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Psicologia em Revista
versão impressa ISSN 1677-1168
Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.23 no.1 Belo Horizonte jan./abr. 2017
RESENHA
Collins, P.H. & Bilge, S. (2016). Intersectionality. Cambridge; Malden: Polity Press.
Dinazilda Cunha de Oliveira*; Magner Miranda de Souza**
No livro, Intersectionality, Patricia Hill Collins e Sirma Bilge (2016) introduzem o leitor no campo da interseccionalidade, em suas diversas áreas de aplicabilidade nas questões psicossociais e políticas contemporâneas. Em seus cinco capítulos, o livro analisa a emergência do conceito, seu desenvolvimento e limites, demonstrando como a interseccionalidade dialoga com tópicos tão diversos, como direitos humanos, neoliberalismo, identidade política, imigração, música, ativismo, mídia digital, feminismo negro, violência, futebol, educação. A interseccionalidade se tornou, ao longo dos anos finais do século XX, um ponto essencial na discussão acadêmica e ativista sobre a equidade de direitos. O livro ilustra, com exemplos, os argumentos apresentados e tenta revelar o potencial da análise interseccional para a compreensão da desigualdade e para a busca de uma mudança social no sentido de uma justiça mais plural.
O interesse da obra reside em alguns aspectos distintivos: as autoras preocupam-se em definir a interseccionalidade tanto em seu aspecto teórico quanto no prático. Elas reconhecem o alcance desse conceito, não somente no meio acadêmico, mas também no ativismo de mulheres negras/pretas e outros contextos de opressão. Globalmente, as autoras evidenciam o trabalho e o papel exercido por Kimberlé Crenshaw nesse campo desde 1989, quando ela cunhou o termo interseccionalidade, até os dias atuais. Collins e Bilge (2016) estabelecem importantes diferenças entre os postulados da interseccionalidade e aqueles da identidade política, e apontam para além em uma perspectiva de análise organizacional interseccional das desigualdades. Para as autoras, esse não é um conceito puramente abstrato para análise, mas uma descrição da maneira como múltiplas opressões são experienciadas por diferentes tipos de singularidades.
De acordo com Collins e Bilge (2016), interseccionalidade é uma maneira de compreender e analisar a complexidade do mundo nas pessoas e em experiências humanas. Os eventos e as condições de vida social e política são formados por muitos fatores diferentes e que mutuamente se influenciam. Quando se trata de desigualdade social, vida e organização do poder em uma dada sociedade, há divisão social, seja de raça, gênero ou classe, mas existem muitos eixos que trabalham juntos. A interseccionalidade, como uma ferramenta analítica, dá às pessoas um melhor acesso à complexidade do mundo e de si mesmos.
As autoras estão preocupadas em como o empoderamento, a autodefinição e o conhecimento podem ser entrelaçados ativamente para modificar a vida de pessoas, principalmente mulheres negras/pretas ao redor do globo. Para isso, o principal foco da discussão é que uma mudança contínua não pode ser restrita a um único grupo social ou a um aspecto existencial desse grupo, como etnia, por exemplo, mas deve transcender políticas muito específicas. Essas políticas podem nos servir como exemplo particular e podemos aprender com elas como expandir nossos horizontes de luta contra a opressão.
No primeiro capítulo, Collins e Bilge (2016) apresentam a interseccionalidade e propõem uma definição para o conceito, que é introduzido de forma ampla, estabelecendo seu campo nas ferramentas analíticas das desigualdades e injustiças sociais. Elas criticam o modo como as pessoas em geral utilizam a interseccionalidade como conceito analítico e demonstram três maneiras de usar a análise interseccional por meio de exemplos em que discutem a Copa do Mundo de Futebol realizada no Brasil em 2014, o movimento de mulheres negras/pretas no Brasil a partir do Festival Latinidades e uma análise da desigualdade social como uma crise global. O segundo capítulo estabelece a interseccionalidade como uma prática em constante desenvolvimento devido à amplitude permitida por seu campo de análise, afastando-se das epistemologias demasiado acadêmicas. As autoras indicam que a interseccionalidade é uma práxis crítica. O terceiro capítulo trata da história da interseccionalidade a partir do próprio conceito, ou seja, de uma visão crítica interna, apresentando as tensões que este conceito pode produzir ao se institucionalizar. É apresentada a história da interseccionalidade e do movimento ativista social nas décadas de 1960 e 1970. O desenvolvimento do conceito e incorporação institucional nas décadas de 1980 e 1990. O quarto capítulo descreve a situação da interseccionalidade nos anos 2000 e sua dispersão global pelas mídias multimodais. Há uma discussão sobre a interseccionalidade e os direitos humanos. Elas discorrem também sobre a dispersão do termo interseccionalidade nos estudos escolares. Collins e Bilge (2016) finalizam o capítulo trazendo questões contemporâneas sobre a interseccionalidade e as mídias digitais, incluindo a discussão sobre o cyberfeminismo. O quinto capítulo discute o conceito de identidade política contraposto à singularidade e de que forma o coletivo afeta diretamente indivíduos que sofrem ou não certa discriminação. As autoras analisam o movimento hip-hop, interseccionalidade e identidade política. Discutem também sobre os debates acadêmicos entre a interseccionalidade e identidade. Finalizam o capítulo, propondo uma reflexão crítica em torno de qual seria o tipo de identidade que pode ser considerada como interseccional. O sexto capítulo trata do protesto como instrumento social de denúncia do abuso coercitivo estatal e o ponto de vista crítico da interseccionalidade sobre o neoliberalismo. O sétimo capítulo reflete sobre as possibilidades de trabalho entre uma educação crítica e o conceito de interseccionalidade com base no ponto de vista de uma educação inclusiva e em constante busca da equidade de direitos e aprendizagens. A educação multicultural, a diversidade e as escolas públicas urbanas, uma educação crítica e a justiça social são alguns dos temas contemplados nesse capítulo. O oitavo capítulo conclui a discussão por meio do entrelaçamento entre os conceitos de pesquisa e prática, apontando para a atualidade e a importância da interseccionalidade como instrumento crítico de amplo espectro.
A leitura e a assimilação das ideias principais e exemplos são fundamentais para todas as pessoas que almejam compreender o que é a interseccionalidade e sua utilização no cotidiano. O leitor está diante de um texto que tem leveza em sua leitura, ao mesmo tempo em que discute, de forma profunda e articulada com a realidade, a interseccionalidade. A atualidade dos exemplos e das questões que Collins e Bilge (2016) trazem demonstra como a interseccionalidade deve e precisa ser considerada na análise dos fenômenos psicossociais e políticos contemporâneos. O livro pode ser utilizado por especialistas da área de ciências humanas como um texto essencial em estudos e pesquisas, por estudantes e todos que queiram conhecer esse conceito relacional que tanto ainda tem a nos oferecer como instrumento que nos auxilia na compreensão crítica da realidade e das opressões e seus entrelaçamentos.
Texto recebido em 15 de março de 2016 e aprovado para publicação em 20 de dezembro de 2016.
* Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da PUC Minas. E-mail: dinacoliveirapsi@gmail.com.
** Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC Minas, gestor de Políticas Públicas Educacionais do Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte-MG. E-mail: magnermiranda@ outlook.com.