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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof v.7 n.1 São Paulo jun. 2006

 

ARTIGOS

 

 

Níveis de interesses profissionais em soldados do Exército Brasileiro

 

Levels of professional interests in soldiers of the Brazilian Army

 

Niveles de intereses profesionales en soldados del Ejército Brasileño

 

 

Marcos A. A. Balbinotti,1 * Felipe Valentini,** Marcelo de Oliveira Cândido***

Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo

 

 


RESUMO

Este trabalho investiga o perfil de interesses profissionais de soldados do Exército Brasileiro e diferenças médias para cada Tipo de Personalidade Vocacional por Faixa Etária. Uma amostra de 352 soldados, com idades entre 18 e 32 anos e oriundos de várias localidades do estado do Rio Grande do Sul, responderam ao Inventário Tipológico de Interesses Profissionais (ITIP-156). A partir dos procedimentos éticos e metodológicos, os resultados indicam que os soldados investigados manifestam níveis mais elevados de interesses profissionais nas seguintes personalidades vocacionais: Empreendedor, Convencional e Social (ECS), nessa ordem. Também indicam existir diferenças significativas (p < 0,05) na média do tipo Social (p = 0,046), em função de suas faixas etárias. Limitações são apresentadas e discutidas. Novos estudos devem ser conduzidos a fim de aprofundar este tema.

Palavras-chave: Interesses profissionais, Perfil de personalidade, Soldados.


ABSTRACT

This work investigated the profile of professional interests of soldiers of the Brazilian Army, and the average differences for each Holland Type of Vocational Personality, according to age groups. A sample of 352 soldiers, with ages ranging from 18 to 32, and from various localities of the Rio Grande do Sul state, answered the Typological Professional Interests Inventory (TPII-156). Results indicated that the investigated soldiers showed higher levels of professional interests in the following vocational personalities: Entrepreneur, Conventional and Social (ECS), in this order. Results also indicated that there are differences (p < 0,05) in the average of the Social Type (p = 0,046), according to age group. Limitations were presented and discussed. New studies are required.

Keywords: Professional interests, Personality profile, Soldiers.


RESUMEN

Este trabajo investiga el perfil de intereses profesionales de soldados del Ejército Brasileño y diferencias medias en cada tipo de personalidad vocacional por grupo de edad. Respondió al Inventario tipológico de intereses Profesionales (ITIP-156) una muestra de 352 soldados con edades entre 18 y 32 años, oriundos de varias localidades de Rio Grande do Sul. A partir de precauciones de procedimiento, éticas y metodológicas, los resultados indican que los soldados investigados manifiestan niveles de intereses profesionales más elevados en las siguientes personalidades vocacionales: Emprendedor, Convencional y Social (ECS), en ese orden. Indican también que existen diferencias significativas (p < 0,05) en la media del tipo social (p = 0,046) en función de sus edades. Se presentan y discuten las limitaciones. Deben realizarse nuevos estudios para profundizar este tema.

Palabras clave: Intereses profesionales, Perfil de personalidad, Soldados.


 

 

Este artigo apresenta resultados de dados colhidos na realidade brasileira e explora a ocorrência de possíveis diferenças significativas (ou semelhanças estatísticas) nos níveis de interesses profissionais em soldados do Exército Brasileiro, dentro do contexto da Teoria das Personalidades Vocacionais (TPV) de John L. Holland, conforme a variável de controle Faixa Etária. Para melhor responder a este objetivo apresentam-se aspectos referentes ao plano teórico relativo aos interesses profissionais (ou personalidades vocacionais). Após a apresentação do método (sujeitos, instrumentos e procedimentos), são conduzidos os resultados conforme os princípios métricos norteadores comumente aceitos na literatura especializada. As conclusões têm origem neste processo.

Plano Teórico Relativo aos Interesses Profissionais

Para que se possa entender adequadamente a noção que John L. Holland sobre o conceito de interesses profissionais, é conveniente situá-lo dentro do contexto geral da Teoria das Personalidades Vocacionais e dos Modelos de Ambientes de Trabalho (TPVMAT). Assim, acredita-se poder atingir uma melhor precisão no sentido que Holland (1959, 1997) acorda a este conceito.

No final da década de 1950, Holland (1959) expôs as grandes linhas de uma teoria que, após menos de 20 anos, iria consagrar-se como uma das mais importantes da área da psicologia vocacional (Bujold & Gingras, 2001; Guichard & Huteau, 2001). Alguns anos mais tarde, Holland (1966) apresentou uma nova versão, um pouco mais elaborada. Entretanto, foi somente no início da década de 1970 (Holland, 1973) que este autor apresentou a versão definitiva de uma teoria de estrutura hexagonal dos interesses profissionais: a Teoria das Personalidades Vocacionais e dos Modelos de Ambientes de Trabalho (TPVMAT). Nesta teoria, uma pessoa desenvolve gostos por certas atividades profissionais e aversões por outras. Estes gostos e aversões conduzem, em certo sentido, às preferências vocacionais.

