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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.22 no.3 Belo Horizonte set./dez. 2016

https://doi.org/DOI-10.5752/P.1678-9523.2016V22N3P814 

ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9523.2016V22N3P814

 

O social e o cultural na perspectiva histórico-cultural: tendências conceituais contemporâneas

 

The social and the cultural on the perspective of contemporary trends on concepts

 

Lo social y lo cultural en la perspectiva histórico cultural: tendencias conceptuales contemporáneas

 

 

Isadora Dias Gomes*; Lorena Brito da Silva**; Alexsandra Maria Sousa Silva***; Jesus Garcia Pascual****; Veriana de Fátima Rodrigues Colaço*****; Verônica Morais Ximenes******

 

 


Resumo

Este artigo problematiza o uso dos conceitos "social" e "cultural", apensos à Psicologia, como categorias teóricas centrais para pensar implicações que decorrem dos diversos significados que eles podem assumir nas práticas psicológicas. Trazemos questões que versam sobre a relação desses conceitos na teoria histórico-cultural, já que concepções diferentes têm reverberado historicamente na tessitura da práxis psicológica. É um estudo bibliográfico no qual tratamos do significado que autores contemporâneos atribuem às categorias "social" e "cultural" e tecemos relações entre essas ideias e a construção teórico-metodológica proposta por Vygotsky. Observamos que a ligação entre tais categorias se faz principalmente pela compreensão da dimensão histórica, uma vez que é a história que faz surgir, no social, a construção da cultura. Este estudo se faz relevante por trazer elementos úteis para problematização e compreensão mais consistente dos termos "social" e "cultural" e das práxis a eles associadas.

Palavras-chave: Teoria histórico-cultural. Psicologia sócio-histórica. Psicologia social crítica.


Abstract

This article discusses the use of "social" and "cultural" concepts, attached to This article discusses the use of 'social' and 'cultural' concepts, attached to Psychology, as central theoretical categories to think about implications which arise from the various meanings that they can have on psychological practices. We bring questions that concern the relation on those concepts on the Historical-cultural theory, once divergent conceptions have reverberated historically on the fabric on psychological praxis. This is a bibliographical study, in which we deal with the meaning that contemporary authors have attributed to the 'social' and 'cultural' categories and we weave relations between those categories and the theoretical and methodological construction purposed by Vygotsky. We have observed that the link between such categories is mainly due to the comprehension of the historical dimension, once the history that emerges, on the social, the construction of culture. This study is relevant for citing useful elements to the discussion and to a more consistent comprehension of the terms "social" and "cultural" and of the praxis associated to those.

Keywords: Historic-cultural theory. Historical social Psychology. Critical social Psychology.


Resumen

En este artículo se analiza el uso de los conceptos "social" y "cultural", propios de la Psicología, como categorías teóricas centrales para pensar acerca de las implicaciones que se derivan de los diferentes significados que ellos pueden asumir en las prácticas psicológicas. Abordamos cuestiones que tratan sobre la relación de estos conceptos en la teoría históricocultural, ya que concepciones han repercutido históricamente en la práctica psicológica. Se trata de un estudio bibliográfico en el cual tratamos del significado que autores contemporáneos atribuyen a las categorías "social" y "cultural" y entrelazamos relaciones entre estas ideas y la construcción teórico-metodológica propuesta por Vygotsky. Observamos que la relación entre estas categorías se realiza principalmente por la comprensión de la dimensión histórica, ya que es la historia la que hacer surgir, en lo social, la construcción de la cultura. Este estudio es relevante por traer elementos útiles para la problematización y comprensión más consistente de los términos "social" y "cultural" y de la praxis asociada a ellos.

Palabras clave: Teoría histórico-cultural. Psicología socio-histórica. Psicología social crítica.


 

 

1. INTRODUÇÃO

Os desdobramentos das ideias do materialismo histórico dialético na Psicologia têm sido frequentemente tomados em consideração especialmente a partir da proposta de Lev Vygotsky. Sua teoria do desenvolvimento, de epistemologia marxiana, tem possibilitado diversas construções teóricas, bem como servido de base a diferentes práticas. Não obstante as bases que fundamentam algumas formulações teóricas derivadas de suas ideias serem as mesmas (materialista, histórica e dialética), observamos o uso de diferentes nomenclaturas, a exemplo de "sócio-histórica", "histórico-cultural", "cultural" e "sociocultural", e encontramos diversos sentidos para os usos dos conceitos de social e de cultural. Diante dessa variedade linguística, questionamo-nos sobre possíveis implicações teórico-metodológicas decorrentes dessas nomenclaturas e nos debruçamos sobre a discussão dessa problemática neste artigo.

Ao longo do artigo, estudamos contribuições relevantes de autores contemporâneos, notadamente Bock (2007) e Pino (2005), acerca das categorias "social" e "cultural". Uma vez analisados os conceitos "social" (Bock) e "cultural" (Pino), tecemos relações entre essas categorias e a construção teórica e metodológica proposta por Vygotsky, com vistas a fornecer elementos que venham a contribuir para uma problematização e compreensão mais aprofundada desses termos e das ideias e ênfases a eles associadas.

No que concerne ao contexto da produção teórica vygotskiana, é importante ressaltar sua origem soviética, iniciada na segunda década do século passado, em meio a movimentos históricos revolucionários e, sobretudo, de questionamento aos modelos econômicos e políticos de sua época. Nesse ambiente social, Vygotsky desenvolveu suas ideias, partindo de críticas ao que considerava uma clivagem do objeto da Psicologia, estudado, por um lado, na sua dimensão objetiva, expressa no comportamento e submetida aos critérios de cientificidade vigentes, e, por outro, considerado em uma perspectiva subjetivista com enfoque nos processos internos, pouco explicáveis pelos parâmetros científicos de então. O elementarismo reducionista e o holismo fenomenológico demarcavam os lados opostos de tal clivagem (Rivière, 2002). Com base nos pressupostos filosóficos e nas concepções histórico-sociológicas de Marx e Engels, Vygotsky advogava que a realidade deveria ser compreendida dialeticamente com base em dimensões materiais e históricas, e assim também seria a construção humana, produzida na dialética entre as condições objetivas e subjetivas de sua existência. Em sua concepção, o desenvolvimento humano é uma construção histórica e social, derivada de processos interacionais e de condições objetivas de vida, e a consciência é constituída com base nas experiências vividas. Por conseguinte, a realidade e a subjetividade são compreendidas de maneira dialética, pois os seus elementos constitutivos são causa e efeito uns dos outros, estando em constante relação e transformação (Daniel Júnior, 2012).

Nessa concepção de desenvolvimento, está subjacente a ideia de que a condição para que o indivíduo se torne sujeito é a sua imersão na cultura, isto é, em um mundo constituído de significações, que o orienta sobre a funcionalidade dos objetos, sobre o modo de ser, de agir e de interagir com outros que compartilham as mesmas referências culturais. Tal processo se concretiza por meio da linguagem, que, exclusivamente no ser humano, assume um papel organizador e planejador do pensamento, tornando-o capaz não apenas de comunicação, mas também de construir e regular a si e ao mundo. Essa é a base da compreensão de história, que tem um duplo sentido para Vygotsky, conforme explica no seu manuscrito de 1929, intitulado Psicologia concreta do homem (Vygotsky, 2000). No sentido materialista-dialético, história significa a "abordagem dialética geral das coisas", isto é, a compreensão acerca da mútua transformação do sujeito e do mundo, que caracteriza o desenvolvimento humano. E significa também a "história do homem", ou seja, a história das construções humanas ao longo da civilização, base do materialismo histórico e cultural (Vygotsky, 2000, p. 23).

Tratamos aqui de trazer alguns elementos que auxiliem no entendimento dos desdobramentos das contribuições de Vygotsky, com a preocupação de manter um olhar crítico sobre as ideias que têm proliferado a partir dos seus pressupostos e que nem sempre guardam fidelidade aos princípios do materialismo histórico e dialético, como alerta Jácome (2006).

 

2. O SOCIAL COMO PALCO DOS PROCESSOS HUMANOS

Segundo Bock, Ferreira, Gonçalves e Furtado (2007), a categoria social tem relevância para a Psicologia:

Pois é possível afirmar que tenha sido exatamente a exigência de esclarecer o que seria o social na Psicologia que tenha gerado no Brasil a possibilidade de desenvolvimentos que diferenciaram de forma tão significativa seus contornos e projetos de pesquisa e de atuação (p. 54).

Bock (2002) refere que a Psicologia como ciência surgiu no final do século XIX, a partir de duas vertentes: uma experimental e outra social. A perspectiva social traz consigo a tentativa de resolver questões dicotômicas como: natural x social; interno x externo; orgânico x psicológico. Leontiev (2004) já afirmava que o problema do biológico e do social representaria um papel decisivo e desafiante para a Psicologia científica.

É nesse cenário caracterizado pela crítica ao dualismo, pelo reconhecimento da complexidade e crescente necessidade da compreensão do fenômeno psicológico, que surge a perspectiva sócio-histórica no campo da Psicologia social, baseada na teoria histórico-cultural de Vygotsky. Então, "A Psicologia Social que veio a ser denominada sócio-histórica surgiu nesse processo de revisão e crítica com vistas à produção de um conhecimento comprometido com a transformação social" (Bock et al., 2007, p. 51), cujos fundamentos epistemológicos, metodológicos e ontológicos "decorrem do materialismo histórico e dialético e permitem abordar os fenômenos sociais e psicológicos na sua historicidade" (p. 52). Essa afirmação nos anuncia uma aproximação acerca da compreensão da categoria social, pois nos leva a pensar a sociedade e o social como palco dos processos humanos. Diante disso, vemos que essa perspectiva considera o homem 1 como ativo, social e histórico e a sociedade como produção histórica dos homens por meio do trabalho (Bock, 2002).

Guareschi (2011) refere-se a uma nova acepção na identificação e compreensão dos fenômenos sociais, ausentes nas teorias sociais e psicossociais da década de 1960, na realidade da América Latina. Essa nova acepção faz referência a uma Psicologia voltada para a realidade da América Latina, a partir da ética da libertação. Essa visão pontua a existência de uma complexa rede de relações de opressão e exploração, que são históricas, sociais e culturais. Com isso, os pressupostos epistemológicos, presentes no conceito de libertação, definem a necessidade de superação das dicotomias entre teoria e prática, individual e social e uma imprescindibilidade ética (Guareschi, 2011).

