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Psicologia USP
versão On-line ISSN 1678-5177
Psicol. USP v.17 n.4 São Paulo dez. 2006
EDITORIAL
Uma importante parte da Psicologia é voltada para a compreensão dos fenômenos e processos que permitem ao indivíduo se relacionar com o ambiente, sobreviver e se reproduzir. Funções tais como sensação, percepção, memória, atenção, aprendizagem, são necessárias para conhecer, se orientar e atuar sobre o ambiente. Moduladas por emoção, pelos diferentes estados de consciência, e pelas necessidades regulatórias do corpo, essas funções conduzem o comportamento e o pensamento. Controladas pelo sistema nervoso, sofrem influência das condições ambientais e afetam a relação do indivíduo com o ambiente físico e com seus co-específicos. A intersecção entre Psicologia e Neurociências estuda essas funções, tanto em suas manifestações comportamentais, como nos mecanismos que são responsáveis por sua geração e controle.
Muitos cientistas brasileiros investigam esses complexos fenômenos. Um grupo originário da Psicologia criou um espaço de discussão próprio dentro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia, a ANPEPP. Este volume é um dos resultados da atividade do GT "Psicobiologia e Neurociências & Comportamento", fundado em 2002, com a seguinte definição:
"A área de psicobiologia ou neurociências e comportamento é multidisciplinar e se dedica às relações entre o sistema nervoso e o comportamento, objetivando entender os mecanismos das funções classicamente estudadas pela Psicologia: memória, aprendizagem, emoção, sensação e percepção, atenção, cognição. A multidisciplinariedade é representada por profissionais de diferentes origens como psicólogos clínicos e experimentais, psicobiólogos, psicofarmacologistas, médicos psiquiatras e neurologistas, e pelo uso de técnicas de diferentes disciplinas (morfologia, eletrofisiologia, comportamento, ferramentas computacionais, métodos de diagnóstico clínico não invasivo como potenciais evocados e ressonância magnética funcional). Os grandes progressos nessa área motivaram a decisão do governo dos EUA de chamar a década iniciada em 1990 de Década do Cérebro e o século XXI é por muitos considerado o século da descoberta do funcionamento do cérebro e da mente. A Psicologia participa intensamente desse esforço com lugar de destaque."
Os artigos aqui reunidos agrupam-se nas áreas de percepção, emoção e processos patológicos.
Percepção é o tema dos três primeiros artigos, que abordam as diferentes formas de se estudar funções como percepção de cores e percepção de objetos por diferenças de contraste, no recém nascido e em adultos. O quarto artigo descreve uma curiosa ilusão de ótica em que baixos e altos relevos se invertem dependendo da iluminação. Segue-se um estudo do tempo de transferência inter-hemisférico, inferido a partir de experimentos psicofísicos. Completa esta parte uma revisão sobre neurônios espelho, que têm sido associados com autismo.
Nos estudos sobre emoção, técnicas de neuroimagem são usadas na identificação das áreas cerebrais envolvidas em diferentes emoções, com possíveis aplicações na avaliação da eficiência de medicamentos para ansiedade e depressão, estados que alteram as emoções. Respostas de defesa frente a situações de perigo são estudadas visando a entender o transtorno do pânico com agorafobia. Outro estudo mostra que, na situação de medo, o canal sensorial que estiver disponível é usado, mesmo que não seja o preferido.
Dentre aspectos clínicos do estudo de neurociências e comportamento são abordados problemas como aspectos multidisciplinares da obesidade, teorias sobre o uso de drogas, funções cognitivas e emocionais do hemisfério direito, aspectos históricos, sintomatologia, tratamentos e modelos experimentais da esquizofrenia, e uma introdução à metodologia neuropsicológica, exemplificada em um estudo de intoxicação ocupacional por mercúrio.
Esperamos oferecer aos leitores de Psicologia USP um panorama do que se faz na interface entre Psicologia e Neurociências em nosso país, mostrando a ampla abrangência dessa contribuição.
Dora Fix Ventura