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Psic: revista da Vetor Editora
versão impressa ISSN 1676-7314
Psic v.9 n.1 São Paulo jun. 2008
RESENHA
Diálogos entre psicologia e religião
Rodolfo Augusto Matteo Ambiel *
Universidade São Francisco
Arcuri, I. G., & Ancona-Lopez, M. (2007). Temas em psicologia da religião. São Paulo: Vetor Editora, 334 pp.
O caráter psicológico da experiência religiosa é um assunto que vem sendo negligenciado das discussões científicas dentro da psicologia. Muitas vezes, renegada à um segundo plano ou interpretada como um aspecto menos importante da personalidade da pessoa, não é incomum conceber a religiosidade e a busca pelo sobrenatural como uma fraqueza ou mecanismo de defesa, a fim de se compensar uma falta física e real.
Entretanto, na prática psicológica percebe-se que a religiosidade é um tema freqüente e de grande influência no cotidiano das pessoas. Tendo em vista o pouco espaço dedicado às intersecções entre psicologia e religião, tanto na ciência quanto na formação dos psicólogos, um grupo de professores de diversos cursos de pós-graduação do Brasil se reuniu em um Grupo de Trabalho para se dedicar ao estudo desse tema, o que vem gerando diversas publicações e eventos científicos desde 1999. Assim, a obra ora apresentada, Temas em psicologia da religião, organizada pelas professoras Irene Gaeta Arcuri, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e Marília Ancona-Lopez, também da PUC-SP e Universidade Paulista (UNIP), é um dos frutos desse esforço e reúne textos de autores de várias regiões e instituições do Brasil e exterior.
O texto que abre o livro, intitulado Arte, cultura e religião na vida adulta: rabiscos winnicottianos, é do italiano Mario Aletti, da Societá Italiana di Psicologia della Religione e da International Association for the Psychology of Religion. O autor, de formação freudiana, discute a questão religiosa na vida adulta a partir da perspectiva do psicanalista inglês Donald W. Winnicott, discutindo as questões simbólicas envolvidas na imagem que se tem de Deus e como a cultura influencia na construção complexa dessa imagem e conseqüentemente nos sentimentos envolvidos nessa relação. Por fim, o autor discute o fenômeno religioso como um fenômeno transicional e os processos psicodinâmicos que permeiam e interseccionam a confiança humana no humano e a fé humana no divino.
Geraldo José de Paiva, da Universidade de São Paulo (USP) aborda no capítulo 2, Transcrições psicológicas da experiência religiosa, os obstáculos na compreensão das raízes do fenômeno religioso, e daí a dificuldade em processar psicologicamente as experiências provenientes desse âmbito. Em busca de um caminho para essas questões, o autor parte de duas visões, que percebem a religião como um fenômeno cultural, antropológico e sociológico, e como um fenômeno natural e biológico, como um resultado de processos evolutivos e filogenéticos. Centrando-se nessa segunda perspectiva, Paiva discorre sobre as questões intuitivas e neurofisiológicas envolvidas, indicando um caminho para a compreensão dos aspectos emocionais imbricadas na experiência religiosa.
Perspectivas do manejo clínico da experiência religiosa é o título do terceiro capítulo, de autoria de Gilberto Safra (USP e PUC-SP). No texto, o autor expressa sua concepção clínica, que se apóia numa visão antropológica do homem e de sua historicidade interagindo na construção do psiquismo com as demandas pós-modernas. A partir dessa concepção e da experiência clínica, Safra sugere três possibilidades de compreensão dos fenômenos envolvidos numa experiência religiosa, a saber, os registros psíquico, existencial e ontológico trancendental. No primeiro, o sentimento religioso é compreendido como um anseio pela vivência plena do sagrado; o segundo registro, o existencial, refere-se à noção de origem e finitude da existência humana; e o terceiro, trancedental, refere-se à condição humana de se buscar o contato com o outro e consigo mesmo, experiência que segundo o autor é paradoxal por si só, uma vez que causa sentimentos de horror e de beatitude.
Irene Gaeta Arcuri escreve sobre o caráter espiritual da experiência artística no quarto capítulo, intitulado Arte & self: uma experiência espiritual. No texto, a autora faz uma discussão interessante sobre as diferenças entre experiências espiritual e religiosa, e espiritualidade, e ao longo do texto, aborda os assuntos a partir de três tópicos. No primeiro, Arcuri fala sobre alguns conceitos da psicologia analítica de Carl G. Jung, entre eles a estruturação do self e os arquétipos, entrelaçando os conceitos com possibilidades clínicas de acesso às estruturas mais recônditas da personalidade por meio da arte. Em seguida, a autora fala sobre o uso da pintura de mandalas como forma de emergência da espiritualidade, abordando, por fim, a possibilidade de experenciação espiritual, como desenvolvimento do self.
O quinto capítulo, Autoridades morais no comportamento sexual humano: implicações para a religião e a psicologia, foi escrito por James Reaves Farris, da Universidade Metodista de São Paulo. O autor se preocupa em discutir as formas e fontes de autoridade que infligem sobre o comportamento sexual humano, tomando como base de organização o conhecimento contido na Bíblia, na tradição, na razão e na experiência individual. Farris, contudo, evita ao longo do texto uma abordagem pautada na moral, sem julgar quaisquer comportamentos, permanecendo na apresentação dos diversos pontos de vista.
Aconselhamento psicológico e aconselhamento espiritual: contextualização geral e um estudo de caso é o título do capítulo desenvolvido por João Edênio dos Reis Valle, da PUC-SP. O autor divide o capítulo seis em duas partes: na primeira ele faz uma contextualização sobre os tipos de aconselhamentos, e no segundo um estudo de caso sobre uma mudança em curso que vem ocorrendo no meios do espiritismo kardecista no Brasil.
O objetivo do sétimo capítulo foi refletir sobre o desenvolvimento de um programa de pesquisa que visa compreender o fenômeno do transe na umbanda, a partir da ótica da psicanálise. O autor, José Francisco Miguel Henriques Bairrão, pesquisador da USP de Ribeirão Preto, faz uma revisão da literatura a respeito do assunto e traz os dados já obtidos pela pesquisa, afirmando que é possível reconhecer no transe instâncias além da memória e do aparelho psíquico, instrínsecas aos sujeitos da pesquisa. O capítulo é intitulado Linguagem e corpo na umbanda.
No capítulo oito, Marília Ancona-Lopes faz um apanhado sobre a formação em Psicologia no Brasil e, mais especificamente, sobre construção de ciência em Psicologia da Religião no âmbito da formação pós-graduada. Assim, em As crenças pessoais e os psicólogos clínicos: orientação de dissertações e teses em Psicologia da Religião, a autora afirma que o trabalho de orientar em Psicologia da Religião acaba por se revestir de um caráter clínico, uma vez que percebe uma tendência, por parte dos orientandos, de escolher temas que resvalam em suas próprias questões existenciais.
Mauro Martins Amatuzzi, da PUC de Campinas, é o autor do nono capítulo, que objetivou apresentar Uma aproximação fenomenológica à experiência religiosa. No texto, o autor discorre sobre a atuação psicológica ante as inquietações religiosas, procurando definir a experiência religiosa, a partir de um ponto de vista fenomenológico.
O título do capítulo 10 é O cientista Miguel Rolando Covian: uma experiência totalizante, e é de autoria de Miguel Mahfoud (Universidade Federal de Minas Gerais) e Marina Massimi (USP de Ribeirão Preto). Os autores buscaram analisar cartas escritas pelo cientista citado no título, um médico argentino, que trabalhou no Brasil por muitos anos. Tal análise revelou uma relação interessante entre sua atividade científica e experiência religiosa.
A psicóloga clínica, Olga Sodré, é a autora do capítulo 11, intitulado Linguagem, símbolo e mito na sociedade pós-secular: a fenomenologia hermenêutica e a experiên-cia inter-religiosa. No texto, a autora buscou fazer uma síntese sobre linguagem, símbolo e mito nas sociedades globalizadas atuais, a fim de contribuir para o avanço da psicologia da religião, baseando-se na fenomenologia hermenêutica.
O objetivo do capítulo 12 foi apresentar um procedimento típico de religiões africanas, que teria a possibilidade de promover efeitos educativos e psicológicos, além de função diagnóstica. A autora de Aconselhamento por meio do Oráculo de Ifá: um enfoque etnopsicológico, é Ronilda Iyakemi Ribeiro, da USP e Unip.
Waldecy Tenório, da USP, traçou no capítulo 13 uma relação entre textos de dois escritores, que viveram em tempos e culturas diferentes, mas que discorrem com beleza e poesia sobre uma condição básica da existência humana: a nostalgia. Ao discorrer sobre obras de Jalal ud-Din Rumi e Carlos Drummond de Andrade em O flautim insolúvel: um diálogo secreto entre Rumi e Drummond, Tenório aproxima o místico do psicológico de forma ímpar.
O último capítulo, Aconselhamento terapêutico e espiritualidade, é de autoria de Yolanda Cintrão Forghieri (USP e PUC-SP). A apresentação de um histórico sobre o aconselhamento psicológico abre o capítulo, sendo seguida por comentários sobre espiritualidade, finalizando o texto com a integração entre os assuntos.
A publicação aqui apresentada trata-se de um livro indispensável para os profissionais da psicologia que se deparam no dia-a-dia com questões religiosas, imbricadas nas problemáticas existenciais daqueles por eles atendidos. Pelo seu caráter diversificado e abrangente, a obra pode ser uma importante maneira para clínicos e pesquisadores se inteirarem da situação atual da intersecção entre psicologia e religião, podendo inspirar mais pesquisas e trabalhos na área.
Recebido em: maio/2008
Aprovado em: junho/2008
Sobre o autor:
* Rodolfo Augusto Matteo Ambiel é acadêmico de Psicologia pela Universidade São Francisco. Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq.