considerável de ecolalia imediata, em que Pedro repetia a pergunta do mediador (e.g. Mediador pergunta: "Quem é este?", e Pedro responde: "Quem é este?"). Muitas perguntas não eram respondidas, especialmente as do tipo "completar". Perguntas dos tipos "identificação de emoções", tipo "Q" para inferência" e "recordar" não produziram nenhuma resposta adequada e as do tipo "distanciamento", em apenas 17% dos casos.

 


Figura 2 - Clique para ampliar

 

Na Etapa 2 aumentaram as respostas adequadas e houve poucas ocorrências de ecolalia, como ilustra a Figura 3. Pedro respondeu a quase todas as perguntas, diferentemente da Etapa 1 em que muitas perguntas eram seguidas de silêncio. Vale lembrar que, mesmo considerando apenas as perguntas tipo "Q", havia uma proporção de 40% de ecolalia ou de silêncio na Etapa 1.

A Etapa 3 foi caracterizada pela aplicação da hierarquia de dicas e Pedro necessitou dessa ferramenta com maior incidência nas sessões 16 e 17 em comparação ao desempenho nas sessões seguintes, como se observa na Figura 4.

A Figura 5 mostra a frequência de levantar-se e de iniciações verbais durantes as três etapas. Pedro parou de se levantar durante a sessão a partir da primeira sessão da Etapa 2. Sua participação verbal mostrou um trend crescente ao longo das sessões. Embora tenha havido uma queda no desempenho na passagem da Etapa 2 para a Etapa 3, possivelmente devido ao aumento na complexidade das perguntas, em seguida voltou a haver um trend crescente nas participações vocais de Pedro. Importante apontar que Pedro começou a iniciar a atenção conjunta, dirigindo perguntas espontâneas ao mediador (e.g., Pedro olhava para o mediador e perguntava "O que é isso?", apontando para uma ilustração) nas últimas sessões da Etapa 2. A frequência de iniciações de atenção conjunta aumentou na última etapa. Os demais comportamentos não mostraram mudanças significativas ao longo das três etapas, observando-se uma importante variabilidade independentemente do procedimento utilizado.

Os resultados do presente estudo, embora preliminares, corroboram os de Fleury et al (2014) e Whalon et al (2015) ao mostrar que é possível adaptar a LD para crianças com TEA e que esta pode ser uma estratégia promissora para aumentar o engajamento e a interação verbal dessas crianças. No presente estudo, uma adaptação que mostrou ser benéfica foi, após um levantamento inicial (Etapa 1) com as diversas perguntas usadas na LD, diminuir os tipos de perguntas a partir da Etapa 2. Isso pode ter melhorado o controle de estímulos, posto que essas perguntas feitas anteriormente envolviam uma variedade muito grande de estímulos antecedentes (e.g., as dimensões relevantes para responder a uma pergunta de distanciamento são diferentes daquelas relevantes para responder uma pergunta do tipo "completar"; a primeira exige fazer relato da própria experiência sob controle de uma parte da narrativa ou uma ilustração, a segunda é um intraverbal sob controle da primeira parte de uma palavra). Usar um menor número de tipos de perguntas pode ter favorecido o controle de estímulos, pois todas elas, embora variassem de página para página e de história para história, exigiam que a resposta ficasse sob controle de dimensões semelhantes da história. A maior taxa de sucessos obtidas a partir da Etapa 2, por sua vez, pode ter ajudado a aumentar o engajamento na atividade, pois como se viu, Pedro passou a se levantar cada vez menos e a interagir cada vez mais com o mediador, inclusive iniciando interações.

Diferentemente do estudo de Whalon et al (2015) em que foram utilizadas figuras solicitando à criança que apenas apontasse a resposta certa, a hierarquia de dicas usada no presente trabalho foi planejada para que a criança usasse ativamente o vocabulário do livro. Essa adaptação é mais coerente com um dos objetivos centrais da LD, para o qual há um corpo de evidências (e.g. WHITEHURST et al.,1988; WHITEHURST; ZEVENBERGEN; CRONE; SCHULTZ; VELTING; FISCHEL, 1999), que é o aumento no vocabulário expressivo da criança. Esta é uma meta importante para crianças com atrasos no desenvolvimento da linguagem.