É nesta mesma direção que Holland (1959, 1997) e diversos outros autores (Blau, 1993; Breton, McDonald & Richer, 1972; Brooks, 1984; Farmer, 1984, 1997; Havighurst, 1952, 1964, 1972; Knefelkamp & Slepitza, 1976; Levinson, Darrow, Klein, Levinson & McKee, 1976, 1978; Miller & Form, 1951; Riverin-Simard, 1977, 1981, 1984, 1990, 1993, 1996a, 1996b, 1996c, 1998; Roe, 1956, 1957; Roe & Lunneborg, 1990; Super, Osborne, Walsh, Brown & Niles, 1992; Super, Savickas & Super, 1996; Super, Sverko & Super, 1995) acreditam que, de uma forma ou de outra, no percurso do desenvolvimento de um indivíduo, suas preferências vocacionais vão se transformando em reais interesses profissionais. Entretanto, são, basicamente, as explicações teóricas de como se dá este processo que os tornam diferentes uns dos outros. Por exemplo, dentro da abordagem de um dos grandes teóricos da psicologia dos interesses profissionais e do desenvolvimento de carreira (Super, 1963a, 1963b, 1963c), e diferentemente das concepções constitutivas da teoria de estrutura hexagonal dos interesses profissionais de Holland (1959, 1997), a formulação de uma preferência geral e a consistência na sua expressão integram os principais critérios da cristalização das preferências profissionais na adolescência. Segundo Super (1963c), para chegar lá, o adolescente deveria inicialmente estar consciente da necessidade de cristalizar uma preferência para, em seguida, considerar os fatores pessoais (capacidades, habilidades, aptidões, entre outros) e ambientais pertinentes (informações dos pais, dos conselheiros, entre outros). Notadamente, as contingências econômicas também podem influenciar as realizações de seus objetivos vocacionais. Ele deveria, ainda, tornar-se consciente das relações entre suas atividades pré-vocacionais e suas escolhas vocacionais subseqüentes, assim como seu perfil de interesses e valores. Na verdade, quanto mais preciso for seu conhecimento dos interesses e dos valores, mais diferenciado será seu perfil de interesses, e mais simples será a tarefa de cristalizar sua preferência. Ele deverá, enfim, não somente estar consciente destes aspectos, mas também utilizar todos os recursos cabíveis que o permitirão realizar suas atividades de planificação e de exploração de uma carreira.

Já no caso específico de Holland (1973, 1985, 1987, 1996, 1997), este processo se dá pela interação entre os estímulos oferecidos pelo ambiente e os aspectos motivacionais internos. Se, por um lado, entende-se que é a partir destes reais interesses profissionais que o indivíduo obterá sua satisfação profissional (Carson & Mowsesian, 1993; Holland & Gottfredson, 1994), demonstrando, conseqüentemente, um comportamento de estabilidade em sua carreira (Camp & Chartrand, 1992), por outro lado, é a partir dos estímulos de um ambiente em congruência (Assouline & Meir, 1997; Brown & Gore, 1994; Spokane, 1985) com seu tipo de personalidade que o indivíduo alimentará sua motivação interna (intrínseca e congruente) ao trabalho (Helms, 1996; Meir & Navon, 1992; Mount & Muchinsky, 1978; Wiggins & Moody, 1983; Wiggis, Moody & Lederer, 1983). Embora esse processo interativo possa dar a impressão que esta teoria hexagonal dos interesses profissionais seja uma teoria de desenvolvimento, diversos autores (Bujold, 1989; Bujold & Gingras, 2001; Guichard & Huteau, 2001) são unânimes ao afirmar que esta não privilegia tais questões.

Examinando, pormenorizadamente, os trabalhos de Holland (1959, 1966, 1973, 1985, 1997) sobre a estrutura hexagonal dos interesses profissionais (ver Figura 1) pode-se perceber que grande parte das pessoas são classificadas em função de seis dimensões de personalidade ou tipos. Ele mesmo descreve esses tipos, no decorrer de toda a sua obra, como: Realista, Investigador, Artístico, Social, Empreendedor e Convencional (modelo hexagonal dos interesses profissionais – RIASEC). Uma descrição sistemática desses tipos de personalidade está atualizada em sua última obra (Holland, 1997). Sublinha-se, apenas, que esta mesma tipologia pode ser aplicada aos modelos de ambientes de trabalho. Cada um desses ambientes se caracteriza pela dominância de um dos tipos supracitados, comportando características físicas que lhe são próprias. Entretanto, neste estudo, não se privilegiará esta questão, concentrando-se apenas nas questões relativas à Personalidade Vocacional.

