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Stylus (Rio de Janeiro)

versão impressa ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.38 Rio de Janeiro jan./jun. 2019

 

ARTIGO BILÍNGUE

 

Devastação feminina: o que pode uma análise?

 

Female devastation: what can an analysis do?

 

Devastación femenina: ¿qué puede un análisis?

 

Ravage féminin : que peut une analyse ?

 

 

Erika Vidal de Faria; Dannielle Rezende Starling

 

 


RESUMO

O presente texto pretende realizar uma articulação entre os conceitos freudianos e lacanianos acerca da devastação feminina na psicanálise. Freud nomeia a relação problemática de uma mãe e filha como catastrófica, e Lacan, ao retomar os postulados freudianos, diz que se trata mesmo de uma devastação que, para além da relação entre mãe e filha, pode reatualizar-se no campo do amor. Diante disso, esta pesquisa delineia-se diante da pergunta "o que pode uma análise?", com um apontamento de que o dispositivo de análise pode propiciar um lugar privilegiado em que a devastação, esse outro nome para o gozo feminino, possa, de alguma maneira, circunscrever-se. Partindo de alguns autores que se debruçaram sobre essa especificidade da clínica feminina, utilizou-se também de uma vinheta clínica para corroborar a hipótese supracitada.

Palavras-chave: Psicanálise; Feminino; Devastação; Mulher; Mãe; Amor; Análise.


ABSTRACT

The present text intends to articulate Freudian and Lacanian concepts about female devastation in psychoanalysis. Freud names the problematic relationship between a mother and daughter as catastrophic, and Lacan, in retaking the Freudian postulates, says that it is indeed a devastation that, in addition to the relationship between mother and daughter, can be reanalyzed in the field of love. In view of this, this research outlines the question "what can an analysis do?", with an indication that the device of analysis can provide a privileged place in which devastation, this other name for female enjoyment, can, somehow, circumscribe. Based on some authors who have focused on this specificity of the female clinic, we also use a clinical vignette to corroborate the aforementioned hypothesis.

Keywords: Psychoanalysis; Feminine; Devastation; Woman; Mother; Love; Analysis.


RESUMEN

El presente texto pretende articular los conceptos freudianos y lacanianos sobre la devastación femenina en el psicoanálisis. Freud considera que la relación problemática de madre e hija es catastrófica, y Lacan, al retomar los postulados freudianos, dice que, de hecho, es una devastación que, además de la relación entre madre e hija, puede volver a analizarse en el campo del amor. Así, esta investigación se construye con la pregunta "¿qué puede un análisis?", con la indicación de que el dispositivo de análisis puede proporcionar un lugar privilegiado en el que la devastación, ese otro nombre para el goce femenino, puede, de alguna manera, circunscribirse. A partir de algunos autores que se han centrado en esta especificidad de la clínica femenina, también utilizamos una viñeta clínica para corroborar la hipótesis mencionada.

Palabras clave: Psicoanálisis; Femenino; Devastación; Mujer; Madre; Amor; Análisis.


RÉSUMÉ

Ce texte vise à articuler des concepts freudiens et lacaniens sur le ravage féminin en psychanalyse. Freud qualifie de catastrophique la relation problématique d'une mère et de sa fille, et Lacan, en reprenant les postulats freudiens, dit qu'il s'agit en effet d'un ravage qui, en plus de la relation entre mère et fille, peut être remise à jour dans le domaine de l'amour. Dans cette perspective, cette recherche est définie à partir de la question « que peut faire une analyse ? », avec une indication que le dispositif d'analyse peut fournir un lieu privilégié où le ravage, cet autre nom de la jouissance féminine, peut en quelque sorte se cerner. À partir de certains auteurs qui se sont penchés sur cette spécificité de la clinique pour les femmes, on s'est servi également d'une vignette clinique pour corroborer notre hypothèse.

Mots-clés : Psychanalyse ; Féminin ; Dévastation ; Femme ; Mère ; Amour ; Analyse.