Ao contrário do estudo de Whalon et al (2015), por exemplo, em que cada livro foi repetido até três vezes ao longo das sessões, e de outros estudos, o presente estudo usou livros diferentes em cada sessão. Assim, em estudos anteriores, não se descarta o possível efeito da repetição de livros sobre o desempenho e a aprendizagem de respostas específicas. Neste estudo, ainda preliminar, a melhora ao longo das sessões sugere a aquisição de um repertório generalizado. (responder perguntas sobre os personagens, o que eles estão fazendo e onde estão) e não de responder a certas perguntas específicas. Por exemplo, Pedro aprendeu a responder à pergunta "Quem é esse?", ou seja, ao ouvir essa pergunta, sua resposta passou a estar sob controle do nome do personagem, ouvido anteriormente na história. Em histórias posteriores, o desempenho parece ter se generalizado para novos personagens em novas histórias.

Um dos resultados com maior importância, do ponto de vista do engajamento verbal de Pedro, apareceu a partir das últimas sessões da Etapa 2, e continuou durante a Etapa 3. Trata-se do aparecimento espontâneo de perguntas feitas por Pedro para o mediador. Uma das características assinaladas como importantes em indivíduos com TEA, em comparação com crianças com desenvolvimento típico, é a baixa frequência do que se chama de iniciação de atenção compartilhada, em que a criança não apenas dirige a atenção a um objeto ou aspecto do ambiente para o qual alguém chama a atenção (atenção compartilhada), mas também inicia essa atenção compartilhada (WHALEN; SCHREIBMAN, 2003). Fazer perguntas ao mediador sobre ilustrações do texto é uma iniciação à atenção compartilhada que produz não somente a atenção do interlocutor, mas também solicita uma resposta acerca de algo.

Neste estudo, após participar de treze sessões em que respondia a perguntas do mediador, Pedro começou a dirigir a ele perguntas semelhantes (e.g., apontando para uma ilustração de um personagem, dirigindo o olhar ao mediador e perguntando "Quem é esse?" ou "O que é isso?"). Trata-se, portanto, de uma interação qualitativamente diferente da que se estabeleceu nas sessões anteriores, pois a criança passou não só a responder a perguntas, mas também a formulá-las. É provável que isso tenha partido de uma imitação do comportamento do mediador. A ecolalia inicial, que apareceu na Etapa 1 em resposta às perguntas do mediador, pode ter sido portanto uma instância de ecolalia funcional (PRIZANT; DUCHAN, 1981).

 

4 - CONCLUSÕES

Em conjunto com o estudo feito por Whalon et al. (2015), o presente trabalho visa contribuir para a literatura ainda incipiente acerca das estratégias de mediação de leitura para crianças com desenvolvimento atípico e apoiar as atividades de ensino que buscam desenvolver as habilidades leitoras desta população.

Estudos futuros poderão aferir funcionalmente as iniciações à atenção conjunta, buscando verificar se eram mantidas pela atenção do mediador ou também pelas respostas específicas que este daria. De qualquer maneira, trata-se do que Rosales-Ruiz e Baer (1997) denominam cúspide comportamental (uma classe de comportamentos que promove a aprendizagem de novos comportamentos - a criança que pergunta ativamente pode, potencialmente, aprender muito mais).

O fim do ano letivo impediu de verificar, com mais sessões, os efeitos da hierarquia de dicas vocais sobre o comportamento verbal de Pedro, embora as três últimas sessões tenham sugerido uma melhora no desempenho. Quanto ao estabelecimento de uma metodologia, os resultados indicaram ser possível usar uma hierarquia de dicas vocais, evitando a mudança drástica no tipo de resposta exigido realizada no estudo de Whalon et al (2015), em que a hierarquia de dicas alternava para uma tarefa de discriminação condicional visual. Manter a hierarquia de dicas dentro da mesma modalidade de resposta que foi evocada inicialmente oferece uma maior flexibilidade ao procedimento (i.e., nem toda resposta pode ser transformada em uma figura, o que restringe bastante o tipo de pergunta que pode ser apresentado à criança). Além disso, o uso de dicas visuais envolve uma tarefa de reconhecimento apenas, (vocabulário receptivo) enquanto dicas vocais podem ser usadas para desenvolver o vocabulário expressivo.

Finalmente, cabe apontar que não foi necessário utilizar reforçadores arbitrários para manter Pedro engajado na atividade, pelo contrário, o engajamento aumentou ao longo das sessões de forma natural. O estudo deverá ser replicado com mais participantes, preferencialmente usando um delineamento de linha de base múltipla por participante, controlando assim efeitos de história e maturação.

 

5 - REFERÊNCIAS

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Recebido em: 09.04.2017
Aceito em: 03.08.2017

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