 

 

Figura 1. Estrutura hexagonal dos interesses profissionais de Holland

Esta teoria, de estrutura hexagonal, mantém-se, ainda hoje, largamente aceita (Bujold & Gingras, 2001; Guichard & Huteau, 2001). Spokane (1985) chega até a afirmar que se tem escrito mais sobre a tipologia de personalidade vocacional e de ambientes de trabalho de Holland do que qualquer outro tópico teórico na história da psicologia das carreiras. Uma das possíveis razões para que se tenham tantos escritos é a relativa simplicidade desta teoria. Tudo parte dos seis tipos de personalidades vocacionais citados acima e descritos de forma sistemática na Tabela 1.

 

 

Questão Central desta Pesquisa

Partindo-se dos conteúdos teóricos apresentados, foi possível formular a seguinte questão central desta pesquisa: “existem diferenças significativas (p < 0,05) nas médias dos interesses profissionais (Tipos RIASEC) obtidos com os soldados do Exército Brasileiro (EB) investigados (n = 352), considerando a sua faixa etária?” Para adequadamente responder à questão, foram empregados procedimentos metodológicos, éticos e estatísticos. Estes procedimentos serão apresentados a seguir.

 

MÉTODO

Sujeitos

Nesse estudo utilizou-se uma amostra de 352 soldados do Exército Brasileiro. A escolha de tal amostra se deu por conveniência (não aleatória), considerando as colocações de Maguire & Rogers (1989) com respeito às problemáticas seleções dos elementos constitutivos de uma amostra aleatória em pesquisas de psicologia e/ou educação. Os 352 soldados, com idades entre 18 e 32 anos, estavam respondendo, em sua maioria, ao serviço militar obrigatório, mas também participaram dessa pesquisa os soldados engajados, ou seja, que já cumpriram o serviço obrigatório e permanecem no quadro da Força. É importante dizer, ainda, que o Exército tem a peculiaridade de poder oferecer soldados naturais da capital e de cidades do interior do Estado do Rio Grande do Sul, o que colabora para a diversidade na amostra. Conforme combinação verbal com militares responsáveis pelas Organizações Militares (OM), os nomes destas instituições não serão mencionados, respeitando-se assim o sigilo.

Instrumentos

Foram utilizados dois instrumentos: o Questionário Bio-sócio-demográfico (apenas para controle das variáveis dependentes: idade e grau de instrução) e o Inventário Tipológico de Interesses Profissionais (ITIP-156), de Balbinotti (2003). Este último já está sendo objeto de estudos de validação para uso clínico. Diversas propriedades psicométricas já têm sido exploradas e apresentadas em mostras científicas regionais e congressos nacionais e internacionais (Balbinotti, Bottino, Bischoff & Spindler, 2004; Balbinotti & Ostermann, 2005a, 2005b, 2005c; Balbinotti e Fisher, 2005; Balbinotti & Kemper, 2005), com ajuda de diferentes grupos amostrais.

O Inventário Tipológico de Interesses Profissionais, o ITIP-156 (Balbinotti, 2003), foi elaborado com o objetivo de avaliar, basicamente, os seis tipos de personalidades vocacionais de Holland (1959, 1997), são eles: Realista, Investigador, Artístico, Social, Empreendedor e Convencional. Tomados em conjunto, esses tipos permitem uma medida global do perfil de personalidade vocacional ou dos interesses profissionais dos indivíduos. O ITIP-156 é constituído de 156 itens que descrevem situações de trabalho (atividades profissionais). Na realidade, tratam-se de 150 itens diversos e seis itens repetidos (escala de verificação), onde se busca avaliar a consistência das respostas dos sujeitos. Estudos anteriores permitiram hipotetizar que valores superiores a sete pontos no total desta escala de verificação poderiam constituir-se um preditor de pouca atenção no momento das respostas por parte dos sujeitos: isso seria um indicador de necessidade de refazer o teste (entretanto, esta hipótese deve ser confirmada por estudos empíricos subseqüentes). Caminho feito, cada item é avaliado por uma escala de cinco pontos, do tipo Likert (Likert, 1932), indo de “desinteressa- me profundamente” (resposta 1) a “interessa-me profundamente” (resposta 5). Posto que todas as correlações entre os tipos não são suficientemente fortes e significativas (embora positivas) para supor que esse conjunto de tipos mede uma única dimensão latente, não se pode gerar um escore total; entretanto, escores por dimensões (ou tipos) são requeridos, necessários e obtidos. Um escore elevado em cada um dos tipos avaliados indica um alto grau de interesse profissional daquele determinado tipo (Anastasi & Urbina, 2000).

Embora ainda não existam dados métricos publicados deste inventário, apenas relatórios de pesquisas (Balbinotti e colaboradores, 2004; Balbinotti & Ostermann, 2005a, 2005b, 2005c; Balbinotti & Fisher, 2005; Balbinotti & Kemper, 2005), análises fatoriais e cálculos de Alpha de Cronbach foram realizados com esta própria amostra a fim de demonstrar que este instrumento é capaz de avaliar o perfil dos interesses profissionais dos soldados em estudo. Quanto à validade fatorial (análise fatorial) observou-se que certos itens saturaram em diferentes dimensões e outros não saturaram de forma importante (Satf < 0,30). Ainda, poucos itens se misturaram gerando saturações fatoriais em dimensões não desejadas. Mas de maneira geral os itens se comportaram como deveriam. Os coeficientes Alpha obtidos para cada uma das seis dimensões, e independente da faixa etária em estudo, variaram de 0,89 a 0,93, indicando que se trata de escalas com medidas consistentes e precisas à amostra em questão.

Procedimentos

Inicialmente, contataram-se os comandantes das Organizações Militares (OM), pela procura direta nos quartéis, onde os pesquisadores, juntamente com uma carta de apresentação, compareciam ao Portão das Armas (principal entrada do quartel) a fim de marcar audiência. Esta que, inevitavelmente, fazia- se respeitar a hierarquia disciplinar militar, e passar antes por outros encontros com os subordinados do comando. O objetivo central desses primeiros encontros era obter a permissão livre e esclarecida dos comandantes para entrar nos quartéis, solicitar soldados voluntários para a pesquisa, e, também, apresentar o instrumento utilizado juntamente com uma breve elucidação do que se tratava, o inventário (ITIP), incluindo uma breve interpretação dos resultados. Dada a autorização, o pesquisador podia apresentar-se aos comandantes dos pelotões; estes, por sua vez, comprometiam-se a disponibilizar os soldados. Assim, num período de 03 a 05 dias anteriores à administração do inventário, todos os soldados eram convidados a participar, pelo próprio comandante de pelotão. No segundo momento, após a apresentação formal dos objetivos do estudo aos soldados, todos eram convidados a participar, mas, sublinhava-se que eles eram livres para não participar ou desistir da pesquisa a qualquer momento, presente ou futuro, se assim o desejassem. Para tanto, foram-lhes oferecido os números dos telefones dos pesquisadores, indicando que eles poderiam ligar, entre outros assuntos, para requerer que seus resultados fossem excluídos das análises. Com a concordância verbal de cada soldado, foi reforçado que não era necessário que se identificassem, podendo não responder ao quesito “nome”, ainda assim, foram lembrados de que eram voluntários e eles poderiam requerer em qualquer outro momento futuro, apenas os que se identificaram, que seus dados fossem retirados das análises. Somente após estas importantes formalidades, deu-se andamento à investigação. Paralelamente a essa última etapa, pedia-se aos comandantes dos soldados voluntários que os dispensassem de suas atividades na caserna, sem penalidades, no momento da aplicação do Inventário. Ainda, considerando que não era exigida a identificação por nome dos participantes, os soldados estavam assegurados da confidencialidade de suas respostas. Foi-lhes explicado, finalmente, que os resultados deste Inventário de Interesses Profissionais poderiam auxiliá-los na tarefa de decisão, enquanto preferência geral, por um curso superior ou profissão.

Quanto à aplicação propriamente dita, os soldados que consentiram participar da pesquisa responderam aos questionários numa sala adequada para tal finalidade (desprovida de estímulos visuais de tipo quadros ou imagens, adequadamente silenciosa e iluminada com lâmpadas fluorescentes brancas), localizada dentro do quartel. As aplicações dos instrumentos ocorreram de forma coletiva, tendo, em média, 30 soldados por sessão, com duração média de 25 minutos cada uma. Os dados colhidos foram digitalizados, armazenados num banco de dados e, posteriormente, analisados utilizando o softwear SPSS (versão 11.5).