 

 

Introdução

...já faltava algo a Lol para estar - ela diz: presente.
Marguerite Duras

A questão do feminino e da construção de uma mulher atravessou toda a história da psicanálise, iniciando-se com Freud em sua prática profissional marcada majoritariamente pela clínica feminina, lançando-lhe questões e impasses sobre o desenvolvimento do complexo de Édipo feminino. É com o psicanalista francês e pós-freudiano Jacques Lacan que a questão do feminino ganha um novo estatuto, algo de uma invenção que, "(...) mais do que uma retomada, é uma verdadeira solução para o impasse freudiano que assim se esboça" (André, 1998, p. 27).

A máxima lacaniana de que "uma mulher, isso não existe" (Lacan, 1974-1975, p. 23, inédito) aponta para a questão de que a mulher não existe como significante. Atrelado a isso, Lacan promove um deslocamento das formulações freudianas, em que ter ou não ter o falo seriam suficientes para designar o feminino e o masculino no inconsciente, apontando-nos para a noção de gozo. Há um gozo próprio à mulher? Essa pergunta leva-o a formular sobre "(...) uma divisão do sujeito em duas partes - uma toda fálica, e outra não-toda" (André, 1998, p. 27). Não há simetria entre homens e mulheres, e aqui, como Lacan (1972-1973/2008), usaremos esses vocábulos como uma abreviação para tratar dos conceitos aqui trabalhados.

Diante de suas formulações sobre o gozo, no Seminário 20, Lacan delimita o gozo todo fálico ao lado masculino, sendo este, significantizável, circunscrito e limitado. Já o gozo não-todo fálico está ao lado feminino, marcando a inexistência dA mulher, não capturada completamente pelo simbólico, marcada pela ausência de um significante que defina seu ser, tendo acesso, assim, a um gozo suplementar. Por isso, apreende-se que a mulher é não-toda, pois há algo dela que não pode ser recoberto pelas palavras. Ela tem acesso ao gozo fálico, mas não é completamente regulada por ele, resta um inominável que não é passível de simbolização, permitindo à mulher uma relação privilegiada com o Real. Quais sãos efeitos disto na clínica? Segundo Miller:

Há na clínica feminina testemunhos de dor psíquica ligada a um afeto de não ser, de ser nada, com momentos de ausência de si mesmo. Também há testemunhos de uma estranha relação com o infinito, que pode se apresentar no nível do finito, ou seja, no nível de um sentimento de incompletude radical. (Miller, 2010, p. 6)

Diante desse inominável, há algo que não cessa de não se escrever no inconsciente, pois "(...) não há mulher senão excluída pela natureza das coisas que é a natureza das palavras" (Lacan, 1972-1973/2008, p. 79). Aí se encontra o problema, pois o gozo feminino tem um índice de infinito, não regulável, podendo inclusive ultrapassar o sujeito. É nesse ponto, portanto, que a ameaça da devastação faz-se presente à mulher.

 

A devastação

O termo devastação, em francês ravage, deriva de ravir (arrebatar), que vem do latim rapire, no qual o sentido colocado é o de tomar de maneira precipitada, tomar à força, sentido equivalente ao de rapto. Em francês, ainda tem outros significados, como o de "desgosto profundo", "dano", "prejuízo", e tem até mesmo o significado de destruição causada pelo homem de maneira violenta, abrupta. Em português, o termo ravage é traduzido por "devastação" ou "estrago". No dicionário Aurélio, o termo devastação é significado como uma ruína proveniente de uma grande desgraça; tornar deserto; despovoar. O termo ravir (arrebatar) é também encontrado no misticismo, assim como ravissement (deslumbramento). Isso quer dizer que se é transportado para o céu, na língua clássica, associando-se ao êxtase (Drummond, 2011).

O conceito de devastação, para a psicanálise, diz respeito a um acontecimento de corpo em sujeitos que se encontram ao lado feminino da sexuação. Esse acontecimento sinaliza o excesso do gozo que não cessa de não se escrever, pois não é reduzido ao falo, escapando, assim, à simbolização. Localizamos tal acontecimento, primordialmente, na relação entre mãe e filha, tal como Freud (1931/1996a) havia sinalizado, podendo também repercutir nas relações amorosas que uma mulher estabelece com um homem.