Para Bock (2002), alguns princípios dentro da Psicologia sócio-histórica definem a sua fundamentação marxista, histórica e dialética. Em primeiro lugar, ela critica a visão abstrata do fenômeno psicológico e pontua a necessidade do abandono dessa visão, pela compreensão da história. Com o surgimento do capitalismo e de uma nova noção de eu, atravessada por uma cultura individualista, a Psicologia social e o fenômeno psicológico assumem nova compreensão de sua origem, que "não pertence à natureza humana; não é preexistente ao homem; reflete a condição social, econômica e cultural em que vivem os homens" (Bock, 2002, p. 22).

Dessa forma, compreendemos que a existência do fenômeno psicológico está atrelada à existência da sociedade, impondo uma relação entre interno e externo que se movimenta para construir e modificar o mundo e, simultaneamente, a constituição psicológica dos indivíduos desse mundo. Leontiev (2004) defendia que as aptidões humanas se formam no processo de apropriação pelo indivíduo do mundo dos objetos, cujo substrato é a vida, tendo incrustado nesta o social. Falar do que é subjetivo é falar do que é material e social, é falar da atividade humana. Para Bock et al. (2007),

A linguagem, produção ao mesmo tempo social e individual é expressão da síntese e do movimento entre sujeito e realidade. Significado e sentido, como unidade de contrários, ao mesmo tempo revelam, possibilitam e concretizam a dialética subjetividade-objetividade. (p. 53).

Em consonância com isso, o conceito de relação, proposto por Guareschi (2011), traz a dimensão dialética e relacional, tecendo a complexa rede de relações de opressão e exploração entre as classes sociais.

Bock (2002) define o segundo princípio com base na crítica do rompimento com os interesses dominantes que marcam o surgimento da Psicologia. Para isso, a autora se remete ao percurso e história da Psicologia e, com relação ao contexto brasileiro, a autora considera:

Também aqui a Psicologia tem naturalizado o que é social. Tem tomado o padrão da normalidade, que é eminentemente social, como natural do desenvolvimento humano. Dessa forma, no que é natural não cabe interferência do homem; cabe registrar e diferenciar. Assim, as diferenças entre os homens, tomadas como naturais, tornaram-se fontes e justificativas das desigualdades sociais (Bock, 2002, p. 28).

Dessa forma, a categoria social emerge demarcando a importância de se conceberem a atividade e as capacidades desse humano para além do natural, considerando as relações sociais, objetos e instrumentos da cultura, como a linguagem. Leontiev (2004) afirma que esse mundo de objetos não é percebido imediatamente pelo indivíduo, ele surge quando é preciso exercer uma atividade efetiva, ativa e adequada, e envolve as relações do indivíduo com o mundo mediadas pelas suas relações com os outros, pelo processo de comunicação. Wertsch (1999) faz referência à análise sociocultural, cujo foco é a ação humana mediada, que pode ser interior ou exterior, individual ou social. Diante disso, para compreender esse social hoje, vê-se a necessidade de superar a dicotomia interno versus externo e a polaridade entre teoria e prática, uma vez que libertação social implica sempre uma prática, uma ação (Guareschi, 2011) e o reconhecimento de relação(ões).

Para Bock (2002), o terceiro princípio se refere à crítica a uma suposta neutralidade da Psicologia, no sentido de que atuar como psicólogo é assumir uma posição ética na intervenção social, reconhecendo o sujeito como ativo e transformador do mundo. Já o quarto princípio busca superar a concepção positivista e idealista que atravessa a história da Psicologia (Bock, 2002), superação que se realiza com o método materialista histórico e dialético. O positivismo baseia-se na naturalização do fenômeno psicológico, isolado do contexto, e o idealismo fez desses fenômenos entidades abstratas. Opor-se ao positivismo é defender o fenômeno psicológico construído no cenário social, imbricado de interesses e valores, inclusive no campo da produção de conhecimentos. É desse modo que "o materialismo histórico e dialético permite trabalhar com a historicidade dos fenômenos e, por isso, contrapõe-se à sua naturalização" (Bock et al., 2007, p. 50). Os terceiro e quarto princípios pressupõem uma dimensão ética, uma vez que toda ação, incluindo a suposta neutralidade, implica uma ética, isto é, uma atitude diante da realidade e do outro (Guareschi, 2011).

Entendemos assim, baseados nas ideias de Leontiev (2004), Bock et al. (2002), Bock et al. (2007) e Guareschi (2011), a categoria social com base nas relações do sujeito com o mundo, que são concomitantemente, concretas e abstratas, e dependem das condições sociais nas quais ele vive e pela maneira como sua vida se subjetiva nessas condições, entendendo esse social como uma categoria atrelada a uma realidade histórica, material, cultural, subjetiva e objetiva

 

3. A CULTURA COMO PROPULSORA DO PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO E DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

Para a compreensão da transformação do homem em ser humano, Vygotsky (1998) introduz dialeticamente no pensamento psicológico a relação entre esse homem, a natureza, as relações sociais e a cultura. Esse é um dos grandes avanços da teoria histórico-cultural, visto que as teorias do desenvolvimento do início do século XX, baseadas em um modelo biológico-maturacional, ainda que não desconsiderassem a cultura, compreendiam-na como um artifício externo ao homem. A partir da lei genética do desenvolvimento cultural, Vygotsky inaugura uma nova concepção acerca da relação entre as funções biológicas e as funções culturais, a natureza e o simbólico, a história pessoal do indivíduo e a história social (Pino, 2005), propondo dois planos no desenvolvimento humano: um, que segue a linha evolutiva da maturação biológica, e outro, que define o caráter cultural do psiquismo. Este segundo plano é o que estabelece a qualidade humana, isto é, que transforma o indivíduo em sujeito ou pessoa.

Leontiev (1978), ao problematizar que é a vivência em sociedade que constitui no homem a qualidade humana, reconhece o papel da dimensão biológica e destaca a presença das leis sócio-históricas e de suas implicações no processo de apropriação e significação do mundo. Assim, tornar-se humano é, ao mesmo tempo, ser parte da história da humanidade, por meio dos elementos da cultura, da comunicação e da criação e utilização de instrumentos e signos, bem como ser singular, ter experiências particulares, pelo exercício de atividades e de interações cotidianas.

Ainda sobre o desenvolvimento do ser humano, Pino (2005) discute o momento em que o desenvolvimento biológico se encontra com o cultural, supondo um duplo nascimento da criança em ambos os planos. Sustenta que o desenvolvimento cultural se inicia posteriormente ao nascimento biológico, problematizando que é a partir das relações sociais e da internalização de signos que o desenvolvimento das funções psicológicas superiores se dá. Segundo Leontiev (1978), é a partir do desenvolvimento de novas funções psicológicas, intermediado pela comunicação e sociabilidade, que o ser humano passa a significar e apropriar-se da cultura, desenvolvendo a si e a natureza que o envolve.

De acordo com Pino (2000, 2005), cultura é um dos conceitos-chave que se encontram dispersos na obra de Vygotsky, explicitando-se ao tratar dos processos de significação e da base materialista histórico-dialética de análise, em que identificamos pistas para compreender a noção vygotskiana de cultura. Assim, corroborando a perspectiva de Souza e Andrada (2013), é um desafio reflexivo e autoral atribuir sentido e outras possibilidades de interpretação à obra do autor, sem ter a pretensão de dar conta da totalidade.

Vygotsky problematiza o fato de que historicamente a cultura tem estado distanciada das teorizações sobre os aspectos biológicos do ser humano e que a natureza e a cultura foram colocadas em polos opostos no processo de construção do humano. A natureza e a cultura assim eram consideradas mutuamente influenciáveis, mas não como constitutivos do sujeito. O estudo das funções psicológicas na perspectiva histórico-cultural, por exemplo, explicita o modo como o natural e o cultural relacionam-se no desenvolvimento, de modo que, pela mediação cultural, as estruturas psíquicas elementares/básicas transformamse em processos superiores (Souza & Andrada, 2013).

Pino (2005) percebe a cultura como uma produção humana e reconhece a vida social e a atividade humana como fontes dessa produção, sendo:

O "produto" da vida social e da atividade social, [Vygotsky] está afirmando que ela é obra do homem e, por conseguinte, que não é obra da natureza. Isso quer dizer que entre a cultura e a natureza existe uma linha divisória que as separa e que as une e essa linha passa pelo homem, ao mesmo tempo natureza e agente de transformação; portanto alguém capaz de produzir cultura, mas incapaz de criar natureza (Pino, 2005, p. 89).

Esse processo seria assim constituído por rupturas e por continuidades, em que aponta, por um lado, como rupturas a transformação provocada pelo símbolo (signo) nas funções elementares ao longo da história. E, por outro, como contínuo, visto que as funções superiores pressupõem uma base biológica, natural, para que o desenvolvimento ocorra (Pino, 2005).

Assim, cotidianamente o ser humano age sobre a realidade natural objetivando a criação de condições de existência, com base em adaptações e transformações em sua realidade social, sendo a inserção em uma cultura a propulsora de tal processo. Nesse sentido, Pino (2005) entende que os símbolos e os instrumentos são construções humanas que possibilitam a criação dessas condições, sendo, ao mesmo tempo, meios de produção de cultura, por mediarem a ação humana sobre a natureza e sobre outras pessoas, e produtos dessa própria cultura, da marca humana.

O conceito de cultura proposto por Pino (2000) traz uma sintonia com a perspectiva vygotskiana, estando a cultura relacionada com o caráter instrumental, técnico e simbólico da própria atividade humana. A cultura envolveria assim as mais diferentes produções do ser humano, relacionando-se com as produções artísticas, tradicionais, científicas, organizativas, comunicativas. Ampliando sua percepção, envolve desde a acumulação de informações partilhadas cotidianamente até a organização das regras e códigos construídos socialmente. Assim,

Dizer que a cultura é o conjunto das produções humanas equivale a dizer que estamos diante de um conceito que engloba uma multiplicidade de coisas diferentes que tem em comum o fato de serem constituídas de dois componentes que caracterizam a produção humana: a materialidade e a significação (Pino, 2005, p. 92).

É a capacidade de conferir à matéria uma forma simbólica e ao símbolo uma forma material que caracteriza a ação criadora do homem. Nessa relação dialética, o autor compreende que o "ser humano é criador daquilo que o constitui e o define enquanto humano" (Pino, 2005, p. 15). É produto e é produtor de cultura e se constitui como pessoa nessa relação.

Em um movimento dialético, o indivíduo inserido em sua cultura se torna sujeito, da mesma forma que nele se expressa a sua cultura, ou seja, a pessoa carrega em si as características de seu contexto cultural e as especificidades que a torna singular e única. Na busca pelo entendimento do processo em que a cultura se torna constitutiva da natureza humana, Pino (2005) supõe que, no pensamento vygotskiano, a chave está na mediação semiótica, no processo em que a função biológica recebe atribuição de significação, envolvendo funções intrapessoais (sentimentos, memorização, pensamentos) e funções interpessoais (uso de signos, interação). Passa, então, à função cultural, ocorrendo, assim, uma mediação facilitada pelo outro e um processo de internalização do indivíduo no qual o signo é o mediador.

No processo de apropriação e aquisição da cultura, é o desenvolvimento das funções psíquicas superiores que possibilita esse aprendizado e a significação dos signos produzidos. Leontiev (1978) considera assim a apropriação como o "resultado da atividade efetiva do indivíduo em relação aos objetos e fenômenos do mundo circundante criados pelo desenvolvimento da cultura humana" (p. 290). Esse mundo circundante baseado nas influências das leis sócio-históricas é marcado por diferentes contextos de vida e de desenvolvimento de atividade, que acabam por produzir diversos modos de desenvolvimento, sobretudo grandes desigualdades sociais.

Leontiev (1978) complexifica a reflexão, ao afirmar que a vivência em tais condições desiguais se dá a partir da divisão social do trabalho (que distingue os que detêm a produção e a consome e os que produzem e são explorados), da concentração de renda e de cultura intelectual na mão de poucos, dos processos de alienação, batalhas ideológicas e excludentes. Pelo fato de o ser humano não nascer dotado das acumulações e aquisições culturais históricas, o autor em foco acreditou que tal desigualdade acaba por provocar "uma ruptura entre, por um lado, as gigantescas possibilidades desenvolvidas pelo homem e, por outro, a citar a pobreza e a estreiteza de desenvolvimento" (Leontiev, 2004, p. 299) para grande parcela da sociedade.

Leontiev (1978) destaca a relação entre a cultura e o social, visto que as privações e as desigualdades são justamente elementos que compõem a realidade social e têm impactos diretos sobre a cultura e o processo de significação. Pensar a cultura e o desenvolvimento humano envolve não apenas a capacidade do sujeito de adquirir e produzir cultura, mas os contextos sociais e as condições de praticar, de observar, de relacionar-se e desenvolver-se, isto é, trata-se de uma implicação material e política.

Valsiner (2012) é um dos autores que se têm dedicado a ampliar o pensamento de Vygotsky e, diretamente, ao propor uma Psicologia cultural, pretende investigar a relação da cultura com o desenvolvimento psíquico das pessoas e da vida em sociedade. Esse teórico aponta ainda que há, por parte do senso comum, uma interpretação valorativa sobre o conceito de cultura, que discrimina "os contrastes entre 'cultura elevada' e 'pouca cultura' que têm sido utilizados para indicar estratificação social" (Valsiner, 2012, p. 22), isto é, o senso comum atribui a esse conceito um caráter hierárquico em função da classe social.

Ao propor tal reflexão, Valsiner compreende que a relação pessoa e cultura é comumente atravessada por uma relação direta com a concentração de saber, e consequentemente de poder. Contudo, Valsiner (2012) amplia a percepção da relação entre pessoa e cultura, destacando três configurações: a primeira concebe a pessoa como pertencente à cultura, admitindo similaridade entre as pessoas que comungam da mesma cultura, por exemplo, todos seguem os mesmos costumes e valores; a segunda se refere ao movimento inverso, ou seja, a cultura é que pertence à pessoa, influenciando singularmente o seu processo de subjetivação (ainda que todos partilhem culturalmente signos e códigos, cada pessoa tem seu modo particular de ser, que recebe influência da cultura); e a terceira indica que a cultura se constrói na relação da pessoa com o ambiente, sendo entendida com base nos diferentes processos de interação.

Por meio dessas diferentes concepções, pudemos ampliar nossa percepção para a centralidade da cultura ao longo do desenvolvimento humano, implicando nos processos de significação do mundo, de interação entre os sujeitos e mediando as diferentes aprendizagens. Diante das questões expostas, consideramos a cultura como um campo simbólico que orienta e organiza o social pelos processos de significação e das interações cotidianas, micro e macrossociais, políticas e complexas.

 

4. AS IMPLICAÇÕES DO SOCIAL E CULTURAL PARA O PENSAMENTO DE VYGOTSKY

A compreensão de homem como ser social está presente em toda a obra de Vygotsky. Para o autor, o sujeito se constitui apreendendo significados nas relações sociais e, nestas, constrói cultura. Uma vez que dessa compreensão deriva que toda função psicológica superior foi gerada anteriormente numa relação entre pessoas, passamos, neste item, a discutir o modo como os termos social e cultural aparecem, aproximam-se e se diferenciam nos textos de Vygotsky

É importante destacar que o entendimento da obra de Vygotsky foi sendo apropriado pelos teóricos ocidentais gradativamente, conforme seus escritos eram traduzidos, algumas dessas traduções referentes a meras compilações de obras mais amplas, comprometendo inclusive seus fundamentos marxistas. Contudo nosso recorte neste artigo refere-se a três textos em particular, de autoria de Vygotsky, com os quais dialogamos para desenvolver as relações entre os conceitos de social e cultural e apontar implicações dos mesmos no desenvolvimento geral da teoria.

O início da interpretação por nós empreendida para compreender o "social" e o "cultural" na obra de Vygotsky está no famoso manuscrito de 1929. Um texto de difícil compreensão, porém que fornece importantes chaves conceituais. Nele o autor desenvolve a ideia de que há muitas significações para a palavra social. Uma delas está relacionada a tudo aquilo que se situa fora do organismo biológico, ou seja, que se origina na interpessoalidade. Nesse sentido, ele afirma que, quando se refere a externo, quer dizer social, quer significar o plano interpsicológico do desenvolvimento.

Outra interpretação está na expressão "todo o cultural é social" (Vygotsky, 2000, p. 26). Dessa afirmação surge consequentemente uma semelhança de significados entre desenvolvimento social e desenvolvimento cultural, ainda que não se sobreponham totalmente. A semelhança principal reside no fato de que ambas as ideias têm relação com a dimensão relacional, interpessoal. Porém a expressão também comporta o caráter distinto dos termos, já que o inverso não confere, pois a cultura é uma construção exclusivamente humana, decorrente de sua natureza social, porém inclui as formas desenvolvidas, mediadas, que estão ocultas no comportamento aparente, sugeridas pelos seguintes trechos do manuscrito de Vygotsky (2000):

Desenvolvimento cultural = desenvolvimento social, não em sentido literal (desenvolvimento das inclinações ocultas, mas frequentemente – de fora; papel da construção, ocultamento das formas desenvolvidas, compare atenção voluntária, papel do exógeno no desenvolvimento). [...] Conclusão geral: se atrás das funções psicológicas estão geneticamente as relações das pessoas, então: 1) é ridículo procurar centros especiais para as funções psicológicas superiores ou funções supremas no córtex (partes frontais - Pavlov); 2) deve explicá-las não com ligações internas orgânicas (regulação), mas de fora - daquilo a que a pessoa dirige a atividade do cérebro de fora, através de estímulos; 3) elas não são estruturas naturais, mas construções; 4) o princípio básico do trabalho das funções psíquicas superiores (de personalidade) é social do tipo interação das funções, que tomou o lugar da interação das pessoas (p. 27).

Nesse trecho esquemático, podemos encontrar a marca da dialética vygotskiana. Social e cultural se assemelham, mas não se confundem, são iguais não em sentido literal, posto que o que está fora (social) se reconstrói internamente e retorna ao exterior como nova produção, que é a base para construção da cultura.

Outro texto que serve como base para o desenvolvimento de nosso argumento está contido na obra "A construção do pensamento e da linguagem" (Vygotsky, 2001). Nele, com base na compreensão de como se dá o desenvolvimento dessas duas funções, é percebido que chimpanzés (para citar um exemplo não humano) utilizam ferramentas, além de terem formas rudimentares de linguagem, a sua expressão comunicativa e emocional, estando, portanto, na filogênese as raízes do intelecto e da linguagem humana. Porém há uma distinção radical, que é o fato de que, no ser humano, essas linhas qualitativamente diferentes se entrecruzam e dão origem ao pensamento verbal. Tal aproximação parcial entre os antropoides e os humanos sinaliza a ideia de que ambos têm uma natureza social. Isto é, o conceito de social como campo para o desenvolvimento pode ser aplicado a outras espécies. Hábitos coletivos, papéis definidos e comunicação são frutos de uma vida social, em que se desenvolve o pensamento e a linguagem próprios de um determinado nível filogenético.

Entretanto, no homem, linguagem e pensamento evoluem e se entrelaçam com base nas interações sociais, para a atividade mediada por meio de signos (instrumentos capazes de realizar mudanças internas). Tal espécie de mediação cria a possibilidade de linguagem articulada ao pensamento, isto é, gera a condição para o processo de significação, e a linguagem assume características da maneira como os humanos a utilizam: um sistema de códigos sonoros que representam as coisas (língua falada) e outros sistemas de códigos (visuais, tácteis) que representam e registram os sons (língua escrita). O ser humano é capaz, então, com base em suas interações sociais e do surgimento da mediação semiótica, de produzir cultura. "Minha história do desenvolvimento cultural é a elaboração abstrata da Psicologia concreta" (Vygotsky, 2000, p. 35).

Chegamos à terceira obra, A história do comportamento: o macaco, o primitivo e a criança, de Vygotsky e Luria (1996), na qual afirmam que "o trabalho e, ligado a ele, o desenvolvimento da fala humana e outros signos psicológicos utilizados pelo homem primitivo para obter controle sobre o comportamento significam o começo do comportamento cultural ou histórico no sentido próprio da palavra" (p. 52). Nessa citação, fica explícito o sentido de cultura relacionado ao processo de autorregulação humana, da mediação que se reverte sobre o comportamento e o transforma. Também nela identificamos as bases da concepção vygotskiana de consciência, produto da relação entre os homens e de sua atividade concreta e social. É a mediação por signo que representa a apreensão, possibilitada na interação com o outro, da subjetividade e das relações sociais, portanto permite a consciência de si e para si. Nessa dinâmica entre o si mesmo e o outro. O ser humano, então, mostra o seu desenvolvimento cultural ao produzir e fazer uso de ferramentas simbólicas, resultante de sua atividade prática e do domínio sobre ela:

Consideramos que o desenvolvimento cultural de uma pessoa expressa-se não só pelo conhecimento por ela adquirido, mas também pela sua capacidade de usar objetos em seu ambiente externo e, acima de tudo, usar racionalmente seus próprios processos psicológicos. [...] O talento cultural significa, essencialmente, a capacidade de controlar seus próprios recursos naturais, significa a criação e aplicação dos melhores dispositivos no uso desses recursos (Vygotsky & Luria, 1996, p. 237).

Podemos entender, portanto, o termo cultural como relacionado à história como linha de evolução das interações sociais, pelo desenvolvimento da aquisição de habilidades, bem como de modos de comportamento e pensamento (Vygotsky & Luria, 1996). Social e cultural teriam, portanto, significados diferentes, porém estreitamente relacionados, posto que, sem social (sem interação humana), não há cultura. A cultura, portanto, acompanha o percurso do desenvolvimento histórico acumulado pela humanidade. Dialeticamente, é no desenvolvimento da cultura (valores, costume, habilidades, etc.) que ocorrem as mudanças sociais (formas organizadas de interação social), sendo essas mudanças, também, modificadoras da cultura.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como considerações oriundas deste estudo, apontamos alguns entendimentos dos conceitos de social e cultural, e os possíveis desdobramentos advindos da complexidade de seus usos. Os entrelaçamentos que existem entre esses termos para a perspectiva histórico-cultural em Psicologia são evidentes, de maneira que a compreensão de seus significados é possível de forma interdependente e, ao mesmo tempo, na sua imbricação mútua.

A ideia de história como história do homem permite observar a formação dos conceitos e compreender que consequências metodológicas derivam deles. A noção de História, então, assim como trazida por Vygotsky (2000) e, a partir deste, abordada por Pino (2000) e Valsiner (2012), impele-nos a abrir mão da superficialidade científica, percebendo a evolução dessas noções de social e cultural. É importante observar que a ligação entre essas categorias se faz principalmente pela compreensão da dimensão histórica, uma vez que é a história que faz surgir, no social, a construção da cultura.

Por um entendimento amplo, percebemos, entre as perspectivas teóricas levantadas, duas tendências gerais. A primeira, na qual a ação mediada e o conceito de atividade humana estariam diretamente ligados à categoria "social", tendo como foco a ação humana e as mudanças produzidas no ambiente. Bock (2004) afirma que é pelo trabalho que o ser humano intervém na natureza, humanizando-a. É por esses meandros que ela traz a dimensão do social, na perspectiva sócio-histórica, apoiando-se na teoria da atividade, de Leontiev (1978). Pensar na atividade como um exercício da ação nos possibilita remeter a uma análise sociocultural, uma vez que toda ação humana é uma ação mediada (Werstsch, 1999).

A segunda direção percebida está ligada ao conceito de cultura e mediação semiótica, voltada à produção de signos. Tal enfoque envolve o processo de regulação do comportamento, ou seja, as mudanças internas que o instrumento simbólico é capaz de promover. Os signos, entre os quais está inclusa a linguagem, são emergentes em conjunto à produção cultural. Trata-se de um viés importante para a compreensão da função da singularidade no desenvolvimento cultural, da construção de sentidos e significados pelos indivíduos e grupos, e das características próprias da linguagem e das diversas construções criadas pelo indivíduo e inscritas na cultura.

As tendências aqui levantadas encontram concretude nos diferentes termos mencionados no início deste artigo, os quais destacam direcionamentos teóricos. Por um lado, certos autores buscam enfoques voltados para a ação coletiva, mudança social, entendimento das relações de classes sociais (Bock, 2002, 2004; Bock et al., 2007; Leontiev, 1978; Werstch, 1999). Por outro, temos estudos voltados para a linguagem, enunciação e produção de sentidos e significados (Pino, 2000, 2005; Valsiner, 2012). Bakhtin (2002), sendo um autor com bases semelhante às de Vygotsky, trouxe uma série de contribuições acerca das propriedades do signo, com base em uma teoria marxista da linguagem.

Tais tendências encontradas nos remetem à menção de Valsiner (2012) de que há basicamente duas orientações em Psicologia cultural: a da semiótica e a da atividade. Essas tendências estariam focadas respectivamente na mediação por signos e na ação, no uso da cultura. Note que o termo cultura aqui é utilizado em ambas as orientações sugeridas (seriam dois caminhos existentes dentro da mesma chamada Psicologia cultural), o que nos permite afirmar, mais uma vez, que, com relação aos conceitos aqui envolvidos, não se têm fixado claras diferenciações ao longo da produção científica relacionada. No entanto, trata-se de uma aparente indiferenciação, já que, como compreendemos, as práticas decorrentes tendem a se diferenciar, sim, conforme o foco na linguagem (semiótica) ou na ação (atividade ou ação mediada).

Com base na problematização aqui engendrada, podemos observar possíveis consequências metodológicas da existência dessas duas tendências. A título de indicativo, numa orientação mais semiótica, há um foco na compreensão dos sentidos construídos, dos significados coletivos a respeito de um conceito. Por conseguinte, nesse mesmo ponto de vista, pode existir, metodologicamente, uma busca primeira por instrumentação semiótica, em contraste à busca por instrumentos de ação, no caso de uma orientação voltada para a atividade para onde seriam direcionados os olhares técnicos, investigativos e interventivos. Essas diferentes tendências conceituais, em conjunto com o uso indiscriminado dos termos "social" e "cultural", trazem a possibilidade de teorias e práticas bem diferentes, ainda que usem a mesma base teórica e estes mesmos dois termos, não raro tornando o entendimento confuso.

No âmbito deste trabalho, consideramos importante destacar que, ao adotar uma ou outra tendência, em que pese suas valiosas contribuições, corremos o risco de cair numa limitação conceitual que despreze, em sua atuação prática, a outra orientação, a qual pode ser entendida como complementar. O uso, portanto, de um termo em detrimento do outro deve estar acompanhado de um entendimento dessas tendências, com vistas a uma prática bem fundamentada, amparada epistemologicamente e que evite a ingenuidade acadêmica.

Convém, então, mais uma vez, resgatar o conceito de história, na segunda acepção dada por Vygotsky (2000), como uma abordagem dialética das coisas. Indo além das tendências dicotômicas, pode ser útil a compreensão de que o social e o cultural são conceitos interligados na sua origem mesma e, ainda que possamos adotar um ponto de partida para uma melhor compreensão dos fenômenos, a observância da dialética presente entre atividade e linguagem, instrumentos e signos, social e cultural vem no sentido de dificultar a adoção de posturas excludentes ou compartimentadas teórica ou praticamente.

A proposta de uma Psicologia com base no materialismo histórico e dialético vem como intuito de superar dicotomias (Vygotsky, 1999), o que pode nos impulsionar para um entendimento da dialética contida na relação social e cultural. A teoria histórico-cultural traz essa proposta dialética, que, em espiral, assume a complexidade do entendimento do desenvolvimento humano, transitando entre o social e o cultural com base na marca da história, na significação, na relação. Nesse sentido, é incoerente preferir entre os conceitos de social e cultural, uma vez que ambos são interdependentes teórica, epistemológica e metodologicamente.

À maneira de considerações finais, não tivemos a pretensão, no âmbito deste artigo, de superar a problemática do tema. Maiores aprofundamentos, especialmente acerca da práxis e demais consequências metodológicas, fazemse necessários. Assim, longe de resolver ou superar as tensões inerentes a esta discussão, esperamos ter trazido importantes elementos conceituais que venham a auxiliar numa melhor compreensão dos usos desses termos nas diversas formas de Psicologia de base materialista, incentivando uma abordagem histórica e dialética das coisas, na busca de consistência e coerência epistemológica e metodológica.

 

Referências

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Texto recebido em 13 de outubro de 2013 e aprovado para publicação em 1º de dezembro de 2014.

 

 

* Doutoranda e mestra em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC); bolsista CAPES/Reuni; graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). E-mail: isadoradg@gmail.com.
** Doutoranda e mestra em Psicologia pela UFC; graduada em Psicologia pela Universidade Salvador (Unifacs). E-mail: lorena.nessin@gmail.com.
*** Doutoranda e mestra em Psicologia pela UFC; graduada em Psicologia pela UFC. E-mail: alexsandramss88@gmail.com.
**** Doutor em Educação pela UFC; mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; graduado em Psicologia pela Universidade Santa Úrsula; professor no departamento de Psicologia da UFC; professor na Graduação e Pós-Graduação de Psicologia da UFC. E-mail: professorpascual@gmail.com.
***** Pós-doutora pela Universidad de Barcelona; doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); mestra em Educação pela UFC; graduada em Psicologia pela UFPE; professora associada I da UFC; professora na Graduação e no Mestrado em Psicologia da UFC. E-mail: verianac@uol.com.br.
****** Pós-doutora em Psicologia pela URFGS; doutora em Psicologia pela Universidad de Barcelona; professora na Graduação e na Pós-graduação em Psicologia da UFC; pesquisadora em produtividade do CNPq (PQ). E-mail: vemorais@yahoo.com.br.
1 Termo utilizado pela autora referenciada. Preferimos, nesse artigo, o uso do termo sujeito ou ser humano, por acreditarmos que isso denota questões epistemológicas, éticas e políticas mais coerentes com a posição que adotamos.

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