 

RESULTADOS, INTERPRETAÇÕES E DISCUSSÕES

Para responder adequadamente à questão central desta pesquisa, procedeu-se à exploração dos escores obtidos a partir do ITIP-156, segundo princípios norteadores comumente aceitos na literatura especializada (Angers, 1992; Bisquera, 1987; Bryman & Cramer, 1999; Pestana & Gageiro, 2003; Reis, 2000; Sirkin, 1999; Trudel & Antonius, 1991; Vallerand, 1989). Assim, apresentam-se, sucessiva e sistematicamente, os resultados das análises descritivas dos itens, das estatísticas descritivas gerais dos tipos e das comparações das médias conforme a variável controlada (Faixa Etária).

Análise Descritiva dos Itens

Destaca-se que as médias encontradas para cada um dos 150 itens estudados individualmente (retirando da análise os seis itens que compõem a escala de verificação), variaram entre 1,93 e 4,40; com desvios-padrões associados variando entre 1,18 a 1,60. Interpretam-se esses resultados preliminares como sendo satisfatórios, pois mesmo havendo aderência predominante (positiva e negativa) a certos itens isolados, espera-se que os soldados avaliados manifestem adequadamente seus interesses de forma a adorar certas atividades profissionais propostas e a odiar outras (dualismo: gostos e aversões)! Destaca-se ainda, que a variabilidade dos resultados encontra-se classificada de restrita a moderada, indicando certa homogeneidade na dispersão avaliada. Posto que o intervalo total esperado das respostas por dimensão, independente do tipo de personalidade avaliada, era de 25 a 125 pontos (com mediana esperada de 75 pontos) e o intervalo total obtido foi de 25 a 125 pontos (com mediana obtida de 73 pontos), com intervalos inter-quartis variando de 25,8 (no tipo Artístico) a 31 (nos tipos Investigador e Convencional), notam-se semelhanças nominais em alguns desses resultados e proximidades em outros, indicando que os resultados observados estão conforme os esperados.

Estatísticas Descritivas Gerais dos Tipos

Como se pode observar na Tabela 2, os índices obtidos nas médias dos interesses profissionais, independente do tipo analisado, variaram de 62,8 (Tipo Artístico) a 77,8 (Tipo Empreendedor), deixando tácitas as diferenças nominais encontradas. Tais resultados já indicam um perfil de interesses característicos para este grupo de soldados do Exército. Ainda, quando analisados os desvios-padrões (que variaram de 18,15 a 21,59) pode-se interpretá-los como restritos, pois não ultrapassaram os valores nominais das médias, tratando-se de índices que revelam certa homogeneidade na variabilidade das respostas dos sujeitos.

 

 

Notas: Med = Mediana; Mod = Moda.
Obs.: Múltiplas Modas (os menores valores são apresentados na tabela):
b = 68 e 75; b = 71, 83 e 87.
c - Simetria aceita para valores entre -1,96 e +1,96.
d - Curva mesocúrtica aceita para valores entre -1,96 e +1,96.

Com o objetivo de verificar a real pertinência do uso de testes paramétricos para a comparação das médias apresentadas, os índices de Normalidade (pelo cálculo Kolmogorov-Smirnov com correção Lilliefors; p > 0,05), de Assimetria (-1,96 < Skewness/EPs < 1,96) e de Achatamento (-1,96 < Kurtosis/EPk < 1,96) foram explorados (ver Tabela 2). De maneira geral, os resultados demonstram a não aderência à normalidade dos dados. Esses resultados podem ser interpretados de forma positiva, tendo em vista, por um lado, a aversão que os soldados do Exército Brasileiro sentem por certas atividades artísticas (típicas de pessoas que preferem manifestar suas próprias idéias por meio de recursos intuitivos e criativos da personalidade) e, portanto, é esperada uma maior freqüência de respostas localizadas na parte esquerda da curva gaussiana. Por outro lado, os elevados interesses por atividades empreendedoras e convencionais (típicas de pessoas que, ao mesmo tempo, impõem suas idéias e obedecem às de outros, que são dominadoras, enérgicas, obedientes e ordenadas) refletem-se numa maior freqüência de respostas localizadas na parte direita da curva gaussiana. Portanto, não se pode esperar normalidade nesses casos, fenômeno ocorrido.

Comparações das Médias

Para objetivamente responder à questão central dessa pesquisa, dividiu-se a amostragem em duas faixas etárias. A partir dessa separação, conduziramse cálculos de comparação de médias (ANOVA One-Way). As médias encontradas para a variável Faixa Etária (ver Tabela 3) puderam ser testadas quanto às possíveis diferenças significativas (p < 0,05). Seus resultados indicaram (ver Tabela 4) diferenças significativas nas faixas etárias no tipo Social (p = 0,046), favorável aos mais velhos. Assim, os resultados indicaram diferenças não-significativas nas médias das faixas etárias dos tipos Realista (p = 0,860), Investigador (p = 0,389), Artístico (p = 0,712), Empreendedor (p = 0,084) e Convencional (p = 0,157). Tratam-se de resultados interessantes, importantes e merecedores de uma interpretação pontual e sistemática.