 

A mãe

Freud lamenta, ao final de sua vida, ter subestimado a relação entre mãe e filha, que seria o ponto privilegiado para pensar sobre a devastação. Utiliza o termo catástrofe para descrever a não transição do objeto de amor materno para o paterno na resolução do complexo de Édipo feminino e pontua que tal transição é necessária para que a menina obtenha o caminho aberto para o desenvolvimento de sua feminilidade. Assim, "(...) a problemática feminina não é, no fundo, outra coisa, senão o retorno inelutável da relação antiga com a mãe" (Freud, 1931/1996a, p. 261).

Em sua conferência sobre a feminilidade, Freud (1933/1996b) afirma que a relação da menina com sua mãe carrega sentimentos ambivalentes, e que seu afastamento da mãe em direção ao pai comporta hostilidade e raiva, algo que pode perdurar por toda a vida, podendo até mesmo, ao casar-se, conceber o marido como um herdeiro da mãe e de seus conflitos carregados de ambivalência e rebeldia; por vezes, tal separação com a mãe nunca se sucede de fato.

Lacan, ao retomar a noção freudiana de catástrofe, nomeia como devastação a difícil relação da menina para com sua mãe. O termo devastação aparece pela primeira vez em 1972, em seu texto "O aturdito" (1972/2003), no qual aponta que a devastação, para uma mulher, constitui-se na relação com sua mãe, da qual espera receber mais substância do que do pai. Nesse sentido, "(...) a história de uma menina e sua mãe aparece como a história de uma separação sempre adiada" (André, 1998, p. 89).

Essa substância, da qual a filha espera receber da mãe mais do que do pai, diz respeito à espera da menina de que sua mãe consiga lhe transmitir a feminilidade para conseguir responder à pergunta norteadora: "o que é ser uma mulher?". Entretanto, da mesma forma que a menina não tem acesso a esse saber pela via do significante, a mãe também não o tem. Resta aí um impasse que permeia a tensão presente na relação entre mãe e filha, ou seja, há algo na menina que permanecesse irresoluto em sua relação com a mãe.

 

A outra face do amor

Lacan (1975-1976/2007) aponta outra face da devastação para além da relação entre mãe e filha e adverte que, para uma mulher, um homem é pior que uma aflição, e diz tratar-se mesmo de uma devastação. Como já citado anteriormente, Freud já havia alertado sobre como o vínculo entre mãe e filha tem ressonâncias com as relações amorosas posteriores da menina.

Dito isso, é possível apreender que, pelo fato de a feminilidade evidenciar a falta de um significante que consiga abarcar e definir o que é ser uma mulher, ao não conseguir receber a transmissão da feminilidade de sua mãe, é possível que uma mulher encontre a "solução" para essa questão pela via do amor. Dessa forma, busca ser eleita por um homem, definindo, então, sua identidade feminina pela parceria amorosa para com ele.

Quanto à devastação na parceria amorosa, ela se expressa por meio da demanda desmedida das mulheres àquele que elas supõem que possa responder sobre o seu ser de mulher. Do lado mulher, não há um limite que aplaque todos os mal-entendidos do sujeito feminino, quer seja o mal-entendido da relação da menina com a mãe, com o pai ou com o parceiro amoroso. (Ferreira, 2015, p. 12)

Miller (2015) elucida tal acontecimento dizendo que ser devastado é quando há uma pilhagem que se estende a tudo, que não termina e desconhece limites. O homem entra nessa função de parceiro-devastação para uma mulher, "(...) a ponto de não haver limites para as concessões que cada uma delas faz a um homem: seu corpo, sua alma, seus bens", afirma Lacan (1974/1993, p. 70).

 

Efeitos clínicos

A perda desse amor, para uma mulher, pode acarretar a irrupção de uma desfalicização do corpo, podendo deparar-se aí com a errância, com sensações de despersonalização ou até mesmo com a ameaça de um autodesaparecimento, não sendo indiferente a estrutura de cada sujeito e de sua relação com o simbólico. Dessa maneira, o núcleo da devastação é esse gozo outro que devasta e aniquila o sujeito, e os efeitos subjetivos, para esses sujeitos atravessados pela devastação, "(...) vão da mais leve desorientação até a angústia profunda, passando por todos os graus de extravio e evitação" (Soler, 2005, p. 133).

De acordo com Marie-Hélène Brousse (2004), na relação de devastação, o sujeito carece de seu lugar. Nesse lugar que não existe, o sujeito é reduzido ao "silêncio", e seu corpo não passa de um "corpo em excesso", um buraco negro.

É comum escutarmos na clínica mulheres que relatam experiências de uma "falta de identidade", um "vazio profundo" e um medo acentuado em "perder o controle do corpo". Esses relatos aparecem em momentos pontuais, em que a relação entre mãe e filha apresenta-se insuportável, e também na perda de um amor. Nesses momentos em que os semblantes fracassam é que verificamos essa pilhagem de um gozo ilimitado que se alastra, mostrando-nos uma dor inclassificável na clínica feminina.

 

Devastação e desejo de morte - fragmento clínico

Com a dor, o silêncio. Denso, ácido. Estagnado.
Um silêncio de caco de vidro moído esfolando o corpo por dentro.
Um desesperar, nada por vir.
Carla Madeira

Uma jovem paciente chega ao atendimento clínico por meio de um encaminhamento de uma instituição pública com orientação de um acompanhamento psicológico em vista de uma possível "relação abusiva" com sua mãe. Já no primeiro encontro, acompanhada de sua mãe, a paciente diz desconhecer o motivo de estar ali, dizendo que quem sabe sobre isso é sua mãe. Conta sobre a recente separação dos pais e da interdição, por parte da mãe, de que ela tivesse qualquer tipo de contato com o pai. Ela relata em suas sessões a vida conjugal dos pais, a vida profissional da mãe, as brigas da mãe com a madrasta atual e os problemas de saúde da mãe. Observo como é difícil para a paciente delimitar o que é seu e o que é de sua mãe, pois ambas se confundem com frequência.

A paciente define-se como uma pessoa "muito emocionada" com a vida, pois, em certos momentos, perde completamente a razão e torna-se "pura emoção". Ao questioná-la em que momentos torna-se pura emoção, responde dizendo que isso acontece ao final de alguma discussão intensa com a mãe. Seu maior ponto de angústia é não poder encontrar-se com seu pai. A função paterna, nesse caso, não opera no sentido de apaziguar o gozo mortífero da mãe.

Em "Análise terminável e interminável", Freud (1937/1996c) demonstra como a relação entre mãe e filha referida ao penisneid é um impasse para a clínica e discorre sobre como a relação da menina com o pai não faz desaparecer a relação primitiva com a mãe. Segundo ele:

Tudo na esfera dessa primeira ligação com a mãe me parecia tão difícil de apreender nas análises - tão esmaecido pelo tempo e tão obscuro e quase impossível de revivificar - que era como se houvesse sucumbido a um recalque especialmente inexorável. (Freud, 1931/1996a, p. 240)

A paciente relata que já tentou suicídio algumas vezes. Conta sobre sua última tentativa, em que a mãe, ao descobrir que ela estava fumando escondido, espancou-a e vociferou que ela nunca seria capaz de ser nada, que ela era um nada e que seria sempre uma incapaz e viciada. Disse que a mãe destruiu a base de seu prédio, e que assim ele desmoronou inteiro e, a partir disso, tentou morrer. Ao interpelá-la sobre por que decidiu morrer naquele momento, responde dizendo que só conseguia pensar que nunca seria nada mesmo e que ouvir isso de sua mãe foi o fim.

Marie-Hélène Brousse (2004) discorre sobre a dificuldade na análise de mulheres que se encontram em um ponto da devastação, articulando-o com a relação entre mãe e filha. Salienta que, durante sua experiência nos cartéis de passe da Escola da Causa Freudiana, observou que, inalteradamente, qualquer que seja a estrutura do sujeito feminino e qualquer que tenha sido sua história de vida singular, há uma invariável que se destaca: "O x do desejo materno assumia sempre, num determinado momento da análise, o valor da morte" (Brousse, 2004, p. 63).

O trabalho em análise permitiu, depois de algum tempo, que essa paciente se ocupasse da sessão para falar de si, e não mais apenas de sua mãe. Começou a abordar temas relacionados com seus estudos, sonhos, sexualidade e esportes. Seu corpo passa, então, a ter contornos, nome próprio. Começa a tratar, simbolicamente, esse ponto da devastação com a mãe e escuta que é possível tecer outra história, sem necessariamente encerrar-se na enunciação de morte da mãe.

Esse pequeno recorte ilustra a vertente da devastação feminina em relação à mãe. Esse caso clínico em questão levou-nos a interrogar o que pode uma análise diante desse ponto em que o gozo feminino, não-todo, apresenta-se desmedido, sem bordas e limites.

 

O que pode uma análise?

Como pensar na transferência e nas possibilidades de uma análise diante da clínica feminina que comporta um gozo desmedido e devastador? Marie-Hélène Brousse (2004), em seu texto "Uma dificuldade na análise das mulheres", assinala que o ponto da devastação, em uma análise, alerta-nos para um Real que se apresenta na relação analítica e que exige do analista um manejo especial, pois é comum que o analista caia em uma posição que encarna a devastação.

Em seu outro texto intitulado "Devastação e desejo do analista", Brousse (2000) formula como o desejo do analista tem papel fundamental no tratamento da devastação. Segundo a psicanalista, o desejo do analista visa a barrar o Outro indestrutível, dando lugar ao desejo do sujeito e mobilizando o corpo. É possível, a partir disso, pensar no analista nessa posição de transmissão de um saber fazer com esse Real do gozo feminino?

Conforme afirma Lêda Guimarães:

A experiência psicanalítica nos demonstra o quanto esta questão é relevante, pois a devastação de que uma mulher pode padecer (...) constitui um ponto privilegiado para que uma entrada em análise tome como direção o tratamento do real do gozo mortificante. (Guimarães, 2014, p. 25)

Em "A direção do tratamento e os princípios de seu poder" (1958/1998), Lacan realiza uma pontuação precisa sobre a função do analista na direção do tratamento, dizendo que o paciente não é o único a entrar com sua quota de pagamento, que também o analista paga com suas palavras e com sua pessoa, da qual ele a empresta para ser suporte dos "(...) fenômenos singulares que a análise descobriu na transferência" (Lacan, 1958/1998, p. 593). Com efeito, o manejo da transferência, nos casos de devastação, mostra-se essencial para que o analista, a partir de suas intervenções, possa viabilizar o ciframento do gozo feminino.

A possibilidade de uma mulher encontrar saídas diante da devastação implica, em um primeiro momento, localizar o ponto de devastação em sua relação com a mãe. O dispositivo de análise pode ser, então, "(...) a maneira como cada mulher pode aceder a uma versão do feminino distinta do enredo materno" (Ferreira, 2015, p. 78).

Nossa aposta é a de que, por as mulheres serem "não loucas-de-todo" (Lacan, 1974/1993, p. 70), isto é, não excluídas do campo simbólico de maneira completa, é dada a elas a possibilidade de, em um trabalho de análise, circunscrever algo desse gozo devastador. Ora, "(...) se o gozo não serve para nada, como observa Lacan, isso não significa que ele não constitua uma consistência" (Branco, 2006, p. 58), ou seja, esse índice de infinito característico do gozo feminino pode ser bordejado nos vazios que vão de encontro ao gozo indizível de uma mulher.

A travessia, em um processo analítico, pode permitir que as mulheres devastadas consintam na inconsistência do Outro, circunscrevendo e bordejando algo que possa fazer suplência diante do gozo não-todo, de maneira a se estruturar algo em torno de um vazio, mas não de uma maneira completa, pois "(...) o vazio em seu centro permanece, para sempre" (Starling, 2009, p. 99).

Adornar o vazio, fazer tessitura das palavras, narrativas, histórias e enredos. A análise deve promover uma invenção singular, realizando, assim, uma suplência, certo saber fazer com as sobras do Real desse impossível de dizer que repousa sobre o ser de uma mulher.

 

Referências bibliográficas

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Recebido: 11/03/2019
Aprovado: 13/05/2019

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