Tabela 3.

Estatísticas Descritivas Por Faixas Etárias.

 

Notas: Faixa etária 1 = 18 a 19 anos = (n = 184; 52,3%); Faixa etária 2 = de 20 a 32 anos = (n = 159; 45,2 %); Med = Mediana; Mod = Moda
Obs.: Múltiplas Modas (os menores valores são apresentados na tabela): a = 68 e 78; b = 68 e 75; c = múltiplas modas;
d = múltiplas modas; e = 83 e 87.

Tabela 4.

Comparação de Médias (ANOVA One-Way) por Faixas Etárias.

 

 

De forma objetiva, destaca-se, inicialmente, que a variável controle desta pesquisa, a variável Faixa Etária, não determina diferenças nos níveis de interesses profissionais dos soldados avaliados quanto às suas personalidades Realista, Investigadora, Artística, Empreendedora e Convencional. Desta forma, estes resultados iniciais indicam que, independente da idade dos soldados dessa amostra e conforme a Teoria das Personalidades Vocacionais e dos Modelos de Ambientes de Trabalho (TPVMAT), esses sujeitos não se diferenciam quanto às suas preferências por atividades concretas (inflexível e persistente), de observação (investigador), onde possam manifestar suas próprias idéias (criativo), que possam dirigir ou coordenar outras pessoas (dominador e enérgico), supondo um trabalho ordenado e sistemático (obediente e metódico).

Entretanto, os soldados de 20 anos ou mais se diferenciaram significativamente daqueles de 18 a 19 anos (tabela 4), quanto às preferências por atividades que envolvam relacionamento com outras pessoas no intuito de ajudar, servir, educar e informar (Personalidade Social). O grupo dos soldados mais velhos (faixa etária 2) mostrou-se mais interessado em atividades dentro desse escopo. Parece que mais tempo de serviço militar torna os soldados mais sociáveis. É claro que essa hipótese interpretativa deve ser testada em estudos futuros, preferencialmente longitudinais, mas, sem dúvida, uma diferença foi detectada. Uma forma simples de testar essa hipótese, ao menos dentro do viés descritivo-transversal, seria efetivamente dividir a faixa etária 2 em duas outras. Sendo assim, testou-se a hipótese de que as médias dos tipos (notadamente o Tipo Social) aumentariam significativamente à medida que os soldados tornam-se mais velhos (ver Tabela 5).

Tabela 5.

Estatísticas Descritivas e Teste f para análise de três faixas etárias.

 

Notas: Faixa etária 1 = até 19 anos;
Faixa etária 2 = de 20 a 22 anos;
Faixa etária 3 = 23 anos ou mais.

Além dos resultados apresentados na tabela 5, conduziram-se cálculos complementares (Bonferroni) e cálculos de homogeneidade das variâncias (F de Levène) por dimensões (ou tipos) em estudo. Estes últimos foram testados e assumidos (0,741 < FLev (2, 340) < 2,642; p > 0,07) indicando a pertinência de uso do teste complementar para variâncias iguais. Cabe destacar, inicialmente, que essa segunda análise, assim como a primeira, assinalou diferenças estatisticamente significativas nas médias da Personalidade Social por faixa etária (p = 0,04). Assim como não foram, novamente, encontradas diferenças estatisticamente significativas entre as Personalidades Realista (p = 0,261), Investigadora (p = 0,056), Empreendedor (p = 0,122) e Convencional (p = 0,157). Opondo-se à primeira análise, encontraram-se diferenças estatisticamente significativas nas médias da Personalidade Artística (p = 0,030).

Ainda dentro do escopo dessa segunda análise, os soldados de 23 anos ou mais se diferenciam significativamente (Diferença das Médiasij = 8,28; Erro- Padrão = 3,14; p = 0,026) daqueles de 20 a 22 anos, mas não se diferenciam significativamente (p = 0,255) daqueles jovens de até 19 anos, quanto às preferências por atividades que permitam manifestar, de forma criativa e intuitiva, suas próprias idéias e sentimentos (Personalidade Artística). Na realidade, observando a Tabela 5, nota-se que soldados com idades mais elevadas manifestam com menor intensidade estas preferências, podendo-se sugerir que, na medida em que o tempo passa, a expressão desta preferência vai, de alguma forma, sendo reprimida. É claro que novos estudos (de design longitudinal) devem investigar, especificamente, esta interpretação hipotética.

Quanto à preferência por atividades que envolvam relacionamento com outras pessoas tanto para informar, como para servir, educar e/ou ajudar (Personalidade Social), os soldados de 20 a 22 anos se diferenciam significativamente (Diferença das Médiasij = 6,26; Erro-Padrão = 2,51; p = 0,039) daqueles com idades até 19 anos, mas não se diferenciam significativamente (p = 0,349) daqueles com idades de 23 anos ou mais. Na realidade, e observando a Tabela 5, nota-se que os soldados com idades variando de 20 a 22 anos são aqueles que manifestam os maiores níveis desta preferência, nesta personalidade. Parece que nesta faixa etária os soldados experenciam, mais efetivamente, suas habilidades sociais, ao menos no contexto do Exército. Pode-se interpretar ainda que o ingresso compulsório no Exército Brasileiro, a partir da idade de 18 anos, faz com que os jovens se relacionem, inicialmente, sem efetivamente se conhecerem. Passando um tempo, quem sabe um pouco mais de um ano ou dois, os soldados se permitam experenciar mais suas habilidades sociais entre si (ou outrem). Mas, com o avanço da idade, parece que os soldados vão, novamente, selecionando mais suas relações sociais, refletindo no decréscimo da manifestação do nível dessa preferência. Essa interpretação, na verdade, coloca em xeque a hipótese de que as habilidades sociais, dentro deste grupo de soldados, se manifestariam (sob o viés das preferências) de forma mais contundente na medida em que a idade vai avançando (hipótese anteriormente levantada).

Quanto à preferência por atividades de observação e de estudos aprofundados de fenômenos culturais, físicos ou biológicos (Personalidade Investigadora) e considerando o nível de significância assumido nesta pesquisa (p ≤ 0,05) não se pode afirmar, veementemente, que os resultados obtidos nas médias, conforme as 3 faixas etárias em estudo, se diferenciaram significativamente. Também, o inverso é verdadeiro, diga-se, o resultado da ANOVA One-Way (p = 0,056) indica ao menos uma tendência ou possibilidade de, com outra amostra, poder ser encontrada, efetivamente, uma diferença significativa nas médias, devido a seu resultado limítrofe de significância. Entretanto, destaca-se que diferenças nominais (embora não significativas) foram encontradas (ver Tabela 5), principalmente nas comparações complementares (teste de Bonferroni) das idades de 23 anos ou mais com aquelas de 20 a 22 anos (p = 0,076) e com aquelas até 19 anos (p = 0,074). Na realidade, observando a Tabela 5, nota-se que, pelo menos, existe uma diminuição nominal (limítrofe de significância estatística) nas médias das manifestações dessas preferências com o avanço da idade, ao menos naquelas idades avaliadas a partir dos 23 anos. Mesmo tendo sido encontrados índices satisfatórios de normalidade (p > 0,05), que apóiam o uso dos instrumentais estatísticos realizados, os índices obtidos de significância (p = 0,056) têm um caráter fundamentalmente limítrofe, e uma interpretação polarizada pode conduzir aos erros estatísticos de Tipo I e Tipo II (Pestana & Gageiro, 2003). Novos estudos devem ser conduzidos com o objetivo de verificar se, com novas amostras de soldados do Exército Brasileiro, esse comportamento de dados se estabiliza ou permanece com interpretação complexa.

 

CONCLUSÕES, LIMITAÇÕES E PERSPECTIVAS PARA NOVOS ESTUDOS

Este estudo permitiu explorar o perfil de interesses profissionais de 352 soldados do Exército Brasileiro, com idades entre 18 e 32 anos, oriundos de várias localidades do estado do Rio Grande do Sul, bem como as diferenças nas médias de cada Tipo de Personalidade Vocacional, considerando a faixa etária desses soldados. Mesmo não sendo possível generalizar os resultados obtidos nesta pesquisa para a população de soldados (pois o procedimento de coleta amostral foi não-aleatório), tanto o número de sujeitos em estudo quanto à pluralidade setorial onde foram coletadas as respostas dos sujeitos, já que estes são oriundos de diversas partes do estado do Rio Grande do Sul, permitem, ao menos, conclusões hipotéticas importantes e que não devem ser menosprezadas. Mesmo considerando esta limitação de caráter amostral, pode-se concluir que estes soldados apresentam um maior interesse profissional por atividades pertencentes aos tipos Empreendedor, Convencional e Social, nesta ordem, dentro do modelo hexagonal de Holland (1959,1997). A partir dos procedimentos, éticos e metodológicos, os resultados indicam diferenças significativas (p < 0,05) nas faixas etárias do tipo Social. Nota-se que nos dois Tipos de Personalidade Vocacional com maiores elevações de interesses profissionais apresentados por soldados do Exército Brasileiro, a saber, Empreendedor e Convencional, nesta ordem, não se verificaram diferenças em função da variável Faixa Etária, (mesmo considerando as análises para 2 e 3 faixas etárias). Isso sugere que, pelo menos, aquilo que é tacitamente característico no perfil de interesses desses soldados independe da idade em questão.

Pode-se ainda apontar ao menos uma limitação desse estudo: a distribuição dos sujeitos nas faixas etárias não ocorreu de forma métrica e equiparável (principalmente a referente à análise para 3 faixas etárias). Destaca-se que essa limitação pode ter causado uma outra limitação que é precisamente a análise dos níveis de significância das médias (Pestana & Gageiro, 2003). Cabe destacar que o número de soldados do efetivo variado (recrutas do Serviço Militar Obrigatório) é bem maior que aqueles soldados do núcleo base (soldados engajados), desta forma, espera-se um n mais elevado na faixa etária de soldados de até 19 anos, o que realmente aconteceu. A partir de tal limitação pode-se ainda questionar se tais resultados realmente são adequados para apresentação do perfil de um dos escalões militares: soldados. Isto tendo em vista que grande parte da amostra (faixa etária 1) está cumprindo o Serviço Militar Obrigatório e não necessariamente engajouse no exército por livre decisão (ou vocação). Entretanto, é possível hipotetizar que os soldados da segunda faixa etária (considerando a análise para duas faixas etárias) estariam representando os soldados que realmente engajaram-se no Exército por livre escolha. O perfil de personalidade vocacional, tanto para uma faixa etária (até 19 anos), quanto para a outra (20 anos ou mais), continua sendo Empreendedor, Convencional e Social (Tabela 3). Sendo que foram encontradas diferenças significativa apenas na média o tipo de personalidade Social em função das faixas etárias. Ou seja, mesmo comparando soldados engajados no Serviço Militar Obrigatório (faixa etária 1) com aqueles que optaram por seguir carreira militar (faixa etária 2) não se observam diferenças significativas nas médias das personalidades que mais definem tal grupo: Empreendedor e Convencional. Por fim e desta forma, mesmo levando em consideração as limitações apresentadas, é possível hipotetizar que tais resultados podem caracterizar o grupo de soldados estudado. Hipótese essa que necessitaria de outros estudos para uma real comprovação.

Pode-se apontar, como uma segunda limitação, a falta de outros dados sócio-demográficos para controle, tais como nível sócio-econômico e escolaridade. Especificamente esse último foi solicitado aos participantes da pesquisa, todavia quase 80% dos soldados não responderam a tal item, o que resultou em sua exclusão das análises.

Uma outra limitação que pode ser apontada é o fato dos dados não terem sido coletados de forma aleatória. Este aspecto limita a generalização dos resultados para a população de soldados do Exército Brasileiro. Entretanto, não se pode menosprezá-los, devido à grandeza da amostra e da diversificação da origem desses soldados. Seguindo esta linha de limitações, novos estudos devem ser conduzidos a fim de, por um lado, responder a essas limitações e, por outro lado, verificar a existência de diferenças estatísticas nos níveis de interesses profissionais, mas controlando mais que uma variável em conjunto – metodologias multivariadas de análise – (por exemplo, soldados de uma faixa etária com soldados de outra faixa etária controlado pelo tipo de Organização Militar e Armas em que servem – Infantaria, Cavalaria ou outras Armas).

 

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Recebimento: 16/06/05
1ª Revisão: 19/12/06
2ª Revisão: 15/03/06
Aceite final: 25/04/06

 

 

1 Endereço para correspondência: Universidade do Vale do Rio dos Sinos Núcleo de Orientação Vocacional, Avenida Unisinos, 950, 93022-000, Bairro São João Batista, São Leopoldo, RS E-mail: balbinotti@unisinos.br

 

 

Sobre os autores

* Marcos Alencar Abaide Balbinotti é Phd em Psicologia e teve sua formação de Pós-Doutoramento pela Universidade de Montreal, no Canadá; é pesquisador do Centro de Pesquisas Interuniversitárias sobre Educação e Vida no Trabalho em órgão canadense; é professor e coordenador do Núcleo de Orientação Vocacional da Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos).
** Felipe Valentini é Graduando pelo Curso de Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e participa do Núcleo de Intervenções em Psicologia e Orientação Vocacional na Unisinos.
*** Marcelo de Oliveira Cândido é Graduando pelo Curso de Